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Crítica | Licorice Pizza é o filme mais fraco de Paul Thomas Anderson

Quanto mais conhecemos a obra de um cineasta, mais fácil fica de prever o que podemos esperar. Isso não é um demérito de forma alguma, afinal, conhecemos as características e obsessão por temas que marcam o trabalho de artistas como Quentin Tarantino, Steven Spielberg ou Christopher Nolan, por exemplo. Porém, é praticamente impossível prever o que Paul Thomas Anderson pode trazer pela frente, visto que é um dos cineastas mais versáteis e surpreendentes da atualidade, cuja carreira teve uma metamorfose gritante a partir dos anos 2000.

PTA, como é conhecido popularmente, amadureceu fortemente seu estilo com dramas pesados como Sangue Negro, O Mestre e o impecável Trama Fantasma, que são obras bem distintas das mais bem humoradas Boogie Nights: Prazer Sem Limites e Embriagado de Amor – enquanto o divisiva Vício Inerente existe em sua própria e dopada realidade. Quando chegamos a este Licorice Pizza, PTA parece concentrado em se reconectar com seu espírito jovem e energético de Boogie Nights, apresentando um longa que é mais um passeio pela famosa “alameda da memória” do que narrativa movida por história. Infelizmente, fica evidente que PTA já não tem mais a cabeça nessa vibe específica.

Com forte caráter biográfico, inspirado por histórias diferentes que pessoas próximas a Anderson compartilharam em momentos distintos, a trama acompanha uma série de eventos no Vale de San Fernando, na Califórnia, no início dos anos 1970. O astro mirim e aspirante a empresário Gary Valentine (Cooper Hoffman) se aproxima da carismática Alana Kane (Alana Haim), uma garota mais velha e que ainda está procurando por seu lugar na vida. Com uma paixonite que fica no vai e vêm, acompanhamos a jornada do casal enquanto cruzam por alguns eventos históricos e personalidades famosas da região, naquele período.

Era Uma Vez em San Fernando Valley

Não é algo ruim quando um longa abre mão de uma trama propriamente dita. Fazendo parte do “hangout movie” (ou filme de rolê), tivemos recentemente o fantástico exemplo de sucesso com Era Uma Vez… em Hollywood, onde Tarantino também esboçou uma trama mais focada na lembrança de um período no tempo, e da aventura de personagens fictícios em meio a eventos e pessoas reais, e o resultado foi uma das obras mais bem resolvidas de sua carreira. O problema de Licorice Pizza é que o pano de fundo escolhido pelo roteiro de Anderson não é tão estimulante ou interessante; e o próprio já havia passado por diversos elementos culturais e relevantes do Vale de San Fernando com – o infinitamente superior – Boogie Nights.

Apesar de dois personagens carismáticos e com arcos promissores, afinal é um coming of age clássico, a decisão de Anderson de se concentrar em um interminável e maçante arco envolvendo a venda de colchões de água mostra-se bem equivocada. Há o estabelecimento de um cenário fascinante, uma trilha sonora de época apropriadamente memorável e… Absolutamente os acontecimentos mais desinteressantes possíveis, carecendo da energia que um filme de passeio geralmente oferece – não importando quantas vezes Anderson insista em colocar seus dois protagonistas correndo em planos abertos com alguma música pop ao fundo; e estas residem a maior fonte de energia e pulso da projeção, indo de The Doors até The Four Tops e, claro, uma faixa inédita de seu colaborador habitual, Jonny Greenwood.

Mesmo a história de romance entre os protagonistas, que traz um certo diferencial por abordar abertamente sua diferença de idade considerável, carece de um propósito ou de uma conclusão realmente satisfatória, contando com apenas alguns diálogos e momentos memoráveis (o melhor deles envolvendo uma chamada de telefone silenciosa) espalhados na longa duração de mais de duas horas, onde a própria condução visual de PTA é menos inspirada do que o comum, com sua câmera seguindo a progressão de diversas ações em planos sequência (fotografados em 35mm por Anderson ao lado do estreante Michael Burman) que acompanham a movimentação dos personagens sem muito brilho.

Entre eventos relevantes que incluem a famosa crise do petróleo, o grande destaque em termos de narrativa é justamente esse recorte, que acaba trazendo a presença do produtor Jon Peters (um inspirado Bradley Cooper). É nesse “episódio” que o filme enfim encontra uma veia de humor inspirada e divertida (por mais que eu não veja graça em ver Peters tentando acertar repetidamente a pronúncia do nome de Barbra Streisand), e que garante uma excelente e tensa sequência onde Alana precisa dirigir um caminhão por uma sucessão de ladeiras; sem um pingo de gasolina no tanque. Uma ótima “fatia” de história, perdida no meio de uma massa embolada.

 O Rei do Show

Felizmente, ao menos o elenco torna a experiência mais aproveitável. Na melhor decisão que faz em todo o projeto, Anderson confia o protagonismo do longa a dois estreantes: Alana Haim, cantora do grupo HAIM, e Cooper Hoffman, filho do grandioso Philip Seymour Hoffman; que era uma figurinha recorrente na filmografia de Anderson até sua morte. Juntos, o casal oferece uma química e interação que melhoram o texto de PTA, e ajuda bastante o fato de ambos parecerem não como astros de Hollywood, de aparência impecável e escultural, mas sim dois seres humanos normais, desajeitados e com a cara pipocada de acne. São performances naturais e que funcionam pelo carisma dos atores, com Hoffman trazendo traços típicos de seu pai, e Haim surpreendendo pela versatilidade em explorar facetas diferentes de sua Alana – especialmente durante uma cena em que precisa “ser sexy” para garantir uma venda por telefone.

Mas se já havia destacado a sequência envolvendo o produtor Jon Peters, é justamente por conta de Bradley Cooper que ela funciona. Além de estar idêntico à figura real do ex-cabeleireiro transformado em produtor de alto escalão de Hollywood, Cooper sequestra o filme com uma condução intensa, quase drogada e absolutamente engraçada, principalmente pela forma como seu temperamento explosivo entre em choque com as filas de abastecimento em um ponto de gasolina. Uma performance memorável e que se destaca bem mais do que as outras “cameos de peso”, que incluem um apático Sean Penn dando vida ao ator Jack Holden (inspirado em William Holden, de Crepúsculo dos Deuses) e o diretor Benny Safdie exercitando os músculos de atuação para dar vida ao político Joel Wachs, tema da subtrama mais descartável e irrelevante da projeção.

Fica também o merecido destaque para o comediante John Michael Higgins, envolto em uma série de esquetes envolvendo suas diferentes esposas japonesas, que acaba garantindo a entrega de fala mais memorável do filme todo.

No fim, e sei que estou na minoria aqui, sinto que Paul Thomas Anderson perdeu o contato com o tipo de filme que queria fazer com Licorice Pizza. Saindo de uma fase de obras de peso como suas fantásticas colaborações com Daniel Day Lewis, sua nova comédia de transformação carece da energia e diversão de Boogie Nights, representando uma conquista técnica convincente e com um bom elenco – mas tristemente vazia. 

Licorice Pizza (EUA, 2021)

Direção: Paul Thomas Anderson
Roteiro: Paul Thomas Anderson
Elenco: Cooper Hoffman, Alana Haim, Bradley Cooper, Sean Penn, Benny Safdie, Maya Rudolph, Skyler Gisondo, John Michael Higgins, Mary Elizabeth Ellis, Christine Ebersole, Tom Waits
Gênero: Comédia
Duração: 134 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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