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Crítica | Maligno – Que p#&$ é essa?!

James Wan é um maluco total. É só isso que eu consigo manifestar após os créditos de Maligno, seu primeiro filme de terror original em mais de uma década, onde o cineasta que começou com Jogos Mortais aperfeiçoou seu talento em criar franquias de grande sucesso do gênero (com Sobrenatural e o universo de Invocação do Mal) e também levar franquias blockbusters a seus maiores sucessos, com Velozes e Furiosos 7 para a saga de Dom Toretto e Aquaman para o sinuoso universo de heróis da DC na Warner Bros. Justamente por isso, por termos um cineasta em total zona de conforto e controle na máquina hollywoodiana, é inacreditável que um filme como este Maligno exista nos dias de hoje.

Sem entrar em muitos detalhes a fim de preservar as surpresas, a trama gira em torno de Madison (a excelente Annabelle Wallis), uma enfermeira que leva um casamento infeliz com seu marido abusivo. Após uma tragédia sinistra mudar o rumo de sua vida, Madison aprenderá mais sobre seu passado soturno e a misteriosa entidade que parece estar atormentando-a.

Muito além da imaginação

A ideia de Maligno foi desenvolvida por Wan ao lado de sua namorada Ingrid Bisu (que também tem um papel coadjuvante) e da experiente Akela Cooper, com esta última escrevendo o roteiro por conta própria. Dou gargalhadas preocupadas imaginando como deve ter sido o brainstorm de uma história tão perturbada e repleta de reviravoltas, onde Wan afirma que o estilo italiano do giallo, popularizado por Dario Argento, teria sido sua grande influência (mais sobre isso depois). É uma narrativa que segue caminhos familiares e até povoados de clichês em sua primeira metade, sendo relativamente fácil apontar o caminho que a grande reviravolta do longa promete chegar.

Nesse quesito, o maior demérito do filme está mesmo em sua constante necessidade de preencher as lacunas do passado; leia-se, exposição. O texto de Cooper abusa das fitas de VHS guardadas por personagens coadjuvantes para servir como backstory da personagem de Madison, o que pode deixar o segundo ato arrastado e automático. Isto, é… Até o momento em que a última dessas sequências exploratórias culmina em uma das revelações mais grotescas e absurdamente originais que vi no gênero em muitos anos. É realmente uma decisão audaciosa e imprevisível, do tipo que eu jamais imaginaria encontrar em um filme de estúdio, e que será difícil de deixar minha memória pelos próximos dias.

A culminação de um mestre

No que diz respeito à técnica, temos uma das maiores realizações da carreira de Wan. É como se o diretor trouxesse todos os seus aprendizados, com as movimentações de câmera sofisticadas da saga Invocação do Mal, a escala grandiosa para sequências mais físicas de Aquaman e a capacidade de chocar com a violência gráfica que marcou o primeiro Jogos Mortais. Tais características resultam em sequências memoráveis que conseguem misturar o horror com até mesmo ação de forma muito eficiente – seja no giro em 360 graus que acompanha Madison em uma situação desesperadora ou na empolgante perseguição a pé que envolve o personagem de George Young.

É a culminação de Wan como técnico, mas com uma adição valiosa. Agora apresentando uma estética que remete bastante ao giallo, Wan e o diretor de fotografia Michael Burgess pinta quadros onde tons de vermelho e azul tomam conta da cena de forma marcante e monocromática. O tom adotado por Wan também pode ser confuso para o espectador não familiarizado, já que há uma preferência pelo super dramático, reações espalhafatosas e atos físicos que caminham uma linha extremamente tênue com o ridículo. Não é surpresa alguma que, supostamente, Maligno tenha obtido resultados ruins nas sessões teste realizadas pela Warner Bros em 2019 – e o próprio estúdio não parecia confiante com o resultado que tinham em mãos. Um grandiosíssimo engano.

E é preciso admirar a facilidade com que James Wan e seus realizadores criam figuras icônicas do terror. Já não bastasse o boneco Billy de Jigsaw em Jogos Mortais e o designs assombrosos de criaturas como a boneca Annabelle, a bruxa Batsheeba e a Freira no universo de Invocação do Mal, o antagonista central de Maligno é um tremenda criação – seja em sua figura prática que envolve todos os ingredientes de um assassino de giallo (o couro, as luvas, a faca afiadíssima) até o elemento mais perturbado de sua natureza. Um monstro perfeito, e que ainda se beneficia de um tema próprio criado pelo compositor Joseph Bishara, que por sinal oferece aqui o melhor trabalho de sua carreira, misturando sintetizadores e notas distorcidas para uma música perturbadora que deixaria Bernard Hermann e Charles Bernstein orgulhosos.

Mal gosto de bom gosto

Maligno é realmente um daqueles filmes de se ver para crer. Movido pelo domínio técnico impecável de seu diretor, o terror experimental de James Wan aposta no absurdo e rende uma série de acontecimentos que poucos teriam coragem de se investir na grande máquina de Hollywood. Mesmo que Wan seja um diretor dos pesos pesados atualmente, é um grande alívio ver que seu espírito perturbado do início de carreira ainda é capaz de nos oferecer um terror original e memorável. 

Nunca fiquei tão feliz com algo tão repugnante.

Maligno (Malignant, EUA – 2021)

Direção: James Wan
Roteiro: Akela Cooper
Elenco: Annabelle Wallis, Maddie Hasson, George Young, Michole Briana White, Jean Louise Kelly, Ingrid Bisu, Susanna Thompson, Jacqueline McKenzie, Jake Abel, Ray Chase, McKenna Grace, Marina Mazepa
Gênero: Terror
Duração: 111 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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