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Crítica | Maniac – Uma Ótima Minissérie da Netflix

A Netflix vem se tornando especialista em criar conteúdo diferenciado para seu público, sendo ele terror, ficção científica ou drama. Entre séries e filmes há muito conteúdo com qualidade duvidosa e há aqueles que se destacam pela trama bem trabalhada e pelo jeito que a narrativa é apresentada. Maniac é uma minissérie que entra na segunda hipótese e se diferencia do que tem sido lançado na tv, pois poucas séries ou minisséries têm ousado tanto no jeito de contar uma história quanto a série de Cary Fukunaga.

Maniac trata de diversos assuntos em seus dez episódios, muitos deles de modo superficial, pois não são o foco principal da trama e outros estão ali presentes em todos os episódios, mas são de difícil compreensão do público, já que nada do que acontece ou é apresentado em cada episódio nos é dado de bandeja. A cada palavra, cada diálogo é necessário refletir o que aquela frase está nos indicando e em alguns momentos é preciso decifrar as várias situações que estão sendo impostas e se elas fazem algum sentido.

O tema principal é a falta de conexão que existe em nosso tempo. Não apenas a falta de amor e empatia, mas também uma falta substancial de afeto. Vivemos sozinhos em uma sociedade em que tudo é artificial, não apenas a tecnologia, mas os prazeres e até mesmo o amor. A trama toda gira em torno dos protagonistas Annie Landsberg (Emma Stone) e Owen Milgrim (Jonah Hill), ambos com problemas relacionados a sentimentos que não conseguem entender ou decifrar. Owen tem claramente um problema com sua família e tem um histórico de psicose, seu principal amigo é imaginário, enquanto Annie tem um trauma pesado envolvendo sua irmã e é viciada em um remédio experimental que usa com frequência para esquecer o passado. São traumas sociais com raízes profundas e que com o tempo deixam os protagonistas com cada vez mais transtornos.

Os dois personagens são muito bem desenvolvidos durante a minissérie, e a partir do momento que passam a participar do experimento vamos compreendendo melhor o porquê de Annie querer entrar nele, mesmo aparentemente não tendo nenhum problema mental e o porquê de Owen acreditar que esteja ficando louco, a pontode achar que esteja vendo coisas, já que acredita ter visto Annie alguma vez em sua vida mesmo sem a conhecer.

E este é o principal tema da minissérie muito bem trabalhado por Fukunaga que é o destino. Ao colocar o personagem de Jonah Hill no caminho de Annie e fazer com que se esbarrarem no laboratório faz com que nos mostre o que realmente a série tem a nos contar. Seria como se esse encontro, mesmo que por acaso, já estivesse pré-disposto a acontecer, seria como se estivesse escrito nas estrelas. No próprio experimento em que suas mentes parecem interagir uma com a outra há um momento que não se sabe se aquilo que estão vivendo é real ou imaginário. Annie e Owen acabam se encontrando em várias realidades distintas e em várias situações, como o momento em que ela é uma elfa e ele uma águia, ambos sempre interligados por um objetivo particular. A união dos dois em realidades diferentes e aparentemente sem conexão lembra o filme A Viagem das irmãs Wachowski em que em várias vidas os personagens se encontram e sempre se conectam de alguma forma.

O experimento é peça chave para a história da minissérie, já que ele faz tudo acontecer e leva a mente dos protagonistas ao encontro entre os dois. É um experimento complicado de entender de início. Dividido por fases tem como objetivo encontrar os principais medos e traumas em cada um e fazer com que a pessoa estudada passe essa fase adiante e encontre a felicidade. E o grande responsável por monitorar e fazer com que as pessoas viajem é um super computador com memória artificial. Não fica claro se o experimento leva as pessoas a sonharem com algo que elas queiram que aconteça ou seria um mundo criado pelo computador para que desse a eles uma oportunidade de vivenciar seus traumas e os superarem. E isso não tem importância, pois a idéia é mostrar que há sim como passar por essas fases que podem levar a depressão.

Por se tratar de uma minissérie com o nome de Maniac é muito provável que tenha um vilão ou uma vilã e isso realmente acontece, mas não do jeito que se imagina. O computador usa uma memória de uma mulher que é a mãe de um dos cientistas criadores do projeto e isso leva a máquina a ter quase que vida própria manipulando – muito que provavelmente – um encontro entre os pacientes mentalmente e o computador tenta a todo o custo fazer com que Annie se junte a máquina e fique em uma área da memória em que a alma da pessoa fica presa para sempre. É uma vilã que lembra e muito o computador HAL 9000 de 2001 Uma Odisseia no Espaço, até mesmo o jeito com que o computador fala quando está prestes a ser derrotado lembra a versão de Stanley Kubrick, usando um tom de voz humano e sensível.

O computador de Maniac não é maldoso ao mesmo nível de Hal nem perverso como a androide de Ex-Machina. Ela tem sentimentos por ter herdado a memória de uma mulher real e mãe do cientista e isso faz com que o computador sinta as mesmas emoções que vão desde alegria a um vazio existencial. A máquina começa com o tempo a se comportar como um Deus, achando que pode tomar todas as decisões sem consultar ninguém. 

Todos os personagens são intrigantes, carregando algum segredo profundo e tendo relações pessoais complicadas. O foco está quase que inteiramente nos personagens de Jonah Hill e Emma Stone, que são muito bem desenvolvidos. Nas várias fases do projeto vamos acompanhando a evolução de ambos, saindo de um período inicial de solidão para uma futura conexão entre ambos e uma superação de seus traumas pessoais. 

Emma Stone está ótima em seu papel, fazendo uma protagonista viciada em remédios e com problemas de relação com o pai, uma protagonista que até então não havia feito em sua carreira.  A surpresa fica a cargo de Jonah Hill, conhecido por fazer comédias escrachadas já havia feito um papel sério em O Homem que Mudou o Jogo, mas até então nada que fosse parecido com o que se vê em Maniac. Um homem sem alegria e mentalmente doente e sem amigos. Fukunaga dá um jeito de aproveitar o lado cômico do ator fazendo um episódio engraçadíssimo em que Jonah é um congressista islandês.

No elenco, além dos protagonistas Annie e Owen, há dois outros dois personagens igualmente interessantes que ajudam a compor a produção e acabam por roubarem a cena, o caricato e excêntrico Dr. James K. Mantleray interpretado por Justin Theroux (A Garota do Trem) e Dra. Fujita interpretada belamente por Sonoya Mizuno (Ex-Machina). Dr. James K.  é tão estranho que se torna engraçado, também tem um trauma envolvendo sua mãe e precisa superar essa fase da sua vida enquanto luta para desligar a máquina que ele criou e se rebelou contra seu experimento. Já a Dra. Fujita poderia ter sido melhor aproveita, é uma personagem intrigante, mas que não foi tão em desenvolvida assim.

Todos os dez episódios foram dirigidos por Cary Fukunaga (True Detective) e é um dos trabalhos mais relevantes e maduros de sua carreira, pois consegue criar um ambiente de estranheza difícil de ser criado e trabalha muito bem uma narrativa de difícil compreensão sem deixar furos. Outro elogio a ser feito está no jeito que flutua facilmente entre os gêneros indo do drama à fantasia sem perder a mão.

Maniac (Maniac, EUA – 2018)

Criado por: Patrick Somerville
Direção: Cary Joji Fukunaga
Roteiro: Cary Joji Fukunaga, Amelia Gray, Patrick Somerville, Ole Marius Araldsen, Danielle Henderson, Kjetil Indregard, Mauricio Katz, Espen Petrus Andersen Lervaag, Håkon Bast Mossige, Caroline Williams, Sam L. Roberts
Elenco: Jonah Hill, Emma Stone, Sonoya Mizuno, Billy Magnussen, Aaralyn Anderson, Rome Kanda
Emissora: Netflix
Episódios: 10
Gênero: Comédia, Drama, Sci-Fi
Duração: 45 min. aprox.

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Publicado por Gabriel Danius

Jornalista e cinéfilo de carteirinha amo nas horas vagas ler, jogar e assistir a jogos de futebol. Amo filmes que acrescentem algo de relevante e tragam uma mensagem interessante.

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