Há todo um cuidado quando vai se adaptar uma obra literária para o cinema, ou se fizer um filme inspirado no livro de um autor clássico. Ainda mais quando essa obra já teve contada inúmeras adaptações e interpretações levadas para a telona, como é o caso do livro homônimo de Jack London, O Chamado Selvagem, no qual o filme O Chamado da Floresta (Chris Sanders) é baseado.
O longa dirigido por Chris Sanders (Os Croods) conta a história de Buck, um cão de estimação que é roubado de uma família californiana por caçadores ilegais e enviado para o Alasca, a fim de trabalhar na caça ao ouro que acontecia na região antigamente. Mas desdobramentos acontecem e o cachorro escapa, acabando que indo trabalhar como carregador de um entregador de cartas por longas distâncias do personagem interpretado por Omar Sy (Alerta Lobo), e somente depois de muito tempo de filme se junta a John Thornton (Harrison Ford) para procurar algo que poucos acreditavam existir: um território vasto e recheado de ouro, que lembra bastante a remota região de Serra Pelada brasileira.
Na realidade, o longa perde bastante do seu tempo para mostrar como Buck se sai em sua nova empreitada, ao desenvolver seu faro aventureiro na região inóspita do Alasca, pois até então era um animal doméstico, em que não precisava se aventurar para conseguir abrigo nem comida. Há também muitas cenas de criação de afeto entre os personagens humanos com Buck, algo que se vê bastante em filmes do gênero sobre animais. Em primeiro momento o possível dono não aceita a tarefa de cuidar do cãozinho, mas depois cria um laço de ternura que cativa ao público emocionalmente assim o comovendo. Situações do tipo foram vistas em Beethoven (1992) e mais recentemente em Togo (2019).
Todos esses momentos podem parecer irrelevantes para o filme, e em alguns momentos são mesmo, até porque o diretor os explora ao máximo para tentar emocionar ao público, mesclando cenas de aventura e outras bastante melodramáticas, mas mesmo assim estas cenas estão ali por algum motivo, para mostrar como o cachorro está lidando com estas situações e como está criando vínculos afetivos com outras pessoas, outros animais e principalmente com a natureza em si, já que essa é a principal mensagem da produção. Isso fica bastante claro com o último ato, quando os dois chegam juntos a tão remota região e exploram um território até então inexplorado, que a natureza predominava e que o homem não havia colocado os pés, ou se tinha ido até lá não havia explorado a ponto de devastar o local. Lá Buck se sente bem a vontade, ao ponto de finalmente se sentir em casa, algo que até então não havia se sentido até aquele momento.
Chris Sanders faz exatamente o que se imaginava com a narrativa, colocando Buck em cenas de ação que se não são de tirar o fôlego pelo menos agitam e tiram da monotonia um roteiro que até então estava parado. Os melhores momentos são com certeza as cenas de aventura em que Buck corre desbravando aquele novo mundo com Perrault, o entregador de carta, em uma ótima interpretação de Omar Sy, que é bastante injustiçado no longa, pois tinha carisma suficiente para ser o protagonista no lugar de Harrison Ford. Após a saída cena de Perrault o filme cai novamente na inércia e só há alguns bons momentos quando Buck sai à procura do novo território com John Thornton, são cenas bonitas, mas não são surpreendentes e muito menos de se emocionar a ponto de tirar lágrimas do espectador.
A falta de emoção é algo que incômoda, pois essa é uma típica trama que necessitava e que é montada para dar um toque de emoção ao público, algo que realmente não acontece em sua 1h 40 min. de filme. Muito disso se deve ao roteiro que é tratado em banho maria por Sanders. O diretor procura ir pelo caminho da aventura, e quando há espaço para comover o espectador, o cineasta não consegue dar doses de dramas como as vistas em filmes de cachorros, como em Sempre ao Seu Lado (Lasse Hallström), que há toda uma atmosfera trabalhada para o drama e para o lado emocional. Em O Chamado da Floresta, nem mesmo a cena final funciona, e olha que ela é bem trabalhada e há certo sentimento nela, mas não há uma carga emotiva que faça chorar, e muito disso se deve a falta de carisma do personagem de Harrison Ford.
Os efeitos especiais chamam a atenção, principalmente em relação a Buck. Já que o cachorro é o grande atrativo, houve uma tentativa em querer se inovar, e para isso o diretor colocou um cachorro feito de CGI em cena, portanto, o que é visto ali não é um animal de carne e osso e sim um cão feito de animação gráfica. Os efeitos práticos até que não atrapalham em nada o andamento da produção, não se repara que o cachorro realmente é feito de CGI, mas houve um certo exagero em deixá-lo bastante grande, ao ponto de ficar muito destrambelhado, até um pouco bizarro, não que não tenha ficado fofinho.
O Chamado da Floresta peca por uma falta de mensagem forte. Se por um lado Buck se redescobre como um cachorro com várias habilidades, pois até então vivia domesticado e vivia limitado a certas funções cotidianas, agora ele parece ter encontrado seu caminho, e na jornada final encontrou seu habitat natural. O mesmo pode se dizer de John Thornton que vivia preso em Yukon, sem uma expectativa de vida, até que com a chegada de Buck encontrou um ritmo de vida, e voltou a encontrar um caminho, além de redescobrir uma trajetória de vida que até então estava apagada. Uma mensagem clichê, mas que funciona com o seu público-alvo.
O Chamado da Floresta (The Call of the Wild, EUA – 2020)
Direção: Chris Sanders
Roteiro: Michael Green, Jack London (Livro)
Elenco: Karen Gillan, Harrison Ford, Cara Gee, Dan Stevens, Bradley Whitford, Jean Louisa Kelly, Omar Sy, Wes Brown, Abraham Benrubi, Terry Notary, Preston Brailey
Gênero: Aventura, Drama, Família
Duração: 100 min.