Eliz Kazan teve uma boa carreira. Explodindo sucesso nos anos 1950, acabou sofrendo na década seguinte com a evolução da indústria cada vez mais desesperada em encontrar meios de driblar a ameaça da televisão permitindo o nascimento da Nova Hollywood comandada por jovens audaciosos que uniam as técnicas revolucionárias de outros movimentos cinematográficos com maior controle autoral sobre a direção e a narrativa.
Tendo sido mantido pelos estúdios, Kazan sobreviveu com filmes menores que sempre viveram à sombra de seus maiores sucessos como Uma Rua Chamada Pecado, Sindicato de Ladrões e Vidas Amargas. Já tendo experimentado continuadamente o dessabor de uma fama menor, Kazan inevitavelmente decidiu se aposentar. Mas ele sairia da indústria com um bang. Pelo menos era o que pensava.
Trabalhando novamente com uma adaptação de um livro, Kazan ousou ao elaborar seu último longa justamente no livro incompleto do lendário F. Scott Fitzgerald: O Último Magnata. Se tratando de uma obra que envolve a metalinguagem de um sistema industrial de cinema que ele próprio viveu durante suas décadas de ouro, Kazan tinha basicamente tudo para criar um novo clássico, mas não foi bem isso o que aconteceu.
Estafa Criativa
Harold Pinter adapta o pequeno livro de Fitzgerald apresentando a vida intensa do produtor Monroe Stahr (Robert De Niro) que praticamente consome todo o tempo do seu dia em busca de tornar o estúdio no qual trabalha o mais produtivo e bem-sucedido de toda Hollywood. Chegando a comandar mais de quinze produções paralelamente, além de ser obrigado a conter egos inflamados, Stahr leva sua vida solitária de modo quase automatizado.
Porém, sua rotina intensa de pequenos duelos estressantes é quebrada quando conhece uma misteriosa mulher que se parece assustadoramente com a filha de seu chefe. Atraído pela aura intrigante de Kathleen Moore, Stahr tenta engrenar um amor revolucionário em sua vida enquanto abdica da paciência para seu trabalho impossível.
Já por ser uma obra incompleta no tratamento original, há um grande desafio para o roteirista e também para Kazan em trazer uma narrativa mais amarrada apesar de ser característica do cinema da época trabalhar com histórias mais livres e finais abertos. Isso de fato acontece aqui, com uma conclusão poética que chega até mesmo a referenciar o maior filme do cineasta, mas também se percebe que O Último Magnata é um longa de ideias prematuras muito interessantes.
De início, Kazan elabora uma transformação poética com a montagem do longa, trabalhando a metalinguagem a um nível excepcional, transitando entre a história de Stahr em seu dia de trabalho com algumas cenas dos filmes clássicos dos quais o homem produz – isso inclui até mesmo um icônico momento envolvendo um longa a la Casablanca. Essas ótimas cenas rendem momentos magistrais de tão cinematográficos, tornando a figura de Stahr uma só com seu trabalho entre a produção e a arte.
Entretanto, apesar de ser uma característica vital do livro, o roteirista tateia o tema da estafa e da iminência da morte de Stahr pelo rito insano de seu trabalho – o personagem é inspirado no produtor dos anos 1930, Irving Thalberg que acabou morrendo jovem pela carga de trabalho insana. Isso é apenas sugerido através de imagens singelas do personagem engolindo comprimidos para continuar funcionando durante o dia – Kazan o associa com um robô até mesmo na movimentação de De Niro. Entretanto, esse ponto que deveria ser principal, é logo esquecido quando o filme se transforma para pior.
Em uma sequência realmente única na História do Cinema, vemos Stahr conhecendo Moore em um jogo visual tão romântico que coloca a esperança do espectador para um nível alto, mas o que vem a seguir é simplesmente decepcionante. As cartas dispostas pelo roteirista são boas e Kazan sempre tenta criar uma atmosfera envolvente para os encontros desse casal completamente sem química e cheio de “carões”.
O romance não funciona pela característica estacionária gélida, de um clima bizarro nada funcional através de diálogos mornos. Basicamente, há pouca “paixão”. Mas Elia Kazan e Pinter não percebe o quão insosso é este núcleo e acabam investindo muitos minutos que logo se tornam intermináveis. A característica psicológica de Moore ser uma mulher de fisionomia muito parecida com a de Cecilia Brady nunca é mencionada ou trabalhada de fato. Kazan apenas sugere que Stahr tenha uma paixão secreta pela personagem, mas que se recusa a admitir para não ser submisso ao colega de departamento, o antagonista Pat Brady (Robert Mitchum)
Choque de Egos
No que O Último Magnata é realmente fascinante, é justamente na relação de Stahr com seus sócios e de suas visitas aos sets de filmagem – trabalho excepcional da direção de arte em entulhar todas as parafernalhas gigantescas necessárias para criar a ilusão do cinema. Nessas jornadas, Stahr mostra sua posição como um verdadeiro gênio do sistema por sua frieza em resolver burocracias do estúdio.
Isso envolve problemas corriqueiros de ataques de estrela de antigas divas da indústria, rivalidade com diretores, pressão com os sócios e uma instabilidade completa com os roteiristas em uma época na qual eles não possuíam sindicatos. Aliás, é justamente durante uma cena nada menos que perfeita que temos o deleite de ver a genialidade de Elia Kazan ao colocar De Niro contando uma história misteriosa para um roteirista incrédulo e descrente com a arte.
Basicamente, Kazan imortaliza uma pequena aula sobre como fazer Cinema e de toda a magia magnética que envolve o espectador. Essa passagem é tão boa que é retomada em uma circunstância criativa na conclusão do longa, na qual o cineasta ousa em quebrar a quarta parede – algo inédito em sua carreira até então.
Apesar desses núcleos menores serem muito interessantes e criativos, é uma pena que a rivalidade com os roteiristas seja trabalhada de modo um tanto confuso. Por exemplo, um ponto vital da narrativa, sobre uma reunião com um dos chefes do movimento grevista, Brimmer interpretado por Jack Nicholson, acontece somente no terceiro ato sendo que esse entrave é mencionado no início da exibição. É simplesmente uma experiência estranha e bastante anticlimática.
Um verdadeiro desperdício considerando que temos De Niro e Nicholson contracenando nas mesmas cenas. Também é pertinente comentar que ao longo do filme inteiro, Kazan é bastante econômico com o uso da trilha musical. As cenas românticas contam apenas com o barulho diegético da natureza praiana da casa de Stahr e outras envolvendo os “duelos” do produtor dependem apenas do magnetismo da atuação brilhante de De Niro. No maior enfrentamento da narrativa, Kazan utiliza o som crescente de uma partida de pingue pongue para refletir toda a perturbação menzal que o protagonista experimenta.
O Gênio do Sistema
O Último Magnata é, surpreendentemente, uma saída bastante digna de Elia Kazan em sua carreira cinematográfica invejável. O diretor criou dois dos maiores filmes da História do cinema americano e ainda conseguiu trabalhar uma despedida exemplar em uma obra que homenageia justamente os anos dourados da indústria que ele mesmo participou quando jovem.
Em imagens regadas de nostalgia, é apenas uma pena que muito do núcleo amoroso exageradamente longo seja tão ineficaz quando claramente há um filme melhor deixado em escanteio. Mesmo assim, é uma obra que merece ser conferida para contemplar o singelo crepúsculo de um dos maiores dramaturgos da Sétima Arte.
O Último Magnata (The Last Tycoon, EUA – 1976)
Direção: Elia Kazan
Roteiro: Harold Pinter, F. Scott Fitzgerald
Elenco: Robert De Niro, Robert Mitchum, Tony Curtis, Jeanne Moreau, Jack Nicholson, Theresa Russell, Ray Miland, Ingrid Boulting
Gênero: Drama
Duração: 123 minutos.