De uns tempos pra cá, o cinema americano tem uma espécie de movimento cada vez mais frequente de cineastas negros que trazem importantes histórias sobre a superação de sua etnia. Lee Daniels teve seu esquecido O Mordomo da Casa Branca em 2012, Steve McQueen foi aclamado por seu ótimo 12 Anos de Escravidão no ano passado, e agora é a vez da cineasta Ava DuVernay colocar seu nome no livro com Selma: Uma Luta por Igualdade.
A trama é centrada na campanha de Martin Luther King Jr. (David Oyelowo) para garantir o direito ao voto para o negro, em meados da década de 60. Mesmo clamando pelo apoio do presidente Lyndon B. Johnson (Tom Wilkinson), King é forçado a agir sorrateiramente, através de uma marcha partindo de Selma, a capital do Alabama, até Montgomery, onde reside o capitólio do estado.
Primeiramente, confesso que estou surpreso por esta ser a primeira vez que vemos alguém mostrar Martin Luther King em um longa-metragem de orçamento grande. Demorou, mas o pastor ativista ganha aqui um retrato digno pelas mãos de DuVernay e Oyelowo, aproveitando também o timing dos acontecimentos polêmicos em Fergunson, que revelam que a luta de King ainda continua. DuVernay, em seu terceiro trabalho como diretora, acerta ao pintar a história de forma elegante e brutal, chocando ao mostrar a repressão violenta da polícia e os ataques racistas que a congregação de King sofria. Tudo bem que a diretora pesa a mão ao exagerar da câmera lenta para exacerbar momentos dramáticos, mas executa com o diretor de fotografia Bradford Young um trabalho impecável de enquadramentos, cores e iluminação.
E, claro, temos o relativamente desconhecido David Oyelowo (você deve tê-lo visto fazendo bicos em Interestelar, Jack Reacher e Lincoln) que entrega uma performance sensacional como Luther King. Evitando tratá-lo como um mito, Oyelowo enche a voz nos emocionantes discursos motivacionais (“Who murdered Jackie Lee Williams?” é algo sobrenatural), mas também explora a insegurança, o medo e até a infidelidade de King, traçando uma figura humana e vulnerável, fortalecida pelo poder de seus seguidores. Aliás, uma cena reveladora é aquela em que King, logo após entregar um discurso evocativo e poderoso é mostrado deitado em um sofá tentando pensar em como tornar realidade suas promessas feitas em tal momento, num exemplo de montagem inteligente e sutil de Spencer Averick.
Agora, é uma pena que quase ninguém consiga manter o ritmo louco de Oyelowo, já que o filme perde ritmo considerável quando seu personagem não está em cena (com exceção do primeiro embate com a polícia, mas por ser uma cena intensa por si só). Tom Wilkinson faz um trabalho competente como Johnson e há boas participações-relâmpago de Cuba Gooding Jr. e Martin Sheen, mas Tim Roth é quem consegue roubar um pouco a cena com seu caricato George Scott, governador do estado do Alabama. Carmen Ejogo também rende alguns bons momentos como Coretta Scott King, a esposa do protagonista.
Selma: Uma Luta por Igualdade é um filme eficiente e que carrega consigo uma mensagem atemporal sobre a luta de direitos raciais, carregado por uma direção acertada e uma performance espetacular de David Oyelowo. Pode não ser poderoso quanto os dizeres de Martin Luther King, mas é um belo atestado a este e seus ideais.
Selma: Uma Luta por Igualdade (Selma, EUA – 2014)
Direção: Ava DuVernay
Roteiro: Paul Webb
Elenco: David Oyelowo, Carmen Ejogo, Tessa Thompson, Common, Tom Wilkinson, Martin Sheen, Lorraine Toussaint, Cuba Gooding Jr, Oprah Winfrey, Giovanni Ribsi, André Holland, Lakeith Stanfield, Colman Domingo
Gênero: Drama
Duração: 128 min