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Crítica | Thor: Amor e Trovão é mais bobo e surtado do que Ragnarok

Que curiosa e peculiar jornada de bastidores teve o Thor da Marvel Studios. Sendo apresentado em um filme subestimado e com caráter fantasioso forte, o Deus do Trovão ganhou as telas pelas mãos de Kenneth Branagh em 2011, apenas para ser reinventado como um guerreiro medieval e sério por Alan Taylor em Thor: O Mundo Sombrio e, posteriormente, ser despido de toda nobreza e pretensão por Taika Waititi ao se transformar em comediante com o bem-sucedido Thor: Ragnarok.

Apesar de eu pessoalmente não ser nada fã daquele filme de 2017, o longa foi um sucesso gigantesco, e ajudou a revitalizar o interesse de Kevin Feige em seu Vingador Mais Poderoso ao garantir o primeiro “quarto filme” de um personagem do estúdio. Trazendo Taika Waititi e toda a mentalidade cômica que funcionaram tanto para os fãs com Ragnarok, o ainda mais espalhafatoso e abobalhado Thor: Amor e Trovão chega com a potência elevada – e certamente não vai agradar aqueles que não compraram a reinvenção radical do personagem.

A trama começa algum tempo depois de Vingadores: Ultimato, com Thor (Chris Hemsworth) atuando agora ao lado dos Guardiões da Galáxia, que seguem realizando diferentes missões ao longo do universo. Quando uma antiga aliada aponta para a chegada de uma perigosa ameaça, Thor precisa viajar a Nova Asgard para enfrentar o temível Gorr, O Carniceiro dos Deuses (Christian Bale), um ser vingativo que planeja dar cabo a todos os seres divinos. Além disso, Thor também se reencontra com sua ex-namorada Jane Foster (Natalie Portman), que agora magicamente também tem os poderes do Deus do Trovão.

Desequilíbrio tonal

Uma diferença vital entre Ragnarok e Amor e Trovão é o fato de este filme ser ainda mais Taika Waititi. Afinal, o oscarizado cineasta neozelandês apenas assumiu o trabalho do terceiro filme, dirigindo um roteiro que não era de sua autoria. Com o novo longa, ele mesmo concebeu a história desde o início, contando com a estreante Jennifer Kaytin Robinson como co-roteirista. Dessa forma, Amor e Trovão é ainda mais irreverente e voltado para o humor pastelão, usando e abusando de piadas, gags visuais e um estilo irônico típico do Saturday Night Live para praticamente todos os personagens ali – com exceção de Gorr, naturalmente.

Como humor é algo completamente relativo, vai depender de cada um se o resultado é funcional ou não. No meu caso, é uma experiência dolorosamente sem graça – ainda que eu tenha dado um sorrisinho com o estúpido “triângulo amoroso” envolvendo Thor, seu machado e seu antigo martelo.

O que se torna ainda mais curioso quando o filme, que bebe bastante da fonte de uma das HQs mais famosas do personagem, resolve se arriscar nos elementos dramáticos. No mesmo filme em que temos gigantescos bodes berrantes e piadas com surubas envolvendo deuses, há também a presença de uma pesada trama envolvendo o câncer terminal de Jane Foster – que não escapa de algumas piadas ou interjeições bem-humoradas, o que só escancaram o gritante desequilíbrio tonal da projeção. Todo o humor pastelão e bobo simplesmente não compactua com a (tentativa de) melancolia e jornada mais emotiva de Jane Foster, que tem seu câncer fortalecido a cada vez que faz uso do mítico Mjolnir do Deus do Trovão.

Essa transformação, por sinal, é um dos grandes pecados do filme. Apesar de ser excelente no papel, ainda mais por finalmente dar a Natalie Portman algo melhor a fazer nessa franquia, toda a mudança ocorre de forma abrupta e sem sentido, contando com uma transformação mágica fora da tela e, pior, frases do tipo: “a ciência não estava me ajudando, então eu recorri a magia viking espacial”. Um gigantesco desperdício de potencial, que Waititi ainda gasta com uma piada recorrente de Jane tentando encontrar uma boa “frase de efeito”.

Porém, o retorno de Jane Foster ao menos garante uma boa sequência romântica na trama. Em uma breve montagem narrada pelo gigante de pedras Korg (vivido pelo próprio Waititi), acompanhamos o desenrolar e o final do namoro de Thor e Jane após os eventos de O Mundo Sombrio, revelando um olhar raro e divertido sobre um deus vivendo ao lado de uma mortal. É quase com o Harry & Sally: Feitos um para o Outro do MCU, e fico realmente triste que a montagem dure tão pouco tempo, oferecendo ecos de um filme que poderia ter sido muito melhor – e bem mais digno de seu título.

Tons de cinza

Por falar em personagens fora de tom, o Gorr de Christian Bale é um caso à parte. Visualmente bem diferente e mais sombrio do que a paleta de cores mais alegre do filme, o vilão traz uma presença ameaçadora e uma boa motivação, mas infelizmente parece focado em estar em um filme completamente diferente; muito mais sério e ambicioso, e que parece dolorosamente deslocado quando colocado ao lado de um Thor sorridente que lhe manda “procurar um dentista” durante uma batalha. 

A forma como o roteiro de Waititi e Robinson caminha para o desfecho de Gorr é outro ponto fora da curva, culminando em uma solução dramática tola e que não faz o menor sentido – como se os roteiristas tivessem sido encurralados em um canto, desesperadamente buscando por uma forma de amarrar todas as pontas narrativas em um único nó.

Como diretor, Taika Waititi demonstra os mesmos erros do anterior. Sua decupagem é pouco inspirada e burocrática, pintada pela fotografia tediosa de Baz Idoine (em sua estreia nos cinemas após The Mandalorian) e com efeitos visuais estranhamente finalizados. O único truque que Waititi tem (e que já era saturado em Ragnarok) é mesmo o uso de alguma música de rock facilmente identificável para “distrair” o público de sua mise en scène preguiçosa, que curiosamente só ganha algum brilho quando Idoine aposta em uma sequência em preto e branco; ilustrando um planeta onde “as cores têm medo de aparecer”, o que não deixa de ser uma metáfora irônica para o trabalho visual do próprio MCU.

E se no anterior Watiti abusava da repetição de “Immigrant Song” do Led Zeppelin, aqui ele praticamente toca um álbum inteiro do Gus N Roses, que estão presentes na trama até mesmo através de múltiplos diálogos com personagens diferentes discutindo integrantes da banda. Alguém com certeza recebeu um cheque a mais.

Sou suspeito para analisar Thor: Amor e Trovão parcialmente, já que o estilo de humor usado por Taika Waititi para reinventar o Deus do Trovão realmente não é do meu agrado. O que sobra neste quarto filme, porém, é um claro desequilíbrio de tom, em um filme que é incapaz de separar a linha do que considera engraçado e do que é mais dramático. Uma mistura azeda, mas que ao menos garante alguns bons momentos.

Thor: Amor e Trovão (Thor: Love and Thunder, EUA – 2022)

Direção: Taika Waititi
Roteiro: Taika Waititi e Jennifer Katyrin Robinson
Elenco: Chris Hemsworth, Natalie Portman, Christian Bale, Tessa Thompson, Taika Waititi, Russell Crowe, Jamie Alexander, Kat Dennings, Chris Pratt, Dave Bautista, Karen Gillan, Sean Gunn, Bradley Cooper, Vin Diesel
Gênero: Comédia
Duração: 119 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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