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Crítica | Verdade ou Desafio – Impossível não gargalhar

É preciso dar crédito ao gênero do terror. A cada ano que entra, roteiristas e produtores precisam encontrar uma nova forma de assustar e apavorar adolescentes ao redor do mundo, apostando nas mais variadas ameaças e combinações de elementos ordinários com o sobrenatural. Aniversários, festas, feriados e todo tipo de brinquedo já serviram como pretexto para o gênero, que sempre periga estar sem ideias ou fôlego – salve algumas exceções, como o universo Invocação do Mal de James Wan. Dito isso, é preciso dar crédito ao roteirista que entrou no escritório da Blumhouse, ficou cara a cara com Jason Blum e vendeu o peixe da ideia para Verdade ou Desafio. O único mérito reside na audácia do roteirista em oferecer essa ideia bizarra, porque de resto, só deve ter sido resultado de um desafio imposto ao produtor.

A trama começa quando um grupo de amigos vai passar o Spring Break (aqui divertidamente traduzido como feriadão) no México, naquela que seria a última grande viagem antes de cada um embarcar em uma faculdade diferente. Na última noite, a jovem Olivia (Lucy Hale) conhece um estranho charmoso (Landon Liboiron) que acaba por convidá-la e seus amigos para uma inofensiva partida de verdade ou desafio. Porém, as coisas ficam estranhas quando o jogo revela-se algo sobrenatural, seguindo os jovens até os EUA e exigindo que estes continuem jogando, com ameaça de morte de uma entidade demoníaca caso não cumpram as regras; ou recusem-se a prosseguir a brincadeira.

Não há como colocar isso de forma delicada: é uma premissa estúpida que ganha uma execução igualmente estúpida, e que se aproxima mais de uma comédia de humor negro do que um terror; algo que o longa se beneficiaria de forma infinitamente melhor, especialmente se assumisse uma proposta metalinguística como a de Pânico ou o recente A Morte te dá Parabéns. Na tentativa de se construir como algo sério demais, o roteiro da caravana formada por Michael Reisz, Jillian Jacobson, Christopher Roach e o diretor Jeff Wadlow acaba se perdendo em suas intenções, confundindo as regras do jogo e introduzindo conceitos macarrônicos que complicam algo que deveria ser simples e conciso. Não que os personagens em um filme de terror importem, mas a trupe de roteiristas parece se esforçar para criar as figuras mais apáticas possíveis. Todos são intercambiáveis e apresentam os núcleos dramáticos mais previsíveis e clichês, e chega a ser embaraçoso quando Wadlow pesa a mão em seus enquadramentos “iluminados” e a trilha sonora de Matthew Margesonn aposta no melancólico, como se o diretor achasse que realmente algum apego emocional está sendo bem sucedido.

Com um trabalho pedestre nos personagens, é difícil até mesmo para um elenco talentoso equilibrar a balança. Conhecida pela série Pretty Little Liars, a adorável Lucy Hale demonstra bastante carisma e se esforça para espremer o suco de seu fiapo de personagem, claramente demonstrando que a atriz merece papéis melhores em produções mais dignas. Violett Beane também garante alguns bons momentos dramáticos aqui e ali, e Hayden Szeto mostra-se um bom alívio cômico. De resto, todos os demais são inexpressivos e classificam-se na categoria de “coadjuvantes intercambiáveis”, servindo apenas para preencher o grupo central.

No que diz respeito ao terror, a direção de Wadlow representa o que o gênero tem de pior. Todos os momentos “assustadores” são baseados em jump scares da pior qualidade, que só se preocupam em assustar o espectador sem qualquer compromisso em criar uma atmosfera aterradora; em momento algum sentimos medo ou preocupação em relação ao jogo ou a mitologia por trás, a única exceção sendo a competente cena em que uma das personagens é forçada a caminhar pela beirada de um telhado – mas que Wadlow estraga ao apostar em mirabolantes tomadas de grua que normalmente veríamos em um filme de Michael Bay, desperdiçando o elemento da vertigem. E bem, não preciso comentar as ridículas expressões sorridentes, certo? Me espanta que os produtores realmente apostavam que essa técnica fosse assustar alguém, já que só é eficiente em iniciar o riso incontrolável sempre que algum dos personagens a adota.

Outro fator extremamente danoso é a censura 14 anos do filme, algo claramente visto como uma forma de atrair mais público, mas que representa um tiro no pé ao apostar em recursos artificiais para a contenção da violência. Nenhuma das ações gráficas tem algum impacto, e sangue é algo que o público comum está acostumado a ver em produções do gênero, sendo esdrúxulo ver uma garganta ser degolada ou uma língua ser mutilada sem a presença de sangue. É possível sim fazer um PG-13 com impacto (vide O Cavaleiro das Trevas), mas é outra área na qual Wadlow não tem domínio.

Verdade ou Desafio representa uma mancha feia no currículo impecável da Blumhouse, que vem se destacando como produções como Corra! e Fragmentado. Partindo de uma premissa absurda e de uma execução pior ainda, fica difícil fazer milagres. A verdade é que este filme não chega perto nem do aceitável, e o real desafio é chegar até o fim.

Verdade ou Desafio (Truth or Dare, EUA – 2018)

Direção: Jeff Wadlow
Roteiro: Jillian Jacobs, Michael Reisz, Christopher Roach e Jeff Wadlow
Elenco: Lucy Hale, Tyler Posey, Violett Beane, Sophia Ali, Nolan Gerard Funk, Landon Liboiron, Sam Lerner, Morgan Lindholm, Hayden Szeto
Gênero: Terror
Duração: 100 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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