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Nightingale tem potencial de sobra, mas precisa de ajustes e bom senso

Nightingale tem potencial de sobra, mas precisa de ajustes e bom senso
Inflexion Games

Desde o lançamento de “The Forest” em 2014, o cenário dos jogos independentes tem explorado com entusiasmo o gênero de sobrevivência. Nesse tempo, alguns títulos conseguiram alcançar um status cult, como “Valheim” e, mais recentemente, “Palworld“. Entre esses novos participantes no gênero, “Nightingale” se destaca, especialmente após seu anúncio no final de 2021 durante o The Video Game Awards, capturando a atenção de muitos com seu trailer de revelação empolgante.

Mesmo para aqueles que não são particularmente fãs do gênero de sobrevivência, “Nightingale” apresenta uma proposta cativante que combina elementos steampunk vitorianos com um mundo místico repleto de criaturas fantásticas. O aspecto visual do jogo, potencializado pelo uso da Unreal Engine 5, foi um dos pontos altos destacados desde o início, prometendo uma experiência esteticamente impressionante.

Dois anos após o seu anúncio, a Inflexion Games liberou a primeira versão de acesso antecipado de “Nightingale” ao público. Tive a oportunidade de mergulhar neste universo e, após dedicar várias horas ao jogo, é evidente que “Nightingale” traz uma abordagem distinta ao gênero de sobrevivência. No entanto, também fica claro que o jogo ainda está em estágios iniciais de desenvolvimento e que a equipe da Inflexion Games tem um caminho significativo pela frente para refinar e expandir a experiência.

Terras de Mistério

Em Nightingale, os aventureiros são convidados a dar vida a um herói que, por um triz, escapa de uma catástrofe inimaginável após a humanidade descobrir como manipular portais mágicos, criando conexões com universos paralelos. Desorientado ao despertar em uma nova dimensão, nosso herói encontra Puck, um ser enigmático.

Este guardião dos segredos revela as maravilhas e perigos do Reino Feérico, além de desvendar os mistérios por trás dos portais. A jornada inicial se estende, apresentando ao jogador os três ambientes chave disponibilizados na fase de acesso antecipado: uma floresta densa e misteriosa, um deserto escaldante e um pântano nebuloso e traiçoeiro. Cada um desses habitats desafia a sobrevivência do jogador de maneiras únicas, impondo diferentes condições que influenciam diretamente as habilidades do personagem, elevando assim a complexidade da aventura.

No que tange à trama, Nightingale ainda tem um longo caminho pela frente para enriquecer sua narrativa, e a forma como a história é contada não atinge o patamar desejado, com vários personagens secundários sem voz e uma abundância de textos para contextualização.

Disponível exclusivamente para PC, é importante salientar que jogar Nightingale com um controle pode ser uma tarefa bastante árdua. Surpreendentemente, o maior ponto fraco do jogo no momento é sua interface de usuário pouco amigável. Navegar pelos menus em busca de receitas, organizar itens ou lembrar dos materiais necessários para a construção se torna uma tarefa hercúlea.

O acesso ao menu de construção é particularmente contra-intuitivo quando se utiliza o controle, e o gerenciamento de inventário também apresenta dificuldades, especialmente ao lidar com um grande número de itens. Este detalhe, aparentemente pequeno, tem um impacto significativo na experiência geral do jogo.

O ciclo de jogo principal também requer refinamento. Os jogadores podem se sentir perdidos sem direcionamento claro após completarem o tutorial, o que pode retardar significativamente o progresso nas missões principais.

Atualmente, por mais surpreendente que possa parecer, o foco de Nightingale reside em sua mecânica de construção. Nos estágios iniciais, o jogo consegue capturar a atenção do jogador pelo seu instinto de exploração de territórios desconhecidos e singulares. A coleta de recursos como madeira, pedras, alimentos e óleos é uma tarefa satisfatória, e a escolha do bioma influencia diretamente a dificuldade dessa empreitada.

Além dos três primeiros reinos introduzidos, o mapa esconde diversas outras atividades. A maioria envolve áreas de defesa onde o jogador enfrenta levas de adversários, estruturas criadas por NPCs que necessitam de conclusão e masmorras variadas, repletas de enigmas de memória e missões de eliminação de bases inimigas, algumas das quais abrigam poderosos chefes. Contudo, muitas dessas masmorras demandam um alto nível de habilidade, forçando o jogador a adotar equipamentos de armadura que destoam da estética vitoriana proposta pelo jogo, evidenciando a necessidade de um sistema de transmogrificação ágil.

As recompensas por completar tais atividades são substanciais, oferecendo novas receitas (algumas exclusivas do bioma explorado), além de itens cruciais para o sistema de construção. O jogo também apresenta comerciantes que disponibilizam missões, receitas e outros itens por preços justos. A moeda do jogo, denominada essência, é facilmente acumulada, uma vez que todos os itens interativos podem ser convertidos em essência diretamente do inventário.

Existem ainda marcos misteriosos que ativam cartas capazes de alterar instantaneamente aspectos do reino, como aumentar atributos ou a quantidade de itens coletados, em troca de desvantagens aleatórias, como o desgaste acelerado das armas.

Adicionalmente, torres espalhadas pelo mapa revelam pontos de interesse nas proximidades, oferecendo combates e quebra-cabeças que podem incluir confrontos com chefes. Ao final, essas torres desvendam partes do mapa e concedem recompensas. Vale ressaltar que os biomas são gerados de forma procedural e possuem dimensões consideráveis.

Afortunadamente, para facilitar o retorno à base construída pelo jogador, existe um mecanismo de teletransporte rápido. Essa funcionalidade seria bem-vinda em todos os jogos do gênero de sobrevivência. À medida que novos biomas são explorados, o jogo se renova, embora masmorras e quebra-cabeças tendam a se repetir com o acúmulo de horas de jogo, assim como os inimigos, que poderiam apresentar maior diversidade em cada novo bioma explorado (apesar dos designs já serem bastante criativos).

Portanto, a essência do jogo gira em torno dessas atividades repetitivas de coleta e melhoria, com o objetivo de atender às exigências de excelência de Puck. O clímax do jogo promete desafios ainda maiores, com recompensas à altura para os jogadores.

Nightingale tem potencial de sobra, mas precisa de ajustes e bom senso
Inflexion Games

Ajustes em escala

Embora Nightingale apresente uma gama variada de conteúdo, tenha uma trama envolvente e gráficos estonteantes, a jogabilidade deixa a desejar em termos de diversão. Felizmente, tais problemas podem ser superados com ajustes precisos, especialmente se a Inflexion optar por atender aos feedbacks da comunidade, que tem sido bastante vocal em suas sugestões.

O principal entrave no jogo, além de uma interface pouco amigável, reside na tediosa necessidade de grind para avançar nas especializações de criação de itens. O jogador precisa investir horas na coleta de recursos para montar estações de trabalho específicas, e então coletar ainda mais materiais para finalmente criar o item almejado. Esse ciclo pode facilmente ultrapassar três horas, tornando-se ainda mais frustrante se o jogador morre durante o processo, pois embora os itens perdidos possam ser recuperados, é necessário retornar ao local da morte.

O limite de carga do personagem é outro ponto de tensão, pois rapidamente leva à sobrecarga. Uma solução parcial é recrutar um NPC parceiro que possa carregar os itens, mas isso exige um microgerenciamento do inventário que consome tempo. Nas bases, a organização de recursos em cestos e baús, que são categorizados pelo nome e não pelo tipo, torna o gerenciamento de estoque menos eficiente do que poderia ser.

O sistema de combate de Nightingale é relativamente satisfatório, com opções de ataques corpo a corpo, à distância com armas de fogo e magias que alteram os atributos das armas a cada golpe. Contudo, a inteligência artificial dos inimigos deixa a desejar, pois tendem a atacar em massa e de forma desordenada, tornando o combate caótico e limitando as estratégias a simplesmente pressionar o botão de ataque incessantemente. A habilidade de esquiva adiciona uma camada de tática, mas o sistema de dificuldade precisa de ajustes, especialmente quanto aos requisitos para aprimorar as armas.

A gestão da barra de energia, que limita os ataques físicos e esquivas, é outro aspecto que precisa de atenção. A falta de energia pode ser fatal, embora existam receitas para recuperar os atributos rapidamente. Além disso, o jogador precisa monitorar constantemente a energia e a fome, elementos típicos do gênero de sobrevivência, mas que podem tornar a experiência exaustiva.

De fato, o gênero de sobrevivência como um todo poderia se beneficiar de uma revisão para diminuir a dependência do grind excessivo, um problema também presente em Nightingale. À medida que os jogadores dispõem de menos tempo para dedicar aos jogos, encontrar um equilíbrio entre progressão satisfatória e o ciclo mecânico dos objetivos se torna crucial.

Além dos problemas de interface, há várias questões de qualidade de vida que precisam ser abordadas, como a impossibilidade de aprimorar estruturas existentes construídas com materiais iniciais mais fracos. Isso obriga o jogador a desmontar e reconstruir tudo, embora o modo de construção seja intuitivo e bem desenvolvido. A falta de indicativos visuais claros e um sistema de raridade nos menus de construção são aspectos que sobrecarregam o jogador, que se vê inundado por uma quantidade avassaladora de opções de crafting.

Uma possível solução para a dependência excessiva do sistema de crafting seria a implementação de uma árvore de habilidades com um sistema de progressão de níveis, permitindo ao jogador aprimorar sua mestria na criação de itens avançados na mesma bancada e fazer upgrades em estruturas já existentes. Infelizmente, isso não se aplica a Nightingale, onde a cada novo reino explorado, é necessário reconstruir todas as bancadas de trabalho do zero.

Nightingale, estando em acesso antecipado, enfrenta também problemas técnicos, como performance instável e quedas de FPS, mesmo após ajustes nas configurações gráficas. A implementação do DLSS 3 torna-se essencial para estabilizar a experiência, atenuando os congelamentos de tela.

Menos críticos, mas ainda presentes, são bugs relacionados a animações, detecção de colisões e falta de clareza em alguns objetivos. Contudo, tais problemas não chegam a comprometer gravemente a experiência de jogo.

A decisão da Inflexion de tornar Nightingale uma experiência totalmente online levanta questões, especialmente considerando os problemas de lag, tempos de carregamento prolongados e desconexões ao explorar novos reinos. Um modo offline seria uma adição bem-vinda, especialmente em um jogo PvE que também valoriza a exploração individual.

Nightingale tem potencial de sobra, mas precisa de ajustes e bom senso
Inflexion Games

Teste de fé

Nightingale mostra-se como um projeto com grande potencial, destacando-se principalmente pela sua inovadora mecânica de cartas que introduz mundos variados e modificadores únicos, distanciando-se significativamente dos demais jogos do gênero. O jogo captura a atenção com sua narrativa cativante, visuais impressionantes e uma trilha sonora envolvente. Contudo, por ora, esses são seus únicos trunfos.

A Inflexion tem planos ambiciosos de lançar a versão completa dentro de um ano, o que, sinceramente, parece um objetivo bastante desafiador considerando o volume de refinamentos necessários. Uma revisão completa da interface se faz essencial para resolver as diversas questões que afetam a experiência do usuário.

Há uma necessidade urgente de reavaliar o ciclo de gameplay, atenuando o enfadonho processo de grinding para a criação de itens. Grande parte da jogabilidade se assemelha mais a uma tediosa burocracia, onde avançar para um novo mundo significa começar do zero novamente, prolongando desnecessariamente o tempo de jogo.

Estando ainda em fase de acesso antecipado, há espaço para melhorias significativas. É evidente a dedicação e o entusiasmo da equipe pelo projeto, o que pode ser um fator determinante para superar os obstáculos atuais. No entanto, há o risco de o jogo perder seu ímpeto inicial se a base de jogadores diminuir drasticamente devido às primeiras impressões. Essa situação seria especialmente problemática considerando os custos elevados de manutenção de um ambiente online. Nightingale enfrenta um começo turbulento, mas há esperanças de que a Inflexion consiga reverter esse quadro, especialmente se estiver disposta a acatar as críticas e sugestões dos jogadores que se encantaram com a proposta inovadora do título.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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