Crítica | Fargo – 2ª Temporada
Quando foi anunciado que Fargo, um dos melhores e mais divertidos filmes dos irmãos Joel e Ethan Coen, viraria uma série de TV, imediatamente torci o nariz. E isso aconteceu novamente após eu mergulhar de cabeça no universo desenvolvido por Noah Hawley com o FX, acertando em cheio com personagens, situações e eventos que conversam com o filme dos Coen, mas que têm vida própria. Foi, de longe, a melhor produção televisiva de 2014, e ainda me entristece ver que nenhum canal brasileiro adquiriu os direitos para distribuição. Shame on you!
Emmys, Globos de Ouro e outros prêmios depois, Hawley se viu no desafio de continuar sua história única com uma segunda temporada. Assim como Nic Pizzolato com sua badalada True Detective, o showrunner optou pelo formato de antologia, então a trama desta nova temporada acontece isoladamente da primeira, ainda que traga uma clara conexão: se passa na década de 70, explorando a juventude de um dos personagens envelhecidos. Esse personagem é Lou Solverson, vivido por Keith Carradine no primeiro ano, e agora por Patrick Wilson como sua versão mais jovem.
Dessa vez, a trama tem início quando somos apresentados à Família Gerhardt, uma organização influente na Dakota do Norte que começa a se desequilibrar com o repentino derrame do patriarca, Otto (Michael Hogan). Assim, a liderança do grupo passa a ser disputada pela esposa, Floyd (Jean Smart) e os três filhos: o esquentado Dodd (Jeffrey Donovan), o “urso” Bear (Angus Sampson) e o caçula Rye (Kieran Culkin). Quando Rye tenta demonstrar sua maturidade, assim como fechar um negócio importante, ele acaba deixando três mortos em um restaurante. É aí que entra Lou e seu parceiro/sogro Ted Danson (Hank Larsson) para investigar o caso, ainda envolvendo o casal Peggy e Ed Blumquist (Kirsten Dunst e Jesse Plemmons), que tentam encobrir a morte acidental de Rory, atropelado por Peggy na estrada. Além disso, a situação com os Gerhardt só piora com a iminência de uma guerra de famílias criminosas.
Trama Intrincada
Muita coisa, não é? Nas mãos de uma equipe menos habilidosa, esta segunda temporada de Fargo estaria fadada ao fracasso. Felizmente, Noah Hawley é um sujeito muito inteligente e talentoso. A quantidade de linhas narrativas e personagens é muito bem amarrada pela equipe de montagem, que ora equilibra diversos eventos em um único episódio (como no primeiro, Waiting for Dutch) ou concentra seus preciosos minutos em uma situação alarmante, como no excelente Rhinoceros, que envolve a gangue dos Gerhardt tentando invadir uma delegacia.
Em decorrência do excesso de situações, o departamento de montagem inteligentemente aposta no uso recorrente de telas divididas, até mesmo para dois personagens em um mesmo local; como quando Ed e Peggy conversam dentro do carro, mas cada um foca sua atenção em um elemento distinto – revelando um uso inteligente desse recurso gráfico tão esgotado. É uma verdadeira aula de como se usar a tela dividida, que aqui alcança o nível de estudo de personagem, e trago novamente um exemplo simples mas efetivo: Em uma tela, temos um personagem em closeconversar ao telefone em uma cabine, na outra, temos um plano aberto deste voltando para seu carro logo após dita conversa. É quase como se a tela com o close nos permitisse observar a dúvida crescente dentro do personagem, ao mesmo tempo em que caminha com sua escolha tomada.
Por esses e outros motivos, essa segunda temporada de Fargo talvez seja a série em que um binge watching é mais do que recomendável, já que o intervalo semanal certamente provoca uma quebra no ritmo construído.
Nem de longe tenta replicar a fórmula da primeira temporada, apenas casualmente nos remetendo à Lester com a situação do casal Blumquist, no sentido de ter alguém tentando encobrir um assassinato. E ao contrário do personagem de Martin Freeman, Ed e Peggy são sujeitos ingênuos e sem muito brilhantismo, mas com muito carisma e ambição – especialmente da Peggy de Kirsten Dunst, que é uma das muitas personagens que vai revelando um traço feminista fortíssimo ao longo da história, merecendo destaque sua catarse espiritual em uma cena que é digna de Um Homem Sério. E ainda que tenha um papel limitado, Cristin Millioti (agora imortalizada como a Mãe de How I Met Your Mother) faz bem mais do que uma mera dona-de-casa como a esposa de Lou, comprovando sua inteligência ao encontrar uma pista importante ou a coragem ao não demonstrar o menor desespero ao encontrar sua casa arrombada; sua reação é simplesmente apanhar um rifle no armário e vasculhar os cômodos com suave calmaria.
Heróis e Anti-Heróis
Já aproveito a deixa para falar da espetacular Jean Smart, na pele da sábia Floyd Gerhardt. Sob diversas acusas de não conseguir liderar a família “por ser uma mulher”, Floyd é uma das mais fascinantes personagens da série, especialmente por seu habilidoso planejamento para manter seus rivais afastado, que logo revela-se um calculismo sem igual. E eu disse calculismo? Esperem só para conhecer Ohanzee Dent, o silencioso e mortal capanga de Dodd Gerhardt, que é tão inteligente e perigoso como Anton Chighurn em Onde os Fracos Não têm Vez, mas capaz de momentos de calmaria inimagináveis; como quando interrompe uma chacina apenas para pedir um corte de cabelo e revelar uma faceta inesperada.
Outro antagonista memorável é o Mike Milligan de Bokeem Woodbine, um gângster de Kansas City que planeja acabar com os Gerhardt. Um sujeito imprevisível, educado, sanguinário e capaz de recitar os trechos literários mais improváveis, e Woodbine domina cada segundo de participação com uma performance calma e cortês – diferente do cortês de um Hans Landa, por exemplo -, sem transformar Mike em uma figura cartunesca. Claro, seus capangas gêmeos e mudos são extremamente caricatos, mas é um toque sutil, e também um leve ode à dupla de capangas da primeira temporada.
Ora, com tantos personagens de conduta duvidosa, quem é a bússola moral da série? Definitivamente é Lou Solverson, vivido aqui por um inspirado Patrick Wilson. Simpático e aparentemente inofensivo, a performance de Wilson se mostra fascinante quando vemos o lado bad ass de Lou, como ao enfrentar sozinho toda a família Gerhardt em um impasse. Sua relação com o sogro/parceiro Hank Larsson (o eficiente Ted Danson) também é interessante, e não é difícil imaginar um backstory no qual o veterano provavelmente apresentou o parceiro para sua filha. Por último, mas não menos importante, o comediante Nick Offerman tem alguns momentos verdadeiramente brilhantes como Karl Weathers, amigo pinguço de Lou que acaba demonstrando um surpreendente heroísmo em Rhinoceros; e o discurso completamente embriagado de Offerman é o suficiente para que seu personagem se destaque como um dos pontos altos da temporada.
Bem, fica evidente que 5 vagas em cada categoria de atuação do Emmy é pouco para o elenco de Fargo, não?
WTF?!
Visualmente, mantém a proeza da primeira temporada. A fotografia aposta pesado na luz natural das paisagens geladas de Minnesota e as Dakotas, ao passo em que traz interiores geralmente aconchegantes com uma iluminação quente; a mansão dos Gerhardt é a exceção, já que o ambiente pouco iluminado constantemente passa uma atmosfera de prisão, simbolizando o próprio estado da família. A atenção aos detalhes também é genial, como o sutil momento em que Floyd acaricia a parede marcada com as medidas de crescimento dos filhos ou como quando um personagem fala ao telefone em uma cabine de vidro onde vemos o desenho de um jogo da forca inacabado – servindo como um ótimo foreshadowing para o destino deste determinado personagem.
As súbitas explosões de violência – tensas ou cômicas – também marcam presença aqui, e de formas distintas de acordo com a exigência narrativa. Por exemplo, em Loplop, uma bizarra situação de refém garante humor negro genuíno com uma simples negação por comida – seguida por uma reação nada convencional – ou o impecável The Castle, que traz uma cena de ação primorosa ao enfim fazer com que as diferentes tramas se enfrentassem em um feroz tiroteio. A segurança de Hawley é tão grande que este último episódio resolve se iniciar com um narrador aleatório (revelado posteriormente como a voz de Martin Freeman, o protagonista da primeira temporada) que apanha um livro e acompanha os eventos como se fossem parte de uma fábula violenta; não é apenas um grande exercício de estilo, mas também um artifício inteligente para relembrar alguns motivos e tentar encontrar uma síntese da personalidade de suas personagens, em especial a jornada de Hanzee.
Então, temos aquele elemento que deixou todo mundo maluco. Grande spoiler, pule o próximo parágrafo se preferir.
Logo no primeiro episódio, um dos personagens avista nos céus aquilo que, à primeira vista, parece ser um OVNI, enquanto no episódio seguinte temos uma narração de Guerra dos Mundos de H.G. Wells e diversas outras pequenas referências a uma possível participação alienígena no seriado. E quando finalmente a série nos presenteia com respostas (ou algo parecido), é uma sensação absolutamente inebriante; uma série que pode literalmente apostar em tudo. É, no mínimo, ousado que esse flerte com a ficção científica aconteça de maneira tão espontânea e funcione dentro da história.
Obra Prima da Televisão
Por fim, é obrigatório comentar a impecável trilha sonora incidental escolhida por Hawley. Se a série carrega o espírito dos Coen, a coletânea musical é digna de Tarantino; o primeiro episódio já se encerra magistralmente com um cover de “Didn’t Leave Nobody But the Baby” (também apresentada em E aí meu Irmão, Cadê Você?) cantado pelo próprio Noah Hawley! Um momento absolutamente inebriante é a despedida inesperada de uma dos personagens na imensidão de uma floresta, acompanhada por “Danny Boy”, de Lisa Hanning, ou quando descobrimos o destino de uma carinhosa personagem com a triste melodia de “Sylvia’s Mother”, de Dr. Hook e The Mother. Outros hits da década de 70 incluem “On the Run”, do Pink Floyd, uma escolha sensacional para o intenso confronto em The Castle e “Gettin it Back”, do Cymande, para uma tensa construção de suspense. Recomendo fortemente irem atrás da trilha, e ofereço um ótimo guia, aqui.
Sem medo de apostar em elementos fantásticos ou narrativas complexas, a segunda temporada de Fargo é uma sucessora digna para sua excelente estreia no ano passado, com a imbatível capacidade de nos surpreender, chocar e, mais importante, refletir. Revela-se uma obra magistral e que certamente deixou os Irmãos Coen orgulhosos.
Fargo – 2ª Temporada (Fargo: Season 2, EUA – 2015)
Showrunner: Noah Hawley
Diretores: Michael Uppendahl, Noah Hawley, Randall Einhorn, Jeffrey Reiner, Keith Gordon, Adam Arkin
Elenco: Patrick Wilson, Kirsten Dunst, Jesse Plemons, Jean Smart, Ted Danson, Kieran Culkin, Cristin Millioti, Jeffrey Donovan, Angus Sampson, Michael Hogan, Zahn McClarnon, Bookem Woodbine, Nick Offerman, Rachel Keller, Bruce Campbell.
Emissora: FX
Episódios: 10
Gênero: Comédia/Drama
Duração: 50 min
https://www.youtube.com/watch?v=UKIIJ3Zn_1E
Crítica | Game of Thrones - 1ª Temporada
A HBO sempre foi conhecida por sua ambição. Do sucesso estrondoso de crítica de Família Soprano e A Sete Palmos até produções avassaladoras como Band of Brothers e Roma, a emissora de TV fechada é uma das responsáveis por conferir aspecto cinematográfico à telinha e forçar a competição a igualmente igualar seu jogo e apostar ainda mais em tramas originais e desafiadoras. Porém, nada poderia preparar o mundo do entretenimento para o hit sem precedentes que vinha pelo horizonte. Começava o reinado de Game of Thrones.
A série é uma produção caríssima que adapta a saga literária Crônicas de Gelo e Fogo, do americano George R. R. Martin. Ambientada na fictícia e medieval terra de Westeros, acompanhamos as intrigas políticas e os jogos de interesse que movem os personagens desse universo, todos interessados no poder absoluto e na conquista do imponente Trono de Ferro. Logo somos apresentados à Família Stark, guardiões do Norte e habituados ao inverno, o patriarca Ned (Sean Bean) é surpreendido pela chegada do Rei Robert Baratheon (Mark Addy), seu velho amigo que o recruta para um cargo importante como seu braço direito (ou, no caso, Mão do Rei) após a morte misteriosa de seu antecessor. Um dos homens mais honrados de Westeros, Ned é casado com Catelyn (Michelle Fairley) e pai de Robb (Richard Madden), Bran (Isaac Hempstead Wright), Sansa (Sophie Turner), Arya (Maisie Williams), Rickon (Art Parkinson) e o bastardo Jon Snow (Kit Harington).
Robert mantém uma aliança matrimonial com a Família Lannister, os mais ricos e influentes dos Sete Reinos. Ao seu lado, temos a nada confiável Rainha Cersei (Lena Headey), seu irmão Sir Jaime Lannister (Nikolaj Colster-Waldau) e os filhos Joffrey (Jack Gleeson), Tommen (Callum Wharry) e Myrcella (Aimee Richardson). Claro, temos também o anão Tyrion Lannister (Peter Dinklage), cujo desprezo que sofre de sua família só não é maior do que sua sabedoria.
Do outro lado do mar, acompanhamos outra narrativa fundamental para o desenrolar dos eventos: Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) e seu irmão Viserys (Harry Lloyd) sobreviveram ao massacre de sua outrora poderosa família ancestral e agora planejam tomar o poder de volta com a ajuda do brutal exército Dothraki, liderado pelo ameaçador Khal Drogo (Jason Momoa).
Acrescente alguns dragões e a crescente ameaça de uma raça de criaturas glaciais e você tem Game of Thrones. Mas é justamente pelo motivo contrário que a série adaptada por D.B. Weiss e David Benioff surpreende: o fator humano. O grande barato desse mundo criado por Martin é por nos levar a um lugar que fora tocado pela magia e grandes realizações: dragões voaram por ali, mas foram extintos. Batalhas heróicas foram travadas por homens imponentes, agora todos moribundos e gordos. Ouvimos histórias arrepiantes sobre um Inverno que durou dezenas de anos e despertou criaturas sombrias, mas nunca temos um vislumbre sobre isso.
Esse setting torna o mundo de Westeros mais realista, e garante uma trama muito mais política e engenhosa do que, digamos, O Senhor dos Anéis (sem desmerecer o trabalho de J.R.R. Tolkien, claro), aproximando a estrutura da série e seu desenrolar de acontecimentos com algo mais perto de House of Cards ou The West Wing. Esse crédito vai todo para Martin e os produtores "D&D"; o primeiro por criar figuras tão carismáticas e apaixonantes, a dupla por lhes garantirem diálogos maravilhosos e um elenco perfeito - vale apontar que esta primeira temporada é uma adaptação muito fiel do primeiro livro da série.
Ao longo de 10 episódios de aproximadamente 1 hora, temos um ritmo favorável e uma sequência de eventos lógica e que entretém, com raríssimos momentos de "barriga" ou fillers de história. Claro que a narrativa protagonizada por Daenerys mal interage com a trama maior envolvendo as famílias em Westeros e o Trono de Ferro, mas é uma história contada com excelente precisão e que o espectador entende ser o mero começo de algo gigantesco; sendo realmente empolgante quando os primeiros sinais do retorno de um mundo místico e mágico possam estar em andamento. Você sabe, Rainha dos Dragões. Khaleesi e Dracarys. É divertido e genial ver como D&D foram trazendo diversas pistas sobre o destino de Daenerys, desde um inofensivo banho quente até o aparecimento de um crânio gigantesco de dragão.
Mas é mesmo com o núcleo familiar que a série se sobressai. Principalmente, é claro, com o excepcional Peter Dinklage que dá vida ao anão Tyrion Lannister de forma inebriante e digna de todos os prêmios que sua performance vem colecionando desde 2011. Seus diálogos são maravilhoso e a imponência e sagacidade do ator ao proferi-los transformam o caçula Lannister em um personagem clássico quase que instantaneamente
No núcleo Stark, Sean Bean garante uma presença agradável e leve como Ned Stark, sendo uma figura clássica de herói de bom coração pelo qual adoramos torcer - e que vibramos quando inesperadamente é jogado em uma batalha. Os arcos de seus filhos acabam misturados ao longo da temporada, mas garantem um ótimo trabalho de Richard Madden e Sophie Turner, mas é mesmo a jovem Maisie Williams e o novato Kit Harington quem roubam a cena - seja por suas atuações, seja pelo carisma de seus personagens.
Voltando aos Lannister, a irmã Cersei também se beneficia de textos memoráveis, que ganham força com a performance cínica e traiçoeira de Lena Headey, sempre uma figura que sabe muito mais do que aparenta - o que a torna friamente ameaçadora e calculista. O irmão Jaime também revela-se um antagonista asqueroso, praticamente a versão sombria e fanfarrona do Príncipe Encantado, e Nikolaj Colster-Waldau nitidamente se diverte com essa figura maliciosa. E ainda que tenha tido pouco destaque nessa primeira temporada, Charles Dance oferece uma amostra de sua masterclass na pele de Tywin, o patriarca da família Lannister. Já é um leão que mostra-se afiado nesse final de temporada.
A começar pela audácia de matar seu protagonista (se você não tinha recebido esse spoiler ainda, já passou da hora) antes mesmo da conclusão da temporada. A decapitação de Ned Stark em Baehlor foi a confirmação de que estávamos diante de uma série sem medo de tomar rumos sombrios e garantir um senso de perigo e alarmismo presentes até agora, na atual sexta temporada. Tal reviravolta também consagra o Joffrey do excelente Jack Gleeson como um dos vilões mais odiados e sanguinários de todos os tempos.
Então chegamos ao motivo de Game of Thrones ser tão marcante na História da Televisão: sua escala. Rodada em mais de 5 países, a série faz uso de lindas paisagens na Islândia, Espanha, Marrocos e diversos outros ambientes naturais para criar um mundo vasto e imersivo, ao passo em que os preenche com um design de produção fascinante e figurinos que oferecem uma diversidade histórica e cultural (GOT transita entre o medieval clássico e até algo mais contemporâneo, no mix perfeito de realismo e fantasia) até os efeitos visuais que são mais ambiciosos do que qualquer coisa que já vimos na televisão. Isso porque a primeira temporada é mais centrada em ação visceral, trazendo uma computação gráfica pontual aplicada em duplicação de figurantes e preenchimento de cenários.
A ação também tem momentos primorosos, com destaque especial para o momento no qual a vida de Tyrion deve ser decidida em um julgamento de combate entre dois lutadores sobre uma portinhola que periga uma queda livre vertiginosa ou quando Khal Drogo enfrenta um espadachim com as próprias mãos - com resultados nada bonitos, diga-se de passagem. Obviamente, é decepcionante que o grande clímax da temporada tenha sido cortado por motivos de orçamento (Tyrion desmaia na batalha e só voltamos quando este acorda), mas é uma decisão que D&D jamais fariam novamente...
Game of Thrones representa um dos passos mais ousados e grandiosos que a televisão já deu, criando um universo gigantesco e complexo com um orçamento incrível se considerarmos sua escala de produção. Mas ainda que seus cenários e locações sejam estonteantes, é mesmo na inteligência e criatividade de seus personagens e na imprevisibilidade da história que a série encontra sua maior força.
E não seria exagero dizer que a televisão americana se divide entre Pré-GOT e Pós-GOT.
Game of Thrones – 1ª Temporada (Idem, EUA – 2011)
Criado por: David Benioff, D.B. Weiss
Direção: Alan Taylor, David Petraca, David Nutter, Alik Sakharov, Neil Marshall
Roteiro: David Benioff, D.B. Weiss, George R.R. Martin, Bryan Cogman, Vanessa Taylor
Elenco: Peter Dinklage, Emilia Clarke, Kit Harington, Sophie Turner, Nikolaj Coster-Waldau, Richard Madden, Maisie Williams, Charles Dance, Lena Headey, Michelle Fairley, Rose Leslie, Alfie Allen, Isaac Hempstead-Wright
Emissora: HBO
Gênero: Ação, Fantasia, Drama
Duração: 60 min
https://www.youtube.com/watch?v=BpJYNVhGf1s
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Crítica | Game of Thrones - 2ª Temporada
Game of Thrones estava destinada a ser o grande fenômeno da televisão contemporânea. Apenas dois dias após a estreia da primeira temporada na TV, a HBO já renovou a série para um segundo ano, mantendo os showrunners David Benioff e D.B. Weiss no comando e injetando um orçamento ainda maior para a continuidade da história. Com isso, os 10 novos episódios de Game of Thrones mantém o mesmo nível de produção e qualidade de história de sua temporada anterior, seguindo de perto a adaptação do segundo livro de George R.R. Martin.
A trama desta segunda temporada começa imediatamente após os eventos da primeira, com o nascimento dos pequenos dragões de Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) e a continuação de sua jornada pelo deserto. As longas caminhadas acabam colocando-a de frente com a civilização de Qarth, onde Dany e seus companheiros aprenderão importantes lições sobre liderança e confiança, e a aspirante à Rainha dos Sete Reinos testa seu conhecimento como Mãe dos Dragões. Do outro lado do mapa, o rei Joffrey Baratheon (Jack Gleeson) segue seu mandato cruel e sádico, com a indefesa Sansa Stark (Sophie Turner) sendo mantida como refém e sua futura esposa, mas a situação muda quando Tyrion Lannister (Peter Dinklage) retorna para Porto Real com o cargo valiosíssimo de Mão do Rei - para total desespero de Joffrey e sua mãe, a Rainha Cersei (Lena Headey).
Mas o grande motte da temporada é centrado na Guerra dos Cinco Reis. Com a notícia da real paternidade de Joffrey - fruto de uma relação incestuosa entre Cersei e seu irmão Jaime (Nikolaj Coster-Waldau) - diferentes líderes de Casas ao longo dos Setes Reinos lutam para reivindicar o Trono de Ferro. O mais forte deles é Stannis Baratheon (Stephen Dillane), irmão do falecido Robert (Mark Ady) e que usa de sua crença na feiticeira Melisandre (Carice van Houten) e sua devoção ao Senhor da Luz. Paralelamente, o jovem Robb Stark (Richard Madden), proclamado como Rei do Norte, e sua mãe Catelyn (Michelle Fairley) continuam sua revolta para vingar a morte de seu pai e destronar os Lannister em uma campanha que ganha apoio de todo o Norte.
Os outros Reis no conflito incluem Balon Greyjoy (Patrick Malahide), Lorde das Ilhas de Ferro e pai de Theon (Alfie Allen) e Renly Baratheon (Gethin Anthony) como Rei do Jardim de Cima. E ainda que não faça exatamente parte da Guerra, Jon Snow (Kit Harington) segue como patrulheiro da Guarda Noite, que tenta lidar com um crescente ataque de selvagens do outro lado da gigantesca parede de gelo da Muralha, que são liderados por uma figura que se proclama Rei Além da Muralha.
Quem quer ser Rei dos Sete Reinos?
Como bem observado aqui, resumir a mera sinopse de uma temporada de Game of Thrones é uma tarefa que toma tempo e muita organização, justamente as duas características que melhor definem o desenrolar da produção da série. Ao longo de suas 10 horas de duração, D&D são capazes de contar uma história complexa de forma clara e concisa, com todas as diferentes linhas narrativas movendo-se à seu próprio ritmo, assim como a distribuição de personagens em diferentes ambientes. Claro, alguns acabam ganhando mais destaque do que outros - no que diz respeito à Guerra dos Cinco Reis, acho difícil que alguém tenha ligado para os núcleos de Renly e Balon, até porque a série dedica muito mais tempo e eventos interessantes aos de Stark, Lannister e Baratheon.
Aliás, a introdução de Stannis é uma das novidades mais fascinantes da segunda temporada. Não só por Stephen Dillane oferecer uma performance perfeita como um homem que nitidamente balanceia a inteligência de um líder com a fúria impaciente de um sujeito que fora enganado, soando como um Jason Statham mais maduro no processo, mas também pelas relações que mantém com seus dois grandes aliados: Melisandre e Sir Davos Seaworth (Liam Cunningham), um cavaleiro desonrado que agora serve como seu conselheiro. Tudo com Davos sugere uma camaradagem admirável, com ambos os personagens oferecendo belos contrapontos a cada um, mas é tudo mais interessante quando Carice van Houten está em cena; ainda mais pelo antagonismo que ela acaba friccionando entre o trio. Com sua beleza hipnotizante, a atriz holandesa faz de Melisandre uma figura sinistra e nada confiável, com ações que parecem saídas diretamente de um filme de terror - vide o inesquecível momento em que Melisandre da a luz a uma criatura medonha, como arma para os inimigos de Stannis.
Os núcleos dos Reis restantes oferece sua parcela de momentos memoráveis, uns mais que os outros. Tudo o que acontece com Renly e o Jardim de Cima é esquecível, mas serve para apresentar personagens importantíssimos, como a maliciosa Margaery Tyrell (Natalie Dormer) e a valente cavaleira Brienne de Tarth (Gwendoline Christie), enquanto o fio condutor de Balon raramente avança a trama, apenas servindo para provocar uma crucial mudança de comportamento e lealdade em Theon, e introduzindo sua irmã, Yara Grejoy (Gemma Whelan). Essa questão com Theon oferece uma das grandes reviravoltas da temporada, com o personagem traindo Robb e tentando tomar Winterfell para si próprio, o que resulta na fuga desesperada de Bran (Isaac Hempstead-Wright), Rickon (Art Parkinson) e Hodor (Kristian Nairn) da cidade, e um desfecho um tanto apressado para seu ataque - mas cujas consequências serviram para mudar o rumo dos Stark para sempre.
Fogo no Mar
Já quando o assunto é Joffrey Baratheon e Porto Real, temos um dos grandes ápices da segunda temporada. A fim de livrar a população do reinado altamente inapropriado e maléfico do Rei, Tyrion tenta usar de toda sua influência como Mão para moldar os eventos à sua vontade, agindo verdadeiramente para fornecer uma sociedade melhor e criar uma imagem benéfica para a Família Lannister. Claro, isso inclui travar uma pequena guerra contra sua irmã Cersei, onde temos momentos de grande brilhantismo em roteiro e direção, como a acalorada discussão em que Lena Headey se ajoelha para ficar no mesmo nível de seu irmão anão, rendendo também momentos inacreditáveis em termos de performance. Ver a figura diminuta de Peter Dinklage triunfando sobre todos com o poder de sua lábia - a técnica para descobrir qual de seus servos é um traidor é genial - e diretamente atacando e ofendendo a figura mimada e perversa de Joffrey é de um verdadeiro deleite.
Mas nada realmente supera o grande acontecimento da temporada, que marca também a primeira grande batalha da série: a Baía de Blackwater. Dirigido por Neil Marshall, o 9º episódio da temporada (batizado justamente de Blackwater) finalmente culmina no avanço de Stannis sobre Porto Real, trazendo consigo um exército poderoso e uma frota marítima perigosa, o que deixa os Lannister buscando um contra-ataque à altura. Ambientado ao longo de apenas uma noite, e desviando todo o foco para o combate, temos aqui um grande exercício atmosférico e de ação, com Tyrion assumindo a primeira linha de combate e entregando um dos discursos motivacionais mais poderosos desde que Mel Gibson desbravou-se em Coração Valente.
As imagens escuras da noite são preenchidas com flechas de fogo que cortam o céu, assim como os excelentes efeitos visuais que criam a gigantesca explosão verde do Fogovivo e a frota de navios de Stannis, além da ótima condução no violento combate pelas ruas desertas da cidade. Porém, um dos fatores que acaba impactando ainda mais é quando encontramos Sansa, Cersei e outras civis escondidos do confronto, tal como a decisão extrema que a Rainha quase toma durante os segundos finais do episódio; que despede-se com estilo ao nos apresentar pela primeira vez à canção "The Rains of Castamere", um dos símbolos da Casa Lannister.
Das Terras do Gelo e da Neve
Quando afastados do núcleo da Guerra dos Cinco Reis, admito que nem tudo funciona.
Ver Arya Stark (Maisie Williams) tornando-se uma guerreira ainda mais letal é divertido, assim como os icônicos personagens com quem cruza pelo caminho (especialmente o enigmático Jaqen H'ghar), mas sua trama central, em fuga dos Lannisters, acaba fadada a repetições e uma ausência de grandes eventos. Isso sem falar no sonolento núcleo de Daenerys em Qarth, que só é beneficiado com um incidente incitante nos episódios finais - envolvendo o sequestro de seus dragões - e até lá, temos personagens bizarros e altamente caricaturais, como Xaro Xhoan Daxos (Nonso Anozie) e a grande maioria de seus habitantes. E mesmo que o clímax ali tenha um design de produção fabuloso e saiba brincar com a psique da personagem em uma cena onírica, é um tanto embaraçoso ver o "momento épico" de Dany e seus dragões feito de forma tão capenga. Felizmente, esses quesitos técnicos seriam melhorados nas temporadas seguintes.
Porém, as coisas são mais interessantes com Jon Snow. Beneficiado pelas magníficas locações de gelo na Islândia, a partir do momento em que Jon é enviado em uma expedição tortuosa para encontrar membros perdidos da Patrulha, a trama se engrossa de forma maravilhosa. E fica ainda melhor quando o Stark bastardo encontra a selvagem Ygritte (Rose Leslie), jogando-o num jogo de inimizade e um claro interesse amoroso que se desenrola de forma divertida, ao passo em que ele é incubido de infiltrar-se entre os Selvagens e descobrir mais sobre o Rei Além da Muralha. Mas, claro, o núcleo oferece o excelente clímax da temporada com a primeira revelação dos temíveis Caminhantes Brancos, criados em um misto impressionante de maquiagem e efeitos digitais, em uma cena simples, mas grandiosa, onde um exército de mortos vivos atravessa uma nevasca em direção à Muralha.
Mesmo que não tenha um arco tão satisfatório quanto sua incrível primeira temporada, Game of Thrones retorna em um ano forte e maduro, aumentando a complexidade de suas narrativas e aprofundando ainda mais seus excepcionais personagens. É também nessa temporada onde a série definitivamente alcançou um nível cinematográfico, que só continuaria a se expandir ao longo dos anos.
Game of Thrones - 2ª Temporada (Idem, EUA - 2012)
Criado por: David Benioff, D.B. Weiss
Direção: Alan Taylor, David Petraca, David Nutter, Alik Sakharov, Neil Marshall
Roteiro: David Benioff, D.B. Weiss, George R.R. Martin, Bryan Cogman, Vanessa Taylor
Elenco: Peter Dinklage, Emilia Clarke, Kit Harington, Sophie Turner, Nikolaj Coster-Waldau, Richard Madden, Maisie Williams, Charles Dance, Stephan Dillane, Carice van Houten, Lena Headey, Gwendoline Christie, Natalie Dormer, Michelle Fairley, Rose Leslie, Liam Cunningham, Alfie Allen, Isaac Hempstead-Wright
Emissora: HBO
Gênero: Ação, Fantasia, Drama
Duração: 60 min
https://www.youtube.com/watch?v=-FlwtEFmb-M
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Crítica | Game of Thrones - 3ª Temporada
Todos os conhecedores e admiradores da obra de George R.R. Martin estavam empolgadíssimos para isso. A terceira temporada de Game of Thrones adaptaria a primeira metade do terceiro livro da saga, A Tormenta das Espadas, e isso significa dar vida a alguns dos melhores momentos já concebidos por Martin, e também levar o seriado da HBO a cantos ainda mais obscuros e grandiosos. Com isso, em 2013 vimos David Benioff e D.B. Weiss entregarem uma temporada ainda melhor e mais impactante do que a anterior
A trama começa após a assustadora aparição dos White Walkers além da Muralha, com Sam Tarly (John Bradley) e alguns dos Patrulheiros da Noite mal sobrevivendo a um ataque de mortos vivos em plena nevasca. Enquanto isso, Jon Snow (Kit Harington) segue como infiltrado no grupo dos Selvagens, acompanhado pela bela Ygritte (Rose Leslie) enquanto ela o leva para conhecer o Rei Além da Muralha, Mance Rayder (Ciáran Hinds), que reúne um gigantesco exército formado por homens, mulheres, criaturas e gigantes para atacar a Muralha e recuperar seu direito sobre o Norte. E por falar nele, acompanhamos a fuga de Bran (Isaac Hempstead-Wright), Rickon (Art Parkinson), Hodor (Kristian Nairn) e Osha (Natalia Tena) pelas perigosas florestas da região, à medida em que Bran vai explorando sua recém-descoberta habilidade como warg e encontra os irmãos Jojen e Meera Reed (Thomas Brodie-Sangster e Ellie Kendrick). Por fim, temos a campanha de Robb Stark (Richard Madden) para destronar Joffrey (Jack Gleeson) e conquistar o Trono de Ferro, algo que pode ser prejudicado por seu repentino casamento com a enfermeira Talisa (Oona Chaplin).
Já em Porto Real, a situação fica complexa com Tyrion (Peter Dinklage) perdendo cada vez mais sua influência, ainda mais após sua transição de Mão do Rei para Mestre da Moeda, fazendo com que ele e sua irmã Cersei (Lena Headey) disputem cada vez mais a atenção e admiração do pai, Tywin (Charles Dance), agora atuando como o novo Mão e dedicando todo o seu tempo ao governo e no preparo do casamento de Joffrey Baratheon; que unirá a casa Lannister com a dos Tyrell, na forma da bela Margaery (Natalie Dormer), que traz sua influente avó Olenna (Diana Rigg) como conselheira e mentora durante sua estadia, além de aproximar-se de Sansa Stark (Sophie Turner) a fim de descobrir a real natureza do jovem Rei.
E, claro, temos Daenerys Targaryen (Emilia Clarke) enfim avançando com seus seguidores e dragões cada vez maiores para conseguir um exército, algo que ela encontra na forma dos Imaculados. Paralelamente a isso, Brienne de Tarth (Gwendoline Christie) segue com sua promessa à Catelyn Stark (Michelle Fairley) de levar o prisioneiro Jaime Lannister (Nikolaj Coster-Waldau) de volta para os Lannister a fim de negociar a libertação de Sansa (Sophie Turner) e a desaparecida Arya (Maisie Williams).
Trabalhando a partir de uma premissa cativante, Weiss e Benioff começam a desenvolver aqui uma das coisas mais difíceis que alguém envolvido em dramaturgia é capaz de fazer: mudar a percepção do público diante de certos personagens. No ano 3 da série, personagens que gostávamos tornam-se difíceis de defender, enquanto outros que começaram como seres absolutamente repugnantes vão ganhando um lugar especial em nossos corações.
O grande exemplo dessa guinada radical acontece com Jaime Lannister. Em um estado completamente deplorável se compararmos com sua postura nobre e sofisticada da primeira temporada, o cavaleiro surge aqui com o cabelo ensebado e a face barbuda sempre suja de terra ou lama; mas nenhuma dessas irregularidades mantém sua sagacidade apagada, visto que o personagem está constantemente provocando sua captora, Brienne. Quando Jaime brutalmente tem sua mão direita decepada por um grupo de mercenários, vemos a habilidade de George R.R. Martin em "matar seus personagens mas mantê-los vivos", já que essa mutilação retira de Jaime a sua maior força: o combate.
Perdido de sua maior habilidade, é como se Jaime renascesse a partir daí, e a performance de Waldau em demonstrar a profunda infelicidade e raiva do sujeito ao absorver tudo isso é fascinante. Jaime passa a tornar-se uma pessoa melhor, mais altruísta e leal depois de tudo isso, tal como vemos na incrível sequência do episódio The Bear and the Maiden Fair, onde - depois de ser salvo por mensageiros de seu pai - ele retorna para seus captores a fim de resgatar Brienne, jogada numa arena para combater um urso com nada mais do que uma espadinha de madeira. E confesso que ver essa ação tão nobre de um personagem outrora tão ríspido foi mais impressionante do que o fato de ver um urso de verdade sendo usado em uma cena tão perigosa.
Trono Manchado de Sangue
No outro viés, vemos como Robb Stark vai cada vez mais tomando decisões erradas. Um personagem que entrara numa guerra ousada por um motivo cego acaba cada vez mais cegado por suas próprias ambições pessoais, e também pelo romance apaixonado pela bela Talisa - é até compreensível, ainda mais considerando que no livro os personagens são muito, muito mais jovens. Todo esse comportamento praticamente prevê o trágico destino de Robb, algo que Martin oferece como uma cruel reação na obra original, e que Weiss e Benioff trazem com todo o peso necessário naquela que provavelmente é a cena mais lembrada pelos fãs das Crônicas de Fogo e Gelo: o Casamento Vermelho.
Mantendo a tradição de o nono episódio ser o mais marcante da temporada, The Rains of Castamere trouxe os últimos momentos de Robb Stark da forma mais trágica possível. Selando uma aliança com a casa de Walder Frey (David Bradley) através do casamento de um de seus tios maternos com uma das filhas do patriarca, o sujeito arma uma armadilha terrível ao formar uma aliança com os Lannisters, levando a uma massacre sangrento de todos os aliados de Stark na cerimônia. David Nutter retrata essa matança com uma atmosfera opressora e tons quentíssimos de cor, chocando pela violência ao trazer um soldado esfaqueando a barriga de Talisa ou pelo grito horrorizado de Michelle Farley ao ver a morte de seu filho diante de seus próprios olhos. Vale mencionar também como não tivemos nenhuma música ou som durante os créditos finais, sendo esse silêncio uma forma de exacerbar ainda mais o horror visto ali.
Por falar em horror, a terceira temporada de Game of Thrones traz mais um exemplar de imagens pesadas, mas dessa vez falhando miseravelmente. Em uma espécie de Jogos Mortais de Westeros, acompanhamos o traidor Theon Greyjoy (Alfie Allen) sendo mantido prisioneiro do cruel Ramsay Snow (Iwan Rheon), que lhe oferece algumas das piores e mais impiedosas torturas dos Sete Reinos, como punição por sua tentativa de dominar Westeros. Claramente, trata-se de um personagem que desprezamos em virtude de suas ações traiçoeiras na temporada anterior, mas acompanhar um núcleo inteiro dedicado apenas à tortura física e psicológica do personagem é um puro show de exibicionismo. É violência apenas para chocar, e temos até uma reviravolta inútil ;onde Theon tem a possibilidade de fuga, apenas para ser revelada como um "jogo dentro de um jogo" de Ramsay.
Prazeres Violentos
Voltando à Porto Real e ao melhor personagem da série, Tyrion Lannister, as coisas realmente não são tão fascinantes quanto o jogo político do sábio anão na segunda temporada, mas temos nossa parcela de momentos memoráveis. A começar pela antológica cena no qual temos uma reunião do conselho com Tywin, onde o jovem Lannister faz questão de arrastar de forma mais barulhenta possível uma cadeira para que possa sentar de frente para seu pai e sua irmã, Cersei - um perfeito exemplo de uma cena excepcionalmente bem dirigida, sendo movida pelo som e a montagem concentrada nas reações de todos presentes à mesa.
É também quando temos uma amostra mais poderosa e imponente do Tywin de Charles Dance, que rigidamente procura uma forma de colocar sua Casa em ordem, arranjando para que Cersei case-se com Loras Tyrell (Finn Jones) e Tyrion acabe herdando o casamento com Sansa que Joffrey deixara para trás; um ótimo momento que ainda termina com os dois irmãos à mesa sendo "castigados" por uma escultura do leão da família Lannister, quase como se os observasse em vergonha.
As coisas ficam piores para Tyrion (mas melhores para a carga dramática) quando ele é forçado a casar-se com Sansa, rendendo uma das melhores performances de Dinklage quando ele usa do álcool para suportar a festa de casamento. Embriagado, ele inconscientemente desafia Joffrey e testa sua paciência, assim como a de seu pai e irmã, e ainda toma a decisão correta ao não fazer nada com Sansa em sua noite de núpcias. Pois além do senso moral de Tyrion, ele também mantém um romance secreto com a prostituta Shae (Sibel Kekilli), o que rende alguns momentos belos e dolorosos para nosso querido Lannister.
E por falar em romances inusitados, vamos até Além da Muralha para voltar a acompanhar a perigosa missão de Jon Snow. Toda a dinâmica de antagonismo entre o bastardo Stark e a selvagem Ygritte vai sutilmente evoluindo para um dos mais sinceros e divertidos romances da série, pegando aquele velho arquétipo do soldado infiltrado que acaba encantando-se por uma integrante do povo que ele deveria destruir. Felizmente, tanto Martin quanto os showrunners conseguem fugir dos clichês, oferecendo a Snow um romance que jamais ilude a ele ou ao espectador com a ideia de um final feliz.
Ainda nesse núcleo de Jon infiltrado nos Selvagens, aprendemos mais sobre a figura fascinante de Mance Rayder, com Ciáran Hinds dando-lhe o retrato apropriado de um homem que acredita ser um profeta, unindo diferentes facções e povos selvagens sob sua liderança. Em uma jornada para invadir a Muralha e levar suas forças para os Sete Reinos, acompanhamos a longa caminhada dos exércitos de Mance pelas paisagens geladas e belíssimas da Islândia. Um dos grandes destaques fica para o episódio 6, The Climb, acertadamente entitulado em nome da escalada que Jon, Ygritte e os demais fazem por uma gigantesca parede de gelo, rendendo um beijo entre o casal que abraça toda a beleza e epicidade da velha Hollywood ao trazê-los sob a beira do penhasco em um plano abertíssimo com um belo nascer do sol ao fundo. É como dizem: o brega que é bom.
Dracarys!
Prejudicada pelo núcleo mais monótono da temporada anterior, finalmente vemos aqui Daenerys Targaryen realizando ações mais interessantes. Firmando-a novamente como uma das personagens mais fortes da série, temos aqui sequências memoráveis da Filha da Tormenta usando - literalmente - seu poder de fogo para alcançar seus objetivos, como na ótima cena em que ela negocia com o proprietário do exército dos Imaculados. A partir daí, os showrunners inserem mais núcleos com a jovem aprendendo a arte da negociação, dando-lhe figuras importantíssimas na forma da conselheira Missandei (Nathalie Emmanuel), do general Verme Cinzento (Jacob Anderson) e de seu potencial interesse romântico/sexual, Daario Naharis (o péssimo Ed Skrein, que felizmente seria substituído na temporada seguinte).
Mantém-se nessa mesma linha até o fim da temporada, o que oferece à Dany algumas habilidades como estrategista de guerra - especialmente durante a tomada de uma cidade com a ajuda do grupo Segundos Filhos -, ainda que não seja exatamente uma grande progressão narrativa. Porém, a conclusão de seu arco, e também da temporada, com a cena em que Daenerys liberta uma cidade de escravos e é ovacionada por todos eles em uma roda de braços esticados e gritos da palvra "Mhysa", é uma das mais belas e poderosas do seriado; sendo também um primor para o compositor Ramin Djawadi e sua linda trilha para o momento.
No geral, foi mais um ótimo ano para Game of Thrones. David Benioff e D.B. Weiss lideraram uma equipe de diretores e roteiristas excepcionais, lidando com maestria com algumas das maiores criações de George R. R. Martin, além de continuar mantendo a escala épica e cinematográfica para uma série de TV, e o mais importante: nos apresentando cada vez mais a diferentes facetas de seus maravilhosos personagens.
Game of Thrones - 3ª Temporada (Idem, EUA - 2013)
Criado por: David Benioff, D.B. Weiss
Direção: David Minahan, David Benioff, David Nutter, Alik Sakharov, Michelle McLaren, Alex Graves
Roteiro: David Benioff, D.B. Weiss, George R.R. Martin, Bryan Cogman, Vanessa Taylor
Elenco: Peter Dinklage, Emilia Clarke, Kit Harington, Sophie Turner, Nikolaj Coster-Waldau, Richard Madden, Maisie Williams, Charles Dance, Stephan Dillane, Carice van Houten, Lena Headey, Finn Jones, Gwendoline Christie, Natalie Dormer, Michelle Fairley, Rose Leslie, Nathalie Emmanuel, Liam Cunningham, Alfie Allen, Isaac Hempstead-Wright, Alfie Allen, Jacob Anderson, Iwan Rheon, Ciáran Hinds, Ed Skrein, Thomas Brodie-Sangster, Ellie Kendrick
Emissora: HBO
Gênero: Ação, Fantasia, Drama
Duração: 60 min
https://www.youtube.com/watch?v=wfSXhMzWoA4
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Crítica | Game of Thrones - 4ª Temporada
Se os fãs achavam que Game of Thrones havia dado tudo de si com o gancho horrendo e trágico do Casamento Vermelho na terceira temporada, eles não sabiam o que estava por vir com a quarta temporada; com exceção dos leitores dos livros, sorrindo de ponta a ponta pelo conhecimento do rumo dos eventos. Dada a complexidade e volume de A Tormenta das Espadas, o quarto ano da série adaptaria a segunda metade desse livro e, por virtude, D.B. Weiss e David Benioff acabariam deixando alguns dos arcos mais saborosos da obra de George R.R. Martin para esse ano.
E foi assim que nós tivemos a melhor temporada da série da HBO até agora, de longe.
A série começa com os Lannister aproveitando a esmagadora vitória contra os Stark durante o Casamento Vermelho, com Jamie Lannister (Nikolaj Coaster-Waldau) enfim retornando para sua família em Porto Real e lutando para recuperar sua habilidade como espadachim e Lorde Comandante da Guarda Real, ainda adaptando-se à sua mão dourada. Mesmo decepcionado com o estado de seu filho, Tywin Lannister (Charles Dance) segue mantendo a ordem e organizando os preparativos para o grandioso casamento real entre o Rei Joffrey (Jack Gleeson) e Margaery Tyrell (Natalie Dorner), enquanto Cersei (Lena Headey) resiste às ordens de seu pai e Tyrion (Peter Dinklage) segue com seu romance proibido com Shae (Sibel Kekilli) enquanto sofre cada vez mais pressão, dessa vez com as ameaças do recém-chegado Príncipe Oberyn Martell (Pedro Pascal), um jurado inimigo dos Lannister que planeja uma vingança.
Já Jon Snow (Kit Harington) mal sobrevive após abandonar os Selvagens e deixar uma furiosa Ygritte (Rose Leslie) para trás, tendo agora que lidar com a burocracia da Patrulha da Noite e tentar convencê-los do iminente ataque de Mance Rayder (Ciáran Hinds) e sua legião. Isso fica um pouco mais possível quando ele ganha o inesperado cargo de Senhor Comandante, o mais alto cargo dos Patrulheiros. Do outro lado, o arco de Arya Stark (Maisie Williams) fica mais interessante quando a jovem Stark é obrigada a viajar ao lado de Sandor Clegane, o Cão (Rory McCann), que fogem de saqueadores e caçadores de recompensa que estão atrás dos dois - e também Brienne de Tarth (Gwendoline Christie) e seu escudeiro Podrick Payne (Daniel Portman), enviada por Jaime para encontrar Arya e levá-la em segurança. Já o debilitado Bran (Isaac Hempstead-Wright) segue com Hodor (Kristian Nairn), Jojen (Thomas Brodie-Sangster) e Meera Reed (Ellie Kendrick) para encontrar respostas sobre sua nova habilidade como warg, buscando pelo mítico Corvo de Três Olhos.
Finalmente, longe de tudo e todos, temos o arco de Daenerys Targaryen (Emilia Clarke). Com uma massa gigantesca de escravos libertos e um exército poderoso de Imaculados, além do auxílio do grupo dos Segundos Filhos liderados por Daario Naharis (agora Michiel Huisman) e seus três dragões gigantescos, a jovem rainha agora avança para Meereen, uma das maiores cidades escravagistas de Essos, na intenção de libertá-la e continuar expandindo sua influência como grande conquistadora.
O Povo contra Tyrion Lannister
Que temporada mais fantástica. Você sabe que está diante de algo especial quando o episódio de abertura consegue atingir um nível excepcional, pois o retorno de GoT sempre foi considerado algo morno - especialmente nas duas temporadas seguintes. Porém, com uma direção requintada de D.B. Weiss e um roteiro primoroso do mesmo e David Benioff, Two Swords faz um trabalho memorável ao oferecer uma passagem de tempo discreta e que eficientemente nos apresenta a esta nova fase da série, começando com algo muito raro na série: uma cena pré-créditos, que aqui situa a posição avantajada dos Lannister ao trazer Tywin derretendo a imponente espada Ice de Ned Stark (Sean Bean) para dar origem a duas novas lâminas de aço valiriano; uma ação altamente simbólica e que perfeitamente situa o contexto do quarto ano.
Tal construção segue-se com perfeita maestria, e logo no segundo episódio, The Lion and the Rose, temos mais um grande choque que torna-se o mote da temporada: o assassinato do impiedoso Joffrey em seu casamento, envenenado misteriosamente pelo líquido em sua bebida. É um evento que surge como uma justiça poética para o espectador, que enfim sente-se vingado ao acompanhar o merecido fim de um dos piores e mais cruéis vilões da televisão americana, e todo o clima de mistério a lá Agatha Christie após sua morte é algo executado com maestria por Alex Graves, que seria responsável pela grande maioria dos episódios dessa temporada. E se na segunda temporada tínhamos uma cantoria heróica do The National para "The Rains of Castamere", este episódio inteligentemente traz uma versão melancólica e fúnebre da mesma canção, agora pelo grupo Sigur Rós - que também tem uma pequena participação na cena do casamento.
A partir daí, temos a definição concreta do arco de Porto Real na quarta temporada. Sansa Stark (Sophie Turner) foge da cidade com Mindinho (Aidan Gillen), revelado como o conspirador para o assassinato do rei, levando a jovem Stark a fim de protegê-la e evitar qualquer suspeita. Isso deixa Tyrion como o grande acusado pelo crime, sendo trancafiado nas masmorras por Cersei e obrigado a esperar por um longo processo que levará o restante da temporada inteira para resolver-se. Mas não enganem-se ao pensar que isso é um grande filler, já que o nível do trabalho de roteiro de todos os envolvidos é primoroso. A começar pelos ótimos diálogos entre Tyrion e Jaime, onde finalmente vemos o segundo abraçar ainda mais a persona nobre e admirável que vinha adquirindo na temporada anterior, rendendo momentos intimistas onde os dois comentam memórias da infância e estabelecem um forte elo, onde Jaime verdadeiramente preza pela vida de seu irmão.
A narrativa caminha então a um dos mais bem escritos e executados momentos da série, que toma grande parte do episódio The Laws of God and Men. Nele, Tyrion é julgado por suas acusações diante de praticamente todo o reino, enfrentando seu pai como réu e a rainha Cersei como principal acusadora, enquanto Jaime luta para selar um acordo nos bastidores a fim de poupar sua vida. Tudo dá errado quando Shae é chamada para testemunhar contra ele, e o texto de Bryan Cogman aqui é excepcional ao trazer toda a raiva que Tyrion vinha guardando diante das injustiças de toda a sua vida e finalmente explodi-las ali mesmo, gritando como "não matou Joffrey, mas como adoraria o ter feito". Talvez seja o ápice absoluto do impecável trabalho de Peter Dinklage em toda série, que merecia ter levado todos os Emmys só por essa cena incrível, onde o anão mé capaz de manter uma cordialidade inacreditável mesmo quando - literalmente - manda todos à merda e exige um julgamento por combate, na maior forma de desafio à seu pai.
E antes de continuarmos a análise dos eventos em Porto Real, é preciso uma pausa para falarmos de Oberyn Martell. Um dos personagens coadjuvantes mais adorados e populares da série, Pedro Pascal oferece ao Víbora Vermelha um aspecto exótico e sensual que acaba tornando todas as suas cenas um atrativo à parte, começando por sua bárbara introdução quando conhecemos seu lado psicopata ao ameaçar dois soldados Lannister em um bordel. Logo depois descobrimos o passado e a motivação de seu personagem, na cidade para vingar a morte de sua irmã pelas mãos dos Lannister, em um diálogo ameaçador e que nos apresenta a um discreto e memorável tema musical de Ramin Djawadi, que brinca com cordas orientais e guitarras para criar algo tão exótico e digno do personagem. Mas o Príncipe é essencial para o arco de Tyrion quando ele se oferece para ser seu representante no julgamento por combate, em uma bela cena onde novamente vemos uma poderosa nuance de Dinklage ao mal acreditar na proposta de Martell.
Isso nos leva à melhor cena da temporada e também um dos melhores momentos de ação de toda a série: a luta central que batiza The Mountain and the Viper, quando Martell enfrenta o bruto Montanha (o gigantesco Hafþór Júlíus Björnsson) no julgamento pela vida de Tyrion. É simplesmente uma aula de como se enquadrar e montar uma luta, com Alex Graves oscilando entre planos médios que nos deixam próximos do combate e planos aéreos que valorizam a riqueza do design de produção, que apresenta uma arena típica dos gladiadores romanos, e também pela diferença de coreografia dos dois lutadores; sendo o Montanha uma força colossal e desajeitada, enquanto Oberyn traz agilidade e movimento em seus diversos saltos e cambalhotas; exacerbados pela montagem precisa e intensa - mas graças aos planos fixos de Graves, a ação nunca torna-se incompreensível pelos cortes rápidos, mas sim mais intensa. E claro, nem precisamos nos lembrar do trágico desfecho da luta, que rende um dos momentos mais imperdoáveis e violentos da série, quando Oberyn é derrotado por seu próprio orgulho; em uma conclusão que definitivamente explodiu nossas cabeças.
A condenação de Tyrion acaba levando a temporada para um de seus eventos mais chocantes, como visto no season finale The Children - um excelente título, diga-se de passagem. Nele, Jaime quebra todas as regras e ajuda seu irmão a fugir de sua morte declarada, conspirando com Varys para libertá-lo das masmorras e guiá-lo para uma passagem secreta que o tirará de Porto Real. Porém, Tyrion acaba encontrando no caminho labiríntico das instalações o quarto de seu pai, onde Shae está em sua cama... Isso entristece o jovem Lannister, que violentamente sufoca sua ex-amante e acaba enfrentando Tywin em uma cena poderosa, onde o filho aponta um mortal arco e flecha para o pai, completamente desarmado enquanto está sentado na privada. Uma conclusão inebriante para um arco tão forte e intenso, que nos despede com Tyrion fugindo de Porto Real escondido em caixas de um navio.
Quem vigia os vigilantes?
Só por todos esses inacreditáveis eventos em Porto Real, a quarta temporada de Game of Thrones facilmente assumiria o posto de melhor ano da série até então. Porém, nossa alegria só aumenta ao perceber que esse mesmo cuidado e precisão também está presente nos outros arcos, que apresentam uma melhora considerável de suas ações anteriores.
A começar por Jon Snow, um personagem que cada vez mais ganha mais camadas, tanto de personalidade quanto de roupas, já que o posto de Comandante da Patrulha da Noite lhe garante ainda mais uma longa capa preta. A dinâmica de Jon tentando convencer os teimosos chefes militares da organização é interessante, ainda mais quando o jovem acaba obtendo uma posição de poder maior, estabelecendo um conflito forte com Alliser Thorne, um dos personagens que mais deu dor de cabeça para Snow durante a primeira temporada, e que servirá como um elemento decisivo para a temporada seguinte.
Quando a inevitável batalha entre os Patrulheiros e os Selvagens finalmente chega em The Watchers on the Wall, temos o retorno de Neil Marshall (que havia comandado o outro episódio inteiramente centrado em batalha, Blackwater) para registrar um dos maiores e mais espetaculares episódios da série até então. Com todos os 50 minutos voltados para o núcleo da Muralha, vemos a vasta legião de seguidores de Mance Rayder iniciar um ataque violento, trazendo até mesmo alguns gigantes para garantir a entrada no recinto - sendo a cena do túnel, onde um dos gigantes vai quebrando o portão de ferro enquanto três patrulheiros apavorados recitam o juramento à Patrulha da Noite um dos pontos altos de todo episódio. Marshall até consegue trazer um belo plano sequência que acompanha diferentes lutas e embates dentro do pátio da Muralha, que ganha um belo visual graças às cores azuladas da noite contrastadas com o amarelo das tochas e fontes de luz.
É aí também que atingimos um dos clímaces mais dramáticos para os personagens, quando o reencontro entre Jon e Ygritte dá-se em plena batalha. A jovem Selvagem é morta por um jovem patrulheiro, partindo o coração de Jon e rendendo um belíssimo plano onde ele segura seu corpo em meio a toda a violência e morte que contempla o fundo. A morte de Ygritte torna-se ainda mais impactante por, em um dos primeiros episódios da temporada, a jovem ter assassinado os pais desse garoto durante um ataque a uma vila, forçando-o a seguir sozinho e acabar juntando-se à Patrulha da Noite. É uma grande ironia e, de certa forma, uma justiça poética, do tipo que só George R.R. Martin é capaz de entregar dessa forma.
As Crianças
Outros arcos com menos tempo também foram capazes de entregar ótimos momentos. Quando voltamos à fuga de Sansa Stark, vemos que Mindinho planeja levá-la para sua tia Lysa Arryn (Kate Dickie) a fim de formar uma aliança e casar Sansa com o mimado Robin (Lino Facioli). É também quando aprendemos todas as reais intenções de Baelish, que está obcecado em conquistar o Trono de Ferro e também perigosamente atraído por Sansa. No episódio Mockingbird, temos uma reviravolta memorável quando o lorde assassina Lyra ao empurrá-la de um profundo poço para os céus, imediatamente nos remetendo ao duelo que salvou Tyrion durante a primeira temporada.
Já a durona Arya garante momentos divertidíssimos graças à sua ótima dinâmica com Clegane. Lidando com o fato de que o antigo Cão de Caça de Joffrey fora um de seus alvos em sua lista imaginária de morte, é uma inimizade crescente e que vai rendendo momentos onde os dois são forçados a trabalhar juntos para sobreviver, como na hilária sequência do frango no bar ou quando a dupla é atacada por canibais. É bom também ver o amadurecimento de Maisie Williams como atriz, que rende ainda o inesperado momento onde os dois chegam no Ninho da Águia para encontrar Lysa, que naquele ponto já havia sido assassinada. A reação de Arya? Uma explosão de risada. Uma gargalhada imensa de uma pessoa que parece não acreditar na quantidade de desgraça e má sorte que a vem seguindo por todos esses anos, e Williams merece aplausos por essa reação incrível e completamente fora do padrão.
Mas um dos grandes destaques desse arco é quando a linha narrativa de Arya e Clegane surpreendentemente cruza-se com a de Brienne e Pod em The Children. Temos aí um conflito de interesse e questões de confiança, já que Clegane tem certeza de que a cavaleira está ali para levá-la de volta aos Lannister onde será executada, sem saber a realidade de que Brienne planeja levá-la para segurança. A negociação acaba falhando e temos aí mais um exemplar de pancadaria incrível, com as forças brutas de Clegane e Brienne enfrentando-se em uma das brigas mais realistas e violentas da série, que rendem um duelo de espadas, orelhas sendo arrancadas na mordida e uma Gwendoline Christie absolutamente surtada quando inicia uma sucessão de socos e jabs para derrotar o Cão de Caça. Que luta, meus amigos.
Já o pequeno Bran e seus amigos seguem para a misteriosa jornada em direção ao Corvo de Três Olhos. Tudo culmina na sequência verdadeiramente apavorante do season finale, quando o grupo é atacado por criaturas conhecidas como Wights, parte do exército de mortos vivos do Caminhantes Brancos. Formados principalmente por esqueletos sinistros com fiapos de roupas e tripas ao redor de seus ossos, é uma cena que nos remete muito ao fantástico trabalho de stop motion do veterano Ray Harryhausen, e Alex Graves novamente é capaz de criar suspense e terror através de sua mise en scène criativa, além de nos trazer o nobre sacrifício de um dos personagens.
Destruidora de Correntes
Finalmente, chegamos ao arco cada vez mais próximo de Westeros de Daenerys Targaryen. Tendo libertado escravos e conquistado um valioso exército de Imaculados, a Rainha dos Dragões agora planeja um ataque à cidade de Meereen, onde visa libertar todos os escravos e assumir sua primeira posição de poder político. É o primeiro teste da jovem como uma líder, já que logo após sua conquista, o sistema econômico da cidade começa a decair fortemente, e diversos comerciantes e até escravos vão até a pirâmide da rainha para pedir o retorno da escravidão.
O roteiro explora diversas questões pertinentes onde o reinado de Daenerys é falho, especialmente no crescente descontrole de um de seus dragões, Drogon. Quando um destes inesperadamente queima os filhos de um fazendeiro, a personagem é posta diante de um imenso dilema, e é forçada a trancafiar seus queridos filhos em um calabouço. É um sacrifício, e vemos ali um dos melhores momentos de Emilia Clarke no papel, quando Daenerys luta para conter as lágrimas enquanto a gigantesca porta de pedra fecha-se sobre as criaturas digitais gritando.
Além disso, o círculo pessoal de Daenerys sofre mudanças interessantes. A relação com Daario Naharis torna-se mais íntima, com o mercenário tornando-se seu amante, para total desesperto e angústia de Jorah Mormont (Ian Glein), que nunca de fato teve sua paixão pela jovem rainha declarada, mas sempre foi evidente. E a situação não melhora para o nosso querido Cavaleiro da Friendzone, já que chega ao conhecimento de Daenerys um fato muito específico da primeira temporada, que o cavaleiro exilado tinha sido enviado em uma missão para espionar os primeiros passos de Targaryen e reportá-los para Robert Baratheon, uma função que ele abandonara a muito tempo. Mas não foi o bastante para Daenerys, que exila o cavaleiro, seu grande aliado desde o início. Definitivamente foi um ano de testes para Daenerys, mas conseguimos ver como essas ações crescem seu desenvolvimento e amadurecimento.
A quarta temporada de Game of Thrones é um grande deleite. Traz alguns dos melhores momentos de toda a série, sempre testando os limites de seus personagens e forçando-os a tomar decisões difíceis, ao mesmo tempo em que aumenta a escala do espetáculo e ajuda a tornar a produção da HBO um acontecimento lendário. A melhor temporada da série, e uma das melhores da História da Televisão.
Game of Thrones - 4ª Temporada (Idem, EUA - 2014)
Criado por: David Benioff, D.B. Weiss
Direção: Alex Graves, D.B. Weiss, Alik Sakharov, Michelle MacLaren, Neil Marshall
Roteiro: David Benioff, D.B. Weiss, George R.R. Martin, Bryan Cogman, Vanessa Taylor
Elenco: Peter Dinklage, Emilia Clarke, Kit Harington, Sophie Turner, Nikolaj Coster-Waldau, Maisie Williams, Charles Dance, Stephan Dillane, Carice van Houten, Lena Headey, Finn Jones, Gwendoline Christie, Natalie Dormer, Rose Leslie, Nathalie Emmanuel, Kristofer Hivju, Pedro Pascal, Diana Rigg, Liam Cunningham, Alfie Allen, Isaac Hempstead-Wright, Kristian Nairn, Alfie Allen, Jacob Anderson, Iwan Rheon, Ciáran Hinds, Michiel Huisman, Thomas Brodie-Sangster, Ellie Kendrick, Daniel Portman, Kate Dickie, Lino Facioli,
Emissora: HBO
Gênero: Ação, Fantasia, Drama
Duração: 60 min
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Review | Spider-Man 2: The Game
Todo lançamento de um filme do Homem-Aranha sempre foi acompanhado de um game licenciado. Provavelmente por esse caráter puramente mercadológico, a maioria dos produtos entregues pela Activision não foram da maior qualidade, visto que sua intenção estava mais voltada para acompanhar a estreia de seu respectivo filme, e não mergulhar em um experimento artístico e criativo como outras franquias de game mais inovadoras. Porém, se Homem-Aranha 2 acabou tornando-se o melhor filme do personagem em 2004, os deuses atenderam os pedidos dos fãs, e Spider-Man 2: The Game, seguiu à risca o sucesso do longa e acabou entregando o melhor game do Cabeça-de-Teia já feito, além de um dos melhores exemplares na categoria de super-heróis.
O jogo de 2004 segue os mesmos eventos e linha narrativa do filme de Sam Raimi, com Peter Parker (dublado por Tobey Maguire, veja só), lidando com as dificuldades da vida como Homem-Aranha e buscando uma forma de balancear sua vida dupla, ao mesmo tempo em que novos vilões, especialmente o Doutor Octopus (Alfred Molina, reprisando seu papel) aparecem para infernizar sua rotina e colocar suas responsabilidades em xeque. Claro, toda a trama do filme ganha mais recheio e subtramas para tornar o game mais longo, trazendo personagens como a Gata Negra, Rino, Mysterio e o Shocker à mistura de antagonistas.
Que maravilha é este jogo. Mesmo que já tivessemos tido algumas adaptações competentes e divertidas com o personagem, mais notavelmente nos dois exemplares para Playstation 1 e Nintendo 64 no início dos anos 2000, foi só com Spider-Man 2 que tivemos a real noção do que é ser o Homem-Aranha. Muito disso está ligado ao fato de termos, pela primeira vez, um mundo aberto sandbox para controlar o herói, oferecendo ao jogador um mapa extenso e bem interativo de uma Nova York reduzida, mas cheia de surpresas - com a possibilidade de cruzar até a Ilha da Liberdade e escalar a estátua da Lady Liberty um dos pontos altos. Os imponentes arranha céus de Manhattan também garantem uma experiência memorável, com um real senso de vertigem ao escalar a estrutura gigantesca do Empire State Building e dar verdadeiros "mergulhos" pela cidade.
Aliás, em termos de mecânica, tivemos a mudança mais relevante de toda a história dos games do Aranha: o sistema de swinging. Sempre tivemos aquela jogabilidade estranha onde o herói soltava suas teias para cima, literalmente no céu, para poder se balançar, gerando um movimento contínuo e praticamente artificial. Aqui, os desenvolvedores apostam em algo mais realista e dependente da física do ambiente, com o Aranha disparando suas teias em prédios e objetos para poder se movimentar, e os analógicos e gatilhos do controle são decisivos para direcionar e ajustar a intensidade do swinging do herói; garantindo assim uma experiência muito mais imersiva e que realmente passa a impressão de estar se balançando pelos prédios de Nova York. É simplesmente incrível, e o efeito continua orgânico até hoje, mesmo 13 anos depois de seu lançamento - e é bom ver como a mecânica foi evoluída em games como The Amazing Spider-Man 2, que ousou ao colocar cada lado do controle como um braço do personagem.
Em termos gráficos, é evidente que o jogo tenha envelhecido bem mal. Todos os personagens são quadrados e sem expressões faciais alternantes, o que é uma pena considerando que Maguire, Molina e Kirsten Dunst reprisam seus papéis dos filmes aqui, e também é curioso que o gráfico tenha sofrido uma considerável piorada após o resultado do game do primeiro filme. Só melhora em algumas cutscenes selecionadas, que recriam cenas como o experimento de Octopus, a introdução de Mysterio ou o grande clímax da narrativa. A textura e chapa da cidade também ganha um pouco mais de vida, sendo realmente bonito observar o skyline de Nova York durante a noite, e as cores acompanham as mudanças de forma eficiente.
Mas confesso que esse gráfico fraco não interfere na jogatina. A mecânica excepcional contribui para que todas as missões oferecidas pelo jogo tornem-se divertidas e absolutamente viciantes. O sistema de combate traz o agora famoso estilo de "refletir e revidar", sendo possível também usar o sentido aranha do protagonista para deixar o tempo mais devagar e calcular melhor os golpes, algo que viria a ser exacerbado à perfeição pela franquia Batman Arkham.
Quando temos duelos com vilões como Rino e Dock Ock, essa tática é elaborada com o jogador tendo que usar a força dos inimigos como vantagem, seja prendendo os tentáculos de Octopus com a teia ou desviando das chifradas poderosas do Rinoceronte para estonteá-lo. Shocker também ganha esse tipo de abordagem, mas com algumas interações mais criativas do ambiente para tornar as lutas mais dinâmicas e desafiadoras, especialmente por suas habilidades de choque. Porém, é mesmo com o ilusionista Mysterio que os realizadores abusam mais da criatividade, oferecendo níveis que parecem ter inspirado Christopher Nolan a desenvolver seu A Origem, onde temos o herói protagonizando lutas em cenários giratórios com inimigos que variam entre palhaços armados, drones alienígenas e até doppelgangers deformados de si mesmo; em uma verdadeira viagem psicodélica pelos truques do vilão. Temos uma casa de circo, um teatro em chamas e até um memorável desafio pela Estátua da Liberdade, e todas essas missões só aumentam a vontade de ver o personagem ganhando as telas do cinema.
As missões paralelas também são primorosas. Quase como na franquia Grand Thef Auto, o jogador tem a possibilidade de completar diversas quests, desafios e outras ativididades em paralelo à narrativa principal, sendo necessário atingir uma certa quantidade de pontos para continuar progredindo a narrativa. Diversos crimes vão aparecendo no mapa, sempre com pedestres aleatórios ajudando o Aranha a encontrar problemas como assaltos, roubos de carros armados, incêndios e até mesmo barcos afundando no rio - sem falar no balão de uma criança que sempre acaba se perdendo entre os prédios. Mas nada supera a side mission mais impagável do game: atuar como entregador de pizza! Seguindo a ideia do segundo filme, temos desafios onde corremos contra o tempo para entregar pizzas em diferentes pontos da cidade, requerindo também cuidado para não estragar a comida durante as cambalhotas e balançadas pela cidade. Ah, velhos tempos...
No quesito história, o jogo segue bem todos os pontos do roteiro de Alvin Sargent, ainda que apresse e resuma diversos eventos a fim de garantir um ritmo mais intenso - a transformação de Dock Ock carece de todo o desenvolvimento e humanismo de sua versão cinematográfica, mas é compreensível por estarmos o game todo do ponto de vista do Aranha. Porém, graças à inclusão da Gata Negra, o jogo nos leva a alguns insights muito interessantes da mitologia do Aranha, trazendo a adorável dinâmica entre os dois vigilantes de forma enigmática e instigante, e o fato de termos diversas narrações em off de Parker onde ele simplesmente fala sozinho e reflete sobre os acontecimentos ajudam a colocar o jogador ao seu lado - sendo um plus o fato de termos Maguire como a voz original. Em determinada fase do game, estamos apenas nos balançando pelos prédios e seguindo a Gata Negra, sendo acompanhados pelos pensamentos de Peter acerca de Mary Jane, Harry Osborn e sua própria dúvida quanto a ser ou não o Homem-Aranha. Nada como uma exposição bem escrita e bem colocada para matar horas de silêncio durante o gameplay.
Não há dúvidas: este é o melhor jogo do Homem-Aranha já feito até hoje. Revolucionário em sua mecânica imersiva, o game da Activision deu uma liberdade imensa e uma experiência completamente imersiva aos jogadores, que puderam ter um gostinho de como é ser o Homem-Aranha e se balançar pelos prédios de Nova York. Ainda que imperfeito e um tanto datado, é uma conquista valiosa.
Spider-Man 2: The Game (EUA – 2004)
Desenvolvedora: Activision, Treyarch, The Fizz Factor, Vicarious Visions, Aspyr Media, Backbone Entertainment, Driver-Inter, Ltd.
Gênero: Aventura
Plataformas: Playstation 2, Nintendo Gamecube, GameBoy Advance, PC
Crítica | Master of None - 2ª Temporada
Lançada em 2015 na Netflix, Master of None foi um tremendo sucesso de crítica, facilmente colocando a comédia dramática do comediante indiano Aziz Ansari entre uma das melhores realizações contemporâneas do gênero. Aliás, não seria exagero algum taxá-la como a melhor série que o serviço de streaming já nos trouxe até hoje, e que felizmente ganhou uma segunda temporada, mesmo que esta demorasse um ano a mais para chegar. Porém, agora finalmente estamos diante de mais 10 episódios da comédia de Ansari e Alan Yang, com um novo ano que solidifica o talento da dupla e oferece um novo nível para o seriado.
A nova temporada começa de forma muito ambiciosa, com Dev (Ansari) vivendo na Itália onde participa de um curso de massas, onde tem uma forte amizade com a bela Francesca (Alessandra Mastronardi) e busca novas perspectivas de vida após seu término com Rachel (Noël Wells). De volta para Nova York, Dev novamente tem novas crônicas com seus amigos, pais, relacionamentos amorosos, e, especialmente, em sua nova carreira na televisão, que lhe garante um emprego como host de um game show culinário, ao mesmo tempo em que vê no influente Chef Jeff (Bobby Cannavale) uma chance de enfim explodir no ramo.
Ao contrário de sua antecessora, essa temporada de Master of None oferece uma estrutura de episódios muito mais isolada, que diversas vezes ignora o uso de uma narrativa contínua ao longo dos 10 capítulos, preferindo-se focar em situações ou personagens coadjuvantes no mundo de Dev. Por exemplo, temos um episódio inteiro dedicado à personagem de Denise (Lena Waithe) e sua amizade e descoberta sexual, marcado pela evolução de diferentes feriados de Thanksgivings, ao passo em que em outro episódio temos uma narrativa completamente inspirada nos longas Nova York, Eu te Amo ou Paris, Eu te Amo, com a história movendo-se livremente para acompanhar diferentes personagens em Manhattan, sem qualquer ligação que seja com o protagonista ou o arco de sua história.
Isso oferece à série um caráter livre de vinhetas e até esquetes, onde a prosa inteligente de Ansari e Yang é capaz de explorar muito mais temas do que a primeira, que acabava centrada na perspectiva do imigrante indiano em meio ao show biz americano. Aqui, a gama expande-se para um setor mais específico do audiovisual, chegando até mesmo a abordar assédio sexual nos bastidores, ao mesmo tempo em que consegue tratar da religião indiana, a dificuldade de aceitação da orientação sexual por parte da família (vide o episódio de Denise), o amor na fase idosa e até um olhar muito bem humorado sobre namoro virtual e aplicativos para solteiros - assim como a forma de comunicação transformada por smartphones e textings. É um estilo de humor que remete muito àquele de Jerry Seinfeld e Larry David na obra máxima da televisão humorística, com a diferença de que Ansari constantemente opta por uma melancolia muito bem-vinda.
Basta observar o primeiro episódio da série, que por si só poderia ser considerado uma obra-prima. Audaciosamente dirigido por Ansari, The Thief toma clara inspiração do cinema de Federico Fellini para apresentar o espectador à vida de Dev na Itália, adotando uma fotografia preto e branco e uma trilha sonora que evoca à música do cinema italiano dos anos 60, além das notáveis citações do personagem em nomes dessa vanguarda. É um episódio que impressiona pela simplicidade e pela naturalidade, chegando a evocar Richard Linklater e sua trilogia do Antes quando Dev acaba conhecendo uma jovem britânica de férias, desenvolvendo ali uma rápida relação através de diálogos sinceros e atuações descontraídas. Vale apontar também como a estética deste episódio é fabulosa, com Ansari revelando-se um diretor com apuro visual notável, fazendo belo uso de planos abertos que valorizam a beleza da arquitetura italiana e o isolamento dos personagens. É difícil pensar em outra comédia que tenha um apuro estético tão sofisticado e elaborado quanto o visto aqui.
É uma segurança muito grande com a linguagem abordada aqui. Retomando o episódio de antologias New York, I Love You, não só o episódio merece créditos por apostar em figuras completamente diferentes e aleatórias, mas pela forma com que narra cada uma das historinhas. Em particular, o instante em que acompanhamos um casal de surdos, fazendo com que todo o áudio seja eliminado e transformando a narrativa em um exercício puramente visual, com as legendas nos ajudando a entender os diálogos em linguagem de sinal - aliás, temos uma hilária sequência com a discussão muda mais sexualmente explícita já feita, sem sombra de dúvida.
Seguindo essa fórmula, First Date oferece uma verdadeira aula de montagem ao abordar os diferentes encontros que Dev tem com mulheres de um aplicativo de namoro à lá Tinder. Durante praticamente todo o episódio, a montadora Jennifer Lilly constantemente intercala os diferentes eventos envolvendo o protagonista, construindo uma narrativa ágil e dinâmica, e que diverte graças às diferentes reações das possíveis namoradas com as ações de Dev, assim como estabelece o modus operandi praticamente imutável do comediante. É uma aposta arriscada que funciona principalmente pela precisão de Lilly, assim como os diálogos que conseguem ilustrar de forma verossímil e moderna esse tipo de relacionamento - em outras palavras, é escrito por pessoas que realmente sabem como essa tecnologia funciona, o que garante um resultado natural e nada forçado.
E os fãs da série certamente lembram de cabeça do famoso episódio Nashville, onde Ansari demonstra uma comovente faceta romântica ao relatar a viagem de Dev com sua então namorada Rachel. Pois bem, aqui o "equivalente", de certa forma, àquele episódio vem na forma de Amarsi un Po, um episódio que merece nada menos do que - perdão pela repetição - o título de obra-prima. Estendendo-se por quase 1 hora, o penúltimo episódio narra o período de aproximadamente um mês o qual Francesca visita Dev em Nova York, com os dois saindo para diversos encontros e passeios pela Grande Maçã, com uma incontrolável paixão do protagonista florescendo pela amiga - que, para complicar, acaba de anunciar seu noivado. O que se segue é uma narrativamente profundamente emocional onde o espectador realmente se envolve com o drama do personagem, e o clima fortemente romântico (acrescente dança lenta com música italiana e uma nevasca que prende os dois em um local fechado) é de um nível simplesmente indescritível. Poesia pura, e vale apontar o carisma da maravilhosa Alessandra Mastronardi.
O segundo ano de Master of None é uma verdadeira pérola da comédia contemporânea. Não só é capaz de explorar uma gama muito maior do que sua já ótima primeira temporada, mas Aziz Ansari e Alan Yang triunfam ao trazer histórias com temas variados e um olhar cômico único, que navega pelo drama e pelo romance de forma belíssima. Pra entrar pra História.
Master of None - 2ª Temporada (EUA, 2017)
Criado por: Aziz Ansari e Alan Yang
Direção: Aziz Ansari, Alan Yang, Eric Wareheim, Melina Matsoukas
Roteiro: Aziz Ansari, Alan Yang, Lena Waithe
Elenco: Aziz Ansari, Eric Wareheim, Lena Waithe, Bobby Cannavale, Alessandra Mastronardi, Kelvin Yu, John Legend, Riccardo Scamarcio
Emissora: Netflix
Episódios: 10
Gênero: Comédia
Duração: 30-50 min, aprox
https://www.youtube.com/watch?v=yZTo7U1GoWs
Review | LEGO Star Wars: O Despertar da Força
A expressão "não mexa em time que está ganhando" foi praticamente um mantra seguido pelos jogos de console da LEGO. Iniciando sua bem humorada e divertida trajetória nos games em 2005, com o lançamento do primeiro LEGO Star Wars, a empresa fez com a Tt Games e a Warner Games uma franquia rentável e agradável, oferecendo diversas adaptações de algumas de suas marcas inspiradas em filmes, como Indiana Jones, Harry Potter, O Senhor dos Anéis e Piratas do Caribe. Ao longo dos anos, a fórmula e jogabilidade foi mantida a mesma, com apenas elementos e dinâmicas ganhando atualizações aqui e ali.
Tudo muda com o lançamento de LEGO Star Wars: O Despertar da Força, que enfim oferece um upgrade formidável para a franquia dos bloquinhos de montar, ao mesmo tempo em que mantém sua ingenuidade e as inúmeras marcas registradas que tornaram seus jogos memoráveis.
O game adapta todos os eventos de O Despertar da Força, uma tarefa difícil considerando que cada jogo de Star Wars da LEGO trazia consigo toda uma trilogia disponível, o que obriga os realizadores a expandirem alguns eventos do Episódio VII e até trazer um breve prólogo que nos joga de volta à Batalha de Endor. Passados os 30 anos, acompanhamos a missão de Poe Dameron de obter o mapa para Luke Skywalker, os encontros entre a sucateira Rey e o stormtrooper desertor Finn, o retorno de Han Solo, Leia e Chewbacca e a ameaça do descontrolado vilão Kylo Ren. Tudo isso com o humor inocente e o charme da LEGO.
A grande mudança desse game consiste em sua jogabilidade. É mais complexa e exige mais do jogador do que os anteriores, oferecendo agora a possibilidade de reaproveitar peças de LEGO previamente usadas em outras construções - rendendo puzzles mais desenvolvidos e que exigem que certas ações sejam tomadas antes de outras - um modo shooter digno de Call of Duty que faz forte uso do modo cover e traz uma mira livre que torna os tiroteios mais ferozes (os inimigos não são mais derrotados com apenas um tiro) e um modo de voo mais solto e vívido do que os anteriores. Ainda temos os personagens específicos para certas funções (Finn tem acesso a códigos da Primeira Ordem, Rey pode escalar paredes e Chewie tem sua força bruta, por exemplo), e todos ganham uma distribuição engenhosa, o que favorece também o eficiente modo multiplayer.
Um probleminha que a inovação traz infelizmente se manifesta na seleção de armas. Diferente dos anteriores, é possível carregar diferentes objetos de ataque aqui, e isso ocasiona uma confusão na IA que pode tornar-se um pequeno empecilho. Por exemplo, em certo momento do game, Finn recebe o sabre de luz de Luke Skywalker, tendo a oportunidade de usar tanto a milenar arma Jedi quanto seu blaster. Porém, ambas as armas são acionadas pelo mesmo botão, o que pode fazer com que esta troque-se subitamente. E sejamos sincero, se eu tenho a opção de usar um sabre de luz, eu não quero ter um blaster subitamente colocado em minhas mãos.
Um fator inédito para a franquia é que este game conta com o elenco original de O Despertar da Força que, além de trechos de áudio retirados diretamente do filme, oferecem novos trabalhos vocais para seus respectivos personagens; isso mesmo, até o próprio Harrison Ford traz novíssimas pérolas e frases de efeito para seu veterano Han Solo, enquanto Daisy Ridley e John Boyega ganham mais espaço ao terem mais diálogos e efeitos sonoros mais presentes - como gritos, suspiros e outras interjeições vocais. O design de cada bonequinho também é espetacular, sendo admirável reparar nas diferentes expressões de cada um, como estas vão se alterando se o jogador comete um erro ou simplesmente o deixa parado ali, assim como os objetos e armas; o sabre de luz de Kylo Ren é um espetáculo de animação à parte.
Mas talvez o grandessíssimo game changer venha após a conclusão da campanha. Surpreendentemente, completar a história principal só garante ao jogador meros 22% de conclusão geral, tendo um verdadeiro universo de extras, missões secundárias e um mundo aberto explorável através de diferentes planetas e ambientes atravessados pelo jogo. Isso permite ao jogador revisitar diversos lugares e ser surpreendido por esta vasta variedade de atividades, incluindo também corridas, desafios e até mapas de missões que incluem novas aventuras de Poe Dameron, acompanhar as caçadas de Han Solo aos rathtars e até uma ótima missão com o personagem Lor San Tekka (que, sim, conta com a dublagem de Max Von Sydow!). Todas estas disponíveis no indispensável Season Pass da Deluxe Edition do jogo, que oferece ainda personagens exclusivos de O Império Contra-Ataca e muitas surpresas.
Possivelmente este é o melhor jogo da franquia LEGO até agora. Permanece engraçado com suas paródias e rende uma boa adaptação de O Despertar da Força, conseguindo explorar com criatividade o vasto universo da saga e até dar uma atenção maior (e mais personalidade) a alguns elementos que acabaram superficiais no filme, rendendo horas e horas de muita diversão e entrenimento. Nesse ritmo, mal posso esperar para a inevitável e promissora adaptação de Rogue One aos bloquinhos...
LEGO Star Wars: O Despertar da Força (LEGO Star Wars: The Force Awakens, EUA – 2016)
Desenvolvedora: Tt Games, Warner Bros Games e LucasFilm
Gênero: Aventura
Plataformas: PC, Xbox One, PS4, PS3
Crítica | Rogue One: Uma História Star Wars - Trilha Sonora Original
É uma profunda heresia pensar na ideia de Star Wars sem a presença de John Williams. Um dos grandes charmes da saga de George Lucas é justamente o número de composições musicais e temas icônicos que o lendário maestro já presenteou ao mundo, desde os heróicos temas da Aliança Rebelde, passando pela epicidade das batalhas especiais e a clássica peça musical que traduz a opressão de Darth Vader. Não seria exagero dizer que Star Wars tem os temas mais memoráveis e reconhecíveis da História do Cinema.
Quando fora dada a notícia de que Williams não retornaria para Rogue One: Uma História Star Wars, o desespero pairou sobre minha mente, ainda mais tendo em vista que Alexandre Desplat seria seu substituto - um excelente nome, mas eu pessoalmente não vejo o estilo de Desplat encaixando-se dentro dessa proposta. E há pouco mais de um mês de seu lançamento, provavelmente por fruto das refilmagens do filme, Desplat foi trocado por Michael Giacchino. A pressão em cima do oscarizado compositor era grandiosíssima, não só por calçar os sapatos enormes de Williams, mas também pela embaraçosa situação de se estar no lugar de uma pessoa contratada anteriormente.
Felizmente, para nós, John Williams e toda a galáxia tão, tão distante... Giacchino foi a escolha certa.
As próprias diferenças estruturais e temáticas de Rogue One permitem que Michael Giacchino possa experimentar coisas diferentes. Por exemplo, sem a presença do icônico letreiro da saga, a música de Giacchino começa abruptamente com He's Here for Us, onde nos introduz aos dois principais grandes temas do filme: o da heroína Jyn Erso e do vilão Diretor Krennic. É uma orquestra clássica e romântica, com trompetes mais graves para Krennic e algo mais harmonioso para Jyn, mas ambas as peças merecem créditos por terem uma identidade bem formada, que vai se manifestando ao longo das faixas seguintes. Ainda na introdutória, vale destacar o uso das flautas e dos violinos para salientar a tensão da cena, que marca a chegada de Krennic ao esconderijo de Galen Erso.
https://www.youtube.com/watch?v=ZM-XAtAeYBY
O drama de Jyn Erso mantem o belo tema de Giacchino, até o momento em que temos uma arranjo mais melancólico e que utiliza o piano em Star-Dust, provocando um efeito muito dramático e que fortalece a cena na qual Jyn assiste à mensgem de holograma de seu pai. As cordas e o piano vão mesclando-se para criar uma faixa silenciosa, o que gera um contraste impecável com a cena entrecortada com o primeiro disparo da Estrela da Morte - tendo uma nota de piano mais grave quando o raio de fato atinge o planeta. Esse efeito retorna de forma mais intensa em Confrontation on Eadu, onde o tema de Jyn explode durante um momento mais trágico com seu pai, da mesma forma que atinge níveis operáticos, dignos de uma grande tragédia grega, com Your Father Would Be Proud, no uso mais espetacular do tema da personagem.
Então chegamos à ação de Rogue One, e a forma como Giacchino opta por musicá-la. De um lado, temos uma emulação muito fiel ao estilo de John Williams, com a orquestra pesada e divertida em algo como Jedha Ambush ou AT-ACT Assault, onde podemos ouvir também uma presença considerável de instrumentos de sopro doce; isso rende alguns momentos mais leves, como quando Cassian fica surpreso com a competência de Jyn em derrubar diversos stormtroopers durante um combate. Porém, Giacchino traz algo mais original e moderno ao abraçar o aspecto de guerra do longa, vide os tambores militares em Rogue One e a percussão mais intensa em The Master Switch - que traz também um coral mais discreto e coadjuvante do que os que estamos acostumados a ouvir na saga. Bem, com exceção do coral ouvido em Hope, que garante todo o pavor e horror da fantástica cena na qual é tocada.
Outro aspecto fascinante da trilha e que quase passa batido no álbum é Guardians of the Whills, tema suave e de arranjo lento que é dedicado ao personagem Chirrut Îmwe e sua percepção religiosa da Força. A faixa move-se com uma percussão quase mística, com as cordas puxando para um estilo mais oriental, bem preenchido pelo coral de fundo. Só fico decepcionado por não termos os tambores típicos de um filme de Kung Fu aqui, instrumento que marca a cena em que Chirrut derrota um grupo de stormtroopers com um bastão.
https://www.youtube.com/watch?v=RaEzKRngCyY
Mas claro, Giacchino não poderia deixar de lado alguns temas clássicos de Williams. Por exemplo, a sombria Krennic's Aspirations é o esperado momento em que temos o retorno de Darth Vader, e ouvimos trechos da famosa Imperial March lentamente dominando a faixa tensa que contava com algumas notas do tema do Diretor imperial. Temos também um pouco de Binary Sunset em Trust Go Both Ways, marcando a clássica cena de decolagem da nave à missão principal e o tema da Princesa Leia literalmente na última cena, com a faixa Hope, costurando musicalmente o final deste filme com os eventos de Uma Nova Esperança. São nods aos temas de Williams, todos feitos de maneira orgânica e bem-vinda.
Eu não poderia estar mais satisfeito com a competência e qualidade desta trilha sonora. Mesmo sem a presença do mito John Williams, Michael Giacchino fez um ótimo trabalho na criação da trilha original de Rogue One: Uma História Star Wars. Ainda que não seja algo do altíssimo nível do veterano compositor, fica bem claro que Giacchino é um excelente nome para se continuar na franquia. A Força é forte aqui.
Crítica | Westworld - 01x09: The Well-Tempered Clavier
Spoilers!
A cada semana que se passa, eu acho que Westworld não pode ser capaz de me surpreender mais. E como é bom estar enganado, já que The Well-Tempered Clavier mostrou-se um episódio ainda mais empolgante e revelador do que o seu antecessor, onde a confirmação de teorias e a revelação de mistérios que vinham desde o início da temporada são mais excitantes do que a própria ideia de teorizá-los. Não pela infantil constatação do "ah, eu sabia!", mas pela forma maravilhosa com que foram executados.
Vi que o episódio seria no mínimo excelente ao notar no nome de Michelle MacLaren na função de direção, e já vemos o toque da veterana que já passou por Breaking Bad e Game of Thrones logo na primeira cena, que nos leva novamente à Maeve (Thandie Newton) tendo um despertar de consciência no laboratório do parque. Porém, dessa vez ela o tem com Bernard (Jeffrey Wright), e a extensão de seu poder é revelado quando ela facilmente controla seu colega Anfitrião e o faz novamente descobrir sua natureza. Maeve sai do interrogatório e retorna ao parque, onde continua o plano de reunir seu exército e escapar.
É então que ela se reencontra com Hector Escaton (Rodrigo Santoro), e o convence da natureza artificial de Westworld através de um bom jogo de "prever o futuro" e o conteúdo do cofre que move a narrativa do criminoso. Foi uma cena belíssima que ainda contou com um momento de puro brilhantismo cinematográfico ao trazer Hector e Maeve se beijando loucamente enquanto são engolidos pela chama do incêndio provocado por ela, prometendo levá-lo "ao Inferno" para que confrontem aqueles que os controlam. Nada mais simbólico e apropriado do que um beijo apaixonado em meio a um incêndio para simbolizar essa jornada.
Já o Homem de Preto (Ed Harris) permanece preso com Teddy (James Marsden) e os misteriosos mascarados de Wyatt. Teddy acaba com a revelação de que fora ele mesmo quem cometera o massacre a qual ele culpava Wyatt, mas sendo uma subtrama ainda não muito clara, acredito que isso seja apenas o personagem lembrando-se de uma programação anterior. São os assuntos do MiB que mais interessam, e após uma cena verdadeiramente angustiante onde o sujeito quase é enforcado pelo próprio cavalo (mais uma amostra da direção impecável de MacLaren), temos a revelação de que ele de fato é um dos membros do Conselho da Delos quando ninguém menos do que Charlotte (Tessa Thompson) aparece ali para conversar. Descobrimos ainda que ele está envolvido na espionagem que matou Teresa Cullen, além de ter sido um investidor que salvou o parque anos atrás. Vocês sabem aonde quero chegar, certo?
William! Isso aí, esse episódio praticamente falou com todas as letras que Jimmi Simpson e Ed Harris estão, SIM, vivendo o mesmo personagem em linhas temporais distintas. Não só a informação de que o MiB salvou o parque batem com a informação que Logan (Ben Barnes) entrega no segundo episódio - de que o parque estaria sangrando dinheiro - como também temos outra pista importantíssima para confirmar a teoria. Logan entrega a William a foto de sua irmã, e é a mesma foto que Peter Abernathy (Louis Herthum) encontrou no primeiro episódio, e que causou toda a anomalia de autoconsciência nos Anfitriões. Se William recebeu aquela mesmíssima foto, é um fato incontestável de que sua narrativa acontece num período passado.
E como se isso já não fosse o bastante, o que dizer das mudanças enfrentadas pelo personagem neste episódio? Reencontrado por um Logan um tanto homicida (mais do que o comum, digo), o sujeito vê Dolores (Evan Rachel Wood) sendo aberta em sua frente, revelando seu esqueleto de metal e fazendo-o "retornar à realidade" de que tudo à sua volta é apenas um... Jogo. O surto é tão grande que William acaba destroçando dezenas de Anfitriões do acampamento, o que também cria uma conexão com o fato de o MiB ter dito em um dos primeiros episódios que "havia aberto um anfitrião" quando chegou no parque. William também parece bem mais agressivo e violento, chegando até a ameaçar Logan com uma faca (muito familiar, por sinal), em uma ótima amostra do talento de Simpson. E ele ainda fala que finalmente entendeu como "se joga o jogo" de Westworld. Não devem sobrar dúvidas, certo?
Outra popular teoria que acabou concretizada tem a ver com o próprio Bernard. Após retomar sua autoconsciência com Maeve, o Anfitrião vai até o escritório de Ford (Anthony Hopkins) atrás de respostas, e também para enfim descobrir quem diabos é o tal Arnold. E, como muitos fãs já haviam apontado nos fóruns, Arnold é Bernard. Digo, Bernard é um Anfitrião criado à imagem de Arnold, algo que descobrimos através de uma série de flashbacks e insights da memória base de Bernard, em uma cena poderosa entre Wright - ele descobre ser o assassino de Elsie - e a frieza implacável de Hopkins. Foi um ótimo texto de Dan Dietz e Kath Lingenfelter, que ainda subvertem as expectativas ao dar a Bernard a ilusão de controle da situação ao trazer de volta a Clementine lobotomizada (Angela Sarafyan) para ameaçar a vida de Ford. Mas descobrimos que o próprio criador permitiu isso, nos mostrando que a manipulação de Ford realmente não tem limites, até mesmo quando ele ordena que Bernard atire na própria cabeça. Será o fim?
Por fim, a história de Arnold ficou muito clara também graças a Dolores. Separada de William após o ataque de Logan, a Anfitriã retorna para a igreja onde a voz misteriosa continuava a guiá-la, onde temos uma montagem habilidosa que mistura dois períodos temporais - distinguiveis graças à troca de figurino da personagem - e nos para os anos iniciais do parque, onde vemos até o Ford rejuvenescido novamente. Dolores desce até o subsolo para revelar uma sala que já havíamos visto diversas vezes, um local escuro com uma cela de vidro onde a Anfitriã sempre era interrogada por Bernard... Mas a natureza da cena nos faz reavaliar tudo o que já havíamos visto, e agora temos a realização de que todas aquelas cenas de entrevistas eram de Dolores com o próprio Arnold, no passado. Ou seja, Westworld tem três linhas temporais agora.
Mas então, como isso é possível já que o próprio Ed Harris apareceu para Dolores no final dessa cena? Simples. Da mesma forma como Dolores foi capaz de ser esfaqueada por Logan e sair dali literalmente ilesa: todo esse arco com William é uma memória, uma memória que a voz de Arnold constantemente lhe sussurra para "lembrar-se", assim como as próprias interações entre os dois. Temos também a revelação de que foi a própria Dolores quem matou Arnold no passado. Mas o que move Dolores a "se lembrar" então? Por que ela foi até ali se Arnold realmente está morto? O quê está provocando tudo isso?
Esse é o único mistério que Westworld ainda não revelou. E com apenas um episódio restante, eu não poderia estar mais empolgado para testemunhar os desdobramentos desses eventos. Esses eventos que certamente terão fins violentos.