Fazia tempo que o Brasil não aparecia com tanto destaque no exterior como agora. Com as Olimpíadas e a Copa sediadas aqui, era questão de tempo para que aparecesse um filme comercial-turístico para agitar a Economia e o turismo da Nação. Na década de 40, Walt Disney estava passeando pela América Latina a fim de conquistar aliados para a 2ª Guerra Mundial, seguindo a política da “Boa Vizinhança”. Durante sua estadia no Rio de Janeiro, maravilhou-se com o lugar e resolveu presentear os cariocas com um dos personagens mais carismáticos da empresa do Mickey, o Zé Carioca. Agora, Saldanha e a Blue Sky Studios afirmam sua especialidade no terreno animado dominado pela Disney/Pixar com um filme que consegue ser um belo retrato do Rio, abandonando o papagaio e apresentando a arara azul.
Blu é uma arara que não tem contato com outras aves graças ao protecionismo de sua dona, Linda, que nunca deixa de mimá-lo. Mas tudo isso muda quando Tulio, um ornitólogo, visita Minnesota a sua procura e revela que Blu é o último macho de sua espécie e que ele e Linda precisam viajar ao Rio para que ele conheça Jade e perpetue a espécie. Chegando lá, Blu descobre um mundo completamente novo cheio de aventuras onde fará vários amigos.
Venha para o Rio!
O roteiro de Don Rhymer e Carlos Saldanha é feito para as crianças, mas não deixa de divertir os adultos com algumas piadas inteligentes. A história é bem básica e pode parecer clichê para vários brasileiros, mas lembre-se que é incomum para os estrangeiros. É cheio de críticas leves, mas marcantes sem soar moralista e didático, uma coisa rara hoje em dia. O retrato é bem interessante, inserindo o perigoso tráfico de animais, a marginalização infantil, o sequestro, a domesticação de animais exóticos e o péssimo hábito de “humanizar” a natureza – expressado através dos micos.
Às vezes, retrata o Brasil com uma versão muito “americanizada”, mas é preciso admitir que infelizmente nosso País é definido lá fora como um bolo de bunda, carnaval, futebol, praia, mosquitos, frutas e várias outras “tropicalidades” (eu já vivi isso e sei como é esta questão do “rótulo brasileiro”; quando viajei para Paris, havia um marroquino que vendia sanduíches em Mont-Matre e toda vez que eu passava o cara gritava com um enorme sorriso no rosto: – A lalá, Brézilll, Ronalldo, samba, carnèval, futebol…).
Apesar disto, sua narrativa é surpreendentemente previsível – com apenas 25 minutos de projeção já é possível definir o felicíssimo final dos três conflitos majoritários, sem causar surpresa alguma ao espectador rotulando-o como o típico fell good movie. Mesmo assim consegue ser bem fiel a nossa fauna e flora e, claro, a nossa cultura. As espécies dos pássaros não fogem de nosso País, entre elas, o tucano, o colheiro (parece uma garça), o canário, o pica-pau, as maritacas, cacatuas, periquitos, papagaios e as araras azuis e vermelhas. Também é maravilhoso ficar deslumbrado pelos maravilhosos ipês-rosas, roxos e amarelos que começam a florescer agora no outono/inverno. Além disso, explicita a importância das clássicas partidas de futebol entre BRA x ARG, a lendária camisa 10 da seleção, as feiras de rua, do esporte, do churrasco, até das baladas e acima de tudo, do carnaval.
É importante lembrar que esta é a primeira vez que a Blue Sky faz uma animação a parâmetros “Disney”. Ou seja, a narrativa é cheia de cantorias alegres e muito bem executadas com performances de dar inveja a outros estúdios de animação. Atente para a música de Nigel – que é apenas um pano de fundo para explicar sua vilania – e repare como ela se parece com o número musical de Iscar e as hienas em “O Rei Leão”.
Descobrindo um novo idioma
Já aviso que assisti a versão com a dublagem original então os comentários sobre este aspecto destinam-se a mesma. Jesse Eisenberg empresta sua voz ao protagonista com uma fala pausada, vacilante e tímida conseguindo transmitir perfeitamente para a plateia a falta de autoconfiança de Blu. Anne Hathaway faz uma voz doce e ríspida quando a impetuosa Jade indigna-se com o fato de Blu não saber voar e também revela ser uma bela cantora.
Jamie Foxx e Will. i Am proporcionam um ótimo carisma a dois personagens que eu não esperava nada – Nico e Pedro. Foxx também surpreende quando canta uma das melhores músicas do longa, já Will. i Am ganha seu mérito ao estereotipar sua fala na melhor frase do filme. Leslie Mann exagera em sua voz fofinha para Linda, mas diverte na maioria das vezes. Rodrigo Santoro não fica atrás de ninguém no trabalho das vozes. Cada vez mais com uma dicção perfeita, não cansa de reproduzir várias onomatopeias com o divertido e caricato Tulio.
George Lopez encara sem problemas um sotaque latino arrastado com o malandro “boa-praça” Rafael. Tracy Morgan se destaca em sua dublagem competente novamente impressionando com o carisma dado ao personagem. E por últimos, mas não menos importante Jemaine Clemant roubando todas as cenas com o antagonista do filme, Nigel. Ele trabalhou com muita vontade – fazia tempo que não via alguém dublar um vilão tão bem a ponto de eu simpatizar com o mesmo. Toda sua dublagem é caricata apostando com uma risada medonha, mas estranhamente bem feita.
Muito mais que verde, amarelo e azul
A fotografia é de Renato Falcão. Logo um brasileiro na fotografia resulta em um fenômeno visual em um filme que homenageia uma cidade amada por todos. Sua concepção de imagem esbanja de uma vasta (quando digo “vasta” é porque ela realmente é) palheta de cores apenas carregando nos tons pesados e escuros durante os segmentos na favela por motivos óbvios. A iluminação escolhida também sempre procura tirar proveito da cena e aumentar de uma maneira cômica sua dramaticidade. A luz é uma coisa muito trabalhada no filme principalmente nos devaneios apaixonados de Blu (contraluz muito presente) e durante as “festinhas” que os pássaros visitam, sem contar o Sambódromo. Ela é tão eficiente que até o sereno da madrugada é presente, ofuscando um pouco a imagem.
A animação da Blue Sky dá um salto gigantesco a cada filme realizado. “Rio” é o melhor trabalho do estúdio. O primeiro desafio era como construir expressões faciais em pássaros – uma coisa que realmente amedronta vários desenhistas. Felizmente, eles conseguiram e transformaram todas as expressões em uma explosão de fofura. Cada personagem conta com sua própria animação gráfica, por exemplo, um sorriso de Nico nunca será igual ao de Blu, tão pouco suas caras de tristeza, espanto, surpresa, medo…
O visual dos personagens humanos é bem “cartunesco” e assim acaba diminuindo um pouco o esforço de detalhar ao extremo. Entretanto, as aves da animação são muito fiéis às reais. Até mesmo o desenho, a forma de como as penas são distribuídas ao longo das asas e sua textura varia de ave para ave, um trabalho realmente impressionante. Os bicos também receberam um tratamento especialíssimo contando com ranhuras e imperfeições, além da variação da física da luz refletida por eles.
A fidelidade que reproduziram a cidade do Rio de Janeiro também é fenomenal. É impossível não ficar emocionado com tamanha riqueza de detalhes ao reconhecer as inúmeras paisagens da cidade como a orla de Copacabana, o Pão de Açúcar ou o Corcovado em várias perspectivas diferentes.
Samba no pé, eletrônica na mão, Bossa Nova na cabeça
De longe a trilha de “Rio” é a melhor de todos filmes de animação que já assisti. A música original é de John Powell, o mesmo de “Como Treinar seu Dragão”. Incrível é ver como o gringo consegue construir sambas nervosos com ritmos genuinamente brasileiros dominando todo o conjunto dos pandeiros, tambores, apitos, sininhos e todas as tralhas musicais do Carnaval. Fora isso, faz músicas muito agradáveis de ouvir misturando os dois idiomas com Ester Dean e Carlinhos Brown no vocal. Destaque para o samba da “Marques de Sapucaí” com a intrepretação de Brown.
O elenco também canta, mas o destaque realmente fica para Jamie Foxx e Will. i Am com seu maldito e eficaz “Auto-Tune”. A bossa nova também marca presença com a inesquecível “Garota de Ipanema” de Tom Jobim, “Mas que Nada” de Sergio Mendes e “Samba de Orly” de Vinicius de Moraes e Chico Buarque de Hollanda. Para se ter uma noção da eficiência viciante da música do longa é praticamente impossível sair do cinema sem cantarolar “Let me take you to Rio, Rio” ou “I want the samba” ou “in Rioooooo, in Rioooo you won’t find in anywhere elseeeee”.
Uma carta de amor
Carlos Saldanha começou como coadjuvante na direção em “A Era do Gelo”. Depois virou o protagonista e agora realiza um filme totalmente tirado de sua cabeça com saudades de sua terra natal. Sua direção é completamente apaixonada pela cidade e misturando o efeito 3D tudo fica mais bonito ainda. O 3D tem um impacto tremendo em “Rio”. Se você não assistir nesse formato, dificilmente se emocionará com as cenas do passeio na asa delta abençoado pelo Cristo somente com o som gostoso do vento e de Sergio Mendes, na volta no bondinho de Santa Teresa ou se sentir dentro do Sambódromo.
Saldanha homenageia também Fernando Meirelles com o clássico plano “corre para pegar a galinha”. Suas críticas são bem sutis – repare quantas vezes a correntinha na perna de Blu aparece em detalhe, porém estereotipou os brasileiros e o Rio colocando gente semi-nua no calçadão, aves raríssimas voando na praia (detalhe, não aparece uma pomba no filme inteiro – se fosse em São Paulo…), seguranças esperando para cair no samba, etc. Isso não me incomodou, me divertiu. Mas é muito provável que várias pessoas acabem se ofendendo com os “tipos” que Saldanha escolheu. Repare que o diretor está começando a criar uma identidade para seus filmes. Em “A Era do Gelo 3”, Saldanha acertou em cheio na comédia quando inseriu a música “Alone Again (Naturally)” de Gilbert O’ Sullivan e aqui faz a mesma coisa com “Say You, Say Me” de Lionel Ritchie.
Sua direção é bem brasileira e cheia de sacadas. Por exemplo, quem teria a simplicidade de casar o samba com os assovios dos pássaros mais os barulhos da mata com os bichinhos dançando nos galhos? Poucos estrangeiros teriam. Saldanha reina absoluto como o único brasileiro a ter sucesso no ramo da animação. Infelizmente, ele aposta demais na comédia pastelão em seu filme (piadas baseadas na dor física alheia) que muitas vezes podem deixar os adultos no ócio. Mas no que erra, compensa sempre acertando em dobro, como a rotina interessante de Blu e suas manias.
Deixe eu te levar para o Rio!
“Rio” é o melhor retrato do Brasil e do nosso povo até agora no exterior. É um filme muito bem feito, muito colorido, musicalmente brasileiro, divertido, emocionante, um google maps detalhado da cidade. Não pense duas vezes em gastar um pouco mais para assistir a versão 3D, não há arrependimentos neste filme. Ele alerta sutilmente as crianças sobre os perigos do futuro plantando a ideia da preservação do meio ambiente. Finalmente, assisti um filme “turístico” que consegue quebrar a barreira panfletária. Você sairá feliz e cantando. Saldanha saiu feliz e mais rico e a Fox encontrou sua mais nova, merecida e competente franquia milionária.