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Análise | Night in the Woods – Tragédia Millennial

O cenário indie está mais forte do que nunca nos games. Com propostas inovadoras, narrativas mais corajosas e gráficos estilizados que encantam facilmente os jogadores, um padrão de qualidade foi estabelecido conseguindo superar facilmente diversos dos títulos AAA de grandes estúdios.

Entretanto, por vezes, alguns games acabam recebendo um reconhecimento tão grande que com certeza não mereciam. Esse é o caso de Night in the Woods, indie de 2017 que recebeu tantos elogios da crítica especializada que, bizarramente, não percebeu algumas falhas tão notórias que conseguem tirar boa parte do brilho desse game que não sabe muito bem o que quer ser.

Problemas Reais sem Solução

Apesar de seu título, Night in the Woods não se trata de um game de suspense sobre alguma investigação sobrenatural, embora haja um segmento destinado a isso dentro do jogo. O game busca refletir os problemas sociais modernos de parte da juventude em uma situação bastante de nicho.

É algo tão específico que pode até mesmo ser encarado como uma tentativa de autobiografia da roteirista do game Bethany Hockenberry. Enfim, no game, controlamos uma gata antropomorfizada de 20 anos chamada Mae Borowski. Ele retorna à sua cidadezinha natal Possum Springs após desistir da faculdade no meio de seu curso.

Ao voltar para a cidade, ela precisa aprender a lidar com o fato de tudo estar igual, mas ao mesmo tempo estar tremendamente diferente. Mae reencontra seus grandes amigos Gregg e seu namorado, Angus, e também a temperamental Bea. As reações de cada um para a chegada da amiga diferem bastante e ela tenta reatar os laços danificados pelo tempo.

Entretanto, em todas as noites, ela possui estranhos sonhos aterrorizantes que lentamente vão tirando sua saúde mental e física. Nesse meio tempo, também descobre que um de seus amigos, Casey, desapareceu. Em eventos decorrentes disso, decide investigar a situação.

Night in the Woods é repleto de potencial. Não há dúvidas disso. O que realmente estraga a experiência do jogador é o fato da falta de experiência de quem produziu e escreveu o game. Consideravelmente longo, com quase 10 horas de duração, vemos Mae e seus amigos interagirem sobre elementos banais em diálogos repetitivos que só avançam sempre com o pressionar do botão X ou A do controle.

Como não existe dublagem e o trabalho de design sonoro é extremamente preguiçoso, o jogador fica preso durante longas sessões de diálogos sobre os problemas e a imaturidade dos personagens verborrágicos. Diversas cenas de diálogo que se repete abordam elementos fugazes de escapismo como os planos para a noite de cada um deles, sobre o que vão comer e qual música irão tocar nos treinos da banda.

Por volta de 75% dos diálogos são entediantes e realmente agregam muito pouco para uma história que poderia ser simples, mas é totalmente burocrática. Por ser sobre “jovens”, os diálogos também são repletos de gírias e expressões animadas que facilmente poderiam ser integradas através de dublagens ocasionais. Para piorar, durante essas cenas, os personagens permanecem estáticos, apenas piscando ou realizando alguns movimentos muito simples que ajudam pouco na imersão da situação que eles vivem.

Com os quatro personagens principais, a roteirista elabora situações que tocam temas pertinentes sobre psicopatologias como depressão, ansiedade, bipolaridade, entre outras. Os personagens são psicologicamente quebrados e tentam, com pouco esforço, resolver os próprios problemas sociais e de aceitação própria. Nisso, entram temas superficialmente debatidos como política, religião e economia – a roteirista deve crer que consegue entender de tudo um pouco quando realmente não entende de nada.

Logo, como já apontei, diversos segmentos se tornam inchados por conta desse tiroteio de temas que vão do nada à lugar nenhum. Pela imaturidade e também pelas ações, os personagens não buscam resolução para seus conflitos parcamente explorados. O game, aliás, tem uma carência intensa de conflitos em sua narrativa que acaba resultando em uma sonolência.

Felizmente, o trabalho somente melhora quando exploramos a amizade de Mae com Bea, seu contrapeso ideal. Enquanto Mae parece sofrer de trazes esquizoides e de euforia, Bea é uma deprimida apática clássica. A interação de opostos entre as duas é muito mais interessante do que, por exemplo, com Gregg que basicamente é uma cópia de Mae – até as linhas de diálogo são muito parecidas.

O Rastejar de uma História

Night in the Woods também é difícil de classificar como um game. Na maioria do tempo, o jogador apenas controla Mae andando para a esquerda e algumas vezes para a direita. A personagem consegue pular livremente e em algumas raras e nada criativas seções de plataforma. O pior da jogabilidade certamente acontece durante os repetitivos segmentos de sonho nos quais controlamos Mae em uma tela escura, claramente inspirada em Limbo, na tentativa de achar quatro animais que tocam instrumentos musicais para invocar uma criatura.

Os sonhos raramente fazem sentido e quase nunca são mencionados pela protagonista com os outros personagens. Aliás, essa memória seletiva dos personagens é uma das grandes irritações do jogo, pois alguns eventos importantes surgem para logo serem esquecidos até serem retomados horas depois no clímax bastante clichê da história.

Em suma, a mensagem do game é bastante bizarra. Funcionando também como uma resposta às políticas mais protecionistas de Donald Trump nos EUA, o jogo procura fazer um comentário cínico sobre como as cidades do interior destroem as vidas dos jovens ao “aprisiona-los” no fraco comércio local perpetuando um ciclo de subsistência torpe. Para os criadores do game, pequenas cidades como Possum Springs, que passam por crises financeiras preocupantes devem simplesmente sumir do mapa.

Também é muito curioso o fato do ódio irracional que a protagonista sente pela sua tia que é a policial da cidade. Todos os segmentos de diálogo são marcados pelo grande desdém da personagem que ridiculariza a policial a todo custo mesmo quando a personagem somente se preocupa com o bem-estar da sobrinha.

Relações entre as famílias também, sem exceção, parecem destruídas e que nunca encontro pontos de reparação. Os personagens convivem entre si criando uma família de amigos, enquanto os familiares são desprezados ou ignorados como acontece na casa de Mae que nunca se esforça em retomar o contato com seus pais. Em geral, há esse constante incomodo de desconforto com esses personagens ignorando uma montanha de problemas em escapismos baratos.

Elogios Infundados

No fim, Night in the Woods conta uma história bastante razoável que dificilmente marcará pessoas fora do nicho de abordagem. Para a grande maioria, o “game” pode ser uma experiência extremamente maçante e até mesmo dolorosa por conta do button smashing de apertar tantas vezes o mesmo botão para a narrativa prosseguir.

Enquanto o estilo artístico realmente cativa, além da trilha musical ser excelente, é uma pena que tenhamos essa montanha tediosa de conteúdo que certamente não vale o seu tempo. Ainda mais que, depois de tantas horas, praticamente nenhum dos elementos sofre uma transformação satisfatória ou até mesmo uma resolução. É simplesmente uma verdadeira bagunça pedante.

Night in the Woods (2017)

Desenvolvedor: Infinite Fall, Secret Labs, 22nd Century Toys
Estúdio: Finji
Gênero: Side Scroller, Aventura
Plataformas: PC, Xbox One, Switch, PS4, iOS, Android

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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