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Análise | A Way Out – A Revolução da Experiência Co-op

Jogos cooperativos marcaram o meu primeiro contato com os videogames através dos inúmeros clássicos de corrida, tiro e puzzle oferecidos pelo PlayStation e Nintendo 64. Conformes os jogos evoluíram e se tornaram mais complexos em diversas jornadas lineares próximas de narrativas cinematográficas, a pureza dos games cooperativos simplesmente acabou esquecida até mesmo pelos gêneros que mais se consagraram pela enorme diversão que era reunir os amigos e jogar até cansar.

Em caminhos duvidosos que a indústria bilionária dos games caminha, abandonando a complexidade narrativa, a jogatina single player e até mesmo a linearidade que permite certas maravilhas, existir um game como A Way Out é algo quase surreal. O game de Josef Fares, mesmo criador do ótimo Brothers: A Tale of Two Sons, funciona como um pequeno milagre cuja proposta radical é realmente sua melhor qualidade: a obrigatoriedade da jogatina cooperativa.

O Retorno à Vanguarda

Josef Fares provou em sua estreia no campo dos games que era um diretor e roteirista muito apegado a narrativa e ao conceito de seu game. Brothers, em essência, é um jogo para ser jogado com um amigo, apesar de ser perfeitamente possível concluir a sua história jogando sozinho. Rapidamente, pelo teor emocional denso do game e da ideia de jogatina tão peculiar, Fares chamou a atenção da indústria até leva-lo a realizar A Way Out em parceria com a EA.

Apesar da péssima imagem que a gigante dos games conquistou em 2017 através de diversos desastres comerciais e práticas pouco aprovadas pela comunidade, é inegável que esse game possa recuperar um pouco do brilho antigo encantador da publisher por ter apostado na ideia excêntrica de Fares: um game inteiramente cooperativo no qual podemos fugir de uma prisão e buscar a vingança contra quem armou a nossa “estadia” em um lugar tão inóspito.

Pode não parecer, mas Josef Fares traz uma das melhores narrativas da geração. Dois jogadores controlam o esquentadinho Leo e o engenhoso Vincent. Ambos presos em uma penitenciária rígida, acabam descobrindo que o responsável pelos seus encarceramentos é o mesmo indivíduo detestável: Harvey. Obstinados por um desejo de vingança, os dois arquitetam um plano muito improvável para escapar da prisão.

A premissa, obviamente, flerta com um dos subgêneros de ação mais atraentes e também mais difíceis de trabalhar para ser convincente. Apesar de Fares, anteriormente um cineasta, utilizar algumas conveniências narrativas, o diretor acerta em cheio ao introduzir a dinâmica de pequenas missões para que os jogadores colaborem entre si para surrupiarem itens necessários para superar diversos obstáculos dispostos no caminho até a liberdade.

Essas situações rendem segmentos “stealth”, além de oferecerem dinâmicas de interatividade com outros presos e objetos entre os diversos cenários típicos de uma penitenciária americana: pátio, refeitório, corredores de celas, lavanderia, marcenaria, entre outros. Nesses momentos, os jogadores experimentarão conversas cômicas e dramáticas com outros presos. Aliás, Fares é sábio em nunca repetir segmentos que os jogadores já experimentaram, mesmo quando há uma necessidade narrativa para tal, evitando repetição ou filler injustificado.

As elipses são marcadas por elegantes transições cinematográficas que marcam presença no game inteiro. Aliás, devido a natureza própria da linguagem de A Way Out, é essencialmente genial como Fares lida com o foco narrativo entre Leo e Vincent por meio do spli-screen, a tela dividida. Em certos momentos, algum personagem receberá uma tela maior para enfatizar a carga dramática de alguma cena.

Por ser um diretor de cinema antes de diretor de games, Fares também traz uma linguagem visual bastante rica para as muitas cutscenes presentes para desenvolver os personagens que são sim muito carismáticos. Não somente pela dublagem excepcional, mas por conta do texto trazer à tona as imperfeições de cada um em um ritmo muito agradável e dinâmico. É muito difícil não se afeiçoar pelos contrastes desses dois gerando um apego genuíno em uma das melhores relações personagem-jogador que já tiver o prazer de experimentar.

Embora Fares apresente uma narrativa que não traga muitas surpresas, ele se vale do benefício da exploração rasa dos games sobre as fugas de prisão. Por nos habituar a rotina e a amizade crescente entre os protagonistas, rapidamente a história engaja por estarmos fazendo parte dela e a fazendo acontecer ativamente. Isso é muito diferente da experiência passiva de assistir a clássicos como Fuga de Alcatraz, Um Sonho de Liberdade, Fugindo do Inferno ou Prison Break, pois o personagem é literalmente uma extensão do jogador.

O mais interessante é que a narrativa mantém o interesse do jogador mesmo depois da ótima sequência de fuga. Fares conduz o game exatamente como um filme, trazendo set pieces explosivas que flertam com diversos clássicos filmes de ação dos anos 1990 como O Fugitivo e outras diversas obras de Brian De Palma como Scarface e o intenso uso da linguagem visual característica do cineasta através da tela dividida.

Mesmo que, até o clímax do game, tenhamos alguns trechos mais insossos, rapidamente o diretor consegue surpreender ao apresentar desfechos explosivos para esses capítulos com perseguições grandiosas que oferecem muita adrenalina ao jogador. O segmento favorito, sem sombra de dúvidas, envolve uma visita a um hospital na qual Fares homenageia diretamente o famoso plano-sequência de Oldboy ao mudar o posicionamento tradicional da câmera.

Com tantos pontos altos e divertidos, o jogador é totalmente pego de surpresa pela reviravolta final muito cruel e complicada por subverter o sentimento cooperativo de até então. Oferecendo dois finais complicados, mas de beleza pesarosa que tem enorme potencial de emocionar o jogador de modo muito honesto. É algo realmente magistral que consegue tornar os pequenos defeitos e fraquezas praticamente irrelevantes da história do game.

Horizontes de Belezas e Tempestades

Para acompanhar a experiência de uma narrativa divertida e marcante, é uma obrigação que o jogo funcione em termos técnicos, além de trazer uma jogabilidade intuitiva. Felizmente, há muito capricho no trabalho do diretor para fazer a experiência do game em algo realmente entusiasmante e significativo.

A constante colaboração entre os jogadores marca o ponto principal da jogabilidade. Em pontos mundanos e óbvios para os mais inteligentes ou emocionais, o esquema simplesmente funciona. Com a adição de inimigos na metade do game, também há um trabalho bem inteligente de coordenação e sincronia que força algumas estratégias óbvias de emboscadas para que os jogadores realizem para superar desafios. São coisas simples, mas muito funcionais dentro da dinâmica oferecida pelos puzzles e outras interações.

Apesar de termos uma proposta de jogabilidade bem legal que eleva o sentido do co-op, existem alguns problemas irritantes em A Way Out. Falta um pouco de polimento nas animações dos personagens, incluindo dos protagonistas, além de diversos pequenos bugs que afetam a jogabilidade negativamente. Também há um problema com a câmera que, às vezes, pode se tornar um problema para manejar. Por vezes o jogador terá que lidar com uma pequena falta de capricho na finalização de certas cenas que evidenciam erros de continuidade óbvios. Por exemplo, em determinada situação, Leo abandona sua arma em uma mesa para logo depois o vermos manejando a mesma.

A inteligência artificial dos inimigos e policiais também deixa a desejar. Isso se torna muito evidente durante o último ato do game no qual ele se torna um verdadeiro shooter de terceira pessoa aos moldes de Army of Two, mas com uma jogabilidade muito rudimentar que lembram as piores experiências de tiroteio de Uncharted – isso no primeiro jogo da franquia. É óbvio que o tiroteio não é algo enfatizado durante a jornada de um game de aventura/ação, mas ela se faz muito presente durante as horas finais do jogo que se tornam menos interessantes pelo péssima resposta dos controles e da dinâmica desagradável dos armamentos.

Mas isso ocorre apenar no terceiro ato do jogo. De resto, temos uma experiência, em grande maioria, muito divertida e funcional. O que colabora bastante é o cuidado visual empregado pelos realizadores. Embora haja uma demora para carregar texturas e quedas superficiais de frame rate, os cenários sempre são criados de modo charmoso e bastante adequado para a atmosfera setentista retratada nas decorações e mobília.

O cuidado não é feito para passar despercebido, já que temos diversos mini games espalhados pelos cenários desde jogos de botão, quedas de braço ou até mesmo uma boba disputa para ver quem consegue se equilibrar em cadeiras de rodas por mais segundos. São joguinhos que fortalecem ainda mais a relação entre os personagens que conseguem aproveitar os pequenos prazeres da liberdade enquanto passam por perseguições infernais.

Também é igualmente esperta a decisão dos jogadores constantemente terem que votar por abordagens diferentes entre segmentos decisivos do jogo. Com diferenças drásticas no desenvolvimento das fases, o fator replay se torna praticamente obrigatório para experimentar as outras possibilidades que o game oferece.

Vidas Marcadas pela Violência

Possivelmente uma das maiores boas surpresas do ano, A Way Out é um game que definitivamente merece ser jogado. Seu custo é acessível já que dois amigos podem jogá-lo sem a necessidade da compra de uma segunda cópia, o que torna a proposta comercial da EA muito perspicaz. Porém, não é somente pelo custo mais modesto que o novo game de Josef Fares merece sua atenção.

Como explorei constantemente na análise, a experiência da jogatina co-op foi revolucionada. Não há como jogar esse jogo sozinho, pois isso simplesmente mataria a experiência. A única saída para aproveitar A Way Out é jogando com um amigo em uma tarde bastante agradável. As recompensas que o game oferece afeta em diversos níveis. Ou seja, é um verdadeiro pacote completo como há um tempinho não víamos.

Temos muita diversão, sequências repletas de adrenalina, outras bastante emotivas e ternas até um ápice emocional muito inesperado por um dos finais mais surpreendentes para o que era construído até então. Uma revolução de jogatina nunca foi tão nostálgica e despretensiosa.

Pontos positivos: ótima narrativa, grande influência cinematográfica, puzzles criativos, jogabilidade fascinante, gráficos agradáveis, duração satisfatória, personagens interessantes, conclusões arrebatadoras, política de compra justa

Pontos negativos: bugs gráficos, ocasionais problemas de performance nas versões padrões dos consoles, antagonista mal aproveitado

Agradecemos a EA pela cópia gentilmente cedida para a realização dessa análise

A Way Out (2018)

Desenvolvedora: Hazelight Studios
Distribuidora: EA
Gênero: Ação em Terceira Pessoa, Shooter em Terceira Pessoa
Plataformas: Xbox One, PS4, PC

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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