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Análise | Resident Evil 7

Resident Evil 7 é produto de diversas mudanças. Uma delas é o próprio histórico da franquia. O primeiro Resident Evil foi um jogo completamente inovador que apresentou para diversas pessoas a fórmula do gênero de terror e sobrevivência: o survival horror. É a principal marca responsável na consolidação do gênero.

Algum tempo depois, no início dos anos 2000, a Capcom notou certo desgaste em sua fórmula. Com jogos como Resident Evil: Code Veronica e o remake do primeiro jogo para o Game Cube vendendo muito menos do que seus antecessores em decorrência da saturação do gênero. Muitas outras franquias inspiradas pelo sucesso da série já vinham copiando a fórmula. Era hora de se reinventar.

Em 2005 foi lançado Resident Evil 4, um divisor de águas para a franquia.  Totalmente inovador nas suas mecânicas de gameplay, Resident Evil 4 inseriu mais ação, narrativa mais descontraída e combates frenéticos na franquia sem fazer com que ela perdesse muito da sua essência.

Assim a Capcom e Resident Evil ditaram as regras no mundo dos videogames novamente. Após o estrondoso sucesso do quarto game numerado da série, várias franquias de sucesso com suas mecânicas de gameplay surgiram, como Gears of War, Mass Effect, Dead Space, The Last of Us, entre tantas outras.

Enquanto tantas outras franquias inspiradas cresciam, Resident Evil seguiu cambaleante. Com a saída do criador, Shinji Mikami, a Capcom teve de continuá-la de qualquer jeito, afinal é um de seus carros-chefe. Nas continuações, eles apostaram  em mais ação e combate frenético deixando o terror de lado e nada de sobrevivência. A franquia tinha se tornado um shooter genérico perdendo sua identidade, já era mais do que tempo de se reinventar novamente.

Mudanças na Indústria

Videogame é um negócio multibilionário. Arriscar fazer jogos que não agradem toda a massa é inconcebível, pois o prejuízo seria enorme. Assim os videogames comerciais foram ficando cada vez mais parecidos com pouquíssima inovação.

A Capcom deixou o terror de lado na franquia alegando que as pessoas não tem mais interesse nesse tipo de jogo. É claro que a maioria das pessoas preferem jogar mais um Call of Duty do que um Silent Hill da vida, mas não é justo desconsiderar as pessoas que querem algo diferente. Mas nesses últimos 10 anos surgiu uma salvação para os gamers: os jogos independentes.

Com o advento da era da informação e a desburocratização dos métodos e recursos para se fazer um jogo, surgiu o movimento dos jogos indies. Muitos dos desenvolvedores de jogos indies são gamers insatisfeitos com a indústria que deixou de lado certos gêneros e simplesmente fazem o que eles gostariam de jogar, seja um jogo de plataforma ou de terror.

Assim, o panorama atual dos videogames se assemelha muito ao do cinema, com as produções independentes que são de baixo orçamento ditando as regras e as produções mais comerciais, de altíssimo orçamento seguindo essas regras.

É por causa de games como Outlast, Slender, a série Amnésia, Five Nights at Freddy’s, Layers of Fear, dentre tantos outros que Resident Evil 7 existe. P.T, a demo do cancelado Silent Hills, que por sua vez também foi inspirado nos jogos anteriormente citados, que se tornou instantaneamente viral com certeza foi um dos fatores que mais encorajou a Capcom a seguir em frente com essa nova abordagem de sua principal franquia.

Um novo começo para Resident Evil

A Capcom fez a decisão certa em controlar bem o marketing do jogo, não mostrando quase nada com a demo beggining hour e os poucos trailers que saíram. Deste modo pudemos nos surpreender com o game, que possui diversas reviravoltas interessantes (fuja dos spoilers).

Resident Evil 7 acabou sendo exatamente o que Resident Evil 4 foi para a franquia: um renascimento. Ele simplesmente coloca a série nos trilhos corretos novamente. O jogo parece um reboot da série, já que a ligação com os games anteriores não fica clara no início, além de possuir uma abordagem totalmente nova e já adianto que ela deu muito certo. Com esse jogo sem dúvidas, a série volta a ser referência do survival horror.

O Enredo

Como já era de praxe na série Resident Evil, cujos primeiros jogos tiraram inspiração em diversos filmes B de terror do subgênero dos zumbis, o novo titulo também busca sua inspiração nesse tipo de produção, dessa vez, do que talvez seja o subgênero mais popular do terror, o slasher. Várias referências a filmes podem ser percebidas, a mais óbvia sendo ao clássico “Massacre da Serra Elétrica”.

O jogo começa quando Ethan Winters, o nosso protagonista, recebe um e-mail de sua esposa, Mia, desaparecida há 3 anos, dizendo que está em uma casa nos arredores da cidade de Dullvey, Louisiana, precisa dele e está em apuros. Sem hesitar, Ethan dirige, sozinho, para a tal casa onde sua ex-mulher está. Claro, sem imaginar os perigos que enfrentará durante o resgate. 

O desaparecimento de uma pessoa que é dada como morta é um clichê do gênero, mas os detalhes me lembraram muito um game, meu favorito do gênero survival horror: Silent Hill 2. Isso, por si só, já me fez sorrir e a primeira impressão foi das melhores, pois parece que a Capcom sabe que muitos de nós ficamos frustrados com o cancelamento de Silent Hills e ela aproveitou para preencher esse vazio.

Chegando na casa, Ethan consegue encontrar Mia, mas ela fica descontrolada e o ataca. Logo nesse primeiro combate do game dá para perceber qual é o tom do jogo: tenso, nojento, grotesco e visceral. Já indicando a direção que o game tomaria, pelo menos com o combate. É uma luta bem divertida.

Pouco depois nós conhecemos os Baker, uma família que aparentemente foi tirada diretamente do imaginário de Massacre da Serra Elétrica com a excentricidade de hillbillies do sul dos EUA. Eles são completamente estranhos, sempre com esse papo de família pra cima de você (há uma razão para isso) e são praticamente imortais.

Resident Evil 7 não tem uma trama muito original. Ela é praticamente toda de referências a vários filmes e outros games, porém é muito bem executada, tem algumas nuances e mistérios que valem a pena acompanhar, cuja recompensa é realmente satisfatória. Mesmo sendo simples, é muito bem contada. Entretanto na segunda metade do game, o jogo perde um pouco da força e já aparecem alguns furos de roteiro, principalmente quando tentam conectar a trama do jogo com o resto da série. A meu ver ficou confusa essa ligação, que provavelmente será resolvida em alguma DLC pós-narrativa, entretanto o final continua surpreendente, novamente, fique longe dos spoilers.

Infelizmente, Ethan é um personagem pouco desenvolvido, ele raramente fala e está ali somente para representar o jogador. É a nossa extensão completa definindo um acerto excelente na troca da câmera. Outrora de terceira pessoa, para primeira pessoa pela 1ª vez em um jogo do cânone principal. Com certeza não será a construção do protagonista que vai fascinar o jogador, mas sim os coadjuvantes. Mia é uma personagem interessante, tem todo um mistério bastante imprevisível em torno da figura dela e é quase impossível ficar apático em relação a ela. Zoe é outra personagem que nos deixa intrigados, no inicio não a vemos, só falamos com ela pelo telefone e queremos descobrir quem ela é e sua motivação.

Do lado da pirada família Baker, temos Jack, que é louco, porém mais contido que os demais, algumas vezes parecendo até amigável, pelo menos até a hora em que ele chega perto de você e tenta cortar algum membro fora. Marguerite é o retrato da insanidade histérica, está sempre gritando, sua histeria eleva os sustos. E Lucas, o mais jovem membro Baker, é o maníaco sádico, sempre maquinando joguinhos macabros no melhor estilo  “Jogos Mortais”. E por último e não menos importante a misteriosa “Tia Rhody”, como foi apelidada pelos fãs. A vovó Baker sempre aparece nos lugares mais inusitados, garantindo um clima cômico e temorizante ao mesmo tempo.

A volta do Survival Horror

Como todos sabem e como já ressaltei anteriormente no texto, Resident Evil 7 é um genuíno jogo de terror e sobrevivência. A Capcom já prometia essa volta há muito tempo, mas nunca teve coragem de fazê-lo, pois poderia perder os jogadores mais casuais, que foram conquistados graças ao quarto game da série, que geralmente não curte esse tipo de jogo.

Mas graças a mudanças na franquia e na própria indústria como um todo, foi possível retornar às “origens”. É sobre como o terror é abordado que eu quero falar aqui. Basicamente, o jogo tem duas abordagens diferentes, uma na metade e a outra na segunda metade.

No início você não tem armas muito eficazes, por isso, a melhor opção é se esconder. Nesse quesito, o game claramente se inspirou no excelente Outlast, que por sua vez foi inspirado por Haunting Ground, outro game da Capcom. É aquele sistema “Gato e Rato”, inclusive o Jack te chama de little pig algumas vezes, lembrando o perseguidor Chris Walker do Outlast. Jack pode aparecer das formas mais inusitadas possíveis, por exemplo, quebrando as paredes da casa e te dando um baita susto.

As perseguições com a Marguerite também são muito boas, sempre que ela te encontra é quase certo que o jogador se assustará com a intensa gritaria, apesar de sua inteligência artificial ser inferior a do Jack. Com Lucas é um genuíno, o jogo se inspira em Jogos Mortais. Certamente, essa é a minha parcela favorita do game, o terror é muito bem construído, atmosférico e tenso, com jumpscares bem executados.

Às vezes o jogo beira a cafonice, mas de um jeito positivo, pois lembra bastante alguns filmes trash, assim como os primeiros jogos da franquia lembravam. Nosso personagem pode perder os membros durante o gameplay, numa das vezes que isso acontece, Ethan perde sua mão, assim que eu vi uma motosserra, cheguei a pensar que iriamos acoplá-la ao braço como o personagem Ash, da franquia de filmes “Evil Dead”, mas infelizmente, isso não aconteceu.

Na segunda metade do game, o jogador terá diversas armas (incluindo até mesmo um lança chamas), então o jogo passa a tender mais para ação, com maior presença de monstros, chefões absurdos e os exageros típicos da série. É a metade que achei mais fraca do jogo, não só pela abordagem ter mudado, como falei anteriormente, é também porque a narrativa perde força, por conta de alguns furos bem evidentes e sumiço de personagens principais.

Eu sei que muitos não concordarão comigo, mas quando eu comecei a jogar, eu estava achando que o game estava sendo corajoso em ir por esse caminho, claro, iriam surgir muitos fãs dizendo que agora o jogo virou Outlast ou qualquer outra franquia, mas felizmente (ou infelizmente) o jogo muda drasticamente de uma hora para outra para o que já estamos acostumados na série.

Mesmo em sua segunda metade, o jogo não te deixa esquecer que você está jogando um jogo de terror, a tensão ainda está presente, ainda que em menor parcela, entretanto adianto que há uma parte envolvendo um navio que é deliciosamente tensa.

O Gameplay

O gameplay é o que já estamos acostumados em jogos de primeira pessoa, mesclado com elementos clássicos da franquia. O leva e traz de itens está de volta. Muitas vezes durante a jogatina, me senti perdido procurando um item, sensação que eu não tinha com a franquia desde os primeiros games. O feeling é exatamente como o do Resident Evil original. A mansão Baker evoca esse sentimento. Somos obrigados a explorá-la em toda sua totalidade nesse grande vai e vem entre andares, quartos, cenários e até mesmo de outros complexos do terreno dos Baker. Isso tudo justamente por conta dos gamedesigns pedigree da franquia: a busca de itens que destravam as muitas portas do lugar.  Logo, temos que revisitar os cenários por diversas vezes em toda a extensão do game para buscar outros itens que abrem uma porta que está travada ou para completar um dispositivo/quebra-cabeça. 

O gerenciamento de itens está de volta. Você pode combinar itens no seu inventário, a erva, que é um dos elementos clássicos que retorna pode ser combinada com fluídos, que tem dois tipos, um que produz uma cura média e outro que produz uma cura mais forte. Você pode guardar e retirar itens dos baús que também voltaram para a franquia.

Você encontra algumas moedas para desbloquear algumas gaiolas que possuem itens especiais, como uma arma, algum item que faça você aumentar sua vida máxima ou recarregar sua arma mais rapidamente. As gaiolas foram uma boa adição ao jogo, uma idéia estranha, porém criativa.

A munição não chega a ser um grande problema no jogo. Ela pode ser encontrada facilmente, quebrando caixas ou em cima de algumas mesas e pode ser fabricada, misturando o fluido à pólvora, podendo até fabricar munições mais fortes, dependendo do tipo do químico. Dito isso não chega a ser como no primeiro Resident Evil, que caso o jogador tivesse a imprudência de sair matando qualquer zumbi, desencadeava a impossibilidade da progressão na metade do jogo. Porém, também não é como nos jogos mais recentes em que você podia encontrar munição facilmente matando qualquer monstro.

Os puzzles são criativos, mas muito simples. Tem alguns que são para você colocar a sombra de um objeto corretamente em um quadro, que são até divertidos de executar, mas nada complicado. Outros exigem que você leia documentos com dicas par o que tem que fazer, esses são um pouquinho mais complicado, mas nada que chegue ao nível dos jogos antigos. Outros requerem só a paciência para achar itens – muita paciência.

O combate na maior parte do tempo funciona muito bem, ainda mais se considerarmos o gênero que estamos jogando, em que o combate nunca foi exatamente o forte (pelo menos não até Resident Evil 4 mudar isso). As lutas contra os mofados são terríveis, eles desviam facilmente dos tiros e mirar neles acaba se mostrando como uma tarefa difícil, mas após um pouco de prática eles não são problema. Aliás, mesmo que esses inimigos possuam alguma variação, o design das criaturas deixa bastante a desejar. Apesar de grotescas, não aterrorizam por muito tempo virando um inimigo enjoativo. 

Aliás, algo muito louvável na experiência geral do gamedesign é como o game se transforma constantemente ao longo de sua campanha. Ficamos indefesos e armados constantemente. A primeira hora, a mais aterrorizante, constrói uma atmosfera de opressão medonha tão densa que é capaz de congelar seus movimentos. Quando ficamos mais poderosos, a tensão se esvai um pouco, porém tudo é constantemente transformado no game: seja com as fitas cassetes ou com as mudanças das regras do jogo em mudanças de cenários. 

As batalhas de chefes com certeza são o  forte do jogo, na maioria são bem pensadas, uma delas tem uma solução bizarra, que dificilmente vamos encontrar em qualquer game anterior, não há palavra melhor para descrevê-la do que criativa. Outras são genéricas e esquecíveis, mas o jogo tem mais bons chefes do que ruins. 

Em termos gráficos e de direção de arte, Resident Evil 7 é outra experiência, na maior parte, estupenda. Os detalhes da decrépita mansão Baker são sensacionais com direito a uma diferenciação extremamente nítida dos ambientes e da paleta de cores sempre sombria. A arquitetura de labirinto de diversos locais também colabora bastante. A mansão, o principal destaque da direção de arte, é o ponto mais alto com todo o lixo acumulado, da nojeira e da reminescencia de uma história da família que morava ali. As caldeiras são pavorosas e a casa antiga também com destaque para o segmento mais escuro de todo o jogo. O navio também não fica atrás em personalização e degradação sendo que podemos visitá-lo em momentos distintos de sua história. 

Os gráficos, em geral, são ótimos, apesar de contarmos com diversas texturas deficitárias mesmo na predefinição ultra nas configurações do PC. Como boa parte do jogo estamos com objetos colados à câmera como portas e pisos, é decepcionante notar um trabalho que deixa a desejar nisso. O que excede em qualidade aqui é o desenho de iluminação. Os cenários são escuros e quando surge alguma fonte de luz, você deseja que ela suma, pois o clima se torna ainda mais sinistro. É um trabalho tão avassalador que você é capaz de se assustar com a própria sombra que surge nas horas mais inusitadas. Não é necessário aquele efeito clichê de flickering. A iluminação sutil em locais estratégicos já conferem o horror sem a necessidade de artifícios fáceis.

O Silêncio de Resident Evil 7

Se tem algo que a franquia nunca errou, foi exatamente na questão sonora. Resident Evil 7 é um primor no uso de sons, mais especificamente do silêncio. Com o silêncio, ouvimos os nossos passos e o ranger do assoalho no chão, que podem ser confundidos com o barulho de algum inimigo se aproximando. Jogar com headphones certamente é recomendado. A mansão Baker é viva e faz diversos barulhos fantasmagóricos de passos que não são os seus, mas de inimigos que também não existem ali. A dublagem também está perfeita, todos os personagens estão bem caracterizados e a atuação está excelente, com entonações perfeitas e um lip synch bom, com um delay ocasional, nada que comprometa. Até a música tema marca bastante.

Conclusão

Resident Evil 7 possui uma ótima direção de arte, traz diversos elementos clássicos de volta e constrói um ótimo terror atmosférico. Possui alguns bons personagens, outros esquecíveis, incluindo o protagonista. Possui uma jogabilidade, na maior parte do tempo boa, mas que em alguns momentos chega a ser frustrante, o que pode ser considerado bom, afinal é um survival horror.

05

A história em geral é boa, porém fica a sensação de que poderia ser melhor como uma trama independente ao resto da série, pois quando conectada ao resto da série, só deixa a história geral confusa e te obriga a jogar a DLC para compreensão total da história, o que é péssimo e frustrante.

É um jogo com altos e baixos, porém os altos se destacam mais, é recomendadíssimo para os fãs da série e do gênero como um todo. Melhor Resident Evil desde o 4 e eu não diria que está tão abaixo dele em qualidade. Vale muito a pena, é uma ótima experiência.

Prós: terror atmosférico bem construído, bom game design, personagens marcantes, elementos clássicos retornam, ótimas batalhas contra chefes, excelente sistema de iluminação e sonoro.

Contras: furos no roteiro, protagonista blasé, pouca variedade de inimigos, final que deixa muitas questões.

Resident Evil 7 (Resident Evil 7, EUA, Japão – 2017)
Desenvolvedora: Capcom

Gênero: Survival Horror, Ação, Terror
Plataformas: PC, Xbox One, Ps4, Ps4 Pro

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Publicado por Daniel Tanan

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