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Análise | Wolfenstein II: The New Colossus – O shooter definitivo de 2017

Desde 1981, William “B.J.” Blazkowicz, ou Terror-Billy, para os íntimos, vem chutando bundas de nazistas através de muitas gerações de videogames. E, de alguma forma, a franquia Wolfenstein sempre consegue se reinventar. Seja ousando demais ou retornando e polindo as raízes que fizeram deste game um verdadeiro clássico que causou extrema polêmica quando lançado.

Na fase atual, com a Bethesda adquirindo os direitos do jogo sobre a Activision e logo enviando a produção para a Machine Games, Wolfenstein viu justamente essa pesada reformulação da fórmula clássica que o tornou bem-sucedido em primeiro lugar. Em 2014, era vez da franquia entrar na “nova” geração com o totalmente reformado Wolfenstein: The New Order trazendo novamente a eterna batalha de Blazkowicz contra o general Deathshead.

Com o sucesso estrondoso de crítica e vendas, não era surpresa alguma que a Bethesda e a MachineGames estariam preparando uma aguardada sequência. Wolfenstein II: The New Colossus é, assumidamente, a parte do meio dessa nova trilogia desaforada que pretende contar a libertação do mundo das garras dos nazistas. Acontece que, dessa vez, isso nunca foi tão divertido e viciante.

Um Colosso Narrativo

Wolfenstein II vai pegar muita gente de surpresa por um simples motivo: é uma das melhores narrativas criadas para games em muito tempo. Para quem não sabe, Wolfenstein é situado em uma América que perdeu a 2ª Guerra Mundial. Portanto, há um predomínio nazista globalmente oprimindo diversas nações. The New Colossus começa imediatamente do ponto que The New Order termina.

Portanto, é bastante importante que o jogador já tenha conferido o primeiro (e ótimo) jogo – a Bethesda insere um vídeo de contextualização, mas não é eficaz em apresentar apropriadamente a grande quantidade de personagens e sua importância no primeiro momento que os encontramos na jogatina.

Na trama, Blazkowicz acabou de terminar uma importante missão de The New Order e sofre consequências terríveis que mutilam severamente seu corpo. Resgatado pelos companheiros do Círculo de Kreisau, a célula revolucionária da qual o herói faz parte, Blazkowicz é submetido a cirurgias de urgência e entra em coma por alguns dias até ser desperto com um aterrorizante tiroteio no submarino U-boat que a resistência usa como quartel general.

No máximo, essa é mais breve sinopse que é possível dar para The New Colossus por conta do fator já comentado: a pérola do jogo é sua história. Já nos primeiros momentos da missão introdutória, todo o gameplay é transformado para que o jogador tenha que fuzilar nazistas enquanto “pilota” uma cadeira de rodas até que Blazkowicz se recupere o suficiente para estar de pé.

O interessante é que isso fica extremamente funcional dentro do level design e da curva de dificuldade do jogo. Mesmo em uma cadeira de rodas, o tiroteio de The New Colossus é orgânico – algo digno de nota pela escolha totalmente improvável da condição do protagonista. Depois disso, quando Blazkowicz finalmente está de pé, a história começa de verdade e enxergamos realmente o que Wolfenstein II é: uma gloriosa mistura de drama denso com comédia galhofa.

Os roteiristas do jogo sabem que a alma da história são seus personagens, principalmente o protagonista. Enquanto a grande maioria é muito bem escrita e cheia de características marcantes, somente Blazkowicz que realmente recebe um tratamento de jornada para ser desenvolvido conforme o jogo avança. O resto está apenas como um bom suporte carismático emocionando e divertindo quando necessário.

A questão central do jogo é o temor de Blazkowicz de morrer, afinal sua namorada Anya está grávida de gêmeos e o mundo está repleto de nazistas psicopatas. Logo, é primordial seu conflito interno a respeito de sua natureza física e da fragilidade que se encontra agora. Um choque tão forte que o leva a relembrar memórias árduas de sua infância nos anos 1920 em uma fazenda no interior do Texas.

São detalhes tão íntimos e funcionais que se torna matematicamente impossível ser indiferente a dor do personagem – mesmo que tudo seja construído através de arquétipos muito utilizados em épicos dramáticos hollywoodianos. Porém, tudo isso é compensado pelos momentos de pura beleza e afeto de Blazkowicz ao lembrar-se de sua mãe e do pesar dos abusos terríveis que sofreu do pai.

Tudo isso é expandido e remoído enquanto partimos na tentativa de fazer uma revolução nos EUA, para reviver o espírito calado da liberdade americana que se acovardou diante ao poder opressivo dos nazistas e que convive, tolera e até mesmo celebra quando necessário. Um grande destaque do game é o papel feminino dentro da história. Seja com Anya, com a mãe de Blazkowicz ou com Grace, uma revolucionária que entra na causa no meio da jornada. Todas são mulheres de destaque e forte determinação dentro da narrativa.

Mas nada supera a grande antagonista do jogo: a capitã nazista Irene Engel. Desde Far Cry 3 com Vaas Montenegro que não tínhamos um vilão tão marcante e bem escrito no campo dos videogames. Cada presença que Irene traz em suas participações vale ouro pela loucura racional e sádica que apresenta. Tudo é pensado de forma meticulosa para mostrar a total falta de escrúpulos da vilã. Não é nada complexa, é apenas um retrato simples e cru da maldade, afinal Wolfenstein II é complexo, mas nem tanto. O que nos leva a alegria que é o gameplay do jogo.

Vício Frenético

Quem jogou de The New Order encontrará a mesma dinâmica intensa na sequência. O jogo é muito acelerado, você se movimenta rápido e é bastante poderoso na medida certa. Ou seja, mesmo que Blazkowicz seja um tanque e consiga manipular duas escopetas ao mesmo tempo, pode morrer com algum pouco esforço dos inimigos. E como há uma quantidade significativa de oponentes, Wolfenstein II se torna um jogo consideravelmente difícil mesmo em dificuldades moderadas.

A Bethesda e a MachineGames seguiram um caminho que parece estar cada vez mais raro: um jogo exclusivamente singleplayer e linear. Logo, a estrutura é a que você espera: cutscene-jogo-cutscene-jogo e por aí vai. Em breves momentos, essa dinâmica é interrompida com a navegação interna do cenário do submarino U-Boat, Martelo de Eva, que oferece diversos locais interessantes para exploração, além de conter os melhores diálogos incidentais da equipe que está aberta a interação nesses “respiros” que o jogo dá entre as missões.

De resto, Wolfenstein II está concentrado totalmente nas missões que rendem uma experiência fantástica de dez horas de duração. Ao contrário de outros games, The New Colossus não tem uma progressão de personagem baseada em nível, mas sim através da conquista de pequenos objetivos que o jogo oferece para te recompensar com atributos para o personagem.

Seja com um número determinado de execuções a mão (todas brutais graças a assistência de uma machadinha), de tiros na cabeça, eliminações furtivas, mortes de generais, mortes por fogo, por granada, entre tantas outras. Tudo isso é um convite ao jogador para que ele cumpra os desafios opcionais que o jogo oferece – você vai acabar completando várias apenas por jogar a campanha, naturalmente.

Esse é o fator mais complexo de toda a mecânica do game que é de conceito bastante simples: mire, corra e cause uma carnificina. O que pode e vai complicar a vida do jogador são os generais que, até serem eliminados, chamam reforços de soldados infinitamente e, como os recursos de vida e armadura são mais escassos conforme a dificuldade selecionada, as coisas viram um inferno rapidamente. Logo, também há a possibilidade da abordagem stealth mesmo que ela tire um pouco do brilho e da energia de adrenalina que é o tiroteio do game.

Há uma variedade satisfatória e muito bem cadenciada de inimigos espalhados nos níveis. Os designers sempre são comportados ao inserir oponentes que te dão trabalho, mas nunca além do necessário. Temos soldados regulares, soldados com armadura, super soldados, mechas com supervelocidade, cães, drones, mechas gigantes e os já icônicos panzerhunds, os cães gigantes de metal que cospem fogo. Como a inteligência artificial dos inimigos busca te flanquear a todo momento, é preciso que o jogador fique atento com qual abordagem tomar com cada um deles para que não ganhe nenhuma surpresa desagradável.

Fora isso, há alguns coletáveis espalhados dentro dos níveis, incluindo kits de aprimoramento de arma. Cada arma possui três espaços para melhorias igualmente básicas: aumento do tamanho do pente, maior poder de fogo ou disparo diferenciado como melhor perfuração ou uso de silenciador. São upgrades úteis e valiosos então pense com cuidado para qual aprimoramento que pretende comprar os kits – o de aumento do pente sempre é necessário para deixar o tiroteio ainda mais intenso.

Com as armas do arsenal sendo obtidas naturalmente conforme se derruba inimigos, não demora nada até que o jogador esteja armado até os dentes. E olha que isso nem é a melhor parte do jogo. As armas pesadas trazem uma diversão totalmente inerente a elas: uma de raios laser que desintegram os oponentes, uma metralhadora de calibre gigante e um lança-chamas/granadas que explode tudo o que há pelo caminho. Com elas, o desafio fica muito mais brando e o jogo, mais divertido, pois também é possível recarregar duas delas em estações de recarga específicas que estão espalhadas pelo cenário para cada arma.

O único entrave é, por conta do ritmo intenso de tiro e movimentação, acessar a roda de armas para trocar de armamento é quase um atestado de óbito. Infelizmente a produtora não inseriu um breve slow motion tão característico para acessar o grid das armas. Como tudo é em tempo real, o jogador pode se embananar inteiro na hora da troca sempre necessária quando as balas acabarem.

Outra dinâmica estranha do jogo é a obtenção de munição e armadura que caem quando os oponentes morrem. Certas vezes, tudo é automático ao passar perto desses itens, mas em grande maioria, é necessário que o jogador aperte o botão de ação para pegar o que deseja. Novamente, isso no tiroteio é bastante inviável.

Um Mundo de Ordem e Caos

Como perceberam, não há muito o que criticar negativamente em Wolfenstein II. A Bethesda e a MachineGames fizeram um trabalho excepcional em absolutamente todas as áreas. Óbvio que isso inclui o trabalho de polimento gráfico, design de nível e outras características técnicas sensacionais.

A começar, as cinematics do game são excelentes oferecendo muito mais do que um olhar banal sobre os eventos da história. Há movimentação elaborada da câmera, enquadramentos bem pensados e até mesmo uso criativo da montagem para jogar os personagens em diferentes localidades dos EUA em questão de segundos. É realmente cinematográfico. Uma preocupação evidente para os diretores tão caprichosos do jogo.

Se algo é trabalhado nesse nível, o mesmo se pode dizer das expressões faciais e da dublagem original fantástica dos personagens. Aliás, mesmo que seja um plus da edição nacional e que muitos brasileiros certamente apreciam, não posso recomendar que joguem o game com essa opção. O time de dubladores e a direção nacional parecem não ter compreendido bem a voz e os sentimentos principais do protagonista. Em uma jogatina de duas horas em cada versão, fica nítida a diferença da qualidade da dublagem.

Acredite, se perde características importantíssimas do drama de Blazkowicz ao escolher a dublagem nacional muito modesta e pouco interessada. Além disso, como há um trabalho de sotaques ferrenho entre o elenco inteiro de vozes, a recomendação pela versão original é ainda mais forte. Infelizmente não há como colocar o diálogo em inglês e as legendas em português nos jogos da Bethesda – algo que precisa de uma correção urgente.

Na versão testada, de Xbox One, também é impressionante o resultado técnico da consistência de quadros por segundo (algo vital em first person shooters). Mesmo com muitos personagens em tela, efeitos de partículas e névoa, além da belíssima iluminação bem pensada dos cenários, o console segurou bem o processamento disso tudo, mas quando há muitas explosões ou heavy gunners a frente, a chance da taxa se desestabilizar é maior.

Já no que tange o departamento artístico do jogo, digamos que ele abandona bastante o visual clássico dos castelos que os games costumavam visitar. Essa é uma aventura expansiva em diversas localidades dos EUA e isso possibilita boas adições artísticas muito particulares dessa edição em especial.

Os níveis são muito bem desenhados, mas há diferenças claras de alguns que são muito mais inspirados que outros. Por exemplo, quando o jogo te oferece visitar um pedaço de Roswell enquanto uma parada nazista ocorre na avenida principal, tudo se torna mais pasteurizado e comum de tão brilhante que é o nível. Outros são bastante focados na pegada steampunk dos covis secretos ou de grandes naves nazistas que, apesar de um visual abastado e bastante diferenciado, não chamam tanto a atenção como outros focados na exploração linear de cidades totalmente destruídas pelas consequências de uma bomba atômica ou das cicatrizes de uma revolução fracassada.

Apesar dessa discrepância de visual, todos são muito divertidos e contam com particularidades de construção que oferecem mais de um modo para que o jogador atinja alguns destinos. Também é obrigatório que eu comente algo espetacular: a trilha musical. Quando o rock rola solto e diversos inimigos invadem um salão, foi difícil conter um sorriso sádico antes de começar a explodir todos eles. É uma trilha forte, eficiente e pontual que sabe a hora de entrar em cena para o jogador ficar totalmente satisfeito. Novamente, que jogo incrível.

O único ponto descompensado nesse sentido de Wolfenstein II é a inclusão errônea de algumas paredes invisíveis que impedem o jogador de pular entre plataformas, além de um sistema de navegação muito rudimentar para mostrar o caminho dos objetivos. Fora isso, tudo é realmente certeiro.

A Imortal Revolução

É interessante também que os desenvolvedores sabiamente tenham evitado entrar em quaisquer comentários políticos sobre o cenário americano atual. Se o fizeram, não foi de modo descarado a ponto de desestabilizar a vontade de quem joga ou de ser algo realmente intrusivo. Tudo o que é dito de fato colabora para a dinâmica da história e da relação fantástica entre os personagens.

Em meio a uma carnificina completa em uma das experiencias mais divertidas do ano, a Bethesda não oferece apenas uma história fantástica para o jogador, além de muito respeito ao próprio produto. Mais do que isso: ela assina de vez o seu nome como uma das publishers que mais respeitam a comunidade gamer.

Ao contrário de certas outras concorrentes, ela compra estúdios que sabem fazer jogos para justamente produzi-los, finaliza-los e lança-los. Com Wolfenstein II: The New Colossus é evidente que estamos falando de um dos melhores produtos que já foram lançados em sua história.

Agradecemos a Bethesda pela cópia gentilmente cedida para a análise.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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