Duna - Ranking dos livros! Do Melhor ao pior!

Com a tão esperada nova adaptação de Duna, do renomado diretor Denis Villeneuve prestes a estrear, decidi fazer um ranking dessa que é uma das minhas sagas favoritas dentro da literatura de ficção científica. Além destes seis que estão na lista, que são os oficiais escritos por Frank Herbert, há outros escritos pelo filho do autor, Brian Herbert e Kevin J. Anderson, mas por ora, vamos nos concentrar nos livros do Frank. Antes de mais nada, quero deixar claro que não acho nenhum desses livros ruins, mas alguém tem que fazer o trabalho sujo de colocá-los em ordem para uma lista, portanto mãos à obra!

 

  1. Filhos de Duna (1976)

Filhos de Duna se passa nove anos depois do livro anterior, Messias de Duna. Aqui vemos as consequências do império de Paul Muad'Dib. A irmã de Paul, Alia é a regente enquanto os verdadeiros herdeiros do trono, os gêmeos Leto e Ghanima ainda não tem idade para governar. Enquanto isso, mais uma vez forças externas conspiram contra a família Atreides.

Certo, eu sei que este é o livro favorito de alguns fãs (ou pelo menos segundo favorito ou terceiro favorito) então entendo se você se espantar ou ficar com raiva de ver este no início da lista, na última posição, mas como eu disse, não é uma situação fácil para mim também, pois como já havia dito, gosto bastante de todos esses livros (risos). Este é o livro que fecha a primeira trilogia de Duna, que eu também gosto de chamar de trilogia do Paul Atreides (Apesar de que em relação ao arco de Paul, este serve mais como um epílogo, com o protagonistas  dos livros  anteriores passando o bastão para o seu filho, Leto Atreides).

Personagens muito queridos dos fãs que estavam ausentes na obra anterior, Messias de Duna retornam para Filhos de Duna, como Lady Jessica e Gurney Halleck, temos também a adição de interessantes personagens, como os gêmeos Leto e Ghanima Atreides, a princesa Wensicia Corrino e seu filho, Farad’n.  A maioria dos elementos apresentados neste livro são interessantes, uma das minhas personagens favoritas, Alia, ganha um maior destaque, se encaminhando para um destino um tanto trágico e é nela que enxergo o problema que justifica o posicionamento do livro aqui.

Filhos de Duna apresenta a ideia da possessão pelas entidades contidas dentro das memórias genéticas. É nesse conceito que surge uma pequena discrepância em relação ao que foi apresentado nos livros anteriores em relação a como funciona essa outra memória para Alia e também algo que acontece com o Leto em um ponto  na história. Elementos um tanto exagerados são inseridos em um universo que até então mantinha um certo grau de verossimilhança, claro, com algumas extrapolações, como as habilidades sobre-humanas de alguns personagens e criaturas fantásticas como vermes gigantes, mas a barra é elevada consideravelmente aqui e precisamos de um pouco m,ais de suspensão de descrença. Podemos fazer uma série de racionalizações para encaixar as nova informações a um contexto que faça sentido, mas mesmo assim essas pequenas coisas tiram um pouquinho da força do livro e por isso o coloco em último (admito também que estou fugindo do clichê de colocar Messias em último, grande injustiça com essa obra, desculpa, Filhos de Duna, você é o mártir da vez!).

 

  1. Messias de Duna (1969)

Doze anos se passaram depois do eletrizante final de Duna e agora Paul Atreides senta-se no trono do leão de ouro, exercendo o cargo de imperador de todo o universo conhecido. A guerra santa de Paul, o Jihad do Muad’Dib, realizada para subjugar aqueles que ainda não se submeteram a seu novo governo está em andamento, enquanto que surge uma nova conspiração para matá-lo.

Este é o livro mais curto de toda a série (com pouco mais de 200 páginas, muito mais curto que o livro anterior que tinha quase 700) e para muitos, essa é a obra mais problemática dentro da saga do planeta Deserto. Para começar, muitos não entenderam o porquê do Paul ser tão odiado neste se ele era tão amado no primeiro livro. Frank Herbert passou dezessete anos de sua vida tentando explicar suas intenções para com a saga, de tão importante para ele a sua mensagem ser passada de uma maneira correta e compreensível.

A mensagem é muito simples, “não acreditar que os líderes estejam sempre certos, por mais carismáticos que sejam”, dito isso ele fez Paul ser a pessoa mais carismática possível no primeiro livro, conquistando todo o povo fremen por meio de suas habilidades, físicas, por vezes, principalmente no início, mas sobretudo diplomáticas. Paul prova a eles muitas e muitas vezes que ele é o escolhido que eles tanto almejam (de certa forma não é, mas me demoraria muito no comentário explicando isso agora). Em Messias de Duna, ele mostra um outro lado do personagem, transparecendo as consequências do que foi iniciado por ele em Duna.

Claro, as pistas já estavam presentes em todas as visões de terror do jihad que o Paul teve no primeiro livro e também em algumas frases da prosa do Herbert, cito uma das que mais permaneceram em minha mente, “Não poderia acontecer nada mais terrível para sua gente do que cair nas mãos de um herói”  e em Messias de Duna, Frank Herbert prova sua contestação. Creio que uma das coisas que mais causa estranhamento seja exatamente esse gap de tempo entre um livro e outro, não vemos diretamente o que levou a esse estado das coisas, lacuna que posteriormente Brian Herbert e Kevin J. Anderson, com seu livro, Paul of Dune preencheram.

Entretanto, também não significa que Paul seja exatamente uma pessoa má, a complexidade do personagem confere força ao livro. Um dos principais temas de Duna é o conflito entre determinismo e livre-arbítrio, Herbert nos confronta algumas vezes com a pergunta “Paul vê o futuro ou cria o futuro?”, que sintetiza esse problema. O principal conflito do personagem é o dele se ver sempre como uma marionete que deve cumprir certos desígnios, mas possui uma vontade que difere desses deveres e procura sempre uma solução para esse problema. Eu gosto do final desse livro, que sem dúvidas possui um certo valor poético. 

Mas sim, o livro serve mais como uma ponte para conectar o primeiro livro ao último da trilogia e possui muito menos valor de entretenimento que o primeiro, sendo uma leitura um tanto mais densa, portanto por mais que eu goste, tenho que reconhecer que Frank Herbert conseguiu entregar obras que conseguem conciliar melhor essas duas coisas, a densidade de suas mensagens com alguma diversão integrada, portanto este fica em quinto lugar.

 

  1. Herdeiras de Duna (1985)

Após os eventos cataclísmicos de Hereges de Duna, as bene gesserit lutam para preservar o seu legado e o do  planeta deserto, enquanto que as honoráveis matres continuam  devastando, conquistando e escravizando diversas partes do velho império. Mais um conflito entre essas duas ordens parece ser inevitável…

Herdeiras de Duna é o último livro da saga escrito diretamente pelo Frank Herbert, como estamos em um território de spoilers pesadíssimos, pois alguns fãs ainda não chegaram a esse ponto, tentarei ser o mais breve possível na minha explanação deste. A obra tem muito elementos novos que enriquecem ainda mais o universo de Frank Herbert, mais camadas são adicionadas no conflito dos Bene Tleilaxu e das Bene Gesserit (não entenda que estou dizendo que eles formaram uma aliança, pois eles se odeiam igualmente) contra as implacáveis Honoráveis Matre.

O defeito do livro mais evidente (que para muitos pode até não ser considerado como um) é que ele termina com um gancho enorme, apresentando conceitos e personagens misteriosos e como sabemos, infelizmente a saga nunca foi fechada pelo autor original, Brian Herbert e Kevin J. Anderson viriam com os livros Hunters of Dune e Sandworms of Dune que servem como um fechamento cronológico para a saga, mas não temos como saber com certeza se esse era realmente o final pretendido pelo autor e o próprio estilo de escrita dos escritores diferem, nos fazendo sentir essa falta. Mas dito isso, eu gosto bastante dessa última trilogia (que no caso acabou sendo uma quadrilogia incluindo os livros de Brian e Kevin).

PS: No final do livro tem um posfácio do Frank Herbert muito cativante escrevendo sobre a sua esposa, Beverly Herbert, falecida havia pouco tempo. Frank iria se juntar a ela não muito tempo depois… Que Deus os tenha.

 

  1. Hereges de Duna (1984)

Mil e quinhentos anos se passaram desde o final de Imperador Deus de Duna e as consequências dos anos de tirania do governante anterior se fazem sentir. Houve uma grande dispersão após a morte do imperador e agora, um milênio e meio depois, esses povos estão retornando aos antigos domínios do império, formando facções que buscam dominar o que ainda resta. Entre eles, estão as honoráveis matre que não parecem ter intenções muito amigáveis…

Este é o quinto livro da saga e inicia uma nova trilogia dentro da série de Duna, dominada principalmente por fortes personagens femininas. As bene gesserit que sempre estiveram à margem, mantendo-se no pano de fundo das tramas políticas, finalmente tomam as rédeas do protagonismo na série (Você poderia argumentar que já tivemos a Lady Jessica, mas enfim…).

Nessa nova aventura somos apresentados a uma miríade de personagens interessantes, as bene gesserit  Darwi Odrade, Taraza, Lucilla e Schwangyu, o bashar, especialista em combate a serviço da irmandade e descendente dos Atreides, Miles Teg, a jovem Sheeana, que consegue se comunicar com os vermes de areia gigantes de Rakis (nome do planeta foi levemente mudado nesse).

Falando nisso, esses pequenos detalhes me fascinam, assim como o nome dos países e lugares em geral mudaram ao longo da história humana, aqui Frank Herbert muda o nome da maioria dos planetas que apareceram anteriormente. Outro detalhe muito interessante é que Sheeana se recusa a chamar o verme de Shai-Hulud (coisa eterna, o eterno), como sempre fizeram os Fremen, ao invés disso, chamando-o de Shaitan (Satan), um comentário do Herbert de como religiões posteriores apropriam divindades antigas como entidades opositoras.  

Mais sobre o lore envolvendo a irmandade é revelado neste livro e conseguimos ter ainda mais empatia por elas, pois de certa forma elas tomam para si o papel de guardiãs da história da humanidade, possuindo essa outra memória que dá a elas um retrato preciso do que outrora ocorreu, enquanto que a história oficial vai sendo corrompida ao longo do tempo. Elas lutam para preservar seu legado e o legado de toda a humanidade  e isso é algo que pode fazer o leitor se identificar rapidamente, pois a vontade de preservar certas coisas impera em todos nós. Outra ótima adição a saga, a partir daqui não tenho muitas reclamações, mas os dois próximos são os verdadeiros “caviares” da série.

 

  1. Duna (1965)

Intrigas políticas e conspirações, um mundo de planos dentro de planos… esse é o ambiente no qual cresce Paul Atreides, que carrega um legado maior do que tudo que ele pode imaginar. Levado a um planeta deserto, Arrakis, também conhecido como Duna, é tão intrigante quanto perigoso. Ele e sua família precisam se adaptar a esse novo lar e se preparar para os tempos difíceis por vir.

Este é o livro que iniciou tudo, o primeiro grande sucesso do escritor Frank Herbert, que havia escrito algumas coisas antes, claro, mas nada que pudesse se comparar ao reconhecimento que ele ganhou por Duna a longo prazo, essa obra-prima agora está ganhando uma nova adaptação pelas mãos de Denis Villeneuve. Mas por que esse livro fez tamanho sucesso e é considerado uma obra prima? Por diversos fatores, a história conecta-se bem com rapazes adolescentes, pois Paul está passando por uma mudança importante na vida dele e muitos jovens podem se identificar com isso.

Os elementos narrativos possuem uma certa semelhança com clássicas histórias de cavalaria, principalmente do Rei Arthur, uma das principais inspirações para o escritor, que também possui um protagonista com características messiânicas. Além de ser um grande livro de aventura, também possui subtextos interessantes, dissertando sobre política, antropologia, religião e ecologia, alguns dos temas favoritos de Herbert. 

Além de ser um livro que saiu na época certa, às vésperas da contracultura (sei que estou estendendo essas vésperas por alguns anos, mas foi de fato onde o sucesso explodiu). A ideia da mélange, uma substância que expande a mente foi muito atrativa para hippies e alguns universitários que na época estavam também “expandindo suas mentes” com o uso de algumas drogas psicotrópicas (para mais detalhes, ler a biografia do Herbert, Dreamer of Dune).

Ele apresenta muitos conceitos, personagens e ordens interessantes que permaneceram com os fãs por muito tempo. O livro não precisa de muita introdução, é sem dúvidas uma das maiores obras dentro do gênero de ficção científica e favorito de muitas pessoas. Sendo uma obra seminal, inspirou muitas outras, incluindo aí Star Wars, a franquia cinematográfica de maior sucesso até hoje (incluindo aí produtos derivados e merchandise relacionada.

 

  1. Imperador Deus de Duna (1981)

   

Três mil e quinhentos anos se passaram desde o final de Filhos de Duna, o imperador agora é Leto II, filho de Paul Atreides, que fundiu-se com um verme de Areia e pode viver todo esse tempo, encaminhando a humanidade em seu caminho dourado, assegurando a sua sobrevivência. Muitos não estão contentes com sua forma de governar e conspiram contra ele.

Este quarto livro da saga é uma pérola dentro do gênero de ficção científica. Serve como uma ponte entre trilogias Esta é a obra mais densa da saga e ao mesmo tempo, a mais madura. A partir dos diálogos de Leto II(que ouso dizer, lembram muito os diálogos socráticos), somos levados a refletir sobre os dois gumes de uma situação, males e benefícios (Duna como um planeta desértico e  Duna como uma floresta e a importância do equilíbrio ambiental). Também somos levados a refletir sobre toda a história da humanidade, a ascensão e queda de impérios. 

O próprio personagem, Leto II é muito fascinante e é a partir dessa entidade que o Frank Herbert despeja pensamentos profundos, filosóficos e alegóricos, acerca do mundo que ele criou. Eu acredito que uma das principais forças de Duna é a insistência em questionar o que está aparecendo na história. Uma relação que eu encontro é que as sequências sempre questionam os acontecimentos dos livros anteriores, expondo suas consequências e o  Imperador Deus de Duna é muito rico nesse aspecto.

PS: E também tem um homem/verme gigante esmagando (literalmente) seus inimigos, o que mais podemos querer?

Então, essa é a minha lista ranking dos livros de Duna, que ficou maior do que eu pensei, o que só demonstra o quanto eu gosto desses livros (sou quase obcecado ao que parece…), mas tive que explicar bem o porquê de eu colocá-los em certas posições, mas se eu tiver dito algo errado ou discordar de mim, pode comentar, não sou dono da verdade afinal XD. Espero que gostem e até a próxima!

PS: Confiram também meu vídeo também sobre o ranking dos livros:

https://www.youtube.com/watch?v=n-ygYM5fNeE


Crítica em Vídeo | Neon Genesis Evangelion 3.0 +1.01: A Esperança

Para fechar nossa jornada com Evangelion, eu, Daniel Tanan e Matheus Fragata, Editor-chefe do bastidores nos reunimos para uma conversa descontraída sobre o fim da saga e compartilhar nossas impressões sobre este último capítulo de uma das maiores sagas das animações japonesas. Ficamos mconversando por uma hora, mas o vídeo foi editado para uma duração um pouco mais confortável de 25 minutos. A conversa foi tão interessante que ainda pretendo lançar um outro vídeo com as partes que ficaram de fora, mas por hora, espero que gostem desse. Sem mais delongas junte-se a nós neste nosso adeus a Neon Genesis Evangelion.

https://www.youtube.com/watch?v=12IubXy2ork

Confira nossa crítica do filme


[Vídeo] Duna - Reagindo ao segundo trailer | OBRA PRIMA OU FLOP!!!???

Um pouco atrasado para postar aqui, eu sei, mas havia feito uma reação do último trailer de Duna e  como alguns sabem, eu sou bastante fã do universo do planeta deserto criado pelo saudoso autor, Frank Herbert e que agora recebe uma nova versão cinematográfica pelas mãos do cineasta Denis Villeneuve. Aqui no Bastidores, havia publicado uma série de vídeos e textos sobre a saga, aqui está o mais recente, espero que gostem!

https://www.youtube.com/watch?v=4FdbhaAnxOY


Vídeo - Duna (1984) | Obra-Prima Subestimada?

Tive uma conversa com um ex-colaborador deste site, Rafael Klopper em que falamos por mais de uma hora sobre o filme de Duna do David Lynch, mas não se preocupem, dividi em três partes haha. Espero que gostem!

https://www.youtube.com/watch?v=_OQnv1g36NU

https://www.youtube.com/watch?v=1seCFxVgqMM

https://www.youtube.com/watch?v=w3EMTPEOmcM


Duna (1984) - É tão ruim quanto dizem?

A série de livros de fantasia, Duna sempre me fascinou bastante, por tocar em temas interessantíssimos com uma abordagem decente, como a questão da religião como um instrumento da política e vice-versa, das relações de poder e como elas são mutáveis, sobre impérios que caem e impérios que vão surgindo sobre os escombros do anterior. Temas que são debatidos por grandes intelectuais e nos livros do Frank Herbert tem aquele tempero de épico de ficção científica e causam a reflexão enquanto nos divertimos com as aventuras e desventuras da família Atreides.

O contexto

Após diversas tentativas de tirar o filme do papel com tentativas comandadas por diretores como David Lean, Alejandro Jodorowsky e Ridley Scott falhando, o projeto foi cair nas mãos do jovem e promissor David Lynch, que desde a sua estreia com o filme Eraserhead tinha impressionado diversas pessoas, como o próprio Stanley Kubrick, que chegara a dizer que este era seu filme preferido. O filme começa com uma frase que gosto muito, "um começo é algo delicado", remetendo à importância de colocar as coisas em seu devido contexto e é isso que vamos fazer aqui.

Dino de Laurentiis e sua filha, Rafaella de Laurentiis, os produtores que detinham os direitos sob o romance de autoria do Frank Herbert, assistiram ao filme Homem Elefante, realizado por Lynch e decidiram que este era o homem certo para trazer a saga do planeta deserto para as telas. David não era muito interessado pelo gênero de ficção científica e não muito tempo atrás havia recusado a proposta de George Lucas para dirigir Star Wars: O Retorno de Jedi. Mas após pesquisar sobre Duna, o diretor viu que seria uma boa oportunidade de fazer algo próprio e original com o gênero, prontamente aceitando a proposta dos De Laurentiis de criar um "Star Wars para adultos", slogan que continua sendo usado até mesmo no novo filme do Villeneuve que sai este ano.

Um filme visualmente belo

O filme tinha um orçamento bem robusto, de 41 milhões de dólares, um orçamento bem maior do que qualquer um dos Star Wars feitos até então e boa parte desse montante aparece nas telas, principalmente no design de produção. A impressão que a gente tem quando lê Duna é que este é um universo multicultural e isso se reflete na direção de arte tomada para o filme. Tomemos a cena de abertura que mostra a corte do imperador padixá, aqui ornamentos medievais se misturam com roupas modernas (me referindo à modernidade dos séculos XVIII e XIX) conferindo assim uma impressão visual muito próxima a que Frank Herbert evoca na versão literária.

Estes ornamentos familiares se misturam com elementos mais fantasiosos, afinal esta é uma ficção científica que se passa vinte mil anos depois da nossa época, aqui David Lynch solta a sua imaginação ostentosa e bizarra da qual ele é tão conhecido, Duna dá a chance para ele brilhar nessa seara. Uma das características mais interessantes do livro é que há pouca descrição, assim em uma adaptação fílmica é possível fazer certas coisas na área da direção de arte com alto grau de liberdade. Assim, temos um dos designs mais bizarros do David Lynch em toda a sua carreira, o Navegador da Guilda Espacial, que em questão de bizarrice só encontra rival com o bebê feto de Eraserhead.

Mas ao mesmo tempo que possui um design de produção rico, que facilmente salta aos olhos, a produção peca com seus efeitos especiais, aquém do padrão da época, como muitos críticos haviam apontado. Nessa área destaco o efeito dos escudos, muito exagerado, quadrado, chamativo, poderia ter sido feito de uma maneira mais sútil que não causasse uma impressão tão negativa a quem assiste. Outro problema visual tem relação com a técnica do matte painting (hoje mais conhecida como chroma key) que fica muito perceptível em alguns momentos, destaco aí uma cena que envolve o Barão Harkonnen e um verme de areia.

A atuação

Quanto às atuações, aqui destaco a dos protagonistas, Kyle McLachlan foi um ótimo Paul Atreides, o jovem ator (à época) declara que já era fã de Duna muito antes de ter recebido a proposta de interpretar Paul Atreides e ele reflete muito bem tanto a inocência e insegurança de Paul no início da aventura e a sabedoria que vai despertando aos poucos até que enfim ele se torna o tão esperado Kwisatz Haderach, o profetizado Lisan al Gaib e Muad'Dib, Mahdi (messias) e líder dos fremen. 

Lady Jessica, a mãe de Paul sempre foi o coração do livro, a personagem mais relacionável. Apesar de fazer parte da irmandade das Bene Gesserit e possuir tremendos poderes, a concubina é injustiçada, colocada na posição de traidora ao ser acusada de ter matado seu marido e ter causado a derrocada da casa Atreides, uma inverdade terrível. Afinal, Leto e sua posição na casa Atreides eram as coisas que ela mais estimava em sua vida e agora ela tem apenas uma razão para viver, garantir a sobrevivência e segurança dos seus filhos, vivendo entre uma cultura alienígena a sua (a dos fremen). Francesca Annis interpreta muito bem esses dois lados da personagem, forte e ao mesmo tempo sensível.

Além destes, o filme tem um elenco de apoio espetacular, nomes como Patrick Stewart e Max Von Sydow dispensam apresentação, definitivamente estão entre os melhores atores de suas respectivas gerações. Mas, a cereja do bolo deste filme em geral são os vilões, os Harkonnen. É nesses caras malvados que eu mais consigo enxergar a marca do David Lynch. No livro, estes personagens e seu planeta natal, Giedi Prime tem sim a sua parcela de excentricidade, mas o Lynch eleva essa característica a décima potência. Temos alguns adereços bizarros, objetos impossíveis de identificar que causam estranheza e o melhor de tudo isso (para não dizer o contrário) é a representação de tais personagens.

Uma personalidade muito conhecida dos fãs de Rock, Sting, interpreta o jovem e arrogante, Feyd Rautha ( uma curiosidade é que na versão do Jodorowsky que nunca saiu, quem interpretaria ele, seria outro rockeiro, Mick Jagger). O vocalista do The Police empresta sua energia e agilidade ao personagem, sendo uma representação até decente. Então temos Rabban, que possui bastante força física, porém, pouca inteligência, um típico capanga, interpretado por Paul L. Smith e finalmente, Vladimir Harkonnen, o grande cabeça da grande Casa do Landsraad.

Há a controvérsia em relação à fidelidade desse personagem ao material original, que é praticamente nula. No livro, o barão é um gênio estrategista, me lembrando um pouco o Lex Luthor dos quadrinhos do Superman em sua abordagem a vilania, mas aqui ele é um palhaço cheio de extravagâncias, ele gosta de gritar o tempo todo e tem uma certa irracionalidade quanto ao seu sadismo, tem uma cena em que ele literalmente flutua em círculo rindo sem parar, é como um vilão de desenho animado dos mais bobinhos. Há ainda outra controvérsia em relação à abordagem ao homossexualidade. No livro, ele é um homossexual sádico também, mas aqui essa característica é agravada por conta do tom mais lúdico que eu já havia citado e ainda adicionam uma doença degenerativa que muitos viram como uma analogia a Aids. Dito isso, dentre todos os personagens, o que está mais distante da sua versão original é o Barão, mas reconheço também que o vilão excêntrico e exagerado é uma marca registrada do diretor,  David Lynch, vide o Frank de Blue Velvet e Bob de Twin Peaks.

Roteiro e montagem

Agora, vamos comentar a parte mais complicada do filme, o roteiro ou melhor, a maneira com que o filme foi apresentado no corte que foi para o cinema. Conta-se que o primeiro corte tinha pouco mais de quatro horas de duração, mas o corte que o Lynch queria que fosse exibido tinha três. Os executivos do estúdio ficaram apreensivos com a duração do filme, pois o mais seguro para eles assegurarem o retorno do capital investido e possível lucro era com o padrão do longa metragem que por excelência não extrapolasse muito a marca de duas horas. Os produtores Dino e Rafaela de Laurentiis fizeram o corte e as mudanças sem o aval do diretor, David Lynch, criando uma desavença que dura até hoje. Sempre que é perguntado sobre Duna, Lynch fica melancólico e diz que a experiência de ter o seu direito de corte final revogado foi muito dolorosa para ele e qualquer coisa que remeta a Duna cutuca esta sua ferida (recentemente ao ser perguntado sobre a sua opinião acerca da versão do Denis Villeneuve, ele se absteve de responder).

O resultado foi um filme muito fragmentado e confuso, a maioria das pessoas que assistiram compreenderam muito pouco sobre o que se passava, um crítico da época escreveu "Duna tem alguns personagens sensitivos, o que os coloca na posição privilegiada de compreender o que se passa no filme". Esta frase sintetiza a desordem que foi o resultado deste filme. Mas ao longo dos anos, o filme recebeu um certo "cult following", inclusive eu tenho um carinho especial por este filme, sendo fã tanto da série literária criada por Frank Herbert e do excelente artista que é o David Lynch.

A temática

Mas creio ter compreendido a intenção do filme. Ora, é difícil expor em um filme de apenas duas horas a densidade dos temas expostos no material original. A questão da religião e política foi bem simplificada, eles não revelam que a crença dos fremen no Lisan Al Gaib foi um mito implantado pelas Bene Gesserit e que Paul não é nenhum messias real, mas uma ferramenta confeccionada ao longo de várias gerações por meio da manipulação genética para ser usada por elas em sua busca por poder. Omitindo essa informação, a compreensão comum é que novamente estamos diante da velha história do escolhido que aparece em boa parta das obras de fantasia, na qual Herbert faz uma boa subversão.

A questão ecológica também foi bastante simplificada e a riquissima cultura fremen é deixada em sehundo plano, mas tem um tema importante de Duna em que há um maior foco e ele está explicitado neste diálogo retirado do filme, proferido pelo personagem, Duque Leto: "Uma pessoa precisa de novas experiências. Elas nos estimulam profundamente, ajudando no amadurecimento. Sem mudança, algo dorme dentro de nós e raramente acorda. O adormecido deve acordar."

"O adormecido deve acordar", creio ser uma boa mensagem e ela perpassa toda a saga de Duna, por exemplo, o universo de Frank Herbert é pós inteligência artificial. A humanidade após ter feito as máquinas pensantes estagnou-se, não era necessário pensar mais e após um conflito que se deu em torno destas máquinas, o jihad butleriano, viram que isso era ruim e instituíram uma proibição. Um mandamento que colocam até em um novo livro religioso, a bíblia católica laranja dizendo "não criarás uma máquina à semelhança da mente de um homem". O jihad também é omitido do filme (exceto na versão estendida, que é ainda pior) mas exemplifica bem o sentido da frase.

A consciência superior do Kwisatz Haderach é despertada por uma certa quantidade de saturação no sangue pela substância Melange, a especiaria mais importante de todo o universo que possibilita as viagens espaciais e aumenta a expectativa de vida, além de conferir a algumas pessoas a capacidade da presciência e só pode ser encontrada no planeta Arrakis. Lá em Arrakis, a substância fica até mesmo no ar em que as pessoas respiram. Desta forma, se a família Atreides nunca saísse do planeta Caladan, Paul nunca mudaria, "despertando o adormecido" dentro de si, assim, a partir dele, todo o universo pode evoluir.

Dentro dessa ideia, creio que o filme seja muito bem resolvido e até mesmo a cena da chuva, que foi a parte que Frank Herbert mais odiou pois dentro da lógica que ele criou em seus livros, não poderia chover naquele momento pois nem Paul tem esse poder, nem seria conveniente, pois a água é tóxica para os vermes e a precipitação acabaria matando todos eles, que por sua vez são os produtores da especiaria Melange, portanto não haveria mais a substancia mais importante de todo o universo. Mas creio que esta seja uma forma mais poética e ilustrativa dessa mudança final que o filme estava encaminhando, o planeta deserto, que nunca viu uma gota de chuva em toda a sua história finalmente chove, um verdadeiro milagre.

Considerações finais

Para concluir, eu não acho que o filme seja perfeito, muito longe disso, mas há um certo lirismo até mesmo em suas falhas que me fascinam e me fazem gostar um pouco mais cada vez que revejo o filme. Tenho um carinho especial por esse filme, entendo a frustração do David Lynch e lamento que o filme não tenha dado muito certo naquela época. Agora torço para que o novo filme do Denis seja ótimo e tenhamos uma nova franquia de ótimos filmes nos próximos anos.


[Vídeo] Resident Evil Village | Análise do jogo

 

https://www.youtube.com/watch?v=jEbWcsYWbvU

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