Duna - Ranking dos livros! Do Melhor ao pior!
Com a tão esperada nova adaptação de Duna, do renomado diretor Denis Villeneuve prestes a estrear, decidi fazer um ranking dessa que é uma das minhas sagas favoritas dentro da literatura de ficção científica. Além destes seis que estão na lista, que são os oficiais escritos por Frank Herbert, há outros escritos pelo filho do autor, Brian Herbert e Kevin J. Anderson, mas por ora, vamos nos concentrar nos livros do Frank. Antes de mais nada, quero deixar claro que não acho nenhum desses livros ruins, mas alguém tem que fazer o trabalho sujo de colocá-los em ordem para uma lista, portanto mãos à obra!
- Filhos de Duna (1976)
Filhos de Duna se passa nove anos depois do livro anterior, Messias de Duna. Aqui vemos as consequências do império de Paul Muad'Dib. A irmã de Paul, Alia é a regente enquanto os verdadeiros herdeiros do trono, os gêmeos Leto e Ghanima ainda não tem idade para governar. Enquanto isso, mais uma vez forças externas conspiram contra a família Atreides.
Certo, eu sei que este é o livro favorito de alguns fãs (ou pelo menos segundo favorito ou terceiro favorito) então entendo se você se espantar ou ficar com raiva de ver este no início da lista, na última posição, mas como eu disse, não é uma situação fácil para mim também, pois como já havia dito, gosto bastante de todos esses livros (risos). Este é o livro que fecha a primeira trilogia de Duna, que eu também gosto de chamar de trilogia do Paul Atreides (Apesar de que em relação ao arco de Paul, este serve mais como um epílogo, com o protagonistas dos livros anteriores passando o bastão para o seu filho, Leto Atreides).
Personagens muito queridos dos fãs que estavam ausentes na obra anterior, Messias de Duna retornam para Filhos de Duna, como Lady Jessica e Gurney Halleck, temos também a adição de interessantes personagens, como os gêmeos Leto e Ghanima Atreides, a princesa Wensicia Corrino e seu filho, Farad’n. A maioria dos elementos apresentados neste livro são interessantes, uma das minhas personagens favoritas, Alia, ganha um maior destaque, se encaminhando para um destino um tanto trágico e é nela que enxergo o problema que justifica o posicionamento do livro aqui.
Filhos de Duna apresenta a ideia da possessão pelas entidades contidas dentro das memórias genéticas. É nesse conceito que surge uma pequena discrepância em relação ao que foi apresentado nos livros anteriores em relação a como funciona essa outra memória para Alia e também algo que acontece com o Leto em um ponto na história. Elementos um tanto exagerados são inseridos em um universo que até então mantinha um certo grau de verossimilhança, claro, com algumas extrapolações, como as habilidades sobre-humanas de alguns personagens e criaturas fantásticas como vermes gigantes, mas a barra é elevada consideravelmente aqui e precisamos de um pouco m,ais de suspensão de descrença. Podemos fazer uma série de racionalizações para encaixar as nova informações a um contexto que faça sentido, mas mesmo assim essas pequenas coisas tiram um pouquinho da força do livro e por isso o coloco em último (admito também que estou fugindo do clichê de colocar Messias em último, grande injustiça com essa obra, desculpa, Filhos de Duna, você é o mártir da vez!).
- Messias de Duna (1969)
Doze anos se passaram depois do eletrizante final de Duna e agora Paul Atreides senta-se no trono do leão de ouro, exercendo o cargo de imperador de todo o universo conhecido. A guerra santa de Paul, o Jihad do Muad’Dib, realizada para subjugar aqueles que ainda não se submeteram a seu novo governo está em andamento, enquanto que surge uma nova conspiração para matá-lo.
Este é o livro mais curto de toda a série (com pouco mais de 200 páginas, muito mais curto que o livro anterior que tinha quase 700) e para muitos, essa é a obra mais problemática dentro da saga do planeta Deserto. Para começar, muitos não entenderam o porquê do Paul ser tão odiado neste se ele era tão amado no primeiro livro. Frank Herbert passou dezessete anos de sua vida tentando explicar suas intenções para com a saga, de tão importante para ele a sua mensagem ser passada de uma maneira correta e compreensível.
A mensagem é muito simples, “não acreditar que os líderes estejam sempre certos, por mais carismáticos que sejam”, dito isso ele fez Paul ser a pessoa mais carismática possível no primeiro livro, conquistando todo o povo fremen por meio de suas habilidades, físicas, por vezes, principalmente no início, mas sobretudo diplomáticas. Paul prova a eles muitas e muitas vezes que ele é o escolhido que eles tanto almejam (de certa forma não é, mas me demoraria muito no comentário explicando isso agora). Em Messias de Duna, ele mostra um outro lado do personagem, transparecendo as consequências do que foi iniciado por ele em Duna.
Claro, as pistas já estavam presentes em todas as visões de terror do jihad que o Paul teve no primeiro livro e também em algumas frases da prosa do Herbert, cito uma das que mais permaneceram em minha mente, “Não poderia acontecer nada mais terrível para sua gente do que cair nas mãos de um herói” e em Messias de Duna, Frank Herbert prova sua contestação. Creio que uma das coisas que mais causa estranhamento seja exatamente esse gap de tempo entre um livro e outro, não vemos diretamente o que levou a esse estado das coisas, lacuna que posteriormente Brian Herbert e Kevin J. Anderson, com seu livro, Paul of Dune preencheram.
Entretanto, também não significa que Paul seja exatamente uma pessoa má, a complexidade do personagem confere força ao livro. Um dos principais temas de Duna é o conflito entre determinismo e livre-arbítrio, Herbert nos confronta algumas vezes com a pergunta “Paul vê o futuro ou cria o futuro?”, que sintetiza esse problema. O principal conflito do personagem é o dele se ver sempre como uma marionete que deve cumprir certos desígnios, mas possui uma vontade que difere desses deveres e procura sempre uma solução para esse problema. Eu gosto do final desse livro, que sem dúvidas possui um certo valor poético.
Mas sim, o livro serve mais como uma ponte para conectar o primeiro livro ao último da trilogia e possui muito menos valor de entretenimento que o primeiro, sendo uma leitura um tanto mais densa, portanto por mais que eu goste, tenho que reconhecer que Frank Herbert conseguiu entregar obras que conseguem conciliar melhor essas duas coisas, a densidade de suas mensagens com alguma diversão integrada, portanto este fica em quinto lugar.
- Herdeiras de Duna (1985)
Após os eventos cataclísmicos de Hereges de Duna, as bene gesserit lutam para preservar o seu legado e o do planeta deserto, enquanto que as honoráveis matres continuam devastando, conquistando e escravizando diversas partes do velho império. Mais um conflito entre essas duas ordens parece ser inevitável…
Herdeiras de Duna é o último livro da saga escrito diretamente pelo Frank Herbert, como estamos em um território de spoilers pesadíssimos, pois alguns fãs ainda não chegaram a esse ponto, tentarei ser o mais breve possível na minha explanação deste. A obra tem muito elementos novos que enriquecem ainda mais o universo de Frank Herbert, mais camadas são adicionadas no conflito dos Bene Tleilaxu e das Bene Gesserit (não entenda que estou dizendo que eles formaram uma aliança, pois eles se odeiam igualmente) contra as implacáveis Honoráveis Matre.
O defeito do livro mais evidente (que para muitos pode até não ser considerado como um) é que ele termina com um gancho enorme, apresentando conceitos e personagens misteriosos e como sabemos, infelizmente a saga nunca foi fechada pelo autor original, Brian Herbert e Kevin J. Anderson viriam com os livros Hunters of Dune e Sandworms of Dune que servem como um fechamento cronológico para a saga, mas não temos como saber com certeza se esse era realmente o final pretendido pelo autor e o próprio estilo de escrita dos escritores diferem, nos fazendo sentir essa falta. Mas dito isso, eu gosto bastante dessa última trilogia (que no caso acabou sendo uma quadrilogia incluindo os livros de Brian e Kevin).
PS: No final do livro tem um posfácio do Frank Herbert muito cativante escrevendo sobre a sua esposa, Beverly Herbert, falecida havia pouco tempo. Frank iria se juntar a ela não muito tempo depois… Que Deus os tenha.
- Hereges de Duna (1984)
Mil e quinhentos anos se passaram desde o final de Imperador Deus de Duna e as consequências dos anos de tirania do governante anterior se fazem sentir. Houve uma grande dispersão após a morte do imperador e agora, um milênio e meio depois, esses povos estão retornando aos antigos domínios do império, formando facções que buscam dominar o que ainda resta. Entre eles, estão as honoráveis matre que não parecem ter intenções muito amigáveis…
Este é o quinto livro da saga e inicia uma nova trilogia dentro da série de Duna, dominada principalmente por fortes personagens femininas. As bene gesserit que sempre estiveram à margem, mantendo-se no pano de fundo das tramas políticas, finalmente tomam as rédeas do protagonismo na série (Você poderia argumentar que já tivemos a Lady Jessica, mas enfim…).
Nessa nova aventura somos apresentados a uma miríade de personagens interessantes, as bene gesserit Darwi Odrade, Taraza, Lucilla e Schwangyu, o bashar, especialista em combate a serviço da irmandade e descendente dos Atreides, Miles Teg, a jovem Sheeana, que consegue se comunicar com os vermes de areia gigantes de Rakis (nome do planeta foi levemente mudado nesse).
Falando nisso, esses pequenos detalhes me fascinam, assim como o nome dos países e lugares em geral mudaram ao longo da história humana, aqui Frank Herbert muda o nome da maioria dos planetas que apareceram anteriormente. Outro detalhe muito interessante é que Sheeana se recusa a chamar o verme de Shai-Hulud (coisa eterna, o eterno), como sempre fizeram os Fremen, ao invés disso, chamando-o de Shaitan (Satan), um comentário do Herbert de como religiões posteriores apropriam divindades antigas como entidades opositoras.
Mais sobre o lore envolvendo a irmandade é revelado neste livro e conseguimos ter ainda mais empatia por elas, pois de certa forma elas tomam para si o papel de guardiãs da história da humanidade, possuindo essa outra memória que dá a elas um retrato preciso do que outrora ocorreu, enquanto que a história oficial vai sendo corrompida ao longo do tempo. Elas lutam para preservar seu legado e o legado de toda a humanidade e isso é algo que pode fazer o leitor se identificar rapidamente, pois a vontade de preservar certas coisas impera em todos nós. Outra ótima adição a saga, a partir daqui não tenho muitas reclamações, mas os dois próximos são os verdadeiros “caviares” da série.
- Duna (1965)
Intrigas políticas e conspirações, um mundo de planos dentro de planos… esse é o ambiente no qual cresce Paul Atreides, que carrega um legado maior do que tudo que ele pode imaginar. Levado a um planeta deserto, Arrakis, também conhecido como Duna, é tão intrigante quanto perigoso. Ele e sua família precisam se adaptar a esse novo lar e se preparar para os tempos difíceis por vir.
Este é o livro que iniciou tudo, o primeiro grande sucesso do escritor Frank Herbert, que havia escrito algumas coisas antes, claro, mas nada que pudesse se comparar ao reconhecimento que ele ganhou por Duna a longo prazo, essa obra-prima agora está ganhando uma nova adaptação pelas mãos de Denis Villeneuve. Mas por que esse livro fez tamanho sucesso e é considerado uma obra prima? Por diversos fatores, a história conecta-se bem com rapazes adolescentes, pois Paul está passando por uma mudança importante na vida dele e muitos jovens podem se identificar com isso.
Os elementos narrativos possuem uma certa semelhança com clássicas histórias de cavalaria, principalmente do Rei Arthur, uma das principais inspirações para o escritor, que também possui um protagonista com características messiânicas. Além de ser um grande livro de aventura, também possui subtextos interessantes, dissertando sobre política, antropologia, religião e ecologia, alguns dos temas favoritos de Herbert.
Além de ser um livro que saiu na época certa, às vésperas da contracultura (sei que estou estendendo essas vésperas por alguns anos, mas foi de fato onde o sucesso explodiu). A ideia da mélange, uma substância que expande a mente foi muito atrativa para hippies e alguns universitários que na época estavam também “expandindo suas mentes” com o uso de algumas drogas psicotrópicas (para mais detalhes, ler a biografia do Herbert, Dreamer of Dune).
Ele apresenta muitos conceitos, personagens e ordens interessantes que permaneceram com os fãs por muito tempo. O livro não precisa de muita introdução, é sem dúvidas uma das maiores obras dentro do gênero de ficção científica e favorito de muitas pessoas. Sendo uma obra seminal, inspirou muitas outras, incluindo aí Star Wars, a franquia cinematográfica de maior sucesso até hoje (incluindo aí produtos derivados e merchandise relacionada.
- Imperador Deus de Duna (1981)
Três mil e quinhentos anos se passaram desde o final de Filhos de Duna, o imperador agora é Leto II, filho de Paul Atreides, que fundiu-se com um verme de Areia e pode viver todo esse tempo, encaminhando a humanidade em seu caminho dourado, assegurando a sua sobrevivência. Muitos não estão contentes com sua forma de governar e conspiram contra ele.
Este quarto livro da saga é uma pérola dentro do gênero de ficção científica. Serve como uma ponte entre trilogias Esta é a obra mais densa da saga e ao mesmo tempo, a mais madura. A partir dos diálogos de Leto II(que ouso dizer, lembram muito os diálogos socráticos), somos levados a refletir sobre os dois gumes de uma situação, males e benefícios (Duna como um planeta desértico e Duna como uma floresta e a importância do equilíbrio ambiental). Também somos levados a refletir sobre toda a história da humanidade, a ascensão e queda de impérios.
O próprio personagem, Leto II é muito fascinante e é a partir dessa entidade que o Frank Herbert despeja pensamentos profundos, filosóficos e alegóricos, acerca do mundo que ele criou. Eu acredito que uma das principais forças de Duna é a insistência em questionar o que está aparecendo na história. Uma relação que eu encontro é que as sequências sempre questionam os acontecimentos dos livros anteriores, expondo suas consequências e o Imperador Deus de Duna é muito rico nesse aspecto.
PS: E também tem um homem/verme gigante esmagando (literalmente) seus inimigos, o que mais podemos querer?
Então, essa é a minha lista ranking dos livros de Duna, que ficou maior do que eu pensei, o que só demonstra o quanto eu gosto desses livros (sou quase obcecado ao que parece…), mas tive que explicar bem o porquê de eu colocá-los em certas posições, mas se eu tiver dito algo errado ou discordar de mim, pode comentar, não sou dono da verdade afinal XD. Espero que gostem e até a próxima!
PS: Confiram também meu vídeo também sobre o ranking dos livros:
https://www.youtube.com/watch?v=n-ygYM5fNeE
Crítica em Vídeo | Neon Genesis Evangelion 3.0 +1.01: A Esperança
Para fechar nossa jornada com Evangelion, eu, Daniel Tanan e Matheus Fragata, Editor-chefe do bastidores nos reunimos para uma conversa descontraída sobre o fim da saga e compartilhar nossas impressões sobre este último capítulo de uma das maiores sagas das animações japonesas. Ficamos mconversando por uma hora, mas o vídeo foi editado para uma duração um pouco mais confortável de 25 minutos. A conversa foi tão interessante que ainda pretendo lançar um outro vídeo com as partes que ficaram de fora, mas por hora, espero que gostem desse. Sem mais delongas junte-se a nós neste nosso adeus a Neon Genesis Evangelion.
https://www.youtube.com/watch?v=12IubXy2ork
Confira nossa crítica do filme
Crítica | Neon Genesis Evangelion: O Fim do Evangelho - A Alma de um Autor
Com Spoilers
Neon Genesis Evangelion, a seminal série de animes teve seu fim em 1995. Mas o final ambíguo e introspectivo deixou muitas pessoas coçando a cabeça, com a impressão de que o trabalho estava incompleto e que Anno tinha abandonado sua obra.
É nesse contexto que 2 anos depois estreou o primeiro longa-metragem da série, O Fim do Evangelho. Dito isso, é necessário ter um conhecimento prévio considerável da franquia para assistir a esse filme e ter a melhor experiência possível, já que trata-se de um filme que faz ponte entre os episódios.
A alma do autor
Para começar, é importante falar um pouco sobre o criador desse anime, Hideaki Anno. Acredito que a chave para compreender as obras esteja em grande parte no entendimento da personalidade do próprio autor que a realizou. Buscando sua obra anterior (se houver), seus interesses, sua história de vida, seu estilo autoral e assim por diante. Isso é particularmente verdade quando aplicado ao Anno.
Hideaki Anno utiliza o seu trabalho como uma válvula de escape. O considera como a maneira que tem de se manter útil perante a sociedade e ainda mais importante, uma espécie de terapia que ele aplica em si mesmo, extravasando as coisas que mais o incomodam, o que explica muito bem o porquê de Evangelion ser da maneira que é.
Na superfície, Evangelion é uma série que lida com os gêneros de Tokusatsu e Mecha, em que adolescentes são “agraciados” com a incumbência de salvar o mundo de forças misteriosas além de sua compreensão.
Evangelion faz um comentário acerca do gênero enquanto adiciona camadas ainda mais profundas. Enquanto trabalhava em sua produção, Anno passava por uma fase difícil da sua vida, lutando contra a depressão, nesse meio tempo seu interesse por psicologia cresceu. Muito do seu conhecimento recém adquirido acerca do assunto se incorporou em seus personagens, culminando nos últimos episódios.
Nos episódios 25 e 26 de Evangelion, os protagonistas passam por uma espécie de terapia mental em que Anno disseca cada um deles psicologicamente. Os conflitos deles tem basicamente a mesma raiz, buscam ser aceitos, reconhecidos devidamente como seres humanos, com anseios de ser úteis a alguém, querem uma pessoa que passe a gostar verdadeiramente deles.
A solução mágica encontrada para isso é a instrumentalização humana, que conectaria todas as almas e ninguém precisaria mais ficar sozinho. Entretanto tudo isso ocorreria em um mundo de faz de conta.
Ao final do último episódio, Shinji rejeita esse mundo onírico, proclamando as suas icônicas falas: "Eu me odeio, mas talvez possa aprender a me amar. Talvez não tenha problema ficar aqui. Eu sou apenas eu. Eu sou eu. Quero ser eu. E quero ficar aqui! E tudo bem ficar aqui!", sendo parabenizado pelos outros personagens logo em seguida.
A cena é tecnicamente o Anno escancarando sua mensagem, sobre aceitar a si mesmo e encarar a vida como ela é. Mas, infelizmente, a maneira em que se deu a execução desses momentos finais não foi bem aceita.
O problema se somou ainda a uma restrição no orçamento que forçou os animadores a usarem artes rudimentares diretamente dos storyboards. Pessoalmente, eu acredito que essa foi uma solução satisfatória, que deixa a série ainda mais única em sua abordagem da animação, até aqui permanecendo irretocável. Mas infelizmente não foi assim que muitos fãs viram.
Reorganizando as peças
Insatisfeito com a recepção do anime, Anno agora nos mostra um pouco mais do que ocorre na história. O filme começa logo após o fim do episódio 24 da série original, onde o protagonista, Shinji Ikari sofre a maior crise de sua vida após matar seu amigo Kaworu, que se revela como um anjo, uma das criaturas que tentam causar o terceiro impacto, uma nova extinção em massa que daria fim em toda a humanidade.
O início é interessante, pois mostra Shinji pedindo ajuda a outra “criança do destino”, Asuka, que está em coma, numa situação crítica, mas ainda assim, Shinji pede socorro a ela desesperadamente e podemos ver o quanto ele desceu. O que o garoto realmente faz, mais uma vez, é um clamor desesperado por conexão.
Após isso é revelado que o inimigo dessa vez não é um monstro gigantesco e místico como eram os anjos, mas sim a própria humanidade, que passa a ser o “último anjo”. O que resta para o autor contar aqui é o apocalipse anunciado desde os primeiros episódios, que finalmente faria o título Neon Genesis (Novo Genesis) Evangelion (Evangelho / Boa nova) ganhar total sentido, afinal "Todo final é quase igual ao início”, como é dito em um diálogo do filme. Chega a ser poético da parte do Anno fazer com que o fim venha por parte dos humanos.
Os combates são os mais épicos e brutais que a série já entregou até aqui, a animação é praticamente impecável, apresentando o nível de brutalidade já característico da franquia ainda mais acentuado, adicionando-se a isso a novidade que temos no filme, que são os conflitos humanos.
Destaco nesse aspecto principalmente a batalha de Asuka contra os Evas da Seele. As novas criaturas por sua vez apresentam um visual bizarro e icônico, possuindo asas de anjo. Novamente, Anno utiliza referências judaico-cristãs para as composições visuais de Evangelion.
O design de som ajuda enormemente na imersão, os socos e as explosões soam tão bem como as formas em que eles são animados. É feito um trabalho impressionante na dublagem japonesa, é possível sentir o desespero em cada grito. A trilha sonora é mais uma vez fantástica, aqui presentes estão músicas clássicas como algumas compostas por Myra Herz e Johan Sebastian Bach e outras excelentes compostas por Shirō Sagisu para o longa.
Na parte técnica o filme é, absolutamente, um primor. Evangelion sempre foi um destaque no mundo dos animes por seu cuidado especial em torno da composição visual e enquadramentos escolhidos com capricho. O nível de criatividade empregado na arte é absurdo, verdadeiras imagens de encher os olhos se fazem presentes, cito como exemplo a transcendência da Rei Ayanami, tornando-se Lilith e executando o Terceiro Impacto, desencadeando a instrumentalização humana.
Muito é revelado acerca do lore da série, por exemplo, o líquido LCL em que os pilotos são submersos quando entram no Eva nada mais é que o líquido que deu a origem a vida, substância trazida por Lilith em tempos primordiais.
É interessante o fato de que Anno revela que a área em que os pilotos residem quando pilotam o Eva, submergidos nesse líquido, com uma música de fundo atmosférica e relaxante nessas cenas simboliza um útero. A informação é curiosa, pois o espírito da mãe de Shinji habita na unidade 01 e nesse filme é revelado que o da mãe da Asuka também está na unidade 02.
O filme é dividido em duas partes, a primeira é repleta de ação, entregando um dos espetáculos mais brutais e sublimes da animação japonesa. A segunda ressoa bastante os últimos episódios e é onde Anno vai martelar novamente a sua mensagem sobre os malefícios do escapismo para fugir dos problemas do mundo real, aqui elevada à décima potência. Mais uma vez, Anno faz com que Shinji confronte a si mesmo dentro da singularidade criada pela instrumentalidade humana.
O segmento já começa com um teor metalinguístico, mostrando equipamentos característicos do processo de filmagem como câmeras e iluminadores e vemos um pequeno Shinji em um parquinho, construindo uma pirâmide na areia, a imagem coberta de granulado de filme. A pirâmide lembra a base da Nerv, irritado-se, a criança a destrói, caindo de joelhos, chorando, juntando novamente a areia, tentando reconstruir. Essa cena muito provavelmente representa o próprio Anno frustrado com a sua criação.
Novamente, as cenas oníricas que seguem mostram um Shinji passando por uma espécie de terapia mental, em que as coisas que o incomodam são esfregadas na cara dele, tudo para fazer com que ele lide melhor com esses elementos e os supere. Há uma cena bem emblemática em que o garoto, mais uma vez, pede ajuda a Asuka, implorando que ela o aceite e seja gentil com ele. A garota então esfrega as verdades na cara dele: "Nunca ao menos aprendeu a gostar de si mesmo". Shinji precisa aprender a valorizar-se e não depender tanto dos outros, mas inicialmente a ação que ele toma vai de encontro a essa lição que ele deve compreender. Já que não pode se conectar com a Asuka, é melhor que a mate, ele então a estrangula.
O que se segue é mais um dos espetáculos visuais criativos dos artistas que trabalham em Evangelion. Desenhos infantis perturbadores, seguidos de rotoscopia são mostrados em sucessão. A música Komm, Susser tod, belíssima canção composta por Shiro Sagisu cantada por Arianne com sua letra sobre solidão e suicídio começa a tocar de fundo.
A metalinguagem
Os corpos então voltam a ser LCL, o líquido primordial e as almas então começam a se fundir à consciência coletiva, "tudo volta ao nada". E então, ocorre o momento mais inusitado da carreira do Anno até então, o filme passa a ter imagens em live-action, isto é, imagens do mundo real, ao som de Bach.
São mostradas as paisagens de Tóquio, entre elas há um balanço muito similar a da cena do Shinji criança que descrevi nos parágrafos anteriores. Ouvimos a voz de Shinji em voice over perguntando “o que é um sonho?” e a cena corta para uma sala de cinema cheia. Mais uma vez um comentário sobre escapismo, cinema é um dos principais dispositivos modernos que podem ser usados para este fim e de fato é utilizado no momento, pois trata-se de uma animação feita para ser exibida no cinema.
Anno prossegue mostrando as ameaças de morte que recebeu na internet e as pichações que fizeram no prédio da Gainax, transformando esses elementos que o deprimem em arte, afinal, até aqui foi o que ele mais fez em Neon Genesis Evangelion.
A série possui um cunho muito pessoal para o seu criador e tal é escancarado aqui. Shinji novamente percebe que sem os outros ele não pode existir e essa busca constante das pessoas de se aceitar e entenderem uns aos outros é o que dá sentido ao mundo, a partir deles é possível tomar consciência de si, se conhecer, detectar falhas e se aprimorar. Não há razão para um mundo sem conflitos e barreiras a serem superadas existir. A criança do destino então decide voltar ao mundo real.
Shinji se encontra com Asuka, nesse mundo vazio e devastado e em uma imitação tosca do seu sonho tenta estrangulá-la. A garota então coloca a mão em seu rosto, mesmo odiando-o, ela ainda demonstra ternura com esse gesto. Shinji então desiste de seu ímpeto homicida e começa a chorar. Asuka profere as palavras “que repugnante” e o filme encerra-se com mais um toque poético. O novo Genesis (Neon Genesis) é finalmente realizado, com Shinji ne Asuka representando os novos Adão e Eva.
Conclusão
O Fim do Evangelho é o mais próximo que Anno chegou de alcançar plena excelência, com visuais excepcionais, melhor exemplo de animação fluida e de qualidade dentro das animações japonesas, apresentando algumas das melhores cenas de batalha de toda a série. Composições visuais soberbas e uma edição que une tudo em um texto visual excepcional são percebidas e ainda por cima o filme carrega uma mensagem muito relevante e que ressoa até hoje com a mesma potência de outrora, senão ainda mais forte.
Recomendo não apenas para os fãs de Evangelion, mas de animação em geral, pois esta é um dos casos raros que transcendem a sua forma e nos mostram o que a animação pode vir a ser. Em suma, é uma obra de arte no sentido mais extremo da palavra, um reflexo da alma de seu autor, algo que é difícil de expressar no audiovisual. Hideaki Anno nos presenteia com parte de seu espírito aqui, não obstante que por essas razões figura entre um dos meus filmes favoritos.
Neon Genesis Evangelion: The End of Evangelion (Shin seiki Evangelion Gekijô-ban, Japão – 1997)
Direção: Hideaki Anno, Kazuya Tsurumaki
Roteiro: Hideaki Anno
Elenco: Megumi Ogata, Megumi Hayashibara, Yûko Miyamura, Kotono Mitsuishi, Yuriko Yamaguchi
Gênero: Animação, Ação, Fantasia, Drama, Ficção Científica
Duração: 197 min
https://www.youtube.com/watch?v=zEnsYn43TpA&ab_channel=NetflixBrasil
Crítica | Evangelion 2.22: Você (Não) Pode Avançar - A arte da (Re)construção
Em 2009, foi lançado o segundo filme da série Rebuild da seminal franquia de anime Neon Genesis Evangelion do Hideaki Anno em uma parceria do estúdio Khara com a Gainax: Neon Genesis Evangelion Rebuild 2.22: Você (Não) Pode Avançar. Os Rebuilds servem como um reboot/continuação, onde o criador da série afirma que refaria a série da maneira como ele originalmente imaginou, e não pôde realizar por causas orçamentárias e criativas.
O outro objetivo seria deixá-la menos confusa para os fãs que até hoje coçam a cabeça tentando entender os últimos episódios do anime e do filme End of Evangelion, mas nesse filme, ele vai um pouco além da readaptação quase quadro a quadro como foi no primeiro.
Introdução
Evangelion Rebuild 2.22 mais uma vez apresenta uma arte mais bonita e limpa em relação aos originais, com cores mais vivas composição visual minuciosa calcada em contrastes, uma animação mais fluida e ainda mais dinâmica com a introdução da nova tecnologia 3D, visuais incríveis, com destaque para as cenas na lua, edição praticamente impecável e uma belíssima trilha sonora, já característica da franquia.
Mas a real força do filme é como a história é construída e como ela se diferencia do anime de 1995 e do filme End of Evangelion (este segundo mistura e reestrutura as tramas apresentadas dos episódios 7-22, juntamente com o filme que encerra a saga).
A abertura do filme já introduz uma personagem nova, Makinami Mari em uma interessante cena de ação, que apresenta também a nova tecnologia 3D empregada aqui, deixando a animação ainda mais interessante, auxiliando nas grandes sequências de combate.
Um aspecto curioso desses Rebuilds é que o subtítulo já anuncia a que o filme veio. O primeiro filme, de subtítulo Você (Não) Está Sozinho brinca com um dos temas principais de Evangelion, a solidão e o filme reapresenta os conflitos de Shinji para relacionar-se com os outros personagens. Até o final do Rebuild 1.11, ele faz alguns avanços, principalmente com a sua colega piloto de Eva, Ayanami Rei, encerrando com uma bela cena de ternura entre os dois, deixando implícito que dessa vez talvez eles não precisem mais ficar sozinhos.
A nova "criança do destino", Makinami Mari canta uma canção sobre como é difícil avançar, “A felicidade não vem até nós. Então precisamos ir até ela, um passo por dia, três dias, três passos. Três passos para a frente e dois para trás”. Diz a canção da Mari sobre a dificuldade de se avançar, mesmo assim é o que O Rebuild 2.22 tenta fazer: avançar tanto em questão da narrativa, mudando diversos aspectos dela e isso pode ser observado principalmente nas relações do Shinji e da Rei.
Fanservices e Rei Ayanami
Antes de mais nada, devo dizer também que o filme é infestado de fanservices, a começar pelas lutas dos EVAs com os monstros gigantes, mais frequentes e dinâmicas, a própria personagem Makinami Mari é uma nova waifu para aqueles fãs otakus que buscam isso nas personagens femininas e há também diversas piscadelas para os que gostam de “shippar” personagens, com a Rei e a Asuka mostrando-se mais abertas para o Shinji. Há até mesmo uma cena engraçada envolvendo o Kaji e o Shinji que certamente atiça a imaginação das “fujoshi” (aquelas fãs que gostam de shippar homens) de plantão.
Mas, estes fanservices não são de todo ruim, pelo contrário, há diversos aspectos que são agradáveis de se assistir. A dificuldade principal dos protagonistas era como eu havia dito, a dificuldade de se relacionar e a sua consequente solidão, o velho dilema do ouriço, em que ao permanecer distante, é possível morrer de frio, aconchegado próximo aos seus semelhantes, pode machucar-se com seus espinhos.
Mas ainda no primeiro ato, vemos os personagens se divertindo em uma expedição para uma base marinha, onde foram preservadas diversas formas de vida aquáticas que foram extintas depois do segundo impacto. Shinji, Rei e até mesmo Asuka são mostrados se divertindo e se relacionando de uma forma que raramente foi mostrada na série original. Aqui há um diálogo interessante entre a Rei e o Shinji, em que a Rei enfatiza que ela é como aqueles peixes no aquário, que não poderiam sobreviver fora daquele ambiente.
Os fãs mais assíduos de Evangelion vão se lembrar que a Rei é apenas um clone da mãe do Shinji, criada em tanques submersos em fluídos, realmente lembrando um aquário. A transição de cena da expedição é feita diretamente para esse ambiente, revelando o pai de Shinji, Gendo Ikari, despertando a primeira criança do destino de seu sono submerso para jantar com ele. É a primeira vez que vemos este lado do Gendo, mesmo sendo sempre frio, ele ainda gosta de ter uma companhia para jantar com ele.
Rei então, tem a ideia de chamar Shinji e seus outros amigos para uma refeição, para que sintam a mesma sensação boa que ela ao compartilhar desses momentos. É a primeira vez que vemos ela demonstrando esse tipo de sentimento, Rei que antes era uma personagem fria, apenas obedecendo ordens, raramente esboçando sorrisos, agora demonstra uma humanidade nunca antes vista, passando a ser o coração deste filme.
A prova da mudança dela é a cena do elevador. Até mesmo o teor dos diálogos muda, no anime de 1995, Asuka não estava mais conseguindo mover o Eva, o sermão da Rei dava a entender que havia algo de errado com a Asuka em relação a esse problema, o diálogo era “se você não abrir seu coração o Eva não se moverá”. Na nova versão ela diz a mesma coisa, mas adiciona “você não precisa depender do Eva, pode encontrá-la fora dele”, mais uma vez demonstrando uma consciência acerca do tema nunca antes atestada.
O conflito pessoal da Rei nos episódios originais era acerca da sua própria identidade, não se preocupando com o bem estar dos outros. Asuka perde a paciência e tenta estapeá-la. No original, Rei recebe o golpe sem esboçar reação, no Rebuild 2.22 , ela bloqueia o golpe, demonstrando que Rei transcende a sua condição de “boneca”.
A personagem Asuka, também mostra-se diferente, até mesmo o próprio nome dela agora é diferente. Originalmente ela chamava-se Asuka Soryuu Langley e agora é chamada de Asuka Shikinami Langley, mais um indício do Anno que esta nova história é completamente diferente. Mas apesar do marcante trauma que ela sofre em relação à sua mãe ser pouco explorado e ela mostrar-se uma pouco mais condescendente, formando relações próximas com a Misato Katsuragi e o Shinji, a Asuka ainda mantém alguns dos seus traços originais.
Sua cor favorita é o vermelho, cor que representa a paixão, que não necessariamente trata-se de uma paixão romântica, é o sentimento empregado naquilo que se faz, buscando sempre fazer o melhor possível e isso ela tem de sobra, influenciando até mesmo em seu temperamento caracteristicamente explosivo.
O Desfecho
Apesar do que foi dissertado até aqui, nem tudo são flores este filme, Shinji vai passar por um momento traumático que o fará, mais uma vez, recusar trabalhar como piloto de Eva. Colocando nos termos da jornada do herói de Joseph Campbell, recusa mais uma vez o "chamado do herói". Antes de falar do importante desfecho desse filme, devo abrir um espaço para os antagonistas do filme.
Outro aspecto importante é o plano da Seele. A Nerv que construiu os Evas e a cidade fortaleza é apenas um braço dessa organização, o seu objetivo principal é a instrumentalização humana, que busca fundir as mentes humanas em uma simulação em que não há mais dor, nem sofrimento, todos viveriam em harmonia e os problemas de solidão e depressão que os heróis desta série apresentam como a solidão e consequente depressão seria magicamente resolvido. Entra aí o outro grande tema de Evangelion, o escapismo.
Para desencadear com eficácia esse plano, a unidade EVA 01 é fundamental. Assim mais uma convenção de anime shonen se apresenta. Shinji, ao ver que sua querida amiga, Rei Ayanami está em perigo mortal, desperta o EVA 01, em uma cena que me lembra muito as transformações de personagens muito comuns em animes shonen, mas nem tanto em Evangelion, é muito parecido com o Goku se transformado em super saiyajin pela primeira vez, por exemplo. Assim é possível notar que Anno brinca com esses elementos recorrentes aqui.
Ao despertar a unidade 01, Shinji, sem saber, desencadeia o Terceiro Impacto, mais uma extinção em massa. Apresenta-se uma escolha a Shinji, salvar sua amiga ou salvar o mundo, ele escolhe salvar a Rei. Essa mudança drástica na direção que flui a história de Evangelion causaria uma espécie de "efeito borboleta" que seria explorado nas continuações. Mas no que concerne apenas a esse filme, é sem duvidas um final satisfatório para os arcos de Shinji Ikari e Rei Ayanami.
Conclusão
Evangelion Rebuild 2.22 é, sem dúvidas, o melhor da tetralogia, apresentando uma história diferente, mas repleta de coração e paixão, demonstrando grande maestria por parte dos animadores, sendo uma pérola não apenas dentro da saga, mas entre a história das animações japonesas.
Mesmo admitindo que gosto muito mais da série original, reconheço o ótimo trabalho realizado neste filme e coloco-o em um páreo duro com The End of Evangelion como os melhores da franquia, mesmo eles sendo diametralmente opostos na forma de trabalhar suas temáticas. Então, encerro com minhas recomendações a esta fantástica animação japonesa.
Título: Neon Genesis Evangelion: You Can (Not Advance)
Ano: 2009
País de origem: Japão
Direção: Hideaki Anno, Kazuya Tsurumaki Masayuki
Duração: 112 minutos
Gênero: Animação, Ficção científica, Ação
Crítica | Evangelion 1.11: Você (não) está sozinho - Revisitando o que deu certo
Em 2007, foi lançado Evangelion Rebuild 1.11: You are (Not) Alone, primeiro de série de quatro filmes que são uma espécie de reboot/continuação da aclamada série animada de Hideaki Anno, produzida em uma parceria entre o estúdio Kara e Gainax. Neon Genesis Evangelion se passa em um mundo que está a ponto de acabar, trata-se de uma versão própria que o Anno constrói acerca da escatologia, o fim do mundo.
Introdução
É dito que neste mundo um meteoro atinge o continente antártico, descongelando boa parte das imensas geleiras que existem por lá. As consequências de tal acontecimento incluem a subida do nível dos mares que submerge as cidades litorâneas e também uma mudança no clima geral do planeta, tornando-o inóspito para boa parte da vida na terra, diz-se que a metade da humanidade foi destruída nesse evento, que passa a ser chamado de "segundo impacto".
Como se não bastasse, logo após esses terríveis acontecimentos, surgem monstros gigantes, denominados anjos, cujo objetivo é desencadear o terceiro impacto, assim destruindo de vez toda a vida na terra. Para defender-se dessas monstruosidades, a organização paramilitar Nerv, constrói uma cidade fortaleza, Tokyo-3 e constrói robôs gigantes com o intuito de combatê-los, mas estes podem ser pilotados apenas por um grupo específico de adolescentes.
A primeira série que havia saído originalmente nos anos 90, juntamente com o filme End of Evangelion tinham feito sucesso considerável, tornando-se uma das mais apreciadas pelos fãs de anime no mundo inteiro. Mas havia um problema: o desfecho. Ao final da série original há uma pausa na história, que por sua vez ganha um teor introspectivo.
Os dois últimos episódios da série mostravam o personagem Shinji tendo uma sessão de terapia dentro da própria mente e não fica claro o que acontece no mundo exterior. Tal é revelado no filme End of Evangelion, mas ainda assim o resultado foi um filme permeado de simbolismos, que em geral foram de difícil compreensão para boa parte dos espectadores e o final de Evangelion permaneceu confuso, deixando muita gente insatisfeita.
A proposta
De acordo com Hideaki Anno, a proposta destes "Rebuilds" seria refazer Neon Genesis Evangelion como ele havia imaginado no começo, livre das amarras criativas e orçamentárias que foram impostas a ele enquanto produzia a série original. Há muita pouca diferença narrativa entre o que foi apresentado na televisão japonesa em 1995 e o filme para as telonas de 2007. Como é de praxe, alguns segmentos foram cortados e outros expandidos, mas nada que modifique muito a história geral.
O que é possível perceber muito bem é esse aumento orçamentário que foi muito bem distribuído e empregado, há uma melhora significativa em praticamente todos os aspectos. A arte está mais bonita, polida e colorida e a animação se apresenta muito mais fluida. O zelo que os animadores tiveram com a composição visual continua presente aqui.
As batalhas possuem mais peso e são mais épicas do que nunca. O clímax do filme, em que Shinji e Rei lutam contra o quinto anjo foi estendido, aqui ele dá muito mais trabalho para os pilotos do que outrora no anime original. Segundo Anno, agora eles foram capazes de utilizar o storyboard original dessa batalha e o resultado foi sensacional.
A força de Evangelion
Mas eu acredito que a real força de Evangelion não esteja exatamente nas batalhas épicas dos robôs contra essas estranhas criaturas denominadas Anjos e sim na relação (ou falta de relação) entre os personagens e os constantes questionamentos sobre seu ligar no mundo. Nos episódios que viriam depois, o tópico é intensamente discutido, mas há algumas pistas do que viria a ser Evangelion já nos primeiros episódios (o filme readapta os seis primeiros da série original).
Para começar, eu acredito que Evangelion comente de uma forma crítica ao gênero de Tokusatsu, gênero que abrange desde Power Rangers (ou Super Sentai no Japão) a Jaspion e Jiraya e dos Mecha Anime. Nessas histórias, adolescentes são escolhidos quase aleatoriamente para desempenhar papéis importantíssimos, como nesse caso, o de derrotar monstros poderosos e gigantescos para salvar a humanidade. A questão é que, nessas histórias, o adolescente quase sempre vê isso como uma dádiva, uma benção e nunca se pergunta por que logo ele que teria que designar aquela função.
É exatamente isso que os episódios iniciais de Neon Genesis Evangelion fazem. Shinji é trazido para a cidade de Neo Tokyo-3 contra a sua vontade, sem saber qual a finalidade real daquela mudança e é obrigado pelo seu próprio pai a pilotar um robô de combate para lutar contra criaturas gigantescas sem ter, inicialmente, o mínimo de treinamento. Assim, entendemos que Shinji tem um conflito pessoal com o seu pai, que o negligencia e quando o chama, é para uma finalidade terrível como esta.
O ponto é que estes adolescentes talvez não estejam em condições físicas ou até mesmo mentais de serem incumbidos com tarefas como essas. Shinji Ikari, o protagonista, passa não apenas uma vez, mas diversas pela fase do "chamado do herói", sempre relutante em cumprir este papel, mas no final, sem escolha acaba fazendo. Isso deixa algumas marcas no jovem que já não era lá muito instável.
Aqui temos algum contraste entre Rei Ayanami, a outra piloto e Shinji. Ao contrário dele, que é sempre relutante, Rei tem algum orgulho em servir ao pai de Shinji, aparentando até mesmo considerá-lo mais como seu pai do que o garoto que de fato é seu filho. Entretanto Shinji e Rei possuem algo em comum, os dois são solitários. A tese em que Evangelion se baseia e a trabalhará ao longo de seus episódios e longa metragens é a do dilema do ouriço, do Schopenhauer, que é explicada em um diálogo entre Ritsuko Akagi e Misato Katsuragi.
Quando estão com frio, é complicado para os ouriços se aquecerem, pois possuem espinhos e não podem aproximar-se muito um do outro, portanto isso constitui o seguinte dilema: sozinhos, podem sofrer por conta do frio, mas aproximando-se dos outros com o propósito de livrarem-se desse problema, podem vir a machucar-se seriamente por conta dos espinhos. Isso pode acontecer com humanos também, como Evangelion tenta nos mostrar, quando estão longe, padecem de solidão, quando estão próximos, uma miríade de outros conflitos pode surgir e essa é a essência dos personagens Shinji Ikari e Rei Ayanami que está preservada aqui.
Conclusão
O Rebuild 1.11: You are (not) Alone não tenta reinventar a roda do Evangelion (não ainda), a maioria das cenas estão aqui, algumas cortadas, outras expandidas e a essência dos personagens é também preservada. O visual da arte em geral é composto minuciosamente, a animação está incomparavelmente mais fluida do que o que foi apresentado na série original e as batalhas são mais épicas do que nunca. Tenho que destacar também a trilha sonora e em especial a belíssima música da Utada Hikaru, Beautiful World, canção original para o filme, mais uma pérola das músicas de anime. Para os fãs mais assíduos da série Evangelion vale muito a pena conferir esse rebuild.
Ficha técnica:
Título Original: Evangerion Shin Gekijoban
Título em Inglês: Evangelion: 1.0 You Are (Not) Alone
Direção: Masayuki, Kazuya Tsurumaki, Hideaki Anno
Elenco: Megumi Ogata, Megumi Hayashibara, Kotono Mitsuishi, Akira Ishida (Vozes)
Classificação: 14 Anos
Ano: 2007
Duração: 101 Minutos
País de Origem: Japão
Gênero: Animação, Ficção Científica
[Vídeo] Duna - Reagindo ao segundo trailer | OBRA PRIMA OU FLOP!!!???
Um pouco atrasado para postar aqui, eu sei, mas havia feito uma reação do último trailer de Duna e como alguns sabem, eu sou bastante fã do universo do planeta deserto criado pelo saudoso autor, Frank Herbert e que agora recebe uma nova versão cinematográfica pelas mãos do cineasta Denis Villeneuve. Aqui no Bastidores, havia publicado uma série de vídeos e textos sobre a saga, aqui está o mais recente, espero que gostem!
https://www.youtube.com/watch?v=4FdbhaAnxOY
Crítica em Vídeo | Era uma vez em Tóquio (1955) | Por que é uma obra prima?
Aproveitando este contexto atual das olimpíadas em Tóquio, resolvemos fazer um vídeo dissertando sobre a obra do cineasta japonês, Yasujiro Ozu e em especial sobre Era uma vez em Tóquio, que acredito ser, além de sua magnum opus, seu filme quintessêncial, o que melhor resume o seu trabalho e que melhor captura o espírito da cidade mais populosa do mundo.
Chamado por muitos de "o poeta da simplicidade, Ozu gostava de trabalhar temas que se enquadram na miríade de tópicos das famílias japonesas e sua tradição, predominantemente a dissolução do seio familiar (Um filho ou filha tendo que casar-se ou um pai tendo que partir), conflitos de geração.
Aparecem também temas como a rebeldia da juventude e a passagem deste jovem para a maturidade e as relações complexas entre pais e filhos. Tudo isso imbuído de tradição, que por sua vez passa também por uma certa dissolução, visto as intensas transformações sociais pela qual o país passava. No caso, este filme foi feito no pós guerra, apenas três anos após o fim da ocupação americana e a marca da história pode ser percebida no filme.
https://www.youtube.com/watch?v=mlSyrKfkOHI
Vídeo - Duna (1984) | Obra-Prima Subestimada?
Tive uma conversa com um ex-colaborador deste site, Rafael Klopper em que falamos por mais de uma hora sobre o filme de Duna do David Lynch, mas não se preocupem, dividi em três partes haha. Espero que gostem!
https://www.youtube.com/watch?v=_OQnv1g36NU
https://www.youtube.com/watch?v=1seCFxVgqMM
https://www.youtube.com/watch?v=w3EMTPEOmcM
Duna (1984) - É tão ruim quanto dizem?
A série de livros de fantasia, Duna sempre me fascinou bastante, por tocar em temas interessantíssimos com uma abordagem decente, como a questão da religião como um instrumento da política e vice-versa, das relações de poder e como elas são mutáveis, sobre impérios que caem e impérios que vão surgindo sobre os escombros do anterior. Temas que são debatidos por grandes intelectuais e nos livros do Frank Herbert tem aquele tempero de épico de ficção científica e causam a reflexão enquanto nos divertimos com as aventuras e desventuras da família Atreides.
O contexto
Após diversas tentativas de tirar o filme do papel com tentativas comandadas por diretores como David Lean, Alejandro Jodorowsky e Ridley Scott falhando, o projeto foi cair nas mãos do jovem e promissor David Lynch, que desde a sua estreia com o filme Eraserhead tinha impressionado diversas pessoas, como o próprio Stanley Kubrick, que chegara a dizer que este era seu filme preferido. O filme começa com uma frase que gosto muito, "um começo é algo delicado", remetendo à importância de colocar as coisas em seu devido contexto e é isso que vamos fazer aqui.
Dino de Laurentiis e sua filha, Rafaella de Laurentiis, os produtores que detinham os direitos sob o romance de autoria do Frank Herbert, assistiram ao filme Homem Elefante, realizado por Lynch e decidiram que este era o homem certo para trazer a saga do planeta deserto para as telas. David não era muito interessado pelo gênero de ficção científica e não muito tempo atrás havia recusado a proposta de George Lucas para dirigir Star Wars: O Retorno de Jedi. Mas após pesquisar sobre Duna, o diretor viu que seria uma boa oportunidade de fazer algo próprio e original com o gênero, prontamente aceitando a proposta dos De Laurentiis de criar um "Star Wars para adultos", slogan que continua sendo usado até mesmo no novo filme do Villeneuve que sai este ano.
Um filme visualmente belo
O filme tinha um orçamento bem robusto, de 41 milhões de dólares, um orçamento bem maior do que qualquer um dos Star Wars feitos até então e boa parte desse montante aparece nas telas, principalmente no design de produção. A impressão que a gente tem quando lê Duna é que este é um universo multicultural e isso se reflete na direção de arte tomada para o filme. Tomemos a cena de abertura que mostra a corte do imperador padixá, aqui ornamentos medievais se misturam com roupas modernas (me referindo à modernidade dos séculos XVIII e XIX) conferindo assim uma impressão visual muito próxima a que Frank Herbert evoca na versão literária.
Estes ornamentos familiares se misturam com elementos mais fantasiosos, afinal esta é uma ficção científica que se passa vinte mil anos depois da nossa época, aqui David Lynch solta a sua imaginação ostentosa e bizarra da qual ele é tão conhecido, Duna dá a chance para ele brilhar nessa seara. Uma das características mais interessantes do livro é que há pouca descrição, assim em uma adaptação fílmica é possível fazer certas coisas na área da direção de arte com alto grau de liberdade. Assim, temos um dos designs mais bizarros do David Lynch em toda a sua carreira, o Navegador da Guilda Espacial, que em questão de bizarrice só encontra rival com o bebê feto de Eraserhead.
Mas ao mesmo tempo que possui um design de produção rico, que facilmente salta aos olhos, a produção peca com seus efeitos especiais, aquém do padrão da época, como muitos críticos haviam apontado. Nessa área destaco o efeito dos escudos, muito exagerado, quadrado, chamativo, poderia ter sido feito de uma maneira mais sútil que não causasse uma impressão tão negativa a quem assiste. Outro problema visual tem relação com a técnica do matte painting (hoje mais conhecida como chroma key) que fica muito perceptível em alguns momentos, destaco aí uma cena que envolve o Barão Harkonnen e um verme de areia.
A atuação
Quanto às atuações, aqui destaco a dos protagonistas, Kyle McLachlan foi um ótimo Paul Atreides, o jovem ator (à época) declara que já era fã de Duna muito antes de ter recebido a proposta de interpretar Paul Atreides e ele reflete muito bem tanto a inocência e insegurança de Paul no início da aventura e a sabedoria que vai despertando aos poucos até que enfim ele se torna o tão esperado Kwisatz Haderach, o profetizado Lisan al Gaib e Muad'Dib, Mahdi (messias) e líder dos fremen.
Lady Jessica, a mãe de Paul sempre foi o coração do livro, a personagem mais relacionável. Apesar de fazer parte da irmandade das Bene Gesserit e possuir tremendos poderes, a concubina é injustiçada, colocada na posição de traidora ao ser acusada de ter matado seu marido e ter causado a derrocada da casa Atreides, uma inverdade terrível. Afinal, Leto e sua posição na casa Atreides eram as coisas que ela mais estimava em sua vida e agora ela tem apenas uma razão para viver, garantir a sobrevivência e segurança dos seus filhos, vivendo entre uma cultura alienígena a sua (a dos fremen). Francesca Annis interpreta muito bem esses dois lados da personagem, forte e ao mesmo tempo sensível.
Além destes, o filme tem um elenco de apoio espetacular, nomes como Patrick Stewart e Max Von Sydow dispensam apresentação, definitivamente estão entre os melhores atores de suas respectivas gerações. Mas, a cereja do bolo deste filme em geral são os vilões, os Harkonnen. É nesses caras malvados que eu mais consigo enxergar a marca do David Lynch. No livro, estes personagens e seu planeta natal, Giedi Prime tem sim a sua parcela de excentricidade, mas o Lynch eleva essa característica a décima potência. Temos alguns adereços bizarros, objetos impossíveis de identificar que causam estranheza e o melhor de tudo isso (para não dizer o contrário) é a representação de tais personagens.
Uma personalidade muito conhecida dos fãs de Rock, Sting, interpreta o jovem e arrogante, Feyd Rautha ( uma curiosidade é que na versão do Jodorowsky que nunca saiu, quem interpretaria ele, seria outro rockeiro, Mick Jagger). O vocalista do The Police empresta sua energia e agilidade ao personagem, sendo uma representação até decente. Então temos Rabban, que possui bastante força física, porém, pouca inteligência, um típico capanga, interpretado por Paul L. Smith e finalmente, Vladimir Harkonnen, o grande cabeça da grande Casa do Landsraad.
Há a controvérsia em relação à fidelidade desse personagem ao material original, que é praticamente nula. No livro, o barão é um gênio estrategista, me lembrando um pouco o Lex Luthor dos quadrinhos do Superman em sua abordagem a vilania, mas aqui ele é um palhaço cheio de extravagâncias, ele gosta de gritar o tempo todo e tem uma certa irracionalidade quanto ao seu sadismo, tem uma cena em que ele literalmente flutua em círculo rindo sem parar, é como um vilão de desenho animado dos mais bobinhos. Há ainda outra controvérsia em relação à abordagem ao homossexualidade. No livro, ele é um homossexual sádico também, mas aqui essa característica é agravada por conta do tom mais lúdico que eu já havia citado e ainda adicionam uma doença degenerativa que muitos viram como uma analogia a Aids. Dito isso, dentre todos os personagens, o que está mais distante da sua versão original é o Barão, mas reconheço também que o vilão excêntrico e exagerado é uma marca registrada do diretor, David Lynch, vide o Frank de Blue Velvet e Bob de Twin Peaks.
Roteiro e montagem
Agora, vamos comentar a parte mais complicada do filme, o roteiro ou melhor, a maneira com que o filme foi apresentado no corte que foi para o cinema. Conta-se que o primeiro corte tinha pouco mais de quatro horas de duração, mas o corte que o Lynch queria que fosse exibido tinha três. Os executivos do estúdio ficaram apreensivos com a duração do filme, pois o mais seguro para eles assegurarem o retorno do capital investido e possível lucro era com o padrão do longa metragem que por excelência não extrapolasse muito a marca de duas horas. Os produtores Dino e Rafaela de Laurentiis fizeram o corte e as mudanças sem o aval do diretor, David Lynch, criando uma desavença que dura até hoje. Sempre que é perguntado sobre Duna, Lynch fica melancólico e diz que a experiência de ter o seu direito de corte final revogado foi muito dolorosa para ele e qualquer coisa que remeta a Duna cutuca esta sua ferida (recentemente ao ser perguntado sobre a sua opinião acerca da versão do Denis Villeneuve, ele se absteve de responder).
O resultado foi um filme muito fragmentado e confuso, a maioria das pessoas que assistiram compreenderam muito pouco sobre o que se passava, um crítico da época escreveu "Duna tem alguns personagens sensitivos, o que os coloca na posição privilegiada de compreender o que se passa no filme". Esta frase sintetiza a desordem que foi o resultado deste filme. Mas ao longo dos anos, o filme recebeu um certo "cult following", inclusive eu tenho um carinho especial por este filme, sendo fã tanto da série literária criada por Frank Herbert e do excelente artista que é o David Lynch.
A temática
Mas creio ter compreendido a intenção do filme. Ora, é difícil expor em um filme de apenas duas horas a densidade dos temas expostos no material original. A questão da religião e política foi bem simplificada, eles não revelam que a crença dos fremen no Lisan Al Gaib foi um mito implantado pelas Bene Gesserit e que Paul não é nenhum messias real, mas uma ferramenta confeccionada ao longo de várias gerações por meio da manipulação genética para ser usada por elas em sua busca por poder. Omitindo essa informação, a compreensão comum é que novamente estamos diante da velha história do escolhido que aparece em boa parta das obras de fantasia, na qual Herbert faz uma boa subversão.
A questão ecológica também foi bastante simplificada e a riquissima cultura fremen é deixada em sehundo plano, mas tem um tema importante de Duna em que há um maior foco e ele está explicitado neste diálogo retirado do filme, proferido pelo personagem, Duque Leto: "Uma pessoa precisa de novas experiências. Elas nos estimulam profundamente, ajudando no amadurecimento. Sem mudança, algo dorme dentro de nós e raramente acorda. O adormecido deve acordar."
"O adormecido deve acordar", creio ser uma boa mensagem e ela perpassa toda a saga de Duna, por exemplo, o universo de Frank Herbert é pós inteligência artificial. A humanidade após ter feito as máquinas pensantes estagnou-se, não era necessário pensar mais e após um conflito que se deu em torno destas máquinas, o jihad butleriano, viram que isso era ruim e instituíram uma proibição. Um mandamento que colocam até em um novo livro religioso, a bíblia católica laranja dizendo "não criarás uma máquina à semelhança da mente de um homem". O jihad também é omitido do filme (exceto na versão estendida, que é ainda pior) mas exemplifica bem o sentido da frase.
A consciência superior do Kwisatz Haderach é despertada por uma certa quantidade de saturação no sangue pela substância Melange, a especiaria mais importante de todo o universo que possibilita as viagens espaciais e aumenta a expectativa de vida, além de conferir a algumas pessoas a capacidade da presciência e só pode ser encontrada no planeta Arrakis. Lá em Arrakis, a substância fica até mesmo no ar em que as pessoas respiram. Desta forma, se a família Atreides nunca saísse do planeta Caladan, Paul nunca mudaria, "despertando o adormecido" dentro de si, assim, a partir dele, todo o universo pode evoluir.
Dentro dessa ideia, creio que o filme seja muito bem resolvido e até mesmo a cena da chuva, que foi a parte que Frank Herbert mais odiou pois dentro da lógica que ele criou em seus livros, não poderia chover naquele momento pois nem Paul tem esse poder, nem seria conveniente, pois a água é tóxica para os vermes e a precipitação acabaria matando todos eles, que por sua vez são os produtores da especiaria Melange, portanto não haveria mais a substancia mais importante de todo o universo. Mas creio que esta seja uma forma mais poética e ilustrativa dessa mudança final que o filme estava encaminhando, o planeta deserto, que nunca viu uma gota de chuva em toda a sua história finalmente chove, um verdadeiro milagre.
Considerações finais
Para concluir, eu não acho que o filme seja perfeito, muito longe disso, mas há um certo lirismo até mesmo em suas falhas que me fascinam e me fazem gostar um pouco mais cada vez que revejo o filme. Tenho um carinho especial por esse filme, entendo a frustração do David Lynch e lamento que o filme não tenha dado muito certo naquela época. Agora torço para que o novo filme do Denis seja ótimo e tenhamos uma nova franquia de ótimos filmes nos próximos anos.
[Vídeo] Resident Evil Village | Análise do jogo
https://www.youtube.com/watch?v=jEbWcsYWbvU
Confira também nossa análise escrita:
https://nosbastidores.com.br/analise-resident-evil-village-e-tudo-isso-mesmo/