A Luz Eterna | O Final de O Farol Explicado
Spoilers
O novo filme de Robert Eggers (A Bruxa), O Farol, é uma inusitada história sobre dois homens que tem como a missão de serem os guardiões de um farol na costa do Maine. Óbvio que por ser um filme de Robert Eggers, as coisas não são bem o que aparentam ser de início.
Nos próximos parágrafos vamos nos aprofundar melhor em algumas passagens simbólicas e bizarras do filme e tentar encontrar respostas e soluções para algumas questões que parecem (pelo menos foi o que pensamos) não ter significado.
Thomas é Proteus
Não é a primeira vez que Robert Eggers desbrava no cinema relações humanas conflitantes, já havia feito isso com grande impacto em A Bruxa, mas ali já havia trabalhado também algo que vem se tornando um marco também de seu cinema: a alegoria. Para alguns cinéfilos, isso vem se tornando simplesmente fantástico, algo que torna o cinema mais rico em histórias originais, para outros é simplesmente um saco ter que ficar assistindo a algo e ter que decifrar tudo o que se assiste, desde a sereia que surge rapidamente, até mesmo o farol como um símbolo.
É bastante nítido que o filme tem uma pegada na mitologia grega. Isso não é óbvio, até por que o diretor não faz nada óbvio e isso não é o foco de suas narrativas. Há diversos caminhos que podem ser percorridos e interpretados pela narrativa, que os personagens ficaram loucos de estarem ali presos e que suas relações foram se desgastando com o passar do tempo, mas isso é o que pode ser visto por cima. Há na realidade algo a mais que é muito corriqueiro de ser visto nas tramas de Eggers.
Robert Eggers fez várias referências mitológicas em O Farol, e a primeira delas diz respeito sobre Winslow (Robert Pattinson) ser na uma espécie de Prometeu e dá um direcionamento bastante forte para o personagem de Thomas (Willem Dafoe). Há uma cena, quando Winslow insulta, em uma cena bastante impactante, o personagem de Thomas e sua capacidade de preparar uma lagosta, este então o retalia com uma reação bastante anormal e excessivamente raivosa, chegando até mesmo a jogar uma maldição envolvendo os Sete Mares e Poseidon em Winslow.
E o pior é que essa maldição feita de forma extremamente exagerada acaba por se concretizar em uma noite, isso no momento considerado o clímax do filme, em que Winslow e Thomas, os dois faroleiros, acabam por brigar de forma explosiva.
Essa cena em si chama bastante a atenção, pois nesse momento Winslow repara, ao ganhar vantagem sobre Thomas todo machucado, que esse está na verdade transformado em outra coisa, com outro aspecto não humano. O corpo de Thomas está na água, há tentáculos saindo dele como se fossem suas pernas e o corpo é feito de algas marinhas e cracas.
Há também um chifre de coral saindo de sua testa. Tudo isso leva a crer uma coisa: a de que Thomas é Proteus, mais conhecido na mitologia por ser o deus do mar e também chamado de “O Velho Homem do Mar”. Proteus é filho de Poseidon e do Oceano, ele está no filme representando a violência e a imprevisibilidade e o lado mutável da natureza. Proteus é também um metamorfo muito famoso, fato esse que faz muito sentido para todos os acontecimentos que são transmitidos no filme.
Se Thomas é Proteus em si essa é uma questão a ser discutida, mas Winslow, o novo faroleiro, acredita que seu colega é aquele conhecido como o Velho do Mar. Thomas era o cara mais experiente da ilha, era ele que comandava o farol, era o marinheiro e o chefe. Suas qualidades fazem o sentido de que ele seja o Velho Homem do Mar.
E o que está acontecendo com o Farol? E o que diabos está acontecendo com o farol? Iremos descobrir a seguir.
O Farol
É muito claro que Eggers se inspirou em contos de HP Lovecraft para criar sua estrutura narrativa de O Farol. Qualquer palavra que tenha Lovecraft, geralmente, já dá para ter uma interpretação de que aquilo é relacionado a algo assustador, ou a algo medonho ou enlouquecedor. O farol em si como objeto é Lovecraftiano, um inferno que pode ser abominável, mas que não é um monstro ao estilo Dagon ou Cthulhu.
Uma das coisas que precisamos reparar é que o farol em si é a coisa mais antiga do filme. Desde o início ele está lá, e sua luz é na realidade o fogo, o fogo eterno que Proteus no momento tem como missão manter vivo. É por isso que toda a noite entra ali e não deixa Winslow entrar junto.
A luz do farol não é o inferno em si como muitas pessoas vem dizendo, a luz funciona mais como se fosse o poder da entidade que mantém seus servos em um sistema de opressão enquanto estão ali residindo na morada, ou seja, na ilha. Pode-se reparar que o que Winslow faz, sendo mandado por Thomas, sendo uma espécie de um empregado, com os seus deveres, lembram muito o de uma pessoa que precisa servir a essa entidade, e Winslow sempre é obrigado por Thomas a fazer essas coisas para manter as engrenagens da ilha funcionando.
Obviamente que Winslow acredita que possa subir lá e cuidar do farol, e nem imagina que há um conhecimento proibido ali. Thomas já não é mais Thomas, ele reside como faroleiro, mas na forma de um deus, no caso Proteus, isso desde que teve acesso ao farol e e a todo o poder proibido que a luz emana.
Winslow é Prometeu
Após Winslow matar o que ele via como Proteus, então passou a se considerar digno de ter acesso a todo o conhecimento do Farol e de todo o seu poder. Então sobe as escadas em direção ao segredo que ali residia em direção ao olho do monstro e de toda a sua força. Obviamente que Winslow não estava preparado para tudo o que estava guardado para ele naquela sala e tão logo desejaria nunca ter entrado ali.
Desde que chegou até a ilha Winslow quis por que quis ver o farol. É como se tivesse sido atraído de alguma forma para lá, sido encantado como a sereia faz com os pescadores com o seu charme. O conhecimento do farol é para poucos, é um monstro secular, talvez milenar, que poucos conseguiriam suportar, talvez por isso necessite de um guardião.
Aquele momento em que Winslow olha para a luz e a luz olha de volta para ele é como se a loucura estivesse entrado nele, e então o personagem tivesse perdido toda a sua sanidade, conseguiu um vislumbre de todo o conhecimento existente, mas isso foi algo tão grande para ele que não conseguiu suportar e então caiu pelas escadas.
O que é visto depois faz uma clara alusão ao mito de Prometeu. Após Winslow cair da escada há um corte e o vimos então todo deformado, sendo atacado por várias gaivotas devorando o seu corpo. Ele não tem mais o que fazer a não ser que está condenado a virar migalhas de pássaros. Podemos retornar ao início do filme, quando Thomas disse que as gaivotas são as almas dos marinheiros mortos, e quando o próprio Winslow acabou por matar um pássaro. A grande questão que você deve estar se perguntando é onde que Prometeu se encaixa nisso tudo?
Na mitologia, Prometeu foi um Titã muito conhecido que roubou o fogo dos deuses para entregar à humanidade, porém sofreu uma punição de Zeus que acorrentou Prometeu pela eternidade a uma rocha, ou no caso de O Farol, a uma ilha, e o forçou que resistisse que águias devorassem seu fígado dia após dia, tendo esse órgão regenerado para que no outro dia fosse novamente comido pelas águias novamente.
Obviamente que no filme isso não fica claro que o corpo de Winslow será regenerado dia após dia pela eternidade, mas fica muito claro, pela expressão no rosto do personagem, que há muito sofrimento e que essa dor não irá passar muito brevemente.
Crítica | Dois Papas - Questionando a Fé
Os filmes religiosos ou com temática sobre o gênero, em sua maioria, tendem a tratar do tema apresentando sob a óptica de alguma personalidade de época, seja um santo canonizado, uma entidade, ou até mesmo figuras bíblicas que tiveram inúmeras releituras levadas para o cinema, casos de Jesus, Judas e até mesmo Maria, que mesmo sendo mortal teve muitas narrativas diferentes a seu respeito sendo produzida. Porém há muitos outros tipos de filões a serem abordados nesse tema, e um deles é sobre o questionamento da fé em si, um assunto espinhoso e que se bem tratado gera boas tramas. E esse é o caso de Dois Papas, dirigido de forma magistral pelo brasileiro Fernando Meirelles.
Dois Papas trata de um assunto bastante presente nos dias de hoje que é sobre a questão da fé em um mundo em que a modernização avança cada vez mais rápido, e que muitos acusam a igreja católica de não ter avançado e ter seguido esses temas com o tempo, e o filme debate muito bem esse tema, colocando como pano de fundo essa discussão a respeito de modernizar a igreja, pois Jorge Bergoglio, mais conhecido como papa Francisco foi colocado em sua posição de destaque justamente não apenas por seus trabalhos com os mais pobres, mas também por sua mente aberta e por entender que a igreja não precisa ficar fechada em seus dogmas e não se abster de temas que são tão cruciais para a sociedade como nos dias de hoje.
O roteiro de Anthony McCarten (Bohemian Rhapsody) é importante nesse cenário, o de levar a luz não apenas o da discussão de modernidade, mas também de questionar a fé e a religião em si, jogando luz em assuntos que geralmente não são muito abordados em longas do gêneros, e com a profundidade e a naturalidade apresentados. O roteiro de Dois Papas se assemelha bastante, em relação ao questionamento da fé, ao do filme First Reformed (Paul Schrader), a ideia pode não ser a mesma, mas o foco da narrativa basicamente é o mesmo, e seu direcionamento é parecido, pois os personagens questionam em algum instante da narrativa se continuam ou não o trabalho na igreja e até mesmo onde está a presença de Deus.
Portanto, o roteiro é o principal fato que faz com que o público se apaixone pelo filme e é o fator crucial nisso tudo são os ótimos diálogos colocados nas falas de Joseph Ratzinger (Anthony Hopkins) e Jorge Bergoglio (Jonathan Pryce). O filme praticamente é envolto em longas conversas dos dois protagonistas sobre fé, redenção, escolhas da vida, caminhos tomados, até mesmo futebol, e muitas outras questões mundanas que cercam o homem, são situações inteligentes e muito bem discutidas, mas que muitos telespectadores irão achar isso entediante, pois o filme por não ter cenas de ação, até porque esse não é o seu objetivo, pode se passar por chato por um público não acostumado com esse tipo de produção que só tem diálogos e mais diálogos entre os dois protagonistas.
Anthony McCarten é inteligente e utiliza de uma artimanha entre o segundo ato e terceiro ato para dar uma quebrada justamente nesse ritmo de sucessivas conversas entre o Papa Bento XVI e o Papa Francisco que vinha em ritmo forte, antes ele já havia feito isso para mostrar como era feita a escolha do novo Papa, após a morte de João Paulo II, e depois novamente quando Jorge Bergoglio conheceu Esther Ballestrine (María Ucedo). O roteirista volta a utilizar deste artifício de quebra da narrativa ao novamente, quando os dois protagonistas conversam em um diálogo interessantíssimo sobre a importância e o futuro da Igreja, e então o futuro Papa Francisco conta a sua história e que poucos conheciam, em que acabou ajudando de forma indireta a ditadura militar argentina, uma das mais violentas da América do Sul. Essa cena em que o telespectador é levado ao passado argentino é emocionante, sufocante e cruel e que serve para mostrar o porque o caminho escolhido por Jorge Bergoglio no futuro com o seu trabalho com os mais pobres e necessitados.
Sem dúvida nenhuma Anthony Hopkins e Jonathan Pryce são a alma do longa, pois além do filme contar quase que o tempo inteiro com a interpretação apenas deles em tela, há de se elogiar também a caracterização dos personagens, deixando os dois atores se não iguais, mas parecidos com os dois Papas. A atuação é uma verdadeira aula, além de prender a atenção do público com diálogos nada fáceis e de difícil execução ainda há a questão de ter que trabalhar o ritmo de cada frase. Um trabalho de atuação que merece com certeza ser estuado a dos dois a de Pryce e de Hopkins.
A direção de Fernando Meirelles é a cereja no bolo de uma produção que se não é perfeita, tem uma direção que tem todos os atributos que fizeram dele um dos principais cineastas do mundo. O diretor cresceu bastante desde Cidade de Deus, mas suas últimas produções deixaram bastante a desejar, casos de 360 e Rio, Eu te Amo, portanto Dois Papas é um retorno ao que o diretor sabe fazer de melhor, aqui ele coloca ótimos enquadramentos, escolhe belos takes, entre planos abertos e planos fechados há a beleza de paróquias e igrejas escolhidas para filmar as cenas entre os papas que dão um toque a mais de realidade para a história. A escolha de Meirelles para contar a trama de um papa argentino é um acerto, por ser brasileiro consegue colocar um olhar mais apaixonado, quase que de torcida de como é ter o primeiro papa sul-americano no Vaticano, algo que provavelmente um diretor americano não conseguiria retratar tamanha dose de emoção na tela.
Dois Papas é um belo estudo sobre a fé de dois homens, um que quer deixar a igreja por não se achar mais importante para a entidade, e o outro por achar que não fez o suficiente para a santa igreja e que pode corrigir isso colocando assim alguém mais moderno em seu lugar, caso de Joseph Ratzinger, colocando assim Jorge Bergoglio em seu lugar. É uma trama que fascina pelo jeito que é contada, nos mínimos detalhes, sendo construída tijolo por tijolo e inserindo o público ali, até que finalmente vem o verdadeiro momento, que mesmo sendo óbvio não perde aquele sensação de impacto emocional que o diretor tanto queria criar em quem assistia e que realmente consegue.
Dois Papas (The Two Popes, EUA – 2019)
Direção: Fernando Meirelles
Roteiro: Anthony McCarten
Elenco: Jonathan Pryce, Anthony Hopkins, Juan Minujín, Sidney Cole, Thomas D Williams, Federico Torre, Lisandro Fiks, María Ucedo
Gênero: Biografia, Comédia, Drama
Duração: 125 min
https://www.youtube.com/watch?v=Tgdd94j_x18
Crítica | Klaus - O Verdadeiro Espírito de Natal
A beleza de uma história, muitas vezes, está não apenas em seu conteúdo, mas também no jeito em que se atrai o público da melhor maneira possível e de uma forma que possa o inserir dentro daquela narrativa, e assim o fazer usufruir dos mais diversos aspectos apresentados pela trama, e que o telespectador possa tirar alguma lição de moral com a mensagem apresentada ou receber algum aprendizado com aquilo que está sendo transmitido na tela pela produção audiovisual. E tal objetivo é alcançado com maestria pela animação espanhola original da Netflix Klaus (Sergio Pablos).
O Natal é uma data que fascina a todos e também uma época de união e reunião familiar, um momento de encontrar pessoas e amigos que há muito não se via ou se encontravam, ou até mesmo desfazer inimizades que foram feitas durante o ano. E é justamente nesta atmosfera festiva que Klaus se insere, mas de início não é bem assim que a trama se desenvolve ao apresentar o protagonista Jesper sendo enviado pelo seu pai, o dono de uma grande corporação dos correios, no qual o filho é o único herdeiro, mas que vive de uma maneira fútil, sem querer herdar de verdade aquele império de comunicação. Então o pai o envia para uma ilha bastante isolada, no qual os habitantes passam os dias se odiando e que vivem em uma rotina de guerra civil. É nesse cenário de raiva e caos que Jesper irá se conhecer e descobrir que a vida é bem mais do que se passar os dias acomodado e usufruindo do nada.
O roteiro que teve a participação de três nomes para ser escrito de, Zach Lewis, Jim Mahoney, Sergio Pablos, é um primor se for destacado a questão de como a trama é bem desenvolvida, não apenas em relação aos personagens e seus arcos dramáticos, mas também a respeito da relação emocional de um com o outro. A animação melhora demais a partir do momento que Jesper encontra Klaus, um bom velhinho que de início aparenta ser o papai noel, mas não da maneia fantasiosa que todos temos em mente, e sim de um modo totalmente diferente. Essa desconstrução do papai noel é fantástica porque é algo que não está no imaginário das crianças e adultos do jeito que é apresentado na TV ou nos comerciais, e mesmo assim consegue fascinar e causar uma e comoção no público de uma forma totalmente diferente, e muito disso está ligado ao roteiro que consegue observar que há outras possibilidades de se apresentar um personagem clássico de outra forma.
Outra coisa interessante do roteiro de Klaus é a criação do elo de amizade de Jesper e Klaus e o que virá a seguir dessa união, além de muito aprendizado recíproco, é também o momento em que Jesper irá se conhecer e também irá perceber que o mundo é muito maior e que ali ele pode ser útil, isso via os presentes que começa a enviar que começa com uma obrigação, mas depois passa a se tornar uma satisfação pessoal. É muito interessante o que acontece com o protagonista, e o roteiro ajuda a enviar uma mensagem que passa a respeito de Jesper para o telespectador que é apenas uma de várias que podem fazer com que o público aprenda algo, e isso é justamente uma das funções culturais do cinema como linguagem. Outra mensagem bastante interessante vem da professora, que vive em um lugar sujo e bagunçado, ela deixou de dar aulas porque não há mais alunos na cidade, todas crianças são sem educação e só querem guerra, e Jesper e Klaus começam a mudar essa estrutura com o mito de que crianças que fazem bons atos ganham presentes, uma bela mensagem de que sem educação nenhum lugar vai a lugar algum.
Mas há outras duas mensagens que se sobressaem e que dão ainda mais força para a riqueza da narrativa. A primeira é a questão da comunicação, até por isso o tema dos correios está ali inserido de forma proposital, pois os vizinhos não conversavam, se odiavam apenas por se odiar. A partir do momento que começaram a conversar e a se comunicar o ruído que existia na comunicação se foi e a cidade começou a existir como nação, e não apenas o correio começou a funcionar como instituição, mas toda a cidade passou a existir como sociedade. Ou seja, não existe civilização sem comunicação e educação, pilares fundamentais são a boa convivência, e o roteiro acerta em cheio em refletir essas questões que estão muito presentes em nossas rotinas.
Sergio Pablos é o diretor da produção, ele teve a ajuda de Carlos Martínez López que foi como uma espécie de co-diretor ao seu lado. Sergio Pablos é um nome a se ficar de olho nos próximos anos, e apesar de Klaus ser sua primeira animação que dirige já tem experiência na área, pois havia trabalhado nos roteiros de PéPequeno e Meu Malvado Favorito. O diretor fez uma uma animação sensível em Klaus, com uma trama de fácil assimilação por parte do público e com uma mensagem universal a ser explorada. A grande beleza do filme está em seu final, isso sem dúvida é uma decisão da direção. É emocionante e lindo o que acontece com Klaus ao término, é algo que acaba indo para o imaginário de todos e mesmo sendo algo tão rápido se torna inesquecível com a cena final, de tão bem feita e orquestrada, além de tirar lágrimas do telespectador de todas as idades.
A qualidade da animação também chama a atenção, com traços sensíveis e limpos prende a atenção para o que é realmente relevante em cena, e não preenchem a tela com tanta informação e bagunça que precise olhar para tantos lugares a se perder de vista. Os detalhes do cenário, e as características do personagens são bem apresentadas e cheias de cores e vida, de início são apresentadas com cores frias, mas depois vão mudando as tonalidades, demonstrando que a vida daquela cidade está mudando com a vinda dos correios e com a entrega dos presentes e que há uma troca de atmosfera na região.
Mesmo o natal sendo um tema tão batido e repetitivo em produções cinematográficas, Klaus se sobressai como crônica natalina, não apenas por trazer uma nova abordagem, e por trazer novas representações do papai noel em si, mas também por dar um novo caminho para a velha história do homenzinho mal humorado e que encontra do natal o jeito feliz de se viver. Pode ser um clichê de natal dos filmes, mas isso não importa muito, pois na animação o clichê funcionou de forma linda e belíssima.
Klaus (idem, Espanha, 2019)
Direção: Sergio Pablos, Carlos Martínez López (co-director)
Roteiro: Zach Lewis, Jim Mahoney, Sergio Pablos
Elenco: Jason Schwartzman, Rashida Jones, Joan Cusack, J.K. Simmons, Norm MacDonald, Will Sasso, Sergio Pablos, Mila Brener (Vozes Originais)
Gênero: Animação, Aventura, Comédia
Duração: 96 min.
https://www.youtube.com/watch?v=taE3PwurhYM
Crítica | Pássaro do Oriente - Um drama com várias interpretações
Pássaro do Oriente é daqueles suspenses que muito pouco se diz sobre a trama e sobre a trajetória de vida da protogonista, e mesmo assim pode-se dizer que a ideia da produção é apenas a de dialogar a respeito da personagem e de sua vida rotineira que propriamente fazer um filme criminal, já que o foco é apenas e unicamente na protagonista. A trama vai se apresentando e as situações se desenvolvendo aos olhos dos telespectadores ao seguimos a vida de Lucy Fly (Alicia Vikander) que reside em Tóquio, no Japão, local que trabalha há cinco anos. Em um momento é apresentada pelo seu amigo a Lily Bridges (Riley Keough), e depois, em um momento extremamente bizarro em que se apaixona por um homem, Teiji Matsuda (Naoki Kobayashi), que tira fotos dela com a câmera em uma praça, e então Lucy acaba por duvidar se Teiji, no futuro, é ou não responsável pela morte de sua amiga Lily, fato que faz girar a trama e que é o principal atrativo do roteiro.
É justamente a ideia de crime que dita a trama, mas também há um direcionamento do roteiro escrito por Wash Westmoreland, adaptado do livro de Susanna Jones, que tenta em alguns momentos colocar uma ideia de que Lucy parece não estar sã. O diretor dá uma ideia de que a personagem parece estar imaginando aqueles acontecimentos, como um beijo que ela imaginou Lily dando em seu rosto, ou algumas outras ocasiões que ela pensou estarem ocorrendo durante a história e que não aconteceram de fato.
Há uma sensação de sonho ou realidade, se aquilo que a protagonista está vivenciado é realmente verdadeiro. Aquilo ganha mais força depois do acontecimento com os policiais, e nos faz questionar se o que ela viu nas fotos, próximo ao final, é realmente verdade ou mentira, e se até mesmo aquilo que aconteceu com Teiji, no apartamento de Lucy, foi verdade ou mentira, isso não dá para saber ao certo, fica tudo no achismo.
Outra forma interessante do roteiro em abordar a narrativa de uma forma menos habitual do jeito que estamos acostumados a presenciar é o fato de criar duas linhas de tempo, uma com Lucy prestando depoimento à polícia e falando sobre a morte de Lily e outra realmente nos mostrando como esses fatos ocorreram, ou como Lucy queria que estes fatos tivessem realmente ocorrido. É um jeito interessante em se contar a narrativa, engana, mas de um jeito que favorece aos personagens e ao suspense, isso até um certo ponto da trama.
O roteiro vai justamente por esse caminho em dar indícios de uma possível loucura da protagonista e também de apresentar o lado dramático, como o de que a personagem teve que fugir por causa de algumas situações descritas no filme. A grande questão que fica é se realmente as informações passadas são precisas ou se podemos confiar naquilo que estamos vendo, assim como a protagonista parece enxergar demais em alguns momentos, é bem provável que o telespectador também esteja vendo coisas demais, e esse é o barato de Pássaro do Oriente, se seria tudo sonho ou realidade o que Lucy estaria presenciando.
Obviamente que por ser centrado apenas na protagonista, o longa acaba por se tornar chato, e até mesmo cansativo em alguns momentos, e muito disso se passa pela protagonista ser séria em sua essência, e por não ter uma dinâmica que atraia para os seus traumas e para os seus dramas particulares. São duas situações citadas durante o filme que não fazem com que o público de fato entre na vida da personagem. Mesmo com tanta riqueza de detalhes que são apresentados fica parecendo que aquilo que está sendo nos passando não é o principal elemento da história e não é importante, mas é, e muito importante, não apenas para a trama, mas também para a elucidação da narrativa como um todo. A trama não vai a fundo em abordar a vida de Lucy, talvez por isso o telespectador não se preocupe com o que Lucy fale a respeito de seus traumas.
Uma falha terrível da direção de Wash Westmoreland está na condução do suspense da narrativa, a verdade é que o diretor não parece saber ao certo qual a condução correta que quer direcionar a história. Havia espaço para trabalhar um grande thriller, mas prefere ir por outro caminho e escolhe ir pelo lado do mistério e acaba que não acontece nem uma coisa nem outra. O mistério é mal concebido, porque ele é mal desenvolvido e mal solucionado, e o suspense acaba morto por não ter sido colocado como o grande destaque da narrativa.
Pássaro do Oriente tem como a escolha de conduzir a trama pelo drama e pelo olhar da protagonista, e de a colocar em uma Tóquio gelada e sem emoção, e isso é algo interessante, além de ser uma tentativa de construir a personalidade de Lucy, é como se aquele ambiente em que ela está inserida fosse exatamente um espelho de quem ela é, uma mulher sem expressão, séria e com poucos sentimentos.
O longa entrega o que promete de início, e por ser uma adaptação de um livro parece que há muito mais naquela trama a ser aprofundada, ou seja, o longa não entrega tudo por não apenas não ter tempo suficiente de tela, mas talvez por não ser o produto audiovisual adequado, talvez se tivesse sido feito como uma minissérie teria funcionado melhor.
Pássaro do Oriente (Earthquake Bird, EUA, 2019)
Direção: Wash Westmoreland
Roteiro: Wash Westmoreland, Susanna Jones (Livro)
Elenco: Alicia Vikander, Naoki Kobayashi, Akiko Iwase, Riley Keough
Gênero: Crime, Drama, Mistério
Duração: 107 min.
https://www.youtube.com/watch?v=PJLtreF2IkU&feature=emb_title
O Legado de Gugu Liberato para a Televisão Brasileira
Todos o conheciam como Gugu Liberato, mas seu nome de batismo era Antônio Augusto Moraes Liberato, também chamado por muitos de Augusto Liberato. Antes de ser o famoso apresentador de TV que todos conhecem, Gugu teve que batalhar e começou sua carreira logo cedo, aos quatorze anos de idade como assistente de produção do programa Domingo no Parque, antigamente apresentado por Silvio Santos, no SBT.
Gugu Liberato, além de apresentador, trabalhou também como cantor, ator (trabalhou em sete filmes) e empresário. Seu primeiro programa na emissora de Silvio Santos, o SBT, foi o Sessão Premiada Paulista, já em 1982, apresentou o programa Viva a Noite, que em um primeiro momento era dividido em várias partes, e também apresentado por nomes como Jair de Ogum, Ademar Dutra e Mariette Detotto. O programa sofreu mudanças de formato, e Gugu passou a comandar sozinho o programa, que depois passou a ser dirigido por Homero Salles. Ao mesmo tempo em que trabalhava no Viva a Noite, Gugu começou a dirigir o Domingo no Parque.
Foi no programa Viva a Noite que Gugu passou a exaustão o grupo musical Menudo, em 1984, fato que fez com que o grupo brasileiro passasse a admirar o grupo musical e também o gênero tocado pela banda. Assim outros grupos musicais no mesmo formato foram lançados pelo programa, como Polegar e Dominó, se tornando assim Gugu um grande empresário de sucesso, lançando até sua produtora, a GGP, especializada também em filmes e séries.
Em 1988, Gugu reestreou no SBT, após rápida passagem pela Rede Globo. O apresentador ficou com grande parte da programação dominical no retorno como parte da negociação e desse período em diante foi que começou a apresentar os principais programas de auditório de sua carreira, e possivelmente os programas mais nostálgicos e importantes da televisão brasileira.
Dessa época nasceram programas como Passa ou Repassa, que apresentava sozinho, Domingo Legal, que concorria com o Domingão do Faustão, da Rede Globo, programa que havia sido criado para ser comandado por Gugu quando esse havia sido contratado pela emissora carioca, e o clássico Sabadão Sertanejo, que passava todos os sábados a noite. Na década de 1990 Gugu Liberato teve uma audiência bastante favorável aos seus programas de auditório e isso devido muito ao seu carisma no jeito de apresentar, no formato simples de seus programas e nas atrações que levava aos programas.
Em tempos pré-internet, pode-se dizer, que Gugu Liberato era uma máquina de virais. Em quase todos os programas do Domingo Legal lançava uma atração diferente que se tornava o assunto mais comentado do próximo dia nas escolas ou no trabalho. Foram em seus programas que surgiram grupos musicais de sucesso populares que tomaram o Brasil, casos de É o Tchan, KLB e Mamonas Assassinas. Isso para não falar dos quadros que hoje em dia soariam como polêmicos, caso existissem, como Banheira do Gugu, em que mulheres e homens quase nus precisavam se agarrar em uma banheira para pegar sabonetes. Era um show de bizarrice, mas todos amavam assistir.
É inegável a importância de Augusto Liberato para a televisão brasileira, não apenas para os artistas que o apresentador ajudou na carreira levando aos seus programas de TV, mas também a televisão como estrutura em si, pois muito do que Gugu criou em seus programas de auditório acabaram servindo de referência e modelo para outros programas de outras emissoras por todo o país, e também para o próprio SBT. As atrações e os quadros criados em seus programas foram também muitas vezes imitados e se expandiram levando alegria pra muitas pessoas e deixando um grande legado para o entretenimento nacional. O jeito que lidava com o público também era algo a ser invejado pelos adversários e que demandava alegria e sentimento de responsabilidade pelo conteúdo transmitido aos telespectadores. O Brasil perdeu não apenas um grande apresentador da televisão brasileiras, mas também uma grande pessoa. Seu legado jamais será esquecido.
Crítica | Invasão ao Serviço Secreto - Pouca Ação no terceiro capítulo da Franquia
A franquia protagonizada por Gerard Butler, em que interpreta o agente secreto Mike Banning, e que tem como missão proteger, em um primeiro momento o Vice-Presidente americano de qualquer ameaça, seja ela interna ou externa, já colocou o oficial em rota de colisão dentro da Casa Branca e depois em uma aventura em Londres, e o terceiro capítulo Invasão ao Serviço Secreto (Ric Roman Waugh), que tudo leva a crer ser o desfecho da trilogia deveria fechar o projeto dos três filmes com chave de ouro, mas não é isso o que acontece, muito pelo contrário.
O longa é uma completa decepção por descaracterizar completamente a franquia, de uma forma que a deixa completamente sem volta, tentando dar foco para personagens secundários que não eram para estarem na trama e tirando o brilho do que funcionou nos anteriores até o momento. A começar pela ação, que é a marca registrada dos primeiros filmes. Quando se fala de Busca Implacável, os filmes protagonizados por Liam Neeson, sempre se vem a mente a luta do ator nos longas, o mesmo pode-se dizer nas produções dos dois primeiros Invasão. Porém, o que o diretor Ric Roman Waugh faz é algo bastante vergonhoso, pois ele mata praticamente toda a ação da produção.
Há de se contar nos dedos as sequências de ação bem orquestradas. Uma primeira, que na verdade é um treinamento, ou seja, é uma falsa cena de ação, depois uma cena com drones que é bem impressionante, mas rápida, e depois outras duas com explosões, próximo ao final ainda há um tiroteio no hospital. É muito pouco para um filme que faz parte de algo que pensa em prender o telespectador justamente pelas cenas de ação. Há mais cenas de diálogos que de tiros, e vamos concordar que o público deste longa, assim como o de Velozes e Furiosos, quer ver na tela muita pancadaria e explosão, e não apenas conversa jogada fora.
O roteiro já se mostra fajuto por si só neste quesito, em não saber criar uma ação que amarre o público-alvo em frente à tela, há tantos diálogos e cenas desnecessárias que acaba tornando a produção cansativa e monótona, parece até que Invasão ao Serviço Secreto é um drama daqueles de segunda linha de tanto que querem te cativar para o lado dramático, pois o diretor toma decisões, em relação ao roteiro, e a respeito da vida pessoal do personagem de Gerard Butler que muda bastante o jeito que é construída a trama.
Há uma tentativa em se criar um laço afetivo de Mike Banning com a sua esposa e com seu pai, que surge do nada após anos desaparecido. Esse lado dramático é algo elogiável e que foi colocado no primeiro filme de 2013, mas agora há um excesso de drama e que acaba matando, como dito acima, a ação. O diretor coloca também Mike Banning em uma situação de risco, com uma doença que surge, o colocando em um possível confronto entre se aposentar ou não, uma questão interessante e que já direciona para outras continuações futuras, isso se pensar em trocar o protagonista.
Não é nenhum spoiler dizer que Danny Huston (Wade Jennings) é o vilão do filme, pois não há nenhuma surpresa nisso, o próprio roteiro não se esforça em esconder isso do telespectador. Isso é bastante óbvio já em um primeiro momento quando o personagem aparece, há uma dúvida que paira sobre ele, e após o ataque dos drones mais dúvidas o perseguem. Seria bobagem ficar o escondendo como vilão e o roteiro sabiamente corre para apresentá-lo como antagonista. A grande questão é que Danny não tem a força que demanda para o papel, além de estar bastante caricato.
Invasão ao Serviço Secreto serve como entretenimento, mas falha ao tentar entregar aquilo que a franquia mais demanda, e pior ainda a deixa mais frágil para futuros filmes, em vez de a dar maior vigor e força para que continue em outros longas. Se quiser sobreviver nos cinemas é preciso que algo seja feito, ou a mudança de protagonista seja realizada, ou uma mudança no foco da ação, ou no jeito de se trabalhar a trama, algo precisa ser feito e urgente, pois neste terceiro capítulo já se deu fortes indícios de que não como se pode continuar desse jeito.
Invasão ao Serviço Secreto (Angel Has Fallen, EUA, 2019)
Direção: Ric Roman Waugh
Roteiro: Robert Mark Kamen, Matt Cook, Ric Roman Waugh
Elenco: Gerard Butler, Danny Huston, Frederick Schmidt, Morgan Freeman, Piper Perabo, Lance Reddick
Gênero: Ação, Thriller
Duração: 120 min.
https://www.youtube.com/watch?v=YRngiyUG4wc
Crítica | Ford vs Ferrari - O Preço da Vitória
O amor pela velocidade, pelos carros e pela adrenalina, esse é o mote de Ford vs Ferrari (James Mangold) que recria de forma brilhante como a dupla Ken Miles e Carroll Shelby conseguiram criar um carro que pudesse fazer frente a Ferrari e então vencer a escuderia italiana em uma das corridas mais fascinantes e célebres do automobilismo: as 24 Horas de Le Mans.
Filmes com essa temática, geralmente, precisam de algo a mais para poder segurar o telespectador, até porque fazer uma produção em que o tempo todo os personagens fiquem apenas correndo se tornaria algo entediante, além de se tornar apenas um simulacro de uma corrida verdadeira, e esse não é o foco do roteiro. Um caminho simples escolhido pelo longa Rush: No Limite da Emoção (Ron Howard), que conta a história da rixa entre os pilotos James Hunt com Niki Lauda, foi justamente o de criar um embate entre os dois protagonistas, as desavenças entre si, a relação com os carros. Foi exatamente esse o caminho percorrido pelos roteiristas Jez Butterworth, John-Henry Butterworth e Jason Keller em Ford vs Ferrari.
Uma história simples, a de dois homens, Ken Miles (Christian Bale) e Carroll Shelby (Matt Damon), que decidem comprar a ideia de Henry Ford II e criar um carro que corra de igual a igual nas pistas contra uma Ferrari, algo inimaginável na época. Tinha tudo para ser uma trama arrastada e sem muitas alternativas de roteiro, mas o que se vê em tela é totalmente o contrário. O filme empolga, encontra saídas rápidas para situações que não pareciam dar em nada. A verdade é que a produção é charmosa, assim como uma corrida tem que ser, há os seus momentos de diálogos profundos, apresentando os personagens com os seus dramas familiares e pessoais, e as suas relações quase que pessoais com os carros, tanto por parte de Ken Miles quanto pelo lado de Carroll Shelby.
Ken Miles tem uma paixão incondicional por carros, o trata como se fosse uma pessoa, o conhece melhor que um parente, e o controla da melhor forma possível. Essa combinação, atrelada com a vontade de vencer e deixar seu nome na história, é o principal elemento da narrativa. O personagem é tão bem desenvolvido que chega a um momento que o telespectador se encontra torcendo para que Miles vença a corrida, tamanha a genialidade do piloto durante a prova. O roteiro ajuda bastante ao tratar com decência os possíveis "inimigos" da Ford, no caso, a Ferrari, que na verdade são apenas rivais de pista, como a cena final de Enzo Ferrari brindando deixa a entender. A Ferrari é tratada com a grandeza que tem que ser, uma escuderia do tamanho dela, o que na realidade só torna o embate de Ken Miles e sua luta ainda muito mais impactante durante o filme.
Essa motivação particular do piloto é algo que ajuda bastante a transcorrer a narrativa para a frente. Caso não fosse isso, ou simplesmente se omitisse de apresentar o lado da Ferrari, a trama se tornaria mais fria e monótona. Apresentar o lado rival é uma grande artimanha encontrada pelo roteiro, dar uma cara para a rivalidade é sempre importante em filmes de corrida, até porque dentro do carro pilotado há um motorista que sabe o que fazer com a máquina.
Christian Bale entrega outra grande performance em uma atuação emocionante de um homem que tem como meta ser perfeito ao alcançar seu objetivo, isso sem demonstrar arrogância ou forçar na interpretação. Bale tem experiência neste tipo de personagem simples e humilde, já havia feito algo parecido em O Operário (2004) e tira de letra o protagonista que é simplesmente a alma do filme. Já Matt Damon é mais contido, até porque seu personagem não ajuda muito. Interpreta uma espécie de playboy sem alma, e quando parece que vai fazer algo de relevante acaba ficando a sombra do personagem de Bale.
Muito da trama bem amarrada se deve ao roteiro, mas também a bela direção de James Mangold, que é um exímio contador de histórias, a se lembrar de seus trabalhos como diretor em Logan e Johnny & June. Graças ao seu comando à frente do projeto decisões como a de tornar o carro como um personagem secundário e até mesmo o de deixar a prova em si como se fosse uma tarefa impossível de ser completada e um objetivo humanamente improvável, todos esses fatores são bem elaborados pelo diretor que com sua batuta apenas direciona toda a narrativa para seu grande desfecho.
Ford vs Ferrari não é apenas uma fascinante história de superação entre um homem que conseguiu construir uma máquina capaz de ultrapassar os limites impostos para os carros Fords na época, mas foi também a história de um homem que aprendeu a domar seus instintos e como forma de conciliar sentimentos e sua genialidade. Claro que algumas coisas podem ter sido romantizadas no longa para dar maiores doses de emoção para o público. No fundo isso pouco importa, pois o resultado final é o que fica, e o que é entregue ao telespectador é um longa sobre paixão e quebra dos limites bastante agradável.
Ford vs Ferrari (Ford v Ferrari, EUA, 2019)
Direção: James Mangold
Roteiro: Jez Butterworth, John-Henry Butterworth, Jason Keller
Elenco: Christian Bale, Matt Damon, Jon Bernthal, Roberta Sparta, Caitriona Balfe, Noah Jupe, Josh Lucas, Tracy Letts, Remo Girone
Gênero: Ação, Biografia, Drama
Duração: 152 min.
https://www.youtube.com/watch?v=zyYgDtY2AMY
Crítica | As Panteras - Um roteiro que não sabe bem qual caminho tomar
Desde 2003 que a franquia As Panteras não recebia um novo capítulo, e muito se deve ao que foi feito com os dois filmes anteriores dirigidos de forma espalhafatosa por McG. Um reboot era necessário, primeiro para adaptar a história para a nova geração e segundo para atualizar a trama que já não tinha mais forças com a velha história de espionagem ou de bandidagem, e até por isso, naquela ocasião dos anos 2000, os longas acabaram perdendo a força e não tendo novas continuações.
Fato é que essa releitura de As Panteras, dirigido por Elizabeth Banks (A Escolha Perfeita 2), tem novos elementos que pode agradar aos fãs, principalmente em relação a questão do feminismo, que é um tema bastante atual e que não poderia ficar de fora do roteiro, mas isso não é algo que atrapalha a narrativa, nem que é tocado a todo o instante, ou que simplesmente é jogado em cena por ser jogado. Há sim alguns momentos chaves que são inseridos alguns temas feministas, mas isso feito porque a cena demanda isso e porque o próprio roteiro foi escrito com esse propósito.
Há muitas cenas que se constatam como o feminismo é importante, há cenas de assédio contra a personagem Elena Houghlin (Naomi Scott), preconceitos e outros temas do cotidiano que são inseridos na trama, mas que não são discutidos a fundo. Infelizmente a ideia não é debater temas sensíveis a sociedade, como a produção O Escândalo (Jay Roach) fará, por exemplo. Na realidade é uma grande oportunidade perdida em tratar dessas questões sem maior força e maior clareza. Há situações que poderiam dar muito mais assunto e que acabam se perdendo por não ser o foco do roteiro.
As cenas de ação, que são a marca registrada da franquia, continuam no reboot e vão a um nível adiante, sendo melhores coreografadas como devem ser, utilizando melhores habilidades de lutas, com confrontos melhores pensados entre o trio de protagonistas e os vilões que vão surgindo. Não são cenas de ação de tirar o fôlego como as apresentadas em Lucy (2014) ou Atômica (2017) em que as personagens socam os antagonistas e tiram rios de sangue, aqui a ação é mais para impressionar e apresentar a força das três como equipe, e não para apenas mostrar a força física de cada uma. A ação, como tempo do longa, acaba se tornando algo bastante dispensável, mas isso por causa do roteiro e não por causa das cenas de ação em si.
O roteiro tenta se reinventar em um cenário em que as produções de filmes de ação quase sempre acabam indo para o lado da espionagem ou para o lado da traição entre equipes. O roteiro tenta se reinventar e ser original nesse cenário, e até tem momentos que conseguem destoar do que já havia sido feito nos dois longas anteriores. Obviamente que não dá para fazer nada novo assim do nada e os clichês vão surgindo com o tempo e o roteiro que de início parecia mais realista acaba se tornando um grande catado de filmes do gênero.
Há até uma tentativa de reviravolta próxima ao final que funciona por um momento, mas que atrapalha bastante o que havia sido criado no início da narrativa, e muito disso envolve o surgimento do vilão. Na realidade a direção faz uma grande atrapalhada com a criação deste vilão em si. Em um primeiro momento aponta para um subalterno forte como tem que ser, e depois apresenta o todo poderoso antagonista que tem sua importância para a trama, e que acaba por trazer uma grande mudança para a história futura de As Panteras.
O protagonismo é dividido entre as três personagens interpretadas por Kristen Stewart, Naomi Scott e Ella Balinska. Das três quem se destaca realmente, até porque a personagem ajuda bastante, é Naomi Scott, que faz o papel de uma mulher que parece ingênua, mas que esconde algo a mais dentro de si: é inteligente, sensata e com raciocínio rápido. Ella Balinska tem os seus momentos, principalmente nas cenas de ação, mas são tantas em que a atriz está presente que acaba se tornando repetitiva, e acaba mostrando como sua personagem de fato é vazia. Há uma tentativa de estabelecer um romance entre Ella Ballinska com o personagem de Noah Centineo, mas que não vai para a frente, até porque o personagem dele - e de todos os homens do filme - é extremamente irrelevante. Kristen Stewart é a que mais surpreende, sua atuação é convincente, principalmente pelas ótimas tiradas que dão uma suavizada para as cenas, mas infelizmente sua protagonista é ruim e desmiolada, algo que parece frequente nas produções de Elizabeth Banks.
O mais problemático de Charlie's Angels (nome original) fica em relação a direção fraca de Elizabeth Banks, que já havia feito dois trabalhos desastrosos em A Escolha Perfeita 2 e Para Maiores. Sua direção neste reboot de As Panteras não vai além do óbvio, não traz nada de original e novo, e não traz novos caminhos para a trama. Fato é que o filme lembra muitos outros do gênero e sua direção tem momentos produtivos e outros que não fazem sentido algum, mesclando cenas de ação boas e diálogos sonolentos que não levam a lugar algum. O alívio cômico mesmo é um exemplo disso, inserido principalmente sob o aspecto do ponto de vista da personagem de Kristen Stewart, tendo boas tiradas que fazem o público rir, enquanto há outros momentos que não se ouve uma gargalhada se quer.
As Panteras é um conteúdo vazio que mesmo assim diverte. Não há muito o que se esperar de uma produção que tinha tanto a se levar adiante, tantas mensagens a serem trabalhadas, mas que falha em sua criação narrativa e no jeito que elabora sua história. Não é um fracasso completo, pois há os seus momentos, mas fica aquele sentimento de que algo melhor poderia e deveria ser feito, ainda mais em relação ao tratamento da trama principal e da motivação das protagonistas. Provavelmente o filme terá uma continuação, e caso isso aconteça, que pelo menos pensem melhor em que filme querem levar para a tela e que mensagem querem passar para o público.
As Panteras (Charlie's Angels, EUA, 2019)
Direção: Elizabeth Banks
Roteiro: Elizabeth Banks, Evan Spiliotopoulos, David Auburn
Elenco: Kristen Stewart, Naomi Scott, Ella Balinska, Elizabeth Banks, Patrick Stewart, Djimon Hounsou, Sam Claflin, Jonathan Tucker, Nat Faxon, Noah Centineo
Gênero: Ação, Aventura, Comédia
Duração: 118 min.
https://www.youtube.com/watch?v=GzKJmj-2jAA
Crítica | A Família Addams - Uma animação que diverte com o absurdo
É inegável que a estranheza tenha lugar de destaque na ficção, hora com produções que se destacaram por trazer um lado mais excêntrico e sombrio, casos de Réquiem para um Sonho (2000) e Eraserhead (1977). Mas há também um outro lado abordado nas tramas de Hollywood dentro desse cinema bizarro, que é tenta dar uma amenizada ao tema, com mais toque de humor e originalidade, entrando aí produções como Os Fantasmas Se Divertem (1988) e Sombras da Noite (2012). Mas o topo do pódio fica com A Família Addams como mais célebre filme sobre o gênero.
A nova versão de A Família Addams, feita em forma de animação, e dirigida por Greg Tiernan (Festa da Salsicha) e Conrad Vernon (Emoji: O Filme) é um retorno da turma mais macabra e diferente para as telas, já que o último filme sobre a clássica história (A Família Addams 2) havia sido lançado em 1993. Nesta versão mais moderna pode-se destacar a escolha dos diretores e da produção em se fazer um filme com o estilo de animação, uma escolha corajosa até se pensar que o mercado de filmes animados é bastante concorrido e com tantos títulos os Addams ficam até um pouco jogados de lado, mas isso não quer dizer que sejam ruins, pelo contrário, é bastante divertido e surpreende por trazer a alma da origem do projeto.
A Família Addams teve origem nos cartoons do norte-americano Charles Addams, e a animação, diferente de tudo o que já havia se visto no audiovisual a respeito do tema, capturou exatamente essa atmosfera das tirinhas originais, se inspirando livremente na abordagem de Charles Addams principalmente na elaboração da criação dos personagens, e não dos filmes protagonizados na década de 90 por Raul Julia, ou qualquer outra coisa que foi feita sobre o tema. Também aproveitaram para utilizar a ambientação das tirinhas originais para criar a atmosfera presente no longa.
A versão dos diretores Greg Tiernan e Conrad Vernon não perde a essência do que já existe nos Addams, pois esse é exatamente o propósito da família mais peculiar do cinema. A mensagem é a de aceitação, e não é porque a família Addams, que é bizarra, e ao se mudar para uma cidade toda perfeitinha, precisa ser caçada como se fossem bruxos ou sofrerem os mais diversos tipos de preconceitos simplesmente por serem diferentes. E esse discurso está em sincronia com o que era pensado por Charles Addams, que ao desenhar suas tirinhas pensou justamente em dialogar com com o oposto do tradicional na época em que viveu, e esse debate também está muito presente nos dias atuais, tornando a produção bastante identificada com o seu tempo.
É normal, em muitas animações, um tratamento mais humanista e alegre no jeito com que a narrativa é construída, com ambientações e personagens cheios de felicidade e cores, coisa que não acontece com os Addams, eles são completamente diferentes do que há no mercado. São sombrios e macabros, assim como essa família tão estranha tem que ser retratada, e o melhor é que não é um macabro que dá medo ou assusta, é na realidade totalmente o contrário. Há um humor que funciona com todos os públicos, e esse lado cômico surge com ótimas cenas absurdas e surreais de pegadinhas entre os personagens, e principalmente com as excentricidades dos Addams frente a normalidade dos habitantes da cidade.
Personagens como Gomez, Morticia, Tio Chico, Vandinha, Mãozinha são icônicos e tem seu espaço na cultura pop, sendo sempre lembrados em comemorações ou celebrações em que se demandam fantasias do tipo. Essa aura cult dos personagens se dá não apenas por serem diferentes ou bizarros, mas por trazerem uma essência original que não acompanha outros protagonistas de produtos culturais. Um destaque deste longa é o fato dos traços de cada um ter sido desenhado com um lado meio cartunesco, lembrando e fazendo uma homenagem com os cartoons originais de Charles Addams.
A Família Addams é uma divertida animação para todos os públicos, e que serve para tirar o telespectador do lugar comum, utilizando do absurdo e das várias sensações de diferenças realçadas com a participação de personagens tão excêntricos e sem noção. O público mais jovem estava órfão de histórias tão bizarras quanto a apresentada no longa, e isso é o que deixa mais interessante a produção, que é o fato de deixar os novos telespectadores em sintonia com algo que foi um marco na década de 90, mas que havia sido abandonado pelos estúdios com o tempo. Espera-se que seja um recomeço dos Addams no audiovisual e que eles voltem, mas agora para ficar.
A Família Addams (The Addams Family, EUA, 2019)
Direção: Greg Tiernan, Conrad Vernon
Roteiro: Matt Lieberman, Conrad Vernon, Pamela Pettler, Matt Lieberman, Erica Rivinoja, Charles Addams (História original)
Elenco: Oscar Isaac, Charlize Theron, Chloë Grace Moretz, Finn Wolfhard, Nick Kroll, Snoop Dogg, Bette Midler, Allison Janney
Gênero: Animação, Comédia, Família
Duração: 84 min.
https://www.youtube.com/watch?v=3AM6A04zcAg&t=71s
