O que o futuro guarda para Kratos e God of War?
SPOILERS
Assim como Cory Barlog havia prometido, há um belo senso de conclusão para a história do recém-lançado God of War. Entretanto, é inegável que através de uma “profecia” vista nos sonhos de Atreus, teremos uma continuação direta para a aventura em, provavelmente, quatro anos. Além de termos mais pistas do que o suficiente para ver o que acontecerá com a saga depois de uma “inevitável” morte de Kratos no futuro.
Me arrisco a dizer que o próximo game sela lançado entre 2021 e 2022 por causa dos eventos que ocorrem depois de Kratos e Atreus conseguirem chegar a Jotunheim e lançar as cinzas de Faye no lugar que desejava: no cume mais alto de todos os Reinos. Depois de vermos uma preciosa profecia que mostra a jornada de Kratos e Atreus, além do nome que o garoto receberia em seu nascimento – Loki, é informado que o lendário Fantasma de Esparta morrerá e que seu filho continuará se aventurando em novas jornadas.
Isso é sinalizado em uma parte da profecia cravada nas paredes de Jotunheim apenas por um breve momento, exibindo algum tipo de ritual envolvendo pai e filho. Supostamente seja um sacrifício paterno para que Atreus sobreviva a alguma maldição de Freya já que a deusa jurou que ambos iriam sofrer muito em suas mãos depois da batalha contra Baldur – isso também seria uma rima com a conversa que ocorre logo depois na qual Kratos admite que deixaria que o filho o matasse se isso fizesse o menino sobreviver.
Entretanto, isso é apenas uma parte muito menor do que está por vir no próximo game. Quando Atreus e Kratos retornam para Midgard, Mimir avisa que muito tempo se passou desde que deixaram aquele reino e, por consequência dos efeitos de toda a jornada, o Fimbulvter, grande inverno, finalmente chegou. Como o próprio Mimir explica, este inverno que dura três anos é apenas o começo do temido Ragnarök, o evento catastrófico que coloca fim a uma enorme parte dos deuses nórdicos, além de sinalizar o fim do mundo em busca de equilíbrio.
Pela duração muito precisa desse inverno, é fácil suspeitar que teremos um novo game, muito provavelmente para o Playstation 5 em 2021 ou 2022, já que vários rumores apontam que o console será lançado no final do ano que vem ou durante o final do ano fiscal de 2019. Logo, arrisco a dizer que teremos uma expansão ainda para o PS4 – como tivemos para Horizon: Zero Dawn e Uncharted 4, focado nos enormes combates que surgem durante o Fimbulvter para que o próximo jogo seja exclusivamente sobre o Ragnarök em si. E pelo sonho de Atreus, com a chegada nada amistosa de Thor, a coisa promete ser realmente épica.
O Ragnarök e o que mais?
Por conta da profecia quebrada em Jotunheim, podemos ter quase certeza que Kratos não sairá vivo do próximo game. Mas com Atreus, que já se provou uma companhia muito interessante, além de ser um personagem carismático, a franquia estará encaminhada para o próximo panteão de deuses que todos querem ver: os egípcios.
Mas como isso já está indicado em God of War? Já próximo ao final da metade do jogo, enquanto a dupla se aventura nos cofres de Tyr, o antigo deus da guerra nórdico, Atreus pergunta sobre algumas relíquias egípcias para Mimir que prontamente responde que ela “vem de um lugar quente repleto de desertos e cheio de muitos deuses”. Também é curioso que, enquanto Kratos observa o vaso com uma pintura representando sua antiga jornada de vingança, o garoto entre em cena com a cabeça entalada em algum recipiente muito similar a um vaso também egípcio.
O próprio diretor criativo da franquia, Barlog, já havia declarado que há interesse genuíno em visitar outras mitologias no futuro. E tudo indica com muita segurança que será a egípcia. Enquanto isso não chega, os fãs de God of War podem dormir tranquilos, pois teremos um investimento pesado em Kratos e, futuramente, nas aventuras solitárias de Atreus.
Crítica | Zazie no Metrô - Quando o Humor é Insuportável
Considerado um dos maiores nomes da Nouvelle Vague, Louis Malle realmente estava a frente do tempo dos outros prolíficos cineastas da época de intensas produções cinematográficas vanguardistas. Enquanto Jean-Luc Godard surgia com Acossado em 1960, Malle já estava bem confortável com as técnicas experimentais do movimento realizando uma comédia caótica que poderia ser facilmente um irmão gêmeo de Week-End à Francesa que Godard faria anos mais tarde.
No caso, estamos falando de Zazie no Metrô, um típico caso perfeito do “ame ou odeie” extremista, já que Malle testa todos os limites da comédia live action ao tonificar em excesso a fórmula de humoristas americanos como Jerry Lewis, Chuck Jones e dos Hanna-Barbera. Logo, embora seja um humor até mesmo antiquado para a década de 1960, o cineasta visa trazer esse contraste de exageros para uni-los, texto e imagem, em uma perfeita sinfonia do caos.
Zazie no Caos
Apesar de ser um filme que deseja diluir a narrativa ao máximo, temos um pequeno ponto de partida para toda a loucura que Malle pretende apresentar. Zazie, uma garota arteira de 9 anos, viaja para Paris com sua mãe que pretende encontrar o amante e cair na farra. Para se livrar da menina, pede para que seu irmão, Gabriel, cuide da garota até a data delas voltarem para o interior. Já no momento que Gabriel encontra Zazie, ela clama que quer conhecer o metrô, porém a lendária malha do transporte está fechada por conta de uma greve. Transtornada, Zazie consegue driblar facilmente seu tio bastante alunado e desinteressado na menina para ter aventuras nas ruas parisienses, compensando a falta do metrô.
Como disse, esse pano de fundo é apenas um dos diversos artifícios para Malle tentar manter alguma coesão em um filme anárquico. Entre as andanças de Zazie, uma menina boca-suja e que, ainda assim, consegue filosofar sobre os Estados Unidos como uma grandiosa cientista política, a vemos como um elemento aglutinante de confusão reunindo diversos personagens em encontros e desencontros.
Ainda obedecendo certos clichês do cinema francês, além da prepotência intelectual irritante do movimento, temos uma infinidade de romances nos quais Malle insere muitas “piadas” sobre homossexualidade, pedofilia, repressão sexual, amor com “idosas” ricaças e até mesmo algumas com uma dose incômoda de racismo. É um humor ofensivo, porém não gera graça alguma, pois é gratuito e extremamente caricato.
Malle quer “aperfeiçoar” o humor característico dos desenhos Looney Tunes de Chuck Jones e do slapstick de Jerry Lewis, porém a falha é retumbante, pois além de ser forçado ao extremo, o cineasta ignora qualquer principio de timing essencial para provocar o riso. Já perdendo a noção em trazer um humor perfeito para desenhos animados pelo flerte com o non sense, Malle tenta replicar uma infinidade de esquetes já esgotadas dessas obras envolvendo explosões imprevisíveis, sabotagens de diversos tipos e truques a partir da montagem a la Scooby-Doo.
Aliás, se há um elemento que “salva” Zazie no Metrô é justamente a manipulação técnica exemplar de Malle. Mesmo que seu roteiro seja uma verdadeira besteirada preconceituosa e sem-graça, o espectador tem diversos deslumbres de técnicas que fariam a escola de cineastas como Darren Aronofsky e Jean-Pierre Jeunet, principalmente este último. Para trazer efeitos cômicos somente com a câmera e suas técnicas, o vanguardista opta por closes feitos sob lentes grandes-angulares que distorcem o rosto em proporções caricaturais.
Além disso, sua encenação, sempre feita na base da câmera na mão, se sustenta exclusivamente pelo uso da montagem e do emprego de jump cuts que afetam somente um personagem em específico no cenário, como se o próprio estivesse se teletransportando a todo momento permitindo a criação de “magias” cinematográficas para empregar um tom fantasioso na obra, como se tudo fosse um sonho de Zazie.
A partir desse uso da montagem e dos cortes súbitos, apesar do tom cartunesco das atuações bem irritantes, é possível encontrar algum prazer na experiência de assistir a esse filme tão histérico com sequências envolvendo uma escalada perigosa na Torre Eiffel na qual Malle cria composições visuais muito interessantes, apesar do tom lesado das piadas se misturarem com as filosofias de Gabriel tão bem quanto água se mistura com óleo.
Há também uma das muitas sequências de perseguição nas cais o diretor utiliza menos fotogramas que o habitual (24 fotogramas por segundo) para conferir o efeito “apressado” tão presente em filmes de Charles Chaplin no cinema silencioso dos anos 1920 que também acaba envelhecendo pelo exagero da duração desses segmentos. Somente no clímax do longa, também falho pela longa duração na qual só temos baderna, que Malle cria um elemento curioso ao fazer o elenco guerrear contra uma legião de garçons.
Peça de Museu
Fora as experimentações visuais de Louis Malle traz com bastante competência, se provando um prolífico experimentador assim como Godard, Zazie no Metrô não oferece muitas recompensas para o espectador – a menos que goste de histeria, anarquia completa e caos cinematográfico. Em uma narrativa pífia com personagens caricatos que só se comunicam gritando e chacoalhando todas as partes do corpo, a experiência de assistir ao filme se assemelha a ver um palhaço decadente que faz de tudo para chamar a atenção.
No caso, é bom que Zazie seja aquelas peças de museus audiovisuais que ficam passando em loop nas quais os visitantes nunca prestam verdadeira atenção. Vão gostar do efeito e talvez rir com as piadas distribuídas em doses homeopáticas, mas encarar essa obra em sua totalidade pode muito bem se provar um teste cruel de paciência.
Zazie no Metrô (Zazie dans le métro, França – 1960)
Direção: Louis Malle
Roteiro: Louis Malle, Raymond Queneau
Elenco: Catherine Demongeot, Philippe Noiret, Hubert Deschamps, Carla Marlier, Annie Fratellini, Yvone Clech
Gênero: Comédia, Fantasia
Duração: 93 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=lpt0xB7qSj4
Crítica | Doutor Jivago - Épico Imperfeito
Conquistando o sucesso absoluto tanto artístico quanto financeiro com Lawrence da Arábia e A Ponte do Rio Kwai, dois épicos históricos exemplares, David Lean almejou outra tarefa quase impossível: adaptar o famigerado romance Doutor Jivago de Boris Pasternak que por anos fora censurado na União Soviética até finalmente ser publicado em 1957. Contando uma história romântica que atravessa anos, repleta de encontros e desencontros, situada bem no meio de toda a Revolução Russa, praticamente tínhamos uma história dificílima de ser adaptada tanto pelo custo orçamentário, das dificuldades de produção quanto pela abrangência de seus personagens.
Nessa tarefa, é bem possível medir os esforços de Lean, bem como o efeito que Lawrence da Arábia causou em suas marcas autorais estéticas que se tornaram bastante rígidas, mas igualmente incompetentes. Embora Doutor Jivago seja um clássico, ele não chega perto da qualidade de outras obras do diretor que conseguiu cunhar um filme imperfeito, apesar de muito dessa imperfeição estar concentrada na adaptação atrapalhada de Robert Bolt no roteiro.
O Épico Atropelado
A abordagem inicial de Bolt já é um tanto pretensiosa ao repetir a mesma fórmula de narrativa a la Cidadão Kane que havíamos visto em Lawrence da Arábia: começar o longa com um pequeno mistério e então iniciar toda a narrativa em flashback. Enfim conhecemos a infância de Jivago (Omar Sharif) na qual temos a presença de um narrador over contextualizando sua relação com o jovem protagonista. A sequência inteira, apesar de muito estranha, apenas serve para apresentar um objeto, uma balalaica, que a mãe de Jivago tocava com perfeição, inferindo um apego maior do personagem à guitarra para suprir a ausência de sua mãe que morre doente logo no começo da narrativa.
Os anos passam e então encontramos a Rússia em meados do fim do Czarismo na década de 1910. A pequena burguesia da qual Jivago faz parte ignora a crescente revolta social contra a fome e repressão da polícia czarista. Nesse cenário de insurgência, a Primeira Guerra Mundial desperta e a Rússia atende ao chamado dos Aliados para lutar contra a Tríplice Aliança. Convocado para ser médico no front, Jivago, já casado com uma antiga paixão de sua infância, Tonya (Geraldine Chaplin), acaba conhecendo e trabalhando com Lara (Julie Christie), iniciando um romance proibido, já que a moça também é casada com um soldado que futuramente se tornaria um dos principais líderes na Guerra Civil que ocorre pouco tempos depois da Revolução Russa em 1917.
O cenário histórico e político certamente é um dos mais complexos e pela escrita bastante simplista de Bolt, é fácil ficar perdido entre as passagens dos anos e das mudanças sociais radicais que Rússia passa em toda a década de 1910. Logo, para compreender em totalidade Doutor Jivago, é muito necessário que o espectador tenha um conhecimento histórico razoável sobre tudo o que aconteceu, já que o longa é falho em estabelecer o menor dos contextos.
É curioso que mesmo com poucos personagens e muito tempo de duração, Bolt e Lean evitem ao máximo diálogos e passagens que sejam um pouco mais claras e levemente didáticas no primeiro ato. Apesar de termos a presença inconstante, fria e invasiva do narrador, ele não supre pequenas questões envolvendo os relacionamentos anteriores de Jivago e Lara, principalmente de Lara já que temos muitas cenas dedicadas ao conflito amoroso da jovem com o nojento Komarovsky (Rod Steiger), um burguês simpático aos revolucionários comunistas.
Pelo fato do longa tratar seus personagens de modo maniqueísta e bastante superficial, é fácil definir quem merece a empatia do espectador, apesar de todos serem um completo mistério. É muito estranho que Bolt não se dê ao trabalho de desenvolver satisfatoriamente nenhum deles, apenas apresentando suas características como se fossem verdades concretas como o fato de Jivago ser um grande poeta, apesar de só vermos ele escrever poesia em uma bonita cena já próxima do final do filme, ou também de suas características que definem a motivação de suas escolhas tão bizarras ao decorrer da obra como a tal da “grande paixão pela terra natal” que nunca é demonstrada.
O mesmo ocorre com Lara, Tonya, Komarovsky, entre outros. E, pior ainda, não temos a mínima dedicação para desenvolver o romance entre Lara e Jivago, assim como não vemos a dinâmica familiar do protagonista com Tonya e seu filho, deixando tudo bem rasteiro e de pouca importância, afinal o espectador realmente não conhece aqueles personagens e, por mais que coisas terríveis aconteçam a eles, se torna um tremendo desafio torcer pela felicidade dos mesmos ou chorar pelas inesperadas separações que ocorrem no meio do caminho.
Isso é uma característica que pesa muito no enredo de Doutor Jivago, pois todo o drama e romance depende da força dos personagens e das relações construídas entre si. Essa característica de blocos episódicos separados por elipses imensas tornam o protagonista ainda mais inconsistente, incluindo uma bizarra situação na qual sua primeira família desaparece e, ainda assim, Jivago não se esforça em nada para encontra-los. Poderia ser facilmente justificado, mas não é assim que ocorre.
Tenho plena ciência que o livro homônimo de Pasternak compartilha dessas inúmeras deficiências do roteiro de Bolt que acabou ganhando o Oscar de Melhor Roteiro Adaptado na época. Ao mesmo tempo que é louvável o esforço do roteirista em deixar a obra a mais próxima possível do material original, também é um enorme empecilho em sua adaptação já que o formato episódico mais prejudica do que ajuda uma narrativa cinematográfica.
O que realmente tem muita qualidade no texto de Bolt são as críticas sutis ao regime comunista instalado na Rússia e em toda a drástica mudança das consequências do evento, não temendo apontar as diversas falhas desumanas características do período, além da suprema negação da verdade e extermínio humano. Isso é tão poderoso que o filme até mesmo reconquista grande parte de seu vigor quando Jivago e sua família embarcam em um trem absolutamente lotado buscando refúgio fora de Moscou.
Nessa sequência temos o melhor da genialidade de Lean como diretor, assim como Bolt eleva o nível dos diálogos com a inserção de um personagem anarquista interpretado vividamente por Klaus Kinski que não tem medo de confrontar os comunistas, sabendo que sua liberdade não é a física, mas a das próprias ideias. Fora isso, narrativamente, temos uma verdadeira bagunça repleta de buracos e tratamentos pífios para os personagens. Algo muito irônico visto que o filme é gigantesco.
Quando os Grandes Tropeçam
Talvez pela estafa de emendar as produções de dois dos maiores filmes de sua carreira, Lean tenha desempenhado um menor rendimento criativo e artístico para Doutor Jivago. Se em Lawrence da Arábia, Lean não ousava em movimentos de câmera e preferia manter uma estética quase bidimensional, em Doutor Jivago o mesmo ocorre por uma ironia consideravelmente cruel: cenários apertados.
Com enquadramentos abertos, conseguimos ver os ornamentados cenários de parede a parede, obviamente limitando o que Lean poderia fazer com a câmera em um espaço confinado. Portanto, assim como no épico anterior, há muito trabalho em cima do eixo teatral de ação horizontal e leve trabalho de profundidade na encenação. Como a maioria do filme está localizada nesses espaços pequenos em uma história já bastante atrapalhada, Lean se esforça para manter o interesse do espectador criando alguns enquadramentos realmente bonitos, além de trabalhar incansavelmente com janelas para criar uma atmosfera bem claustrofóbica.
Embora seja feliz em passar essa atmosfera de constante aprisionamento, incerteza e medo, rapidamente isso afeta o ritmo já bastante custoso da obra que já é bastante vagaroso e sem foco. A verdadeira beleza do cineasta surge em transições visuais entre as elipses com uma muito poética envolvendo fractais que viram girassóis em um fade certeiro.
Aliás, esse é facilmente um dos filmes mais repletos de simbologias visuais da carreira do britânico, apostando intensamente em iluminações diversas para situar o clima e até mesmo trabalhando o apego em objetos para simbolizar o amor materno e o amor romântico na vida de Jivago que é dividida pelo apreço a balalaica herdade (e ignorada inexplicavelmente), assim como nas vívidas flores amarelas que representam a presença de Lara, o seu amor verdadeiro.
Em outros dois momentos muito fortes, Lean e seu cinematógrafo, Freddie Young, ornamentam feixes de luz que só iluminam os olhos pesarosos de Jivago e de Lara (em sequências separadas), inferindo a forte emoção da despedida e do reencontro, além da verdadeira conexão que há entre eles. Não fossem esses detalhes muito perspicazes de Lean em sua composição visual, o romance entre Lara e o protagonista se tornaria ainda mais fraco, mas felizmente é apenas razoável.
Já nas cenas mais, digamos, épicas da obra, Lean novamente brilha com seus gigantes planos gerais que exploram a geografia das locações que visam mimetizar o bioma russo – uma ilusão muito bem-feita, vale mencionar. Nas grandes sequências de guerra e batalha, o cineasta é menos espetaculoso do que antes, mas utiliza o enorme poder da imagem para contextualizar como os soldados czaristas rapidamente se aliaram aos revolucionários depois de anos batalhando uma guerra abstrata para o país.
Logo depois, a direção de arte e o diretor conseguem mostrar as mudanças drásticas em um país totalmente desestruturado pela violenta revolução desorganizada e também pelos efeitos da Guerra. Transformando os cenários que já havíamos visto em locais totalmente diferentes, Lean explora a vastidão da miséria que atingiu todas as classes sociais, novamente elaborando uma crítica visual forte.
O cineasta mantém esse cuidado estético por toda a obra, incluindo um ápice fantástico no terceiro ato envolvendo o palácio de gelo, mas falha em toda a questão de manter a obra verdadeiramente coesa e emocional, além de usar de modo excessivo o belíssimo Tema de Lara de Maurice Jarre, fazendo a composição musical perder força sempre que surge de modo inadequado. O mesmo ocorre com o estupendo trabalho do elenco que realmente se esforça em trazer humanidade para personagens tão desinteressantes.
A Paixão Desapaixonada
Dentro de uma carreira tão generosa de épicos consagrados, é estranho observar como Doutor Jivago é um ponto fora da curva, repleto de trapalhadas curiosas para um diretor que já havia feito o impossível em outras oportunidades. Não é que a história de Pasternak seja desinteressante ou o triângulo amoroso arquitetado, impotente, mas simplesmente falta muita substância nessa estranha adaptação que não é um enorme fracasso, mas também não chega perto de ser uma estupenda obra de arte, apesar de sua técnica requintada. Lean apenas cria um bom filme, não necessariamente memorável dentro de todo seu potencial desperdiçado.
Doutor Jivago (Doctor Zhivago, EUA, Reino Unido, Itália – 1965)
Direção: David Lean
Roteiro: Robert Bolt, Boris Pasternak
Elenco: Omar Sharif, Julie Christie, Geraldine Chaplin, Rod Steiger, Alec Guinness, Tom Courtenay, Klaus Kinski
Gênero: Drama, Romance, Guerra
Duração: 200 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=CGGr21PilKY
Crítica | Morte em Veneza - O Amor pela Beleza
É indiscutível que a colaboração de Thomas Mann para a literatura ocidental seja inestimável. Morte em Veneza se tornou um clássico e levou um bom tempo para ser adaptado no Cinema. A difícil tarefa de traduzir um livro complexo em imagens complexas ficou a cargo do excepcional Luchino Visconti que já tinha transformado sua carreira por completo depois do ápice atingido em O Leopardo, considerado a obra-prima definitiva de sua vida.
Com esta adaptação, arrisco dizer que tenhamos o filme mais extremo de Visconti. Simplesmente não há um meio termo devido ao grau de experimentação cinematográfica bastante ousado e bem diferente do que o cineasta já havia feito até então. Isso ocorre por conta de uma forte diluição da narrativa em favor da imagem. Ou seja, mais do que nunca, é preciso sentir o filme para que ele tenha sua plena eficácia no espectador.
Fantasmas do Passado
Apesar de termos um filme consideravelmente fiel ao livro, Visconti trabalhou algumas adaptações muito interessantes como o fato do protagonista, Gustav Von Aschenbach (Dirk Bogarde), não ser mais escritor e sim famoso compositor moderno. Isso tem dois propósitos. O primeiro é para potencializar (tremendamente) a trilha musical que atinge ápices sentimentais raramente vistos nessa arte. E o segundo é ligado diretamente ao primeiro: homenagear o ilustre compositor Gustav Mahler.
Toda a caracterização de Bogarde é instruída para evocar Mahler na tela e, obviamente, a trilha musical se vale das belas composições do músico como o vibrante Adagietto que abre e encerra o filme. Com essa decisão esperta, Visconti apresenta então a história de Morte em Veneza. Caído em desgraça e muito doente, o compositor Aschenbach busca retiro na ilha Lida, em Veneza, como última tentativa de reparar sua saúde debilitada e, talvez, conseguir compor peças que podem lhe trazer o sucesso novamente.
Porém, em questão de poucos dias depois de estabelecer sua rotina no luxuoso Grand Hôtel des Bains, Aschenbach observa a distância o belo adolescente Tadzio que viaja com sua rica família. O que era para ser apenas uma simples troca de olhares acaba se tornando uma verdadeira obsessão para o decadente compositor que rapidamente desenvolve uma paixão platônica pelo rapaz.
O que torna Morte em Veneza um filme tão complicado é a abordagem estética ferrenha que Visconti decidiu. Apesar de se valer de uma história de uma mídia literária, o cineasta reduziu a quantidade de diálogos ao extremo para fazer um filme incrivelmente intenso e silencioso repleto de contemplação.
Isso é denotado pela fantástica abertura da obra que já consegue conferir atmosfera fantasmagórica e depressiva para o protagonista antipático e, aparentemente, repleto de medo. Medo que confere uma sequência ambígua antológica na qual temos uma discussão incômoda com o gondoleiro que se recusa a dar meia volta quando Aschenbach clama para não chegar a Lido como se já sentisse um mau agouro para seu futuro. E o gondoleiro, como Caronte (barqueiro do Hades/Inferno) ignora e segue o destino final para a perturbada alma do protagonista até chegar na ilha e desaparecer misteriosamente.
Já nesses poucos minutos iniciais, Visconti então estabelece o quanto de seu filme será repleto de mistérios, incertezas e significados ambíguos explorando a vertente de interpretação múltipla tão presente em suas obras. Portanto, quando enfim o diretor estabelece o quão dependente da imagem o filme será, temos a confirmação disso tudo.
O diretor trabalha com dois tempos narrativos: o presente, concentrado no platonismo de Aschenbach por Tadzio e, posteriormente, na conspiração da epidemia de cólera que ocorre em Veneza; e o passado, trazido por constantes flashbacks responsáveis em mostrar de fato quem é o protagonista para o espectador. E sim, eles têm uma importância vital para que compreendamos o personagem em um nível mais filosófico.
Embora eu creia que os diálogos entre Aschenbach e Alfred, um amigo suspeito do músico, mostrados nos flashbacks sejam um artifício para desviar o foco do espectador do que realmente interessa. Enfim, esse tratamento com Alfred possibilita que saibamos o quão purista, perfeccionista e puro o nosso protagonista é. Ele trata a beleza como algo puro e perfeito. E conforme sua arte decai, assim como sua saúde, o personagem entra em uma jornada imperfeita e cheia de malefícios éticos.
Por isso, quando essa característica da busca pela beleza pura entra em cena no passado e no presente vemos Aschenbach se apaixonando pela beleza de um menor de idade, entra em vigor o impuro, vulgar e antiético com toda a força, tornando nosso personagem um verdadeiro hipócrita, pois ele gosta e sente forte adrenalina por experimentar esse tesão da paixão proibida ainda que seja muito covarde para se aproximar do garoto de fato – Visconti nunca coloca em dúvida a covardia do personagem.
Entretanto, as coisas ficam mais interessantes durante um flashback revelador sobre o primeiro encontro do protagonista com a verdadeira beleza na carne de uma mulher. Visconti traz essa sequência baseada simplesmente na arte cinematográfica, pois a revelação é totalmente visual e cheia de pequenas provocações da encenação que obviamente não cabem dentro da análise. Apenas se trata da beleza impura, do universo provando novamente que Aschenbach está errado em sua filosofia e o colocando de joelhos, humilhado. Importante salientar que essa twist está conecta intrinsecamente para justificar a motivação do protagonista em sua paixão platônica.
A Desgraça do Presente
Com o passado do personagem resolvido e interrupções mais raras na narrativa, Visconti apresenta o segundo ponto principal da narrativa: a conspiração da epidemia de cólera omitida pelo governo italiano. Em certo ponto, o diretor busca trabalhar com destino ou algo como uma benção no protagonista que tenta fugir do Lido sabendo que não conseguirá resistir ao encanto de Tadzio.
Entretanto, essa fuga acaba dando terrivelmente errado com a consequência do personagem achar que se trata de um sinal divino para seu romance impossível engatar. Porém, a graça da sequência até então muito bonita surge quando o cinismo explode e Visconti mostra um homem morrer subitamente já dando a dica da epidemia na cidade – novamente, tudo visual.
Talvez seja nessa segunda metade que haja algumas besteiras no roteiro de Morte em Veneza como a súbita desconfiança sobre a epidemia de cólera e da investigação de Aschenbach, além das novas situações inertes do relacionamento inexistente entre ele e Tadzio. As coisas voltam a crescer quando surge em cena a poderosa sequência da barbearia na qual Visconti novamente trabalha com símbolos puramente visuais e muito interessantes que revelam um pouco mais da conturba psique do protagonista.
Isso injeta gás o suficiente para termos um clímax apoteótico no qual Dick Bogarde simplesmente oferece um espetáculo emocional como poucos atores conseguem. Não pela súbita catarse em seu personagem, mas por toda a consistência dramática apresentada até então oferecendo diversas minúcias em gestos afeminados, expressões amedrontadas e sorrisos sutis quase proibidos. Se não tivéssemos um diretor tão competente na produção, certamente Bogarde carregaria o filme nas costas somente por conta da sua dedicação exemplar.
A Câmera Pincel
O conceito da “câmera caneta” é muito difundido e conhecido entre cinéfilos. É impossível se livrar desse conceito já que qualquer diretor, por pior que seja, faz uma escolha consciente ao enquadrar um filme – mesmo que a assinatura possa ser genérica. Entretanto, é evidente que Visconti não é um cineasta ordinário. Aliás, arrisco a dizer que ele é subestimado devido o tamanho de sua importância na história do cinema como também pela sua metamorfose ambulante em respeito a técnica cinematográfica.
Visconti, considerado pai do Neorrealismo Italiano, se comporta em seus filmes como um raio que nunca cai no mesmo lugar. Se é possível apontar uma característica presente em todas é a ausência de guião moral que explicita seu ponto de vista, permitindo múltiplas interpretações de seus filmes. De resto, eles não se parecem em nada um com o outro. A Terra Treme não se assemelha em praticamente nada a Rocco e Seus Irmãos, assim como O Leopardo não compartilha técnicas empregadas em Morte em Veneza.
Aqui, talvez em outro ápice artístico, o cineasta traz muitas novidades estéticas que podem ser configuradas como “câmera pincel”, pois traz movimentos tão precisos enquanto revela uma abundância de situações no enquadramento que traz a ilusão de uma pintura feita na hora. O auxílio monstruoso do zoom é o que mais confere essa impressão, pois o diretor está sempre a movimentar a câmera com panorâmicas aliadas ao zoom in ou out.
Acho que a melhor sequência que expressa isso é quando Aschenbach visita a praia pela primeira vez. Ali, o diretor se dá a liberdade de mostrar toda a dinâmica da encenação no espaço, capturando momentos privados de diversas vidas até, enfim, chegar na família de Tadzio. Se há algo simplesmente mágico, além desse domínio absurdo da câmera, é o magnetismo extremo nas trocas de olhares entre o protagonista e Tadzio, seu “objeto” de desejo.
Com a trilha musical explodindo em melodias belíssimas e Bogarde brilhando em tela ao mimetizar olhares profundamente apaixonados diante de uma estranha curiosidade pecaminosa no olhar do adolescente, é difícil não ficar comovido pela força da imagem deste filme que, pasmem, apesar de possuir belas composições, não é um espetáculo visual como O Leopardo e, ainda assim, muito mais eficaz.
Visconti não segue o caminho das pedras de iniciar o longa com cores dessaturadas e um filtro visual sombrio trazendo uma opacidade incômoda para então transformar tudo em beleza contrastada. Todo o tratamento de cor e iluminação é soturno e depressivo, chegando ao ápice na inesquecível cena da andança noturna pelas vielas pútridas de Veneza imersa na escuridão contrastando com o figurino todo branco de Aschenbach.
Obviamente, tão digno de nota quanto a abertura do longa, temos um encerramento louvável em um dos clímaces mais poderosos da História do Cinema em uma união perfeita entre música, imagem e símbolos que tem o poder completo para emocionar o espectador pela miséria do nosso pobre antipático protagonista. Um verdadeiro miserável.
Metamorfose Ambulante
Enquanto eu possa ter adorado Morte em Veneza, é bem evidente que devido ao estilo estético repleto de trabalhos intensos de câmera, simbologias e silêncio, possa ser que outros o achem uma verdadeira chatice. Mesmo assim, mantenho a posição que se trata de uma obra nada menos genial digna de estar no topo das melhores criações da vida de Luchino Visconti. Sua homossexualidade assumida ofereceu um toque apaixonado tão crível que torna toda a experiência sensível e repleta de belezas complexas.
Mesmo já com tantos filmes naquela altura de sua carreira, Visconti conseguiu se renovar e ousar como poucos cineastas experientes. Nesse oferecimento de arte da mais pura qualidade, é imprescindível dar uma chance a Morte em Veneza.
Morte em Veneza (Morte a Venezia, EUA, França, Itália – 1971)
Direção: Luchino Visconti
Roteiro: Luchino Visconti, Nicola Badalucco,Thomas Mann
Elenco: Dirk Bogarde, Romolo Valli, Mark Burns, Björn Andréssen, Silvana Mangano, Carole André
Gênero: Drama, Romance
Duração: 130 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=-pxn49yWVJk
Crítica | Rocco e Seus Irmãos - Complexidade além do Humano
Embora seja um filme considerado pertencente ao movimento neorrealista italiano, creio que Rocco e seus Irmãos seja a obra que demonstra o nítido afastamento de Luchino Visconti do movimento que ele mesmo inaugurou, evoluindo sua cinegrafia. Isso ocorre por conta do abandono claro de diversas características visuais que marcavam o movimento, principalmente envolvendo o uso de não-atores e o profundo comentário social em abordagem próxima a um “docudrama”.
Visconti, em seu épico de três horas de duração, se aproxima ao máximo de um formato dramático mais clássico, porém trazendo propostas narrativas à frente de seu tempo, além de uma história polêmica e complexa permitindo um punhado de interpretações totalmente diferentes sem que nenhuma esteja realmente errada, embora haja muitas dúvidas sobre qual é a mais “correta”. Ou melhor, sobre qual o diretor realmente pende.
5 irmãos. 5 histórias
Para um filme enorme que atravessa anos a fio como Rocco e Seus Irmãos, também temos uma quantidade enorme de roteiristas – o que pode justificar essa multiplicidade de significados da obra. Liderados por Visconti, o time de escritores é inspirado pela obra do escritor Giovanni Testori a adaptando livremente.
Somos apresentados a família Parondi, originalmente do interior do sul italiano, partem para Milão na esperança de dias melhores e oportunidades de emprego, muito motivados pelo sucesso do primogênito Vincenzo que está prestes a se casar com a bela a Ginetta. Chegando de surpresa, os Parondi logo descobrem que Vincenzo vive com os sogros sem a menor possibilidade de acolhe-los na moradia.
Com essa perspectiva negativa, mamma Rosaria acaba conseguindo um quarto rudimentar para morar junto com seus quatro filhos: Rocco, o ingênuo; Simone, o fortão; Ciro, o justo; e Luca, o filho caçula que ainda está definindo seu caráter. Conforme o tempo avança, a família consegue se estabilizar em empregos simples em Milão, mas Simone se destaca ao conseguir ser chamado por um grande treinador de boxeadores indicando oportunidades de uma vida melhor já que o rapaz vira um atleta poderoso. Mas a relação entre os irmãos começa a desandar quando Nadia, uma prostituta melancólica, entra na vida de Simone que fica cada vez mais violento.
O que rapidamente é estabelecido por Visconti é a abordagem com múltiplos protagonistas. Com o filme dividido em cinco atos, temos cinco diferentes trechos, mas satisfatoriamente conectados entre si, nos quais os cinco irmãos se tornam protagonistas do filme. Entretanto, isso não quer dizer que tenhamos um vasto rol de complexidade para todos os irmãos, já que a ênfase está em Simone e Rocco – eles já são suficientes para guiar toda a narrativa.
Os primeiros atos de Rocco e Seus Irmãos são tudo o que cinema italiano otimista pode oferecer. Há toda a atmosfera de decadência, mas que não consegue quebrar o espírito festivo da família barulhenta, principalmente a mãe Rosaria que é o típico estereótipo da mamma italiana fervorosamente católica e repleta de defeitos, disposta a se tornar um verdadeiro monstro ético para defender seus filhos.
É justamente nesse ponto de ambiguidade moral que Visconti te fisga e obriga a condenar ou a concordar com os personagens. O debate central do longa é mostrar a cidade como corruptora da inocência, mas vejo isso de outra forma, pois temos tantas elipses – compreensíveis pelos milhares de problemas que o cineasta enfrentou durante as filmagens do filme, que tornam esses saltos temporais relativamente bruscos, mais justificáveis.
Visconti quer provocar o público com o contraste entre discurso e imagem, pois são recursos, no caso, bastante opostos. Isso é visto com Simone, o fortão folgado. Como não há um backstory coerente para a personalidade dos irmãos, apenas os conhecemos no “ali e agora”. E nesse caso, Simone sempre é retratado como um oportunista mau-caráter desequilibrado que constantemente joga as melhores oportunidades de sua vida no lixo, além de ser um amante psicótico fissurado por Nadia que por si já é uma personagem bem controversa.
Porém, por mais nojento que Simone vá se tornando, boa parte da família ainda o defende, se igualando a ele por tolerar um nível tão doentio de suas atitudes. Essa é a circunstância principal, portanto: a ignorância da culpa e do perdão exagerado. Com tantos filmes objetivos e guiados sob mão pesada de diretores menos talentosos, é fácil assumir, portanto, que Visconti apoia as ações da família em proteger Simone, mas isso é bastante equivocado afinal o diretor simplesmente se abstém de apregoar algum valor pessoal para o que está mostrando.
É justamente por causa disso que condenam o filme de misógino e outros adjetivos nada agradáveis, mas é um fato concreto que Visconti traz o retrato de uma família italiana que simplesmente não valoriza as mulheres – Vincenzo e sua esposa Ginetta são totalmente escanteados do núcleo narrativo. Esse ponto é visto com Nadia e Rosaria. Nadia, interpretada impecavelmente por Annie Girardot, talvez seja a personagem mais complexa do filme em jornada de busca pela redenção.
Pode parecer um arco clichê, mas é guiado com eficácia dramática exemplar dessa história da prostituta niilista que, subitamente, descobre uma paixão que dá forças para se livrar de um trabalho que ela repudia e se vê prisioneira. Visconti traz um bom jogo de opostos com os dois romances que ela engrena com Simone e Rocco, transitando do flerte superficial para uma paixão verdadeira com um homem que parece a compreender.
Essa evolução obviamente é interrompida pela característica inerente a todos filmes neorrealistas: a miserável tragédia. É evidente que não pretendo entrar em spoilers aqui, mas já saibam que a segunda metade do longa oferece uma guinada drástica a direção oposta que caminhava. Isso acontece durante o desenvolvimento do trecho mais conturbado e cruel do filme ao tornar Rocco, enfim, protagonista.
Se Simone é o diabo, Rocco é messiânico. Sua pureza ingênua é capaz de transformar a vida dos que o cercam, de certa forma. Na verdade, Rocco é apenas a face oposta da mesma moeda (Simone), pois seu nível de compaixão para com o irmão atinge níveis absurdos de crueldade. Por ser frouxo, não se impõe contra os desejos animais de Simone e acaba sendo permissivo de modo a afetar o futuro de outras pessoas, fazendo mais malefícios do que o bem.
É igualmente curioso notar como Rocco também segue um caminho bizarro de preencher os vazios e responsabilidades abandonadas por Simone, obtendo sempre sucesso nos campos que ele falhou. Isso é tão forte que no clímax da obra, Visconti traz uma montagem paralela mostrando a conquista da glória por Rocco intercalando com o fundo do poço de Simone. É uma sequência angustiante realizada com toque de mestre.
Rocco e seus irmãos também se tornam, em certo nível, misóginos contra mamma Rosaria, permitindo que Visconti mostre que as melhores das intenções possam ser um verdadeiro atentado à ética, afinal, o “inferno está cheio de boas intenções”. Todos os irmãos, cientes da decadência completa que Simone está, resolvem tomar o problema para si, poupando o rapaz da punição da Justiça e permitindo acontecimentos desastrosos. E quem é mais afetada por isso é Rosaria, pois a mulher é deixada em uma constante nuvem de ignorância que a faz agir desproporcionalmente quando descobre verdades inconvenientes.
Loucura de Família
Com tanto desequilíbrio, é preciso reequilibrar o senso moral da história novamente e isso acontece com o irmão menos expressivo dos cinco: Ciro. Visconti até mesmo se preocupa em torna-lo um pouco mais relevante ao oferecer um bom emprego e um relacionamento estável, embora isso seja muito irrelevante, já o que mais conta é justamente seu posicionamento diante do caos que se instalou em sua família.
Ele serve como a balança moral do filme, condenando ambos irmãos, apesar de ser mais violento contra Simone. Para ele, não existe essa abstração extrema do amor fraternal incondicional. Simplesmente temos o certo e o errado norteando suas decisões o que já o torna impopular na família e bastante interessante como personagem. É igualmente curioso o pós-ocorrido de toda a confusão em um diálogo revelador com o irmão mais jovem, Luca. Possivelmente seja nesse instante que vemos Visconti enviando a mensagem final, condenando todos os outros ao elevar a vida boa e sem excessos que Ciro traçou.
Visconti é um cineasta muito lembrado por ver trazer panoramas expansivos de suas histórias, clamando para que o espectador olhe a situação a distância e analise a jornada dos personagens individualmente. Em um filme com múltiplos protagonistas e narrativa fragmentada, essa análise se torna ainda mais necessária para perceber a complexidade da história que Visconti trouxe até o espectador.
Na direção, como disse no início do texto, o diretor simplesmente abandona quase todos as características neorrealistas, só mantendo o contexto social que não deve ser menosprezado e a dublagem para os diálogos permitindo assim movimentos de câmera realmente ousados para a época lembrando um pouco a técnica de composição em movimento adotada por Steven Spielberg.
Com predileção para planos longos e uma encenação muito vívida para imprimir a captura perfeita da realidade caótica – basta reparar nas coisas que acontecem na profundidade de campo nas cenas de jantares e das lutas de boxe, o cineasta consegue movimentar a câmera elegantemente explorando os cenários ou até mesmo ousando alterações súbitas na altura da câmera com gruas surpreendentes.
Não se trata de um capricho que está em todas as cenas devido ao custo, mas quando surge, é poderoso ao extremo. Enquanto elabora graciosamente essas sequências mais suntuosas, o mesmo pode ser dito quando decide se aproximar de cenas pesarosas ou até mesmo aterrorizantes. Em duas das cenas mais miseráveis do filme, temos a presença de Nadia. Nelas, o jogo de plano e contraplano, além do ritmo frígido da montagem, conferem uma sensação de impotência e paralisia absurdas a ponto de construir as passagens mais terríveis que eu já tenha visto na vida.
Isso é alcançado devido ao tom realista que evita pender ao brega exagerado na maioria das vezes. Quando essas cenas surgem, é impossível não sentir o impacto e talento de Visconti como cineasta. Inclusive na criação de composições posteriores que encerram o terror dessas passagens preservando a fotografia sombria, planos afastados e uma trilha musical de Nino Rota que preenche as imagens depressivas.
Legado de Sangue
Rocco e Seus Irmãos é um dos filmes mais influentes e importantes da História do Cinema influenciando severamente a cinegrafia americana dos anos 1970 com clássicos inestimáveis como O Poderoso Chefão e Touro Indomável. Visconti criou outra obra-prima muito incômoda em seu olhar desalentador sobre a humanidade rebaixando tudo que há de bom no homem para o completo esgoto moral da vileza corrupta. O equilíbrio desejado é o ideal para estabelecer a ordem.
E para atingir isso, é preciso muito sacrifício, lágrimas e sangue. Se não for assim, tudo é caos.
Rocco e Seus Irmãos (Rocco e i suoi fratelli, Itália – 1960)
Direção: Luchino Visconti
Roteiro: Luchino Visconti, Suso Cecchi D’Amico, Vasco Pratolini, Pasquale Festa Campanile, Massimo Franciosa, Enrico Medioli, Giovanni Testori
Elenco: Alain Delon, Renato Salvatori, Annie Girardot, Katina Paxinou, Alessandra Panaro, Spiro Focás, Max Cartier, Paolo Stoppa, Claudia Cardinale
Duração: 177 minutos
Gênero: Drama, Esporte, Romance
https://www.youtube.com/watch?v=kK1WXnyEkBk
Crítica | A Terra Treme - Neorrealismo Italiano que Treme
Dentre tantos movimentos cinematográficos que o Cinema experimentou em seu primeiro século de História, acho o Neorrealismo Italiano um dos mais interessantes tanto pela proposta quanto pelos resultados dos filmes originados. Dentre os cineastas mais famosos do Neorrealismo, está Luchino Visconti que viu sua carreira ganhar muita solidez ao concretizar seu segundo longa-metragem, A Terra Treme.
Como típico do cinema do movimento, há todo o contexto social bastante profundo em tom quase documental ou seja, uma “realidade” dentro da ficção. Entretanto, mesmo sendo um filme pertencente ao neorrealismo italiano e, majoritariamente, de ideologia de esquerda, Visconti ousa trazer uma narrativa que flerta com pontos curiosos, além de apresentar uma estética muito próxima a da linguagem do cinema clássico.
O Mar Dá
Visconti traz uma história de tragédia – algo típico nos filmes neorrealistas, sobre uma família de pescadores em uma cidadezinha da Sicília. Vivendo por anos ganhando apenas o suficiente para comer, o filho mais velho, Ntonio, se rebela pela situação miserável de sua família e da classe trabalhadora que sustenta todo o comércio da vila. Indo contra a sabedoria de seu velho pai, Ntonio e seus irmãos decidem ir contra o abuso perpetrado pelos comerciantes que compram os peixes por preços abusivamente baixos. Porém essa guerra trará poucos louros e muitas desgraças para a família do jovem pescador.
Como Visconti fez um filme para o público italiano, é preciso abrir certas concessões do mesmo modo que o diretor faz com os letreiros iniciais explicando o que veremos ao longo das horas de exibição. Em toda a narrativa, temos a presença de um narrador onisciente e onipresente elaborando a história em italiano, explicando a progressão do filme. Isso, para um público estrangeiro como o nosso, soa absolutamente estúpido e redundante, porém há muito sentido para tal artifício.
Visando não quebrar o tom realista e o propósito fiel ao drama daquelas pessoas, todo os diálogos são falados no dialeto siciliano totalmente estranho para outros cidadãos italianos da época. Logo, para explicar o que acontecia, a narração teve que ser inserida com ares relativamente poéticos, mesmo mantendo o didatismo. Embora seja incômodo, não remove o brilho da história de A Terra Treme.
De fato, ela é bastante simples, seguindo um arquétipo comum de revolta, breve ascensão e profundo declínio para atingir a morte de esperança e resignação – algo também bem comum aos filmes neorrealistas. O que de fato mantém o espectador interessado na longa história é o carisma dos personagens interpretados por não-atores injetando improvisos, gritaria típica e paixões exacerbadas.
Obviamente, não são todos que se destacam e mais servem como exemplos claros da ideologia de cada um sendo Ntonio o mais efusivo e revolucionário da família, se negando a trabalhar contra quem o explora tremendamente, indo contra os conselhos de seu velho pai. Visconti trabalha com bastante tempo para explorar visualmente todo o esforço dos personagens durante o trabalho na pesca, nas discussões contra os mercadores e, por fim, da depressão ao chegar em uma moradia completamente velha e arruinada, com pouca comida para muita fome e vestes desgastadas.
Uma vida realmente sem conforto, mas suficiente para suprir as necessidades básicas. Porém, nosso protagonista ambiciona por mais e isso é totalmente justificável. Tanto que o início do segundo ato envolve toda a jornada de Ntonio se livrando das amarras dos mercadores visando se tornar dono do próprio negócio. O segmento é totalmente pró-empreendedorismo, embora o personagem tenha que fazer um pacto perigoso com o banco para conseguir o dinheiro necessário para comprar seu barco e outros recursos.
Esse segmento é um dos mais bonitos do filme, repleto de otimismo, mostrando o ápice da família e da explosão de acontecimentos bons para cada um deles que conseguem engajar romances, melhores roupas, além do prazer de vencer a tirania virulenta dos mercadores. Porém, enquanto exibem o começo da bonança, não percebem como a comunidade passa a trata-los com certo desdém, negando a oportunidade de uma vida melhor que abre com a revolta de Ntoni.
O Mar Tira
É justamente no meio do segundo ato que o declínio se inicia com Visconti jogando o destino da família a uma questão de azar. Durante uma tempestade, perdem tudo o que conquistaram. Esse é o único momento que temos uma verdadeira ausência do núcleo masculino. Aqui, Visconti elabora o sofrimento das mulheres que aguardam angustiadas pelo retorno de seus homens, empoleiradas e rígidas nas rochas castigadas na costa da praia. É uma das imagens mais fortes que o cineasta traz, valorizando um pouco mais o enquadramento posado, já que geralmente a encenação flui com certa liberdade trazendo o ar “realista” desejado pelo cineasta – destaque para as imagens fantásticas do primeiro dia de trabalho dos pescadores.
Depois do amargo regresso dos personagens, Visconti trabalha a desilusão e as consequências do pacto financeiro, além do abandono completo que a família encara variando os destinos infelizes que os integrantes mais destacados rumam. Aqui sim A Terra Treme vira um típico dramalhão italiano, mas, apesar disto, ainda é contido em expressões realmente humanas, de um luto silencioso e imperfeições morais de cada um deles.
Mas o conflito que mais marca é o confronto entre a família contra os seus antigos amigos, agora totalmente contra eles e torcendo pelo pior, nunca oferecendo ajuda. Estabelece-se então uma racionalidade do oprimido se amarra ao opressor, além da completa morte do sentimento fraterno. A crítica social se torna verdadeiramente forte na conclusão do longa, com Ntoni no fundo do poço se resignando aos mercadores. A encenação é cruel e cheia de piadas nojentas contra o protagonista fracassado, totalmente falho em sua tentativa de se livrar da opressão.
O que de fato se torna um verdadeiro empecilho para Visconti conseguir arquitetar uma obra-prima é a completa falta de dosagem com a duração do filme para uma história bastante simples de personagens fáceis de interpretar. Não que as situações sejam repetitivas, mas há certa enrolação em cenas do terceiro ato, estendendo a duração da obra além do necessário.
Entretanto, mesmo sendo considerado “pai” do Neorrealismo Italiano, é interessante o modo que Visconti usa a câmera e até mesmo o som. O cineasta não usa aquele clichê clássico do movimento da câmera na mão bastante trêmula e de estética rudimentar. Aqui há sim planos grandiosos capturados sempre a uma distância confortável em movimentos de travelling delicados. A decupagem, apesar de ser sempre muito afastada, por vezes apresenta closes em momentos decisivos, mostrando como o diretor não subestimava o poder da expressividade máxima do ator no cinema, pois cada vez que temos um close certamente se trata de uma reação vital dos personagens.
O mesmo se dá com a montagem mais acelerada no começo, repleta de fades, até se transformar na segunda metade da obra, regulando os cortes e prevalecendo longos planos de fotografia ligeiramente sombria para evocar a solidão e desolação dos trágicos personagens.
Cinema que Treme
É bem possível que A Terra Treme seja um dos melhores começos de jornada para qualquer cinéfilo que queira se aventurar nas maravilhas do Neorrealismo Italiano. Profundamente ideológico e, felizmente, muito humano, Visconti consegue veicular mensagens poderosas em seu filme preocupado com problemas sociais pertinentes ao notar o problema em pontos de vista amplos, fugindo de raciocínios reducionistas.
Visconti simplesmente fez um cinema que vibra. Que treme.
A Terra Treme (La terra trema, Itália – 1948)
Direção: Luchino Visconti
Elenco: Antonio Arcidiacono, Giuseppe Arcidiacono, Venera Bonaccorso, Nicola Castorino, Rosa Catalano
Gênero: Drama
Duração: 160 minutos
Crítica | O Processo de Joana d'Arc - Bresson contra a Injustiça
O mito envolvendo toda a trajetória única de Santa Joana d’Arc é poderoso o suficiente para atravessar fronteiras no Cinema, apesar da primeira adaptação relevante dessa história ter surgido com A Paixão de Joana d’Arc do dinamarquês Carl Theodor Dreyer. Conhecido como um dos maiores marcos do cinema silencioso, o longa foi visto por diversos cineastas que, por sua vez, trariam novas obras inspiradas na história da heroína francesa na Batalha de Orleães.
Como a jornada, prisão, processo e morte de Joana tem relação direta com a Igreja Católica em um dos episódios mais polêmicos de sua História, era questão de tempo que Robert Bresson, cineasta minimalista francês profundamente católico, explorasse o tema. Possuindo um estilo completamente antagônico ao de Dreyer, Bresson deixou bem claro que achava toda a adaptação de grande mau-gosto. Para a infelicidade de Bresson, O Processo de Joana d’Arc funciona muito bem em uma visita dupla a estes dois clássicos do Cinema.
Fome de Injustiça
Nessa altura de sua carreira, Bresson já havia encontrado seu estilo autoral se guiando ferrenhamente pelo minimalismo. A cada filme, sua estética ficava cada vez mais racionalizada e fria e no caso de O Processo de Joana d’Arc, o cineasta fez o impossível ao encontrar os papéis originais das audiências do processo contra Joana d’Arc e adaptou fielmente para a tela.
É bem óbvio que poucos processos, ainda mais de uma ação penal católica no século XV, rendem material verdadeiramente cinematográfico e certamente essa falta de romantização para não sacrificar o grau de realismo que Bresson desejava é prejudicial para a obra que, felizmente, é bastante curta.
Bresson está interessado apenas nos últimos instantes do processo e na execução de Joana. Como tudo segue o padrão autoral dele, as atuações se mantem frias e pouco expressivas em geral, apenas com a interprete de d’Arc (Florence Delay) arriscando um choro solene em alguns momentos mais tenebrosos do julgamento. Embora ele traga tudo em detalhes do processo, dando bastante destaque do contato da protagonista com o divino e trazer retratos invejosos e esnobes dos bispos e padres que a julgavam, não há muita tentativa em guiar o longa um pouco fora do conceito empregado.
O diretor usa os recursos cinematográficos da forma mais fria possível a ponto de congelar a decupagem do filme inteiro recorrendo a um jogo matemático e padronizado de enquadramentos – planos próximos em grande maioria, para mostrar todos os diálogos da inquisição instalada ao redor da protagonista. E como essa estrutura narrativa também não se altera, pulando de interrogatório para interrogatório, rapidamente há um esgotamento que incentiva a perda de interesse do espectador.
Para apreciar O Processo de Joana d’Arc é preciso certa dose extra de vontade do espectador e algum conhecimento prévio sobre a história da santa, além de estar bem preparado para a estética bressoniana que certamente não é famosa por agradar muita gente. Entretanto, apesar desses desafios encontrados ao longo do filme, há muito mérito por parte de Bresson na condução muito bela do clímax.
A execução de Joana d’Arc, mesmo sendo igualmente gélida, possui a beleza do tratamento divino que Bresson já havia explorado bem com Diário de um Pároco de Aldeia. Bresson consegue capturar a serenidade da moça antes depois da execução e das máculas de ter desapontado Deus até clamar por Jesus e morrer subitamente antes de sofrer o ardor do fogo. Isso, intercalando com imagens de um crucifixo envolvido pela fumaça das chamas assassinas, marcando a vergonha que a Igreja passou naquele momento se tornando totalmente assassina. Bresson também atinge outro momento de pura poesia quando mostra duas pombas voando, associando à liberdade que Joana experimentará na morte, no Reino de Deus.
Também vale destacar a forma majoritariamente ambígua que trata Joana d’Arc, mesmo sendo bastante favorável a figura dela contra a Igreja. Isso se dá a partir dos contrastes estabelecidos com os momentos de intimidade da protagonista totalmente fragilizada contra os interrogatórios nos quais sempre aparece com a resposta na ponta da língua, se mantendo irredutível e calculista em seus raciocínios, desafiando os homens que desejam as maiores perversidades para ela.
Logo, com essas duas personalidades, o diretor permite que o espectador busque inconsistências na personagem, se ela de fato falava com santos e anjos, entre outros elementos sobrenaturais, pois em certo momento Joana recorre a Lei dos homens para se salvar, não utilizando alguma orientação dos espíritos como acontecia diversas vezes antes.
Um Manifesto Moral
Longe de ser a melhor obra de Robert Bresson, mas tampouco a pior, O Processo de Joana d’Arc é, querendo ou não, uma grande experiência para ser conferida. O estilo do diretor se faz presente de modo ferrenho e quase tão inflexível quanto em O Dinheiro, mas há bons momentos repletos de poesia e redenção para a personagem histórica que claramente possuiu grande influência na vida do cineasta francês. Nessa história de injustiça bastante difícil, Bresson trouxe um dos maiores manifestos morais em sua carreira.
O Processo de Joana d’Arc (Procès de Jeanne d’Arc, França – 1962)
Direção: Robert Bresson
Roteiro: Robert Bresson
Elenco: Florence Delay, Jean-Claude Forneau, Roger Honorat, Marc Jacquier, Jean Gillibert
Gênero: Drama, Biografia
Duração: 65 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=hr0anFEyP2U
Crítica | Diário de um Pároco de Aldeia - A Resistência da Fé
Que a cinegrafia de Robert Bresson flertava a todo momento com seu profundo catolicismo, nunca foi novidade para ninguém, mas é bem evidente que temos o ápice do cunhar da arte como instrumento de fé com seu difícil Diário de um Pároco de Aldeia. É relativamente curioso que justamente seu filme mais católico também seja um dos mais “quentes” de sua carreira, se afastando do estilo minimalista que seguiu em diversas outras obras.
Adaptando o romance de Georges Bernanos, Bresson traz a sofrida história do jovem padre da cidadezinha de Ambricourt. Lá, o padre ingênuo encontra muita resistência da população local extremamente amargurada e ressentida contra Deus por diversos motivos. Obstinado em tornar sua paróquia novamente repleta de fiéis e projetos, o padre sem nome faz o possível para conquistar a amizade das famílias mais ricas do lugar, mas enquanto fracassa sucessivamente, começa a sentir dores terríveis no estômago que revelam uma mazela gravíssima.
A Morte de Deus
Bresson praticamente exorciza seus próprios demônios e indignação contra a completa decadência da popularidade da fé cristã e do abandono das pessoas na crença em Deus. Trazendo um ambiente muito hostil e cercado de falsas modéstias, Bresson idealiza essa cidadezinha extrema na qual praticamente todos são antipáticos ao padre, nunca comparecendo às missas ou contribuindo para a manutenção da igreja local.
Como estamos sempre presos ao ponto de vista do padre – também com presença massiva de narração off, conhecemos a fundo o personagem inconsciente de seus próprios pecados como a alimentação bizarra que consome para não sentir dor. O padre vira complexo justamente por conta de uma contradição entre discurso e ação. Em suas confidências narradas enquanto escreve o diário, sempre há a dúvida incessante sobre seu papel em um lugar tão vil e de outros temores envolvendo sua fé a ponto de não conseguir rezar.
Porém, enquanto exprime sua depressão no diário, o padre incessantemente tenta reerguer a influência da paróquia. O curioso é que, apesar de fracassar na sua missão, o padre passa a transformar a vida de alguns cidadãos que assassinaram a fé por conta de diversos destemperos da vida. Basicamente, é isso o que acontece ao longo do filme inteiro, embora ele não seja repetitivo por conta dos diálogos realmente bem construídos e da direção mais próxima do teatro, no caso, de Bresson, alinhando a movimentação dos atores de modo sublime quase criando as famosas composições típicas do cinema de Bergman.
Embora tenhamos uma história realmente boa que tocas as feridas sobre a crença e a divindade, além de apresentar algumas belas filosofias, há um grande exagero por parte de Bresson ao usar a narração de modos extremamente banais a ponto de explicar o que acontece em tela. Por exemplo, em certa cena de decepção, o padre fica angustiado e se apoia na parede e, imediatamente, a narração aponta que ele ficou tão desapontado que teve de se apoiar na parede. É uma redundância irritante que permeia o filme inteiro.
Tipicamente, temos uma narrativa bastante lenta e opressiva. O sentimento pessimista de Bresson é calculado ao extremo ao apresentar novas desgraças sucessivas para a vida do padre que simplesmente parece amaldiçoada enquanto apresenta alguns momentos de contato sagrado repleto de milagre e beleza misteriosa – Bresson nunca mostra os milagres de frente, mas sim pelas reações do observador geralmente muito impressionantes devido a qualidade do elenco que consegue quebrar um pouco da monotonia emocional típicas dos filmes do autor.
Aliás, embora Diário de um Pároco de Aldeia seja muito pessimista, é curioso como Bresson trata a estética visual da obra com movimentos de câmera bastante delicados, closes e fusões inspiradas. É como se o diretor criasse uma espécie de anti-melodrama aliando a linguagem do gênero enquanto captura imagens desalentadoras repletas de miséria e feiura do campo totalmente decrépito, frio e morto.
Diário da Fé
Considerado o “primeiro” filme de Robert Bresson por conta do florescer das suas características autorais, Diário de um Pároco de Aldeia é um filme difícil por conta de sua lentidão e escolha narrativa com ênfase na narração um tanto redundante ao descrever a tela. Entretanto, é uma obra bonita que traz discussões filosóficas valiosas, além de mostrar a força de vontade de alguém movido pela fé mesmo diante de todos os desalentos da vida. No fim, ao ignorar toda sua desgraça e encontrar refúgio na fé, realmente vemos que tudo é graça.
Diário de um Pároco de Aldeia (Journal d’um curé de campagne, França – 1951)
Direção: Robert Bresson
Roteiro: Robert Bresson, Georges Bernanos
Elenco: Claude Laydu, Nicole Ladmiral, Jean Riveyre, Adrien Borel, Rachel Bérendt, Nicole Maurey, Jean Danet
Gênero: Drama
Duração: 115 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=ZYN5thtjhUw
Crítica | O Dinheiro - O Fim de Carreira de Robert Bresson
Em toda sua carreira, Robert Bresson testou os limites do cinema como uma arte fria. Mesmo tendo criado obras inestimáveis para o Cinema Francês, o lance com Bresson sempre foi a distância em conjunto com o estudo humano em tragédias intimistas. Ao decorrer de doze longas, o cineasta discorreu sobre diversos campos, mas encontrou o submundo criminoso em O Batedor de Carteiras, um de seus maiores clássicos.
Logo, é curioso que seu último filme, O Dinheiro, um dos mais extremos em sua proposta estética, dialogue tão intensamente com O Batedor de Carteiras. Não somente a nível temático, mas por conta da motivação do crime e suas derradeiras consequências sem pesar moralismos ou fazer julgamentos através das obras.
Efeito Dominó
Bresson adapta um conto de Liev Tolstói para guiar toda a tragédia de O Dinheiro. A história segue o cinismo do efeito cascata ou efeito dominó saindo de uma problemática estúpida até chegar no completo caos e degradação. No início, temos contato com um rico garoto parisiense que pede um adiantamento na mesada para seu pai a fim de pagar uma dívida com um amigo. Com o pedido negado, o garoto e o amigo tentam passar adiante uma nota falsa de quinhentos francos em uma loja de artigos fotográficos.
Conseguindo se livrar da nota e com os proprietários logo descobrindo o golpe, contratam um faz-tudo chamado Yvon Targe, homem simples de classe trabalhadora, para reparar alguns equipamentos na loja. Inocente, o mecânico aceita quase todo seu pagamento em notas falsas que os proprietários repassam e logo acaba encontrando problemas com a polícia quando tenta pagar um café momentos depois. Nessa guinada ao azar, Bresson mostra as consequências dos atos desonrosos na vida de Targe e do balconista da loja, Lucien.
Como disse, não há dúvidas: O Dinheiro é o longa mais frio e fiel à uma proposta estética radical de Bresson, em seu momento mais pessimista. O discurso envolve como o mecanismo do dinheiro favorece rapidamente o florescer da corrupção no homem. Não se trata apenas da moeda, o que Bresson põe em debate é o papel social do dinheiro e como ele afeta nosso dia-a-dia a ponto de estabelecer relações entre nós baseados em preconceitos.
É, obviamente, algo muito idealizado que pode fugir da realidade, mas o modo fixo e inflexível que Brisson filma tudo transforma essa opinião em uma realidade cruel. Isso ocorre por conta do diretor sempre tratar a câmera como um elemento imóvel na vasta maioria do filme, deixando o plano totalmente estático e hermético permitindo somente que o enquadramento comande a encenação. Enquadramentos estes que geralmente trabalham com simetria ou, através da montagem, geram uma ilusão eficiente de continuidade de modo realmente mágico.
Com a imagem gélida, temos uma história tão fria quanto, pois Bresson observa tudo com muita distância. Além de estabelecer as relações humanas baseadas pela quantia de riqueza monetária, também temos o desenvolvimento do protagonista da história, Yvon, que ao se ver injustiçado e renegado pelo mundo, resolve ele mesmo negar a tudo e ceder a completa psicopatia e violência.
Bresson não entra no mérito se nosso protagonista já tinha essa enorme sede de violência ou se apenas foi motivado a entrar no submundo por conta do descrédito de sua honestidade depois de virar vítima de um golpe praticado por pessoas mais ricas que ele. Como o filme também carece de diálogos e as atuações beiram o robótico como bem o diretor gostava, isso nunca é verdadeiramente discutido.
Mas pela eficiência da direção do francês, temos plena ciência da transformação absurda que corrompe Yvon. Curiosamente o mesmo acontece com o balconista da loja que, assim que vê a corrupção dos donos, passa a roubar do caixa e falsificar o fluxo até ser pego e acabar demitido o que o leva para a criminalidade aplicando golpes a diversos cidadãos.
Nessa desesperança, corrupção moral, falta de ética e sede de vingança, Bresson pavimenta o caminho para um dos terceiros atos mais desoladores de toda sua carreira e, quiçá, do Cinema. Nele, vemos Yvon interagir com uma estalajadeira idosa que lhe oferece apoio e uma chance de recomeçar. Nesse segmento, repleto da exploração de texturas, além de contrapor os pecados da cidade contra os do campo, Bresson traz diálogos puros e realmente interessantes que tiram um pouco da monotonia da obra. Seguindo o tom pessimista da obra, temos a reviravolta final absurdamente impactante.
Sendo um filme bem conceitual e de moral aterradora, Bresson traz sua estrutura cinematográfica minimalista, mas aliada com um profundo grau de realismo bastante antiquado que acaba prejudicando o ritmo da obra, já que o diretor basicamente nunca recorra a elipses, por mais simples que elas sejam. Por conta disso, o espectador é obrigado a assistir muitos minutos envolvendo banalidades como o abrir e fechar de portas, caminhadas em corredores, etc.
A Vida como Arte
Sendo seu último longa, Robert Bresson não pesou a mão ou procurou fazer um enorme testemunho que fugisse da condução geral de sua filmografia muito apoiada pelo catolicismo. Em O Dinheiro, o histórico diretor apenas se despede trazendo uma tragédia absoluta que conversa ferrenhamente com a facilidade da corrupção da natureza humana. Desde seus primeiros momentos de existência até virar completamente escrava do dinheiro.
O Dinheiro (L’argent, França, Suíça – 1983)
Direção: Robert Bresson
Roteiro: Robert Bresson, Liev Tolstói
Elenco: Christian Patey, Vincent Risterucci, Caroline Lang
Gênero: Drama, Crime
Duração: 85 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=zlYGbtJ9KnY
Crítica | Um Lugar Silencioso - A Eficiência do Silêncio como Horror
Diretores que já foram atores sempre renderam peças, no mínimo, curiosas. Hoje, essa evolução praticamente é considerada um caminho natural de experimentação e novas ideias. Um Lugar Silencioso é justamente a estreia de John Krasinski, um prolífico ator, que finalmente estreou no campo da direção em uma escolha bastante conveniente para iniciantes: o terror.
Isso, obviamente, não quer dizer que se trata de um gênero mais fácil de trabalhar que outros, afinal temos uma vasta seleção de obras catastróficas de terror/suspense, mas se trata de um ótimo fio condutor para aprender a criar atmosfera. E no caso de Krasinski com Um Lugar Silencioso, isso é um fato, pois toda a proposta estética está centrada no uso atmosférico do som e silêncio.
O Terror Mudo
Vários filmes de terror oferecem um conjunto de regras que não podem ser quebradas, na maior parte do tempo, para propiciarem o clima do horror, da incerteza do perigo e do espaço de segurança que os personagens podem interagir em paz. No caso da narrativa de Um Lugar Silencioso, escrita com muito primor por Bryan Woods e Scott Beck, as regras do jogo são o próprio filme: se fizer barulho, você morre.
Nesta Terra pós-apocalíptica desolada, criaturas infernais muito sensíveis ao som e extremamente violentas surgiram e acabaram dizimando boa parte da humanidade. Após noventa dias de invasão, a família Abbott, já adaptada ao silêncio para sobreviver, vive seus pacatos e tenebrosos dias em uma fazenda. Sem perspectiva de vitória contra os monstros, Lee (John Krasinski), faz o que pode para proporcionar uma nova antena para o implante coclear de sua filha surda Regan (Millicent Simmonds), devolvendo uma parte de sua audição, enquanto prepara Marcus (Noah Jupe) para ajudar na proteção do terreno. Entretanto, a dinâmica natural da vida de Lee e sua esposa Evelyn (Emily Blunt) sempre propicia algum descuido que coloca em risco sua sobrevivência.
Contar um pouco mais para estabelecer melhor a sinopse, seria um grande atentado contra a obra que guarda diversos segredos interessantes que visam colocar os personagens simplesmente no extremo. A maioria do diálogo é entregue por meio da linguagem de sinais e todo o silêncio mórbido que ronda o lugar acaba favorecendo e muito a encenação do longa repleta de cautelas e movimentos lentos para fazer a menor quantidade de barulho possível.
Krasinski merece muitos parabéns por ter se mantido fiel a proposta nos mínimos detalhes. O design de produção oferece diversas adaptações de utensílios e parafernalhas feitas através de gambiarras para conseguir driblar o enorme desafio de viver uma vida sem emitir sons. E isso é distinguido por conta da enorme força de vontade do diretor em explorar cada canto daquela diegese especialmente criada por ele.
O cineasta cria a todo momento imagens que oferecem uma diversidade visual saudável para a obra, explorando ângulos e alturas diferentes, mas sem nunca menosprezar a potência dramática do uso mais clássico da câmera com closes. Aliás, o mesmo recurso marca tanto momentos íntimos de boas emoções como também para o terror no qual Krasinski explora a aproximação do inimigo na profundidade de campo – uma encenação bastante comum que diversos diretores usam.
Em termos de narrativa, há um acontecimento fortíssimo que ocorre logo nos primeiros minutos da obra que acaba permeando todo o conflito interno de Lee sobre responsabilidade, atenção e provação que o torna bastante denso. Aliás, todos os personagens da obra são densos em muitos níveis. Não só por sentirem medo e serem totalmente impotentes, mas pela relação entre eles ser muito genuína com uma dinâmica “normal” diante de uma situação extraordinária.
Obviamente pelo longa ser carente de diálogos – o que é algo muito corajoso em tempos de cinema verborrágico, Krasinski infelizmente apela incomodamente para o visual a fim de trazer exposição. Algumas são realmente úteis e interessantes que ajudam a definir o que são as criaturas, mas logo o recurso fica repetitivo pelo diretor não medir a quantidade de vezes que foca nessas informações escritas em lousas, revistas ou jornais. Quando algo já é claro para o espectador, martelar nessa informação é basicamente subestimar a inteligência do público ou da atenção do mesmo.
Claro que a exposição barata e cafona sempre andou lado-a-lado com Hollywood (e agora mais do que nunca). Entretanto, é certamente tragicômico ter esse excesso de exposição logo em um filme praticamente mudo. Embora tenha esse grave defeito, Krasinski sabe criar e valorizar o que sua obra tem de melhor: a força dos personagens que rapidamente geram empatia e, logo, preocupação por parte do espectador.
A partir da metade do longa, na qual é iniciada um tour de force com uma sucessão de eventos muito intensa, vemos a força de todos ali como uma família unida. Há, novamente, muitos acertos e uma sincronia de eventos muito bem amarrada que infelizmente seria um enorme pecado revelar dentro do texto, afinal arruinaria a ótima experiência que é assistir Um Lugar Silencioso.
Apesar de mais agitado e interessante, o terceiro ato também é o mais falho. Não apenas por revelar algumas conveniências narrativas absolutamente absurdas sobre a fraqueza das criaturas, mas também por acabar se estendendo por mero luxo em exageros exorbitantes que realmente só injetam mais ação no longa, pois é bem perceptível que o insumo criativo se esvazia conforme os créditos finais mais ficam próximos.
Fora isso, também é um notório problema de tom para a encerrar o longa diante dos acontecimentos que acontecem algumas cenas antes. Há um certo otimismo deslocado para criar uma imagem cool e descolada que simplesmente evoca algo um tanto ridículo. Embora tenhamos esse inchaço temático, é injusto afirmar que Krasinski não trata essas sequências com menos carinho.
É justamente nelas que o diretor consegue encaixar sutis homenagens a trabalhos icônicos de Steven Spielberg e James Cameron de modo bastante orgânico, além do uso praticamente excepcional da iluminação com abundância em tons vermelhos – há um propósito narrativo para o uso do vermelho que torna a experiência ainda melhor. Aliás, também é digno de comentário o trabalho sonoro do longa que, embora não seja excepcional, é realmente marcante e competente em apostar na espacialidade do som ou de ruídos minuciosos. O mesmo vale para a questão do ponto de escuta que sempre possui distinções claras entre a personagem surda em contraste com os outros.
Krasinski somente apela, infelizmente, para os clichês efeitos sonoros altíssimos para potencializar sustos quando não há realmente necessidade desse artifício tão deselegante já que o diretor se preocupa sempre com uma encenação adequada, além de nos enganar com jogos inteligentes de montagem concentrando o susto em outros momentos da cena. Há de se destacar positivamente o trabalho bem inserido da trilha musical de Marco Beltrami que consegue empregar melodias tenebrosas sutis para os momentos mais apropriados.
Vivendo nas Trevas
A proposta estética de Um Lugar Silencioso pode muito bem não ser inédita, afinal já tivemos lançamentos como O Homem nas Trevas que também flertava com o uso do som, além de outras obras memoráveis de M. Night Shyamalan que traziam ótimos retratos de isolamento e ameaças invisíveis propiciando atmosferas infernais como A Vila e Sinais, mas certamente é uma das melhores executadas o que prova a boa capacidade de John Krasinski em manufaturar atmosferas realmente tensas e dignas do horror com o uso inteligente da linguagem cinematográfica.
As falhas que o longa apresenta ou são por conta de banalidades rotineiras de Hollywood ou por uma falta de segurança de Krasinski como, por exemplo, revelar nitidamente a criatura diversas vezes para o espectador. No mais, se trata de uma experiência genuína de horror e suspense que não costumamos ver com tanta frequência no mercado.
A verdade universal sobre a tomada de riscos continua verdadeira. E é bem capaz que Krasinski colha diversos bons frutos pela radicalidade da proposta empregada aqui.
Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, EUA – 2018)
Direção: John Krasinski
Roteiro: John Krasinski, Bryan Woods, Scott Beck
Elenco: John Krasinski, Emily Blunt, Noah Jupe, Millicent Simmonds, Cade Woodward
Gênero: Drama, Terror
Duração: 90 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=8W6iMmhVDgE