em , ,

Crítica | Um Lugar Silencioso – A Eficiência do Silêncio como Horror

Diretores que já foram atores sempre renderam peças, no mínimo, curiosas. Hoje, essa evolução praticamente é considerada um caminho natural de experimentação e novas ideias. Um Lugar Silencioso é justamente a estreia de John Krasinski, um prolífico ator, que finalmente estreou no campo da direção em uma escolha bastante conveniente para iniciantes: o terror.

Isso, obviamente, não quer dizer que se trata de um gênero mais fácil de trabalhar que outros, afinal temos uma vasta seleção de obras catastróficas de terror/suspense, mas se trata de um ótimo fio condutor para aprender a criar atmosfera. E no caso de Krasinski com Um Lugar Silencioso, isso é um fato, pois toda a proposta estética está centrada no uso atmosférico do som e silêncio.

O Terror Mudo

Vários filmes de terror oferecem um conjunto de regras que não podem ser quebradas, na maior parte do tempo, para propiciarem o clima do horror, da incerteza do perigo e do espaço de segurança que os personagens podem interagir em paz. No caso da narrativa de Um Lugar Silencioso, escrita com muito primor por Bryan Woods e Scott Beck, as regras do jogo são o próprio filme: se fizer barulho, você morre.

Nesta Terra pós-apocalíptica desolada, criaturas infernais muito sensíveis ao som e extremamente violentas surgiram e acabaram dizimando boa parte da humanidade. Após noventa dias de invasão, a família Abbott, já adaptada ao silêncio para sobreviver, vive seus pacatos e tenebrosos dias em uma fazenda. Sem perspectiva de vitória contra os monstros, Lee (John Krasinski), faz o que pode para proporcionar uma nova antena para o implante coclear de sua filha surda Regan (Millicent Simmonds), devolvendo uma parte de sua audição, enquanto prepara Marcus (Noah Jupe) para ajudar na proteção do terreno. Entretanto, a dinâmica natural da vida de Lee e sua esposa Evelyn (Emily Blunt) sempre propicia algum descuido que coloca em risco sua sobrevivência.

Contar um pouco mais para estabelecer melhor a sinopse, seria um grande atentado contra a obra que guarda diversos segredos interessantes que visam colocar os personagens simplesmente no extremo. A maioria do diálogo é entregue por meio da linguagem de sinais e todo o silêncio mórbido que ronda o lugar acaba favorecendo e muito a encenação do longa repleta de cautelas e movimentos lentos para fazer a menor quantidade de barulho possível.

Krasinski merece muitos parabéns por ter se mantido fiel a proposta nos mínimos detalhes. O design de produção oferece diversas adaptações de utensílios e parafernalhas feitas através de gambiarras para conseguir driblar o enorme desafio de viver uma vida sem emitir sons. E isso é distinguido por conta da enorme força de vontade do diretor em explorar cada canto daquela diegese especialmente criada por ele.

O cineasta cria a todo momento imagens que oferecem uma diversidade visual saudável para a obra, explorando ângulos e alturas diferentes, mas sem nunca menosprezar a potência dramática do uso mais clássico da câmera com closes. Aliás, o mesmo recurso marca tanto momentos íntimos de boas emoções como também para o terror no qual Krasinski explora a aproximação do inimigo na profundidade de campo – uma encenação bastante comum que diversos diretores usam.

Em termos de narrativa, há um acontecimento fortíssimo que ocorre logo nos primeiros minutos da obra que acaba permeando todo o conflito interno de Lee sobre responsabilidade, atenção e provação que o torna bastante denso. Aliás, todos os personagens da obra são densos em muitos níveis. Não só por sentirem medo e serem totalmente impotentes, mas pela relação entre eles ser muito genuína com uma dinâmica “normal” diante de uma situação extraordinária.

Obviamente pelo longa ser carente de diálogos – o que é algo muito corajoso em tempos de cinema verborrágico, Krasinski infelizmente apela incomodamente para o visual a fim de trazer exposição. Algumas são realmente úteis e interessantes que ajudam a definir o que são as criaturas, mas logo o recurso fica repetitivo pelo diretor não medir a quantidade de vezes que foca nessas informações escritas em lousas, revistas ou jornais. Quando algo já é claro para o espectador, martelar nessa informação é basicamente subestimar a inteligência do público ou da atenção do mesmo.

Claro que a exposição barata e cafona sempre andou lado-a-lado com Hollywood (e agora mais do que nunca). Entretanto, é certamente tragicômico ter esse excesso de exposição logo em um filme praticamente mudo. Embora tenha esse grave defeito, Krasinski sabe criar e valorizar o que sua obra tem de melhor: a força dos personagens que rapidamente geram empatia e, logo, preocupação por parte do espectador.

A partir da metade do longa, na qual é iniciada um tour de force com uma sucessão de eventos muito intensa, vemos a força de todos ali como uma família unida. Há, novamente, muitos acertos e uma sincronia de eventos muito bem amarrada que infelizmente seria um enorme pecado revelar dentro do texto, afinal arruinaria a ótima experiência que é assistir Um Lugar Silencioso.

Apesar de mais agitado e interessante, o terceiro ato também é o mais falho. Não apenas por revelar algumas conveniências narrativas absolutamente absurdas sobre a fraqueza das criaturas, mas também por acabar se estendendo por mero luxo em exageros exorbitantes que realmente só injetam mais ação no longa, pois é bem perceptível que o insumo criativo se esvazia conforme os créditos finais mais ficam próximos.

Fora isso, também é um notório problema de tom para a encerrar o longa diante dos acontecimentos que acontecem algumas cenas antes. Há um certo otimismo deslocado para criar uma imagem cool e descolada que simplesmente evoca algo um tanto ridículo. Embora tenhamos esse inchaço temático, é injusto afirmar que Krasinski não trata essas sequências com menos carinho.

É justamente nelas que o diretor consegue encaixar sutis homenagens a trabalhos icônicos de Steven Spielberg e James Cameron de modo bastante orgânico, além do uso praticamente excepcional da iluminação com abundância em tons vermelhos – há um propósito narrativo para o uso do vermelho que torna a experiência ainda melhor. Aliás, também é digno de comentário o trabalho sonoro do longa que, embora não seja excepcional, é realmente marcante e competente em apostar na espacialidade do som ou de ruídos minuciosos. O mesmo vale para a questão do ponto de escuta que sempre possui distinções claras entre a personagem surda em contraste com os outros.

Krasinski somente apela, infelizmente, para os clichês efeitos sonoros altíssimos para potencializar sustos quando não há realmente necessidade desse artifício tão deselegante já que o diretor se preocupa sempre com uma encenação adequada, além de nos enganar com jogos inteligentes de montagem concentrando o susto em outros momentos da cena. Há de se destacar positivamente o trabalho bem inserido da trilha musical de Marco Beltrami que consegue empregar melodias tenebrosas sutis para os momentos mais apropriados.

Vivendo nas Trevas

A proposta estética de Um Lugar Silencioso pode muito bem não ser inédita, afinal já tivemos lançamentos como O Homem nas Trevas que também flertava com o uso do som, além de outras obras memoráveis de M. Night Shyamalan que traziam ótimos retratos de isolamento e ameaças invisíveis propiciando atmosferas infernais como A Vila e Sinais, mas certamente é uma das melhores executadas o que prova a boa capacidade de John Krasinski em manufaturar atmosferas realmente tensas e dignas do horror com o uso inteligente da linguagem cinematográfica.

As falhas que o longa apresenta ou são por conta de banalidades rotineiras de Hollywood ou por uma falta de segurança de Krasinski como, por exemplo, revelar nitidamente a criatura diversas vezes para o espectador. No mais, se trata de uma experiência genuína de horror e suspense que não costumamos ver com tanta frequência no mercado.

A verdade universal sobre a tomada de riscos continua verdadeira. E é bem capaz que Krasinski colha diversos bons frutos pela radicalidade da proposta empregada aqui.

Um Lugar Silencioso (A Quiet Place, EUA – 2018)

Direção: John Krasinski
Roteiro: John Krasinski, Bryan Woods, Scott Beck
Elenco: John Krasinski, Emily Blunt, Noah Jupe, Millicent Simmonds, Cade Woodward
Gênero: Drama, Terror
Duração: 90 minutos

Avatar

Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Lista | Os 7 Melhores Jogos de Far Cry