Crítica | Sieranevada
Não sabemos o que é ou onde é ‘Sieranevada’ (o lugar onde se passa a história, o destino dos personagens?), no entanto, o filme de Puiu, ao não mencionar o termo ao longo do roteiro, senão no título, revela muito mais do que qualquer descrição ou imagem. O filme é Sieranevada. Após as 2h50min de projeção o espectador terá sua própria construção confiável, mesmo que imprecisa, de Sieranevada. Logo na primeira sequência – uma introdução bem duradoura, sem cortes, ocupando por volta de sete ou oito minutos – a estrutura da misé en scene, estrela da obra, é firmada. Acompanhamos a ação através de uma visão distante, posicionada do outro lado da rua.
O teto dos carros estacionados e o trânsito separam a câmera dos possíveis protagonistas do filme. Apesar da montagem ser comunicativa, expandindo o tempo para o mais próximo do registro ao vivo, as informações são praticamente nulas. É a mesma experiência, por parte do enquadramento quase espontâneo, de alguém que para no meio de uma rua para assistir à eventos ordinários, baseada, no começo e no final das contas, em suposições que se relacionam com o cotidiano.
Plantada a dúvida, uma curiosidade forçada, os sons diegéticos urbanos são interrompidos pelos créditos, embalados por acordes barrocos. Em seguida, a sequência em que a violência do cinema é mais evidente. A câmera pega carona no banco de trás do carro dos personagens e decupa com a mesma pungência linguística de quando acompanhou as nucas de Belmondo e Seberg em Acossado. A mulher, Laura (Catalina Moga), discute com o marido Lary (Mimi Branescu), sobre o vestido que ele comprou para a filha.
Movido pela sua conveniência pessoal, o pai comprou para a filha o vestido de princesa que achou mais bonito, só que o vestido da personagem que a garotinha viverá, da maneira como a Disney fixou no imaginário mundial, é outro. O cinema moderno pula como nunca mais fará na projeção, para dar lugar a um embate de construções de contemporaneidade - muito já discorrido, ainda que com perspectivas superficialmente diferentes da de Sieranevada, nos filmes anteriores de Cristi Puiu, A Morte do Sr. Larazarescu (2005) e Aurora (2010).
Enquanto o filme de 2005 delineava as horas finais de um vetusto protagonista, Sieranevada dá para a Morte um lugar outro, afinal, seu tour é de uma force diferente, mas carrega em si toda a trajetória da pérola de onze anos atrás. A perda é a causa e não um destino. O destino é dos que ficam e têm que lidar com o que as decorrências da morte, no caso, de uma figura patriarcal. O casal no carro se dirige para uma reunião familiar, realizada para selar religiosamente a passagem do falecido. Se as tomadas externas já pareciam fechadas em sua nebulosidade, agora, as próximas duas horas e meia passam entre quatro paredes, em que o grupo familiar se desnuda simbolicamente, com o cenário e seu compartimentos, perante o enquadramento ironicamente segregador (do jeito que só a intimidade pode proporcionar) da primeira sequência do filme.
Isto é, o enquadramento impõe um contraste de habitus: o espectador é como um convidado que não recebe atenção, alheio a tudo, posicionado desde já como observador, e nada mais, numa quina, num canto fora do caminho, um ponto fixo capaz de cercar tudo com leves movimento horizontais sem atrapalhar a cena. O movimento é de uma sala a outra, uma porta que se fecha para outra ser aberta, um pensamento sobre as relações entre o que se desenvolve no palco e nos bastidores – reflexões essencialmente teatrais, muitas vezes subjugadas no cinema; de uma discussão conspiratória sobre o 11 de Setembro baseada em vídeos do YouTube e outros textos “secretos” que um familiar encontrou pela Internet para um caloroso debate político entre familiares (destaque para o fantasma do socialismo no corpo de Tatiana Iekel) e outras conversas e fofocas – todos em planos sequência, simples, compreensiva, capazes de evidenciar a qualidade dos atores.
Nesse aspecto, Puiu não mostra-se pouco flexível em relação às expectativas relativas ao cinema romeno. Um cinema que evidencia os traumas de seu país sublinhando suas narrativas e estilos. Em Mungiu, o contexto ditadura de Ceausescu surge constantemente perante a câmera na mão escandalosa que acompanhava drama pessoal de Otilia em 4 Meses, 3 Semanas, 2 Dias. Para Puiu, o tempo é preocupação primordial (Lazarescu já tinha 2h30 e Aurora chegou a 3h), e ele costura suas observações em contraponto direto aos grandiosos tableaux de Lisandro Alonso (Jauja, Los muertos). Vale um destaque para o fôlego da projeção: Sieranevada não é monolítico. O cineasta é capaz de colocar vírgulas que nas mãos de “apreciadores da síntese” (pose para alguns indecisos aos quais falta clareza na expressão e conclusão de seus discursos) seriam fáceis pontos finais.
No primeiro momento, os presentes esperam pelo padre para o início da celebração. Até lá ninguém pode comer. Seria o filme uma radicalização de Esperando Godot? Se o fosse, estaria perdido. O padre demora, mas chega. E com ele, o embate de representações, colocado em pauta na conversa sobre o vestido, pode aconchegar-se em nível transcendental. Enquanto os religiosos cantam e benzem, a ironia não é pouca. Querendo agradar a dois tipos de convidados distintos, Puiu não hesita em mostrar um momento de libertação, já que ninguém poderia comer senão aperitivos antes da chegada do padre), sem menosprezar o ritual em si e o avanço que confere ao vazio da trama.
Mas quando o padre vai embora ele deixa a dúvida: “E se Deus já tiver vindo uma outra vez para Terra e não o reconhecemos? Se sim, sei que ele não viria uma outra vez”. Se o próprio portador da fé não tem mais certezas, qual sua função e dos seus rituais hoje? Sentem-se cicatrizes de uma secularização incompleta, e o microcosmo familiar, infalível quando o assunto é explicitar abismos geracionais, é ambiente perfeito para o debate: os choques manifestam-se no debate sobre as heranças socialistas na Romênia; a roupa/espírito/role do patriarca grande demais para as medidas/o corpo de um familiar da geração seguinte; a pulsão constante entre os eventos “planejados” e os imprevistos gerados por conflitos de outras ordens, mas ainda centralizados em componentes da família.
A partir da segunda metade, feita a visita do padre, o filme caminha rumos um pouco diferentes, mas sem deixar sua dimensão existencial como obsessão. Um dos tios de Lary, o estereótipo de beberrão, traiu a mulher com a vizinha (e com outras mais) e agora busca o perdão de sua esposa. “Ele sempre reclamou que eu nunca soube fazer um sexo oral decente”, diz a esposa chorando. A comparação mais fácil é com Festa em Família, mas aqui não há nenhum segredo mortal nem a brutalidade nórdica. Sobrepõe-se um humor frio, e isso se torna mais latente ainda quando vemos pela primeira vez Lary gargalhando sozinho de toda a situação dramática, oposto da carnalidade vinterberguiana, conferindo uma leveza merecida.
Um segundo momento de respiro, de saída do apartamento, novamente com Lary e sua esposa, no entanto, é regado pelas lágrimas íntimas do marido. Depois de mais um longo diálogo entre os dois no carro, dessa vez o homem é condutor da ação, a mulher pede alguns dias para pensar em tudo o que ele disse. Em seguida avisa: “Eles estão esperando por nós”. E voltam para o apartamento.
As risadas finais à mesa coroam a dúvida que permeia toda a obra, e parece romper a barreira observacional de toda a projeção. Através de um simples gesto, que logo se torna contagiante, e um clichê, Puiu convida o espectador para sentar e comer a janta (não era almoço?) requentada depois de presenciar toda sua verborragia textual e temporal. “Dê-me tempo para pensar em tudo que você falou”, diz a esposa de Lary em certa cena. Puiu pede o contrário do espectador: “Bon appétit”. Sieranevada é para ser deglutido. Não interessa tanto o conteúdo superficial das conversas, mas como elas transmitem certo valores arquetípicos e doxas. Consequentemente, qual a relação delas com a verdade.
Crítica | Sing Street: Música e Sonho
Não existe nada como a Arte. Pessoalmente, acho que as mais diversas manifestações existentes - o Cinema e a Música, em especial - têm o poder de nos transportar da névoa cizenta de um problema ou situação difícil, nos levando para um local de conforto e paz, ou até mesmo pegar essa névoa cinzenta e transformá-la em uma obra reflexiva e que impacte outros ao redor, buscando uma forma de catarse e compreensão através do processo. Esse tipo de cenário já gerou e ainda gera diversas histórias no Cinema, e acho particularmente tocante acompanhar narrativas sobre jovens sonhadores perdidos na tristeza de seu cotidiano e como farão de tudo para encontrar a luz no fim do túnel com o auxílio da Arte. Com isso tudo considerado, não é surpresa que Sing Street: Música e Sonho tenha batido tão forte.
O filme é ambientado na Irlanda de 1985, período em que o país passava por uma terrível crise econômica que forçava uma expressiva emigração de seus habitantes para a Inglaterra, ao passo em que os que ficavam ali precisavam reajustar seu orçamento e se adaptar a uma vida mais apertada e difícil. É aí que conhecemos o jovem Conor (Ferdia Walsh-Peelo), que é transferido para um colégio católico e logo começa a sofrer com a adaptação, desde o bullying sem sentido até as normas rígidas da instituição. Instantaneamente apaixonado pela misteriosa Raphina (Lucy Boynton), uma garota que ele vê do outro lado da rua da escola, Conor então resolve iniciar uma banda com alguns colegas a fim de chamar sua atenção e convidá-la para estrelar seus videoclipes.
É um filme que segue de perto os passos das obras anteriores do diretor e roteirista John Carney, responsável por Apenas Uma Vez e Mesmo se Nada der Certo, dois filmes que também trazem a música como um fator decisivo da narrativa e um trabalho excepcional com o desenvolvimento de seus personagens. Sing Street soa mais pessoal e intimista, especialmente pelo fato do próprio Carney ser irlandês e encerrar o filme com uma dedicatória "a irmãos em toda parte", tornando ainda mais emocionante as viradas da história. É uma narrativa simples e que se desenvolve de forma que vagamente nos remete a Escola de Rock, com a formação de uma banda improvisada e escondida das normas da escola, e até do subestimado Rebobine, Por Favor com a estética amadora dos primeiros videoclipes e os "cosplays" inspirados em diferentes estilos musicais. Curiosamente ambos estrelam Jack Black, mas Sing Street se diferencia pelo ritmo mais desacelarado e o olhar intimista em seus personagens.
E Conor é nosso principal parceiro nessa jornada, e confesso-me impressionado com as surpresas que o personagem tem sob a manga. Vivido com carisma e expressividade pelo ótimo Ferdia Walsh-Peelo, Conor surge nos minutos iniciais como o batido estereótipo do nerd tímido e quieto, mas ao longo da narrativa vai revelando uma coragem e ousadia notáveis (como ao tomar iniciativa para conversar com Raphina e inventar a ideia da banda) até seu talento incrível de cantar com uma força e intensidade que seu andar calmo e voz atrapalhada não nos permitiriam desconfiar. A maneira com que Carney lida com o romance entre Conor e Raphina também é interessante, com a ultra idealização da garota - sempre fortemente maquiada, elevada a alguns degraus de escada acima do protagonista - sendo lentamente convertida para um retrato mais realista e que expõe sutilmente os traumas da personagem, e a performance de Lucy Boynton é eficiente em revelar essas camadas ocultas.
Porém, o grande trunfo emocional do filme fica na relação entre Conor e seu irmão, Brendan. Vivido por Jack Reynor com uma energia vibrante e cuja postura de mentor sugere o irmão mais velho que todos queríamos ter, vemos ali exemplos de real camaradagem e ajuda, visto que Conor sempre recorre a Brendan para conselhos e opiniões, e este sempre termina com a recomendação de algum álbum ou disco - o que influencia também o estilo das roupas e penteados de Conor de maneira divertida. Além disso, o núcleo fica mais envolvente graças ao excelente roteiro de Carney e a performance estelar de Reynor, quando percebemos a frustração do personagem em ver seu irmão mais novo tentando seguir pelo caminho que este (Brendan desistiu da faculdade para se aventurar na carreira musical, sem sucesso) e se sair melhor do que ele. A conclusão dessa trama garante a catarse mais poderosa do filme, e um dos mais belos momentos que o cinema proporcionou em 2016.
O único real demérito na prosa de Sing Street é que o filme acaba deixando algumas pontas soltas para trás, especialmente em relação ao divórcio dos pais de Conor, cujas consequências não chegamos a ver por completo. Também poderia ser mais envolvente ter um pouco mais de conhecimento sobre os demais membros da banda, já que só conhecemos de fato Conor, o "empresário" Darren (Ben Carolan) e o guitarrista/compositor Eamon (o excelente Mark McKenna), que rende alguns dos mais divertidos e inspiradores momentos do filme quando o vemos escrevendo canções com Conor. A irmã de Conor e Brendan, vivida por Kelly Thornton, também acaba um pouco de escanteio na história - que acaba centrando mais nos dois irmãos -, mas ao menos ela faz parte de uma linda cena onde os três dançam ao som da coleção de discos de Brendan a fim de abafar a discussão dos pais em outro cômodo.
Carney mantém o roteiro em primeiro lugar, mas também começa a mostrar uma notável evolução em sua técnica, especialmente saído do simplíssimo Mesmo Se Nada der Certo, como a já comentada mise em scène de valorização e pedestal de Raphina nos degrais, sendo inteligente ver como isso vai se alternando através de momentos como o mergulho da personagem em um rio (onde Conor imediatamente a segue, ficando finalmente em seu nível) e até quando o protagonista se decepciona com alguma de suas ações, enfim posicionando a câmera de forma a deixá-lo mais alto do que Raphina. Seu estilo também se manifesta em elipses criativas, como a panorâmica que traz Conor e Eamon compondo uma música, apenas para o movimento então virar-se e revelar toda a banda executando dita canção.
Em quesitos técnicos, vale destacar como Carney e sua equipe recriaram os anos 80 de forma realista e sóbria. Mesmo com todas as roupas excêntricas, penteados extravagantes e a explosão dinâmica de cores e estilos, a paleta do diretor de fotografia Yaron Orbach permanece fria e sóbria durante toda a projeção, sendo eficiente ao provocar o efeito de que esta realmente é aquela década que conhecemos dos videoclipes da MTV e revistas de música, mas sob a lente melancólica de um país mergulhado na crise econômica. Confesso que essa decisão estética torna a imersão na história mais profunda e palpável, algo que não teríamos - por exemplo - em uma obra de Baz Luhrmann, que opta pela uber estilização de cores e estética; e isto não é errado, diga-se de passagem, apenas não seria a melhor escolha para esta história, que conta também com um design de produção e escolha de figurinos apropriados e verossímeis.
E, claro, sendo um filme da temática musical, é de se admirar o trabalho de Carney em trazer uma trilha incidental repleta de nomes como The Cure, Duran Duran, Motörhead e The Jam, todos bem inseridos na trama e que fazem parte das "lições de casa" de Brendan. Mas o grande destaque fica mesmo com as composições originais da banda Sing Street no filme, que vão das divertidíssimas e essencialmente oitentistas "The Riddle of the Model" e "Brown Shoes" até algo mais lento e intimista como "Up", além da bela canção original de Adam Levine para a cena final, "Go Now". A trilha sonora completa está disponível no Spotify, e é uma parada obrigatória após o término do filme.
Sing Street: Música e Sonho é um filme adorável e sincero, que infelizmente não encontrou espaço no circuito comercial do Brasil, estando disponível agora no catálogo da Netflix. É o tipo de história que deve agradar a todos que veem na Arte uma forma de refúgio, além de certamente divertir os fãs de música em geral. E, acima de tudo, de uma boa história.
Crítica | Star Wars: A Guerra dos Clones - Uma animação desleixada
Star Wars: Clone Wars ou Guerra dos Clones, animação dirigida por Dave Filoni e que tem uma história que se passa entre o segundo e o terceiro filme da segunda trilogia de George Lucas, tinha tudo para ser um grande filme, mas não é bem isso que vemos ao assisti-lo.
Por se tratar de uma história do universo de Star Wars isso já seria o suficiente para arrastar multidões aos cinemas, mas o longa tem uma trama tão arrastada e chata que deixa os fãs como sono. O longa é feito em animação, ou seja, algo que poderia facilmente arrastar multidões para as telas, mas nem os fãs da clássica saga nem os fãs de animações irão curtir o resultado final.
Justamente por a história ser chata e arrastada, algo difícil de imaginar em se tratando de uma animação com personagens importantes como Anakin Skywalker e Yoda, é o fator que mais decepcionou aos fãs e a crítica que foram conferir o projeto imaginando ser outra a proposta que a apresentada no resultado final.
O principal problema do filme é o roteiro. O universo de Guerra nas Estrelas é vasto e muitas histórias que poderiam ser contadas a respeito de infinitos mundos e assim apresentar novos personagens. Infelizmente decidiram por contar uma história fraca a respeito de algo já visto em outras produções.
Estamos nas guerras clônicas, os rebeldes separatistas liderados pelo conde Dookan e seu exército de dróides lutam contra a república e contra os Jedis e no meio da história acabam por seqüestrar o filho de Jabba, o Hutt. Anakin Skywalker ganha uma discípula, a jovem padawan Ahsoka Tano que parece ter sido jogada ali apenas para ter uma representante feminina na história.
Juntos, Anakin e sua padawan terão que resgatar o filho de Jabba, enquanto eles tentam o resgate Obi-Wan Kenobi luta contra Conde Dookan. E uma assassina chamada Ventress surge para acabar com os planos de Anakin e sua jovem discípula. Esses personagens serão mais bem aproveitados na série em 3D lançada no mesmo ano do filme e que tem como base esse filme.
A franquia de Star Wars não merecia um filme como esse. A história não sabe se dialoga com o público infantil ou com os fãs da série e isso o deixa muitas vezes a história sem sentido. Mas há de se entender essa nova busca por um novo público. Quem cresceu assistindo a primeira trilogia de Star Wars já é um público cativo que consome dvds, bonecos entre outros produtos. Para conseguir um público jovem nada melhor que um filme e uma série feitos em animação para chegar até esse novo público. Quem quiser de fato conhecer a história de Star Wars desde o princípio é recomendável começar pelos filmes da primeira franquia e deixar esse de lado por um tempo.
Crítica | Star Wars: Provação
Quando a capa de divulgação de Provação foi revelada - especificamente sua edição em português, lançada pela editora Aleph - fiquei muito empolgado. Afinal, talvez tenha sido o primeiro vislumbre de nossos queridos personagens no então futuro filme da saga, O Despertar da Força. Luke Skywalker ao centro, de barba com certo peso da idade já aparente, junto com seus parceiros de longa data, só contribuiu no crescimento de meu hype, mesmo sabendo que todo o selo Legends seria ignorado na cânone principal.
Infelizmente, a presença deste trio tão icônico não torna a saga Star Wars isenta de produtos tão ruins, como é o caso deste Provação.
Estamos 45 anos depois de Uma Nova Esperança. Após várias guerras e aventuras, nossos heróis Luke, Han e Leia achavam que estariam enfim em paz, entregando às próximas gerações o dever de proteger a galáxia. No entanto, agora mais velhos, novos problemas surgem no caminho, fazendo com que retornem à ativa, enfrentando novos inimigos: os gêmeos Qreph.
Bem, dentre vários problemas a se ressaltar, o maior deles talvez seja os personagens.
A começar pelos vilões, dignos de inveja ao George Lucas da trilogia prequela. Se você achou que não haveria nada mais ridículo em termos de visual e presença do que Jar Jar Binks, Troy Denning quase chega perto, não fosse a relevância maior dos irmãos. Marvid e Craitheus são alienígenas da espécie Columi. Suas cabeças são enormes, desproporcionais a seus corpos finos e nada resistentes, e para se locomover usam o chamado "energicorpo".
Entre a dupla, o autor tenta diferenciá-los caracteristicamente: Marvid é mais calculista, enquanto Craitheus é mais explosivo, sempre colocando um tom maior de intimidação em suas negociações. Tendo essa diferença, vez ou outra Denning aposta em um conflito interno entre ambos, mas logo é abandona a questão já que seus objetivos são os mesmos. E se tem uma coisa que é doído de se ler neste livro, são as vezes em que o autor nos coloca nos pensamentos de Marvid. Numa tentativa falha de se "humanizar" o personagem, seus desejos mais imundos vêm à tona, tornando o efeito contrário, talvez na situação mais vergonhosa que já li. (Um exemplo, seus pensamentos sobre Savara Raine.)
A respeito dos personagens consagrados, Luke, Leia, Han, em nada eles conseguem contribuir com a história, a não ser o fator nostalgia. Lando Calrissian aparece em destaque, surge até mesmo carismático se comparado aos outros, mas também desinteressante. A sua história é o principal fator de andamento da trama. Outra situação torturante aqui presente, é como personagens tão experientes, marcados em sua carreira pela espontaneidade, demoram para tomar atitudes óbvias.
Savara Raine é a personagem overpower. Revela-se como outra pessoa de uma maneira simplesmente jogada pelo autor. Já Dena Yus, sua história é velha e já passada: chantageada pelos irmãos Qreph e correndo risco de vida, é obrigada infiltrar-se na refinaria de Lando, sabotando todo o local matando milhares. Detalhe aqui, não há peso nenhum nesta situação devido à narrativa inexistente.
A escrita de Denning é totalmente perdida. Por vezes o autor perde o foco nos capítulos, não sabendo qual é o protagonista da trama. Nos sentimos perdidos quando subitamente somos passados sobre outra perspectiva. Em falas cuja intenção é o sarcasmo, não se nota esta intenção. Os diálogos no geral são um tédio tremendo, assim como a ação.
O autor também tem uma péssima construção de cena e espaço. Sua descrição é absurda, fazendo com que a leitura seja um quebra-cabeças a ser decifrado. Por vezes temos que reler determinado parágrafo, ou página, para entender em que lugar o personagem está, quais suas intenções para passos seguintes.
Star Wars: Provação é uma tristeza. Talvez nem mesmo o fã mais radical seja capaz de divertir-se nas intermináveis 408 páginas. A péssima estrutura assinada por Troy Denning é a pior que já vi em um livro. Sem dúvidas, uma péssima experiência, a qual me enfurece por obter o título de uma saga tão apaixonante e incrível. Passem longe!
Escrito por Kevin Castro
Crítica | Neruda
Acho que o primeiro ponto que pode ser dito sobre Neruda é que não é uma cinebiografia do poeta chileno. O filme do diretor Pablo Larraín (No e O Clube) funciona mais como um thriller político que comenta o momento do Chile, pouco antes de ter uma das ditaduras mais cruéis da América Latina. Ao mesmo tempo, o diretor quer fazer uma série de experimentos de linguagem. Funciona? De certa maneira.
O longa se passa no final dos anos 40, quando Pablo Neruda (Luis Gnecco) já havia ganhado o Prêmio Nobel de Literatura e era senador do Chile. Como era de extrema esquerda e a situação política do país estava efervescendo, o poeta foi declarado criminoso. Para ir atrás dele é escolhido o inspetor Óscar Poluchonneau (Gael Garcia Bernal), um policial dedicado que acredita vir de uma linhagem de oficiais honrados.
O aspecto mais interessante de Neruda está na direção de Larráin, que consegue fazer essa mistura de maneira bem eficiente. Dá para perceber que o diretor está fazendo um comentário político sobre o seu país, mostrando que como a guerra ideológica acabou destruindo o Chile. Larráin também mostra não seguir bandeiras, pois culpa tanto a esquerda quanto a direita pelo que aconteceu. É interessante quando um diretor decide recontar ou investigar a história do próprio país, e Neruda faz um belo trabalho ao mostrar essa história. Outro fator interessante é que não há um olhar divino quanto ao personagem título: o Pablo Neruda mostrado no filme é um cidadão comum, com suas virtudes e defeitos. Vemos que era uma pessoa muito fiel a sua ideologia, mas também um infiel quanto a esposa e muitas vezes egoísta, é importante esse olhar do cineasta que faz com que o espectador crie uma identificação com o poeta.
Outro ponto forte de Larráin consiste na estilização do filme. Parece que o cineasta quis brincar de cinema e utilizar todos os tipos de filmagem que havia disponível em seu arsenal. Há referências que vão desde o cinema noir, principalmente nas cenas com Gael Garcia Bernal, até o cinema pós-moderno. Só ver como o diretor junto com o seu diretor de fotografia brincam com ângulos curiosos e lentes eye-fish, que distorcem as laterais da imagem. Além dos ângulos, há a mudança de iluminação, que de tão forte soa artificial. Há até excesso de flaires na lente. Por mais que haja esse experimento durante todo o longa, ele acaba cansando em certos momentos. Por boa parte o espectador aceita como uma parte da gramática visual do longa e o talento de Larraín funciona, mas lá pelo meio acaba a piada. Além dessa canseira da estética de “Neruda”, parece que o filme não sabe para onde vai e o que ele quer pelo meio do filme, diria que é o principal defeito do longa é essa aparente falta de objetivo durante o meio da projeção.
O elenco está muito bem, principalmente os dois protagonistas. Eles chagam a atenção por serem opostos em composição: enquanto o Neruda de Luis Gnecco é um personagem humano e complexo, enquanto o inspetor de Gael Garcia Bernal é um personagem frio e distante que realmente aparece um personagem criado de um livro de ficção. Não só mostram que os personagens se completam, mas acaba criando uma relação muito interessante entre os personagens.
Neruda não é um grande filme, mas merece ser visto em tela grande. Por mais que o longa tenha esses problemas que foram ditos, merece ser visto pela experiência audiovisual que ele propõe e para entendermos como foi semeado o golpe de estado que fez o Chile sofrer por anos.
Crítica | Sully: O Herói do Rio Hudson
O cinema de Clint Eastwood não é fácil de ser definido, porém é uma obviedade afirmar que seu olhar atual está concentrado em histórias de grandeza humana – mesmo que ligeiramente romanceadas para a ficção. Seja um cantor disposto a sacrificar sua renda para ajudar um antigo amigo, um soldado enfrentando todos os horrores possíveis e além em uma guerra nublada, em um diretor do FBI e seus conflitos internos de sexualidade ou, agora, com um piloto desconhecido que salva 155 almas em uma manobra totalmente sem precedentes para um desastre aéreo.
Com seus 86 anos de vida de maioria relacionados ao cinema, não é surpresa essa profunda admiração de Eastwood pelos maiores feitos da vida e dos Homens na História. Obviamente, o roteiro de Todd Kormanicki busca adaptar os acontecimentos fatídicos daquele congelante dia de 15 de janeiro de 2OO9.
O Horror de Hollywood
De tempos para cá, tenho notado certas tendências no mercado hollywoodiano no que diz respeito ao storytelling. Muitas vezes, presumimos que a escolha de contar uma história já esteja definida no roteiro – e geralmente é mesmo. Em outros filmes como A Chegada, a decisão é tomada no processo de montagem.
O que pode marcar esse ano para o cinema americano é escolha interessante da não linearidade do texto. Se fossemos comparar em termos de estrutura narrativa, Sully e Deadpool, são filmes-irmãos, pois ambos se valem de diversos flashbacks para contar sua história. No caso de Sully, é algo ainda mais elaborado – e também simples.
Kormanicki e Eastwood já fazem uso direto da narrativa durante os créditos iniciais através de uma voz over, já indicando acontecimentos que logo veremos em tela. Como todo diretor que se preze, Eastwood já começa o longa com o pé na porta: com a sequência do pouso forçado. Porém, nisso, já há uma das brincadeiras da dupla com a estrutura do filme: o avião colide em prédio, explode e todo mundo morre – algo que o espectador já sabe que é inverídico.
Com esse começo eletrizante que se trata da sempre clichê sequência de sonho, o roteirista situa o espectador na narrativa de fato: o acidente já foi e acompanhamos o estresse pós-traumático de Sully em decorrência dos eventos. Esse estabelecimento da psique de Sully é a melhor característica que Kormanicki oferece em seu texto. O protagonista, de fato, é bem desenvolvido.
Dias de Glória, Sonhos de Desgraças
O principal foco do filme é centrado no contraste entre o feito heroico do piloto versus toda a investigação da NTSB, órgão responsável para formalizar o laudo de todo o acidente. Logo, é firmado um lado antagônico real e ameaçador – caso Sully seja considerado culpado, ele perde sua aposentadoria, e o antagonista criado pela própria paranoia do piloto que desenvolve uma certa quantia de apatia e tiques nervosos, além de alucinar em muitas ocasiões.
Tudo isso é traduzido com firmeza pelo talento de Tom Hanks. Ele encontra o tom do personagem humorado, mas de olhares pesarosos e incrédulos diante o milagre do acontecimento. Hanks faz seu Sully parecer perdido e isso é o maior acerto de sua atuação, de não sentirmos firmeza em nesse herói. É uma atuação subversiva que põe em cheque tudo aquilo que imaginário popular constrói para heróis carismáticos.
Esse é o segundo ponto principal do roteiro de Kormanicki: o choque de um homem comum diante da súbita mudança de rotina sofrida pelos diversos assédios vindos da mídia. Do anonimato para o rol das celebridades em questão de horas. Novamente, isso também é sintetizado através de encontros de Sully com estranhos e do seu contato com jornalistas, seja assistindo na televisão ou participando de entrevistas.
O roteirista usa essas sequencias para sintetizar o drama do personagem já que o grosso do desenvolvimento é muito baseado em solilóquios silenciosos, de isolamento e contemplação. Sully é um homem calado, simples e de pouca conversa. Os únicos diálogos que expõe ao público seu trauma são os que ele troca com o co-piloto e sua esposa.
Onde Kormanicki pode errar é na demonização dos investigadores que pendem muito para o lado apático e agressivo com Sully quase que ignorando seu feito. Outros personagens também são descartáveis, não conseguindo emplacar quase ninguém, além do protagonista.
Também há um incômodo no único flashback que acompanha outro período da vida de Sully, se concentrando em suas aulas de voo quando rapaz. É um tanto desconexa, mas nada que prejudique a fluidez da narrativa, já que o grande miolo do filme é concentrado em três enormes flashbacks.
O Homem com Nome
Eastwood, apesar da idade e de ter vivenciado tantos movimentos dentro do cinema hollywoodiano e mundial, é um dos cineastas mais versáteis de todos os tempos. O eclético diretor sempre se renova e encara qualquer desafio tendo dirigido faroestes, dramas diversos, filmes de esporte, de guerra e até mesmo musicais. O homem é incontrolável.
Um dos maiores presentes para qualquer cinéfilo é conferir a grandeza de suas obras que, paradoxalmente, sempre transmitem uma simplicidade tocante. Com Sully, Eastwood acerta novamente, se reciclando e até mesmo brincando com a linguagem cinematográfica graças às possibilidades geradas pelos flashbacks ordenados no roteiro.
Assim como em Sniper Americano, a pegada da direção segue calcada no realismo e na linguagem clássica, seja na construção de planos sequência ou na encenação. O plano que apresenta Sully é uma síntese brilhante para o que veremos se desenrolar na obra. Vemos um homem curvado envolto por um grosso vapor emanado da água quente do chuveiro.
É a representação perfeita de certo onirismo, já que é o único momento que o cinematografista Tom Stern utiliza iluminação barroca, amarelada de profundo jogo entre claro e escuro. É uma representação para um homem que deveria estar morto, mas que não está e agora tem que lidar com toda a pressão e trauma que curvam sua figura logo ali. Eis o poder do cinema bem pensado. Eis o poder do cinema de Eastwood.
Esse belo jogo de iluminação logo se dissolve na realidade, gélida e dura. Aliás, muito do clima de Sully é natalino, de certa forma – Natal em janeiro. Stern e Eastwood buscam tons dessaturados e monocromáticos, sempre flertando com tons cinzentos da cidade de Nova Iorque. A monotonia da fotografia chapada, pouco contrastada, é utilizada não somente para calcar o realismo tão desejado por Eastwood, mas para reforçar o contraste entre a euforia midíatica que ronda o protagonista com seu próprio estado de espirito amargurado. Novamente, é a síntese na imagem para construir Sully
Porém, o mais impressionante que Eastwood nos oferece aqui é a sequência do pouso-forçado. No caso, das sequências. O diretor reitera o acidente três vezes ao longo do filme. E em todas há um completo show de encenação e domínio sobre a linguagem.
Eastwood não aborda o evento sempre da mesma maneira, mas variando planos e mostrando mais detalhes cada vez que apresenta o acidente para o público. Há essa preocupação inteira em estabelecer o pré, durante e pós-acidente tomando diversos pontos de vista: piloto, tripulantes, passageiros, pedestres vendo o avião cair, do resgate e da mídia.
O mais impressionante, contudo, é a eficiência em deixar o espectador na beira da poltrona durante todas as cenas de pouso, como se esperássemos resultados diferentes de um acontecimento real. Impossível distanciar seu trabalho com o que Corra, Lola, Corra proporcionou para a linguagem cinematográfica e narrativa.
A elegância da direção se alia ao excelente desempenho dos departamentos de edição e mixagem de som que conseguem transmitir todo o inferno acústico que é um avião em plena queda – simulam explosões, fuselagem e avisos eletrônicos dos painéis exaustivamente e com precisão cirúrgica – deve render uma indicação ao Oscar nessas categorias.
Até mesmo na conclusão, durante o julgamento final de Sully, Eastwood escolhe fugir do convencional expositivo através diálogos cansativos. Mesmo que de forma didática e de mão pesada, as soluções visuais para conferirem o veredito da sessão são bem pensadas, também pelo contraste.
The Hollywood Finest
Sully é muito mais um filme-exercício de linguagem do que uma experiência comercial propriamente dita por conta das reiterações das sequências do pouso forçado que, com certeza, provocarão reações bem divergentes nos espectadores – é ame ou odeie, simplesmente. Todavia, não é uma obra para ser descartada principalmente por ser ter sigo gravada inteiramente no formato IMAX e, acredite, é um grande diferencial para esse longa – Eastwood pensa em enquadramentos majestosos para sintetizar Sully: seja em uma alucinação em um reflexo ou durante uma corrida noturna na Times Square.
Para quem admira o trabalho do glorioso Eastwood, não há recomendação melhor. E também vale muito a pena para aqueles que gostam de histórias de superação e estudo de personagem.
É um grande filme: na coragem e na execução para representar o feito heroico do homem comum sob o olhar de um homem extraordinário.
Sully: O Herói do Rio Hudson (Sully, 2016 - EUA)
Direção: Clint Eastwood
Roteiro: Todd Komarnicki
Elenco: Tom Hanks, Aaron Eckhart, Laura Linney, Anna Gunn, Mike O’Malley
Gênero: Biográfico, Drama
Duração: 96 min
Crítica | Rogue One: Uma História Star Wars (Sem Spoilers)
Quando George Lucas vendeu sua preciosa LucasFilm para a Disney no final de 2012, o mundo dava o primeiro passo para a criação de novos filmes de Star Wars. Não só o anúncio do aguardado Episódio VII fora uma realidade, mas também a ideia de filmes derivados que explorassem histórias diferentes dentro daquele universo, algo que a literatura do universo expandido de Timothy Zahn e as séries de animação Clone Wars e Rebels foram bem felizes em realizar. Mas o cinema é algo muito diferente, e oferece uma inifinidade de possibilidades e explorações de gêneros até então inéditos para a saga de Luke Skywalker e seus amigos.
Com isso, Kathleen Kennedy apadrinha a ideia que por muitos anos foi a premissa de uma série de televisão live action cancelada, que centrava-se em eventos entre o Episódio III e IV. Daí vem a proposta de Rogue One: Uma História Star Wars, primeiro longa dessa nova linha da Disney que parte para explorar de forma mais violenta e crua o aspecto da guerra.
Os eventos do filme acontecem pouco tempo antes do início de Uma Nova Esperança, com a galáxia em tensão com o domínio do Império e a Aliança Rebelde fortalecendo laços para enfrentá-lo. Nesse cenário, a fugitiva Jyn Erson (Felicity Jones) é resgatada pela Rebelião para que ela possa ajudar na mais importante missão do grupo: seu pai, Galen (Mads Mikkelsen), foi usado pelo Império para o desenvolvimento da superarma conhecida como Estrela da Morte. Com a ajuda de Erso, a Rebelião monta um esquadrão para localizar e encontrar os planos que expõem as falhas que possibilitam sua destruição.
É uma história que sabemos como termina antes mesmo de o filme começar, uma questão que assombra a maioria dos longas classificados na categoria prequel. Porém, esse universo fechado e coeso permite que o roteiro de Chris Weitz (depois reescrito por Tony Gilroy) explore cantos e possibilidades jamais vistos anteteriormente na franquia, e o principal deles é a atmosfera. A paranoia da guerra e a espionagem são fatores presentes desde o início, como quando Cassian Andor (Diego Luna) executa um espião que o ajudara por temer sua exposição a stormtroopers que rondam a área, em uma demonstração surpreendente do nível de perigo e desconfiança que assolam as ruas do povo comum da galáxia. A presença dos imponentes destroieres imperiais pairando sobre cidades ou até a visão aterradora da Estrela da Morte surgindo como uma Lua na atmosfera de diversos planetas coloca o Império como uma força realmente opressora e assustadora, algo também explícito no visual dos novos stormtroopers, todos com uma máscara preta aterradora.
Esse universo até elimina por completo a ingenuidade e maniqueísmo da Aliança Rebelde, que também precisa apostar no assassinato e conspiração para triunfar, o que garante diversos dilemas ao personagem tons de cinza de Cassian, que tem a real missão de elimiar Galen Erso sem que Jyn saiba disso; há segredos e segundas intenções até mesmo entre o grupo. Até mesmo a forma como Galen Erso é cooptado pelo Império remete a como o nazismo de Adolf Hitler foi atrás de cientistias (como Van Brown ou Oppenheiemer) para o desenvolvimento da bomba atômica; aliás, o raio de destruição da estação bélica agora toma influência direta de Hiroshima, prolongando o efeito da destruição e o impacto visual. Ou uma abordagem mais contemporânea, vista na figura de Saw Gerrera (vivido por Forest Whitaker), um veterano um tanto louco das Guerras Clônicas cuja reputação e a forma como permanece escondido nas cavernas do planeta Jedha e comanda pequenos grupos rebeldes na área remete bastante a Osama Bin Laden, assim como a perseguição do Império. Todo o universo de Rogue One é permeado por tons de cinza, e é um tratamento que não se torna anacrônico em relação às outras trilogias, já que simplesmente aprofunda as camadas e nos revela níveis inéditos; da mesma forma como é possível aceitar o sanguinário Demolidor no universo colorido do Homem-Formiga.
Assim, Weitz e Gilroy trazem uma trama típica do cinema de guerra e espionagem, partindo da formação do grupo que vai se aliando graças ao acaso e oportunidade da história; caso do piloto desertado Bodhi Rook (Riz Ahmed), o guerreiro espiritual Chirrut Îmwe (Donnie Yen) e seu protetor brutamontes, Baze Malbus (Wen Jiang). São engrenagens que movem-se bem durante o primeiro ato, ainda que a montagem de John Gilroy, Colin Goudie e Jabez Olssen sofra um pouco para criar um ritmo mais harmonioso à trama, que toma seu tempo para preparar os jogadores e embarcar na sucessão de tarefas e ações: até mesmo legendas de identiticação são necessárias para que o espectador não se perca diante das dezenas de novos planetas a que é apresentado ao longo da narrativa. Novamente, há um certo atraso e uma falta de fluidez entre algumas transições, algo que certamente é consequência dos reshoots que reformularam quase que o filme todo.
O trabalho com os personagens também acaba um pouco raso. A Jyn Erso de Felicity Jones é quem ganha um arco mais forte e desenvolvido, graças aos flashbacks e a introdução digna de Bastardos Inglórios na qual somos apresentados à sua figura criança. O carisma da atriz é forte e rende mais uma grande personagem feminina à saga, enquanto Diego Luna se sai bem ao apresentar uma figura dividida e conflituada para Cassian. Porém, todos os demais membros do esquadrão surgem como arquétipos, que só se destacam mesmo graças ao talento do elenco - especialmente o incrível Donnie Yen, que faz muito com pouco. Temos também o dróide K-2S0, que Alan Tudyk preenche com muita ironia e rende um bom alívio cômico, mas talvez o grande destaque venha do ótimo vilão vivido por Ben Mendehlson, que precisa ser ameaçador não só para os heróis da Rebelião, mas também mostrar poder à seus superiores.
Mas como todo bom filme de guerra, o brilho está justamente na direção, e não no texto. Felizmente, Gareth Edwards melhora muito desde sua investida nos tentpoles hollywoodianos com o mediano Godzilla, e traz à Rogue One o realismo e crueza da guerra que a proposta tanto requeria. Isso já vem da fotografia de Greig Fraser, que aposta pela primeira vez em cores mais frias e dessaturadas para a saga, onde o cinza e o grão da textura predominam além de tudo. Aliado à condução "documental" de Edwards, que opta por boa parte das sequências de ação no estilo câmera na mão, temos um tipo de espetáculo mais urgente e violento do que aqueles que marcaram a aventura leve dos anteriores. Edwards assume riscos reais ao apostar em personagens sendo mortos no canto da tela, explosões súbitas que fazem stormtroopers sair voando e trocas de tiro que nos fazem temer pela segurança dos personagens - sem os poderosos sabres de luz para protegê-los.
Edwards acerta nessa condução ao longo de sequências isoladas, mas é mesmo no excelente clímax que envolve o famigerado roubo dos planos em uma base num planeta tropical. O próprio ambiente de uma praia e coqueiros é algo que não esperaríamos ver na saga, e Edwards explora bem os elementos desse espaço e brinca com as possibilidades, como a imagem imponente de um AT-AT imperial surgindo por trás das árvores. A distribuição dos personagens durante a sequência é outro acerto, e Edwards eleva os riscos que comentei no parágrafo anterior a um nível dramático surpreendente. Mesmo que não tenha sido possível um apego tão grande aos personagens envolvidos ali, a beleza das imagens de Edward faz o serviço e é eficaz em envolver emocionalmente o espectador.
Como produção técnica, é praticamente irretocável. O design de produção de Doug Chiang e Neil Lamont é eficaz ao explorar o lado mais sujo e desgastado da galáxia, criando uma conexão visual forte com Uma Nova Esperança, seja nas ruas apertadas da cidade sagrada em Jedha, o interior luxuoso dos destroieres imperiais ou a sala de reuniões da Aliança em Yavin 4. Os efeitos visuais aqui também merecem aplausos intensos, não só pela competência ao criar ambientes digitais, naves, explosões e personagens verossímeis (com o próprio K-2SO), mas pelo trabalho sobrenatural em... Bem, não quero estragar surpresas, mas digamos que em um período tão próximo do Episódio IV, veremos rostos conhecidos da trilogia original aqui, e o trabalho de CGI para garantir suas aparências é um dos exemplares mais perfeitos de computação gráfica que já vi na vida. Vale mencionar também que este é o primeiro filme da saga a não contar a trilha sonora de John Williams, tarefa que Michael Giacchino assume bem ao manter os temas fortes e aventurescos dos anteriores.
Por falar em rostos conhecidos, esperem para ver Darth Vader de uma forma como nunca o vimos antes no cinema... Um primor de atmosfera e terror (sim, terror) da direção de Gareth Edwards. Aguardem, fãs hardcore, isso vai valer muito a pena.
Rogue One: Uma História Star Wars é uma boa expansão do universo de George Lucas, levando a saga para um canto mais realista e violento e aproveitando todos os elementos que o gênero de guerra pode oferecer. Pode carecer de personagens carismáticos ou de um ritmo melhor, mas definitivamente é um experimento bem-sucedido e que pode render frutos e rumos promissores para as guerras estelares...
Rogue One: Uma História Star Wars (Rogue One: A Star Wars Story, 2016 - EUA)
Direção: Gareth Edwards
Roteiro: Chris Weitz, Tony Gilroy
Elenco: Felicity Jones, Diego Luna, Alan Tudyk, Donnie Yen, Wen Jiang, Ben Mendelsohn, Forest Whitaker, Riz Ahmed, Mads Mikkelsen, Jimmy Smits, Alistair Petrie, Genevieve O’Reilly
Gênero: Ação, Ficção Científica
Duração: 134 min
https://www.youtube.com/watch?v=ySVDUw-c3PU
Crítica | Star Wars: O Despertar da Força
Quando foi anunciada a compra da LucasFilms pela Disney, lá em Dezembro de 2012, vinha também a notícia de que teríamos o sétimo episódio da franquia Star Wars. Nove após o fim da trilogia prequel com Star Wars: Episódio III - A Vingança dos Sith e três décadas após o desfecho da trilogia original com O Retorno de Jedi, em 1983. Por uma quantia bilionária, George Lucas entregava as chaves do reino para Kathleen Kennedy, que logo iniciaria uma busca para encontrar a história certa e o diretor certo para reacender a chama desta galáxia muito, muito distante.
Depois de muitos possíveis candidatos e uma inacabável lista de rumores e teorias, J.J. Abrams foi o escolhido para assumir a direção, já tendo sido bem sucedido ao revitalizar a franquia de espionagem de Tom Cruise com Missão: Impossível 3, dar vida nova à tripulação da USS Enterprise com seu reboot de Star Trek e praticamente mudar a forma de se fazer televisão com a badalada série Lost. E, ainda por cima, Abrams é um fã assumido da série. A escolha perfeita.
O que se seguiu foi uma campanha de marketing sem precedentes. Só sabíamos que teríamos o elenco original de volta em uma história nova que ignoraria o longo cânone de livros e HQs criado após o sucesso da primeira trilogia. A trama permanecera fechada a sete chaves até o dia do lançamento, sem termos nem uma sinopse oficial liberada, trailers primorosos que escondiam detalhes da história e personagens - mas que ainda eram capazes de brincar com a nostalgia e manipular emoções com um mistério atordoante - e uma expectativa gigantesca que só aumentava. Pode-se dizer, sem medo da hipérbole, que Star Wars: O Despertar da Força foi o filme mais aguardado de todos os tempos.
E diante de tudo isso, aliado à responsabilidade de continuar uma franquia com uma das fanbases mais calorosas e ainda introduzir o universo galáctico de Jedi, stormtroopers e a Força para uma nova geração, acho que Abrams não poderia ter se saído melhor.
Uma Nova História Conhecida
Assinada por Abrams, Lawrence Kasdan e com ideias de Michael Arndt, a trama de O Despertar da Força se desenrola 30 anos após os eventos de O Retorno de Jedi, deixando aí uma longa lacuna que aos poucos vai se preenchendo com livros, games e outros materiais que a Disney quiser aproveitar (ver Marcas da Guerra, Bloodline e até a DLC de Star Wars: Battlefront), e nos apresenta a um período estranho na galáxia. A Nova República é estabelecida, mas uma organização sombria conhecida como Primeira Ordem deseja seguir o legado o Império caído e reestabelecer um novo governo. Nesse cenário, um stormtrooper desertor, Finn (John Boyega), acaba cruzando caminho com uma jovem sucateira chamada Rey (Daisy Ridley) e os dois se veem na missão de entregar o dróide BB-8, do piloto Poe Dameron (Oscar Isaac), para a base da Resistência, liderada pela General Leia (Carrie Fisher), enquanto se aliam ao aposentado Han Solo (Harrison Ford) e fogem do maligno Kylo Ren (Adam Driver), um dos comandantes da Primeira Ordem.
É uma premissa que segue exatamente os mesmos passos do primeiro filme da saga, Uma Nova Esperança. A Jornada do Herói de Joseph Campbell encontra mais um exemplar digno na figura de Rey, temos novamente um dróide que carrega um arquivo importante (dessa vez, um mapa para o desaparecido Luke Skywalker) e uma estação bélica de proporções monstruosas que deve ser destruída a todo custo. Uns até dizem que é um "remake disfarçado" do original, e, de fato, é em muitos aspectos. Até defendo os polêmicos filmes da trilogia prequel nesse caso, já que - mesmo problemáticos em roteiro e direção de elenco - apresentavam uma trama política forte e expandiam os horizontes da franquia a níveis impressionantes, enquanto Abrams se apega demais ao passado e à nostalgia.
Porém, se Abrams mostra-se limitado no quesito de expandir a mitologia como um todo, ele se sai muito bem na confecção de um filme que é impecável em muitos quesitos. Foi sábio de sua parte dedicar o protagonismo aos novos personagens, Rey, Finn e Kylo Ren, enquanto mantém a trinca sagrada da trilogia original em um saudoso papel coadjuvante. O Han Solo de Harrison Ford é quem tem o melhor papel definido nessa proposta, trazendo uma excelente performance que serve para passar o bastão para a nova geração enquanto os guia na jornada para entregar BB-8 à resistência. Ford dá a Solo uma ótima despedida (já que é improvável que o ator volte a encarnar o personagem) e o roteiro de Abrams e Kasdan sabe como posicioná-lo dentro dos eventos do longa.
Já a General Leia acaba um pouco desfalcada, o que pode ser explicado pelo fato de Carrie Fisher... Bem, não ser mais a atriz competente que foi no passado. Não que a performance de Fisher seja ruim, mas merecia um aprofundamento melhor, tanto da atriz quanto do roteiro, diante da gigantesca descarga emocional que a performance sofre durante os eventos do filme. Já seu irmão gêmeo Luke, bem, todos já vimos o filme e todos os memes que a reviravolta gerou, e a presença de Mark Hamill aqui serve mais como o MacGuffin a ser encontrado e que deverá mostrar a que veio nos próximos capítulos.
O Despertar de uma Geração
Mas é mesmo com os novos jogadores que o filme decola. A começar pelo jovem John Boyega, que despontou no indie Ataque ao Prédio, de Joe Cornish, e oferece o único personagem do filme que não traz um arquétipo repetido da franquia (Rey é o novo Luke, Kylo Ren é o novo Anakin, Poe Dameron é o novo Han Solo). A ideia de humanizar um soldado stormtrooper é genial, e Abrams trabalha visualmente com isso muitíssimo bem ao destacá-lo dos outros com uma mancha de sangue em seu capacete. E o que vemos Finn se tornar é simplesmente incrível, já que o personagem é ao mesmo tempo um divertido alívio cômico e um cara normal em busca de redenção, todos esses traços muitíssimos bem explorados pela explosão de carisma que é Boyega.
Sem dever em nada à seu colega de cena, Daisy Ridley faz sua estreia como atriz nos cinemas de forma inesquecível como a jovem heroína Rey. Com um charmoso sotaque britânico, a atriz se mostra igualmente carismática ao fazer uma sucateira solitária e que sonha com uma vida melhor, ao mesmo tempo em que demonstra intensidade nas muitas cenas de ação que protagoniza ao longo da projeção. Claro, há uma reclamação acerca do fato de Rey ser uma personagem poderosa demais e que parece ter incrível facilidade com conceitos complexos em relação à Força, mas a performance de Ridley compensa isso, pelo fato de sempre vermos uma reação espantada e surpresa da mesma a cada revelação que faz acerca de suas capacidades. Além disso, a história deixa bem claro que há muito mais a ser explorado em relação a Rey, e sua paternidade.
Mesmo que não seja uma interpretação de carne osso, é incrível como o dróide BB-8 consegue ser carismático. Criado a partir de controle remoto e modelagens em CGI, o robô em forma de dróide garante os melhores momentos de humor do longa, cativando por sua ingenuidade e os movimentos capazes de expressar respostas e emoções. O trabalho de Ben Burtt no design sonoro (que contou com consultoria vocal do ator Bill Hader) é digno de nota e garante a BB-8 uma personalidade única.
E, claro, Star Wars só é tão bom quanto seu vilão (vale lembrar que até A Ameaça Fantasma tinha um excelente vilão que infelizmente foi mal aproveitado), e o novo filme está muito bem garantido nas mãos do Kylo Ren de Adam Driver. É inteligente que, se Finn e Rey ainda são heróis em desenvolvimento, Ren também seja um sujeito "no processo" de se tornar um grande vilão, citando constantemente a figura de Darth Vader como sua grande inspiração. Dessa premissa temos também um personagem que usa a raiva e excessos de violência para mascarar uma gigantesca insegurança, um traço que o intenso Adam Driver consegue transmitir muito bem. No primeiro momento em que vemos Ren remover a ameaçadora máscara que lhe confere imponência e uma voz profunda, encontramos ali uma figura triste e que sugere um menino homem, algo que se confirma ao termos revelado o passado do vilão e sua relação com os demais personagens.
J.J. Abrams Contra-Ataca
Com todos esses personagens carismáticos e bem escritos, a experiência deste Episódio VII só fica mais agradável. A condução da trama durante o primeiro ato é algo sobrenatural, contendo um ritmo incrível que jamais empalidece graças à montagem ágil de Maryann Brandon e Mary Jo Markey (merecidamente indicadas ao Oscar na categoria), que mantém a fluidez das cenas de ação e trazem de volta as saudosas transições de cena dinâmicas que marcaram os filmes anteriores. A forma como se dá o encontro dos personagens e o desenrolar das ações também é muito bem pensada, tendo a jaqueta de Poe Dameron como um indicador importante para o encontro de Finn com Rey (além de ser uma ação sutil que representa a mudança de hábito do personagem) e a já mencionada mancha de sangue no capacete que torna possível a identificação de Kylo Ren a respeito do stormtrooper desertor.
Sendo um dos grandes motivos de orgulho durante entrevistas e vídeos publicitários, O Despertar da Força utilizou muitos efeitos práticos e locações reais para suas filmagens em película 35 mm. Vemos esse esforço bem presente em cena durante o núcleo ambientado em Jakku, onde o vasto deserto da Tunísia preenche a tela com belíssimas imagens e garante uma imersão maior dentro da ação, muito bem orquestrada pela câmera criativa de Abrams. Temos travellings longos que exploram diferentes ações dentro de uma batalha, uma corrida com explosões reais ao fundo e um lindíssimo duelo de sabres de luz em uma floresta escura preenchida de neve; onde o diretor de fotografia Daniel Mindel cria um equilíbrio de azul e vermelho de encher os olhos, valendo apontar o cuidado com detalhes belos como o gelo vaporizar ao contato da lâmina quente dos sabres. Vale apontar que Abrams enfim largou a mania das luzes de flare, com exceção do fato de o raio da Base Starkiller ser uma luz de flare gigante...
Claro que ainda temos muitos efeitos visuais aqui, e estes em maioria funcionam. Os modelos digitais da Millennium Falcon, X-Wings e TIE Fighters convencem pela física de seus movimentos nas cenas de batalha, que podem tornar-se um tanto genéricas e não tão memoráveis como as saudosas miniaturas da trilogia original (um exemplo disso é a invasão à Starkiller, que empalidece diante de tantas outras batalhas de naves da franquia), mas nunca chegam ao ponto de incomodar pelo excesso; já que em diversos casos a uma referência real para auxiliar na criação digital. Por exemplo: par a perseguição da Millennium Falcon em Jakku, muitos movimentos de câmera foram de fato captados no deserto da Tunísia para que depois pudessem se preenchidos com a ação em CGI das naves.
Do ponto de vista de direção de arte, o sempre infalível Rick Carter acerta na escala dos cenários e o design que recupera o aspecto sujo e desgastado da galáxia, como podemos observar na própria Millennium Falcon ou em como as bases da Primeira Ordem recriam o visual Imperial dos filmes anteriores. Só fico triste em ver uma falta de imaginação na criação dos planetas. Todos podem facilmente ser resumidos em deserto, floresta e neve, não tendo nada que se equipare a visão incrível de George Lucas que nos trouxe cidades nas nuvens, plataformas flutuantes e um planeta todo feito de lava. A única exceção é a cena final, rodada na impressionante Ilha de Skye, na Escócia, que oferece uma paisagem verdadeiramente deslumbrante e digna da vasta mitologia.
E não poderia deixar de falar da lenda viva que é John Williams, retornando aqui pela sétima vez para compor a trilha sonora original. Sendo bem sincero, não é o trabalho mais inspirado do veterano compositor, que reaproveita diversos dos temas consagrados da saga para os momentos mais memoráveis. Mas Williams garante ao menos um belo novo tema aventureiro para Rey e uma marcha heróica para os pilotos da Resistência, enquanto Kylo Ren nem de perto tem um tema maléfico tão icônico quanto a "Imperial March" de Darth Vader, mas ganha uma melodia sombria que, assim como sua própria personalidade, sugere um trabalho em andamento.
Não era tarefa fácil entregar um novo Star Wars para o mundo de hoje. É certo que J.J. Abrams manteu um jogo muito seguro ao apostar na fórmula vencedora do filme original, mas é inegável que O Despertar da Força seja um filme de aventura impecável, com um elenco fantástico e a promessa de levar a franquia a novos e mais interessantes rumos. Só falta um pouco mais de coragem, mas todos os ingredientes certos estão lá.
Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens, EUA - 2015)
Direção: J.J. Abrams
Roteiro: J.J. Abrams e Lawrence Kasdan
Elenco: Harrison Ford, Mark Hamill, Carrie Fisher, Daisy Ridley, John Boyega, Oscar Isaac, Adam Driver, Lupita Nyong'o, Domhnall Gleeson, Gwendoline Christie, Andy Serkis
Gênero: Aventura, Ficção Científica, Space Opera
Duração: 136 min
https://www.youtube.com/watch?v=4r0287tUEgk
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Review | Call of Duty: Infinite Warfare
A série "Call of Duty" sempre foi marcada por dois extremos: a reivenção e a mesmice. Ao sair do cenário da Segunda Guerra e apostar em conflitos modernos com "Call of Duty 4: Modern Warfare" em uma evolução brutal que balançava todo o status quo não só da saga mas do mercado, CoD só foi dar o próximo passo 7 anos depois, com "Call of Duty: Advanced Warfare" implementando a mecânica dos exoesqueletos com pulos duplos e corridas pelas paredes emprestadas de outros shooters atuantes do mercado.
"Infinite Warfare", em produção desde 2014, foi anunciado em um contexto de momento complicado. Com vários fãs alegando que a franquia estava perdendo sua alma com as bugigangas futuristas de "AW" e "Black Ops 3" e com a concorrência fazendo um anúncio arrasador de um Battlefield na Primeira Guerra, a nova empreitada da Infinity Ward - que precisava se redimir depois do fiasco de "Ghosts" - vende ao público a proposta mais futurista da série até então, com direito a combate em naves espaciais. O resultado? O trailer em vídeo com o segundo maior número de deslikes da história do YouTube.
A questão é: a negativação foi merecida? E, alheio à nova proposta, o jogo é bom?
Em partes.
Começando pela campanha, o modo que me fez virar um fã da saga acima de tudo, ela é surpreendentemente boa. Definitivamente não é perfeita ou excelente, mas sim boa, o que já é um mérito gigantesco dadas as fraquíssimas campanhas dos últimos 3 CoDs - sendo a de BO3, um acinte. Entrando de cabeça no conceito de sci fi espacial, a trama nos joga da pele do Capitão Nick Reyes tendo que assumir o comando de uma nave após um ataque terrorista da SDF (Settlement Deffense Front), organização liderada pelo vilão Almirante Salen Kotch (interpretado por Kit Harington, o Jon Snow de Game of Thrones).
De cara, somos obrigados a enfrentar frenéticos tiroteios e presenciar belíssimas cenas de ação, seja in game ou em cutscenes - com direção de Brian Bloom que aproveita vários movimentos de câmera comuns do cinema blockbuster do gênero - antes de tomarmos o controle da "Retribution", a nave espacial. Ao entrar, fui surpreendido de duas maneiras. Uma, pela influência direta e visível da série Star Trek na dinâmica entre os personagens. Reyes é Kirk, a Retribution é a Enterprise, a tenente Nora Salter é Uhura, Gator é Chekov, Kash é McCoy, Ethan é o robô companheiro normalmente presente em produções do gênero e por aí vai. A segunda era como as mecânicas se casavam perfeitamente com a ambientação.
Dito isso, ficou claro a direção que a proposta da campanha iria seguir e eu estava imerso a bordo com a ideia.
Dessa vez, os diálogos não mais soam robóticos, didáticos ou repetitivos. Houve um cuidado maior por parte da escrita em estabelecer melhor a personalidade de cada personagem e caprichar na interação entre os mesmos. Uma pena, porém, que nenhum é realmente aprofundado, dando a impressão que estamos acompanhando a história de uma trupe de badasses reagindo aos acontecimentos e só. Não fosse os diálogos e as personalidades bem definidas, a situação seria desastrosa (como foi nos últimos CoDs). Mesmo assim, características mais particulares a cada um poderia contribuir para um maior carisma e, consequentemente, maior apego por parte do público.
Quem sai ganhando é o robô Ethan, personagem com as melhores falas e que presencia a melhor cena da campanha. Uma cena contemplativa entre ele e Reyes no espaço sem a presença de explosões ou trocas de tiros, apenas falas bem humanas. Algo raro na franquia e que chamou bastante minha atenção.
Infelizmente, a narrativa também erra ao utilizar o recurso da típica cena da morte do companheiro, em um momento que o jogador se encontra incapaz de salvá-la, tentando criar drama e sentimento de perda. Nas primeiras vezes e com determinados personagens em que isso acontece, até funciona, mas na terceira e quarta vez começa a se tornar repetitivo, perdendo consideravelmente apelo dramático.
Outra decepção fica por conta do vilão, Salen Kotch, que é completamente desperdiçado e esquecível, aparecendo frente ao jogador apenas no início e perto do final em um momento extremamente anticlimático. De resto, só o visualizamos através de telas onde o personagem manda mensagens de ameaça e profere frases de efeito baratas em diálogos risíveis. É algo mais grave do que o mal uso com o personagem de Kevin Spacey em "Advanced Warfare". Dado o histórico da franquia de alguns bons vilões como Makarov e Raul Menendez, eu realmente esperava mais. Seu plano e métodos também não fazem o menor sentido, mas isso é o menor dos problemas.
Os cenários da campanha são variados e bem polidos e, aliados a uma mecânica que não restringe o jogador como fez "AW", não deixa a jogatina enjoativa, por mais repetitivo que seja atirar em uma horda de inimigos esperando a próxima algum tempo depois. Os trechos de combates com naves contribuem para maior diversificação e não decepciona em sua simplicidade e comandos fáceis. Há um investimento maior também em fases que priorizam o modo stealth de jogo, algo que eu queria que retornasse faz tempo. Missões paralelas também estão presentes para aqueles que buscam o 100% onde o jogador viaja com sua nave para cumprir objetivos específicos em outros planetas como resgatar alguém ou matar tal inimigo. Uma adição bem-vinda que agrega conteúdo.
Quanto ao multiplayer...
O que para muitos deveria ser o atrativo principal, onde as novidades e oportunidades de dinâmicas da proposta iriam reluzir em sua plenitude, acaba virando o calcanhar de Aquiles do jogo. Trata-se do mesmíssimo multiplayer de "Black Ops 3" reciclado só que com mapas pouco inventivos e criativos, apertados, que contribuem para o desbalanceamento e jogam qualquer incentivo à estratégia pelo ralo. Eu jamais entendi a decisão de diminuir os mapas de "Advanced Warfare" em "Black Ops 3" com o intuito de "voltar às origens da série" só que com as novas mecânicas de saltos e corridas pelas paredes. É algo mal concebido e que simplesmente não funciona. Vou explicar.
Quando o jogador não tinha acesso aos exoesqueletos e as habilidades de pulo duplo e armas poderosas, todos os mapas faziam sentido pelo simples fato do jogador só ter que correr, atirar e, no máximo, tentar se esconder em algum local do mapa para testar habilidades com uma Sniper ou camperar com qualquer outra arma que seja. Em Advanced, com os exoesqueletos e os saltos implementados, a mudança veio na ampliação da área dos mapas para que atos como o pulo duplo e a correria pelas paredes pudessem se encaixar de forma a deixar o jogador com maior liberdade de movimento e não se sentisse preso. E é exatamente como me sinto no multiplayer de "Infinite Warfare", preso.
Querendo me movimentar segundo o que a mecânica permite para elaborar estratégias mas sempre sendo impedido de subir em algum telhado ou ir para algum lado do mapa recebendo o aviso de que morrerei em tantos segundos caso não retorne para a área permitida. Chega a ser irritante. Abandonei o modo depois de ficar 1 semana testando-o para esta análise e, certamente, não sinto vontade de retornar para jogá-lo. Ainda mais com o pacote de "Modern Warfare" adquirido que dá um banho de design e lógica de mecânica nesse aqui.
Os modos presentes na modalidade multiplayer são os mesmos, porém com a maioria de jogadores se concentrando no "Team Deathmatch" e "Infected". Ao menos, a estabilidade do componente está presente - sendo a versão testada a de PlayStation 4 - comigo tendo presenciado poucos bugs e ainda menos casos de má otimização e queda na conexão.
Perdeu-se uma enorme oportunidade de inclusão do combate com naves no componente multiplayer enquanto o combate físico aconteceria no solo com a mesma pegada arcade da série.
Sendo curto e grosso, é o pior multiplayer já visto na saga por uma série de fatores e a melhor campanha desde "Black Ops 2".
O modo zumbi - "Zombies in Spaceland"- dessa vez com um cenário bem mais agradável do que a monótona década de 1940 de Black Ops 3, ainda diverte mas carece de maiores novidades, ainda soando como uma DLC. A falta de um meio de transporte como o ônibus de "Tranzit" em "Black Ops 2" também é sentida. Por mais que o mapa tenha um tamanho generoso, era bem mais legal se transportar para variados cantos com diferentes elementos do mesmo cenário. Os personagens estereotipados também carecem de carisma e falas humoradas mais marcantes, perdendo de longe, novamente, para seu mestre "BO 2".
"Infinity Warfare" é um jogo com bastante conteúdo - o pacote FPS mais completo do ano - que abraça completamente sua nova proposta na campanha, resultando em uma curta mas divertídissima aventura espacial, porém que aprisiona o jogador até o pescoço no multiplayer o tratando como criança, apostando covardemente na zona de conforto. Uma zona mal concebida por conta das novas mecânicas, ainda por cima. Se um modo irá lhe deixar com um sorriso e satisfação, para o outro só resta a frustração. A esperança é que acertem o rumo na próxima empreitada que, segundo rumores, se passará na Guerra do Vietnã. Torço para que seja verdade e trate-se do primeiro CoD em 5 anos que não abandono depois de 1 semana de jogatina.
Crítica | A Última Ressaca do Ano - Uma festa insana
Já presenciamos muitos tipos de festas de arromba no cinema. Desde a mostrada em “Superbad – é hoje” em que jovens queriam perder a virgindade ou a apresentada em “Projeto X” em que é levada ao pé da letra a idéia de se celebrar até as últimas conseqüências.
No filme “A Última Ressaca do Ano” que estréia nessa quinta-feira podemos assistir a uma festa de grandes proporções realizada não em uma casa com adolescentes histéricos, muito menos em um colégio ou faculdade. Dessa vez presenciamos uma festa de natal feita em uma empresa, um local em que todos deveriam manter a pose e evitar constrangimentos, até porque o chefe está nesta festa. Deveria, não é isso o que acontece.
Na história Jennifer Aniston é Carol e T. J. Miller é Clay. Eles são irmãos e vivem uma queda de braço para mostrar qual é o melhor dos filhos do então finado pai. Há também no elenco Jason Bateman que faz o papel de Josh o braço direito do chefe e que mantém a empresa em pé.
Clay e Josh são grandes amigos e como é tradição no natal estão organizando uma festa que será dada dentro da empresa. É aí que aparece Carol, séria e muito profissional além de grande empresária e que ao se reunir com a equipe descobre os planos de festejar o natal na empresa decide por cancelar o tão esperado evento.
Carol administra as contas e as finanças de todas as sedes da empresa herdada pelos irmãos. Em seu balanço descobre que a empresa de seu irmão não está dando o lucro necessário e terá que demitir alguns funcionários ou até fechar a sede que seu irmão controla caso os números não melhorem.
Então Clay parte para uma reunião para apresentar um projeto à um empresário importante vivido pelo ótimo Courtney Vance. Caso o empresário compre a idéia muita grana entrará na empresa e então e seus funcionários e sua sede estarão a salvos e Clay se sairá vitorioso sobre sua irmã.
Porém, o projeto não é aprovado e então eles decidem chamá-lo para a festa de natal que havia sido cancelada e essa é a virada da história. Eles terão que organizar uma festa em cinco horas para poder fazer com que o empresário feche negócio com eles. A ideia é mostrar a união entre os funcionários e fazer não uma simples festa, mas um espetáculo.
Como podemos imaginar a festa que era para impressionar a festa acaba por sair do controle e o que presenciamos no desenvolvimento do filme é o uso abusivo de álcool, sexo, nudez e muita, mas muita destruição. Imaginem dois andares de uma empresa completamente destruídos. Uma mistura de “O Lobo de Wall Street” com "Projeto X".
Nesse filme dirigido pela dupla Josh Gordon e Will Speck tenta trazer outra visão sobre um tema já mostrado em outras produções. Ele pode ser visto como uma produção sobre uma festa que saí do controle, mas também pode ser vista como uma crítica aos empresários que fazem festas sem graça e com aquela visão de que ninguém pode sair da etiqueta social corporativa.
Tanto que eles colocaram a personagem do RH que a todo o momento aparece para lembrar aos funcionários sobre o código de etiqueta dentro da empresa. “Não usar decote”, “Não fazer sexo dentro da empresa”. Pode ser uma história que já vimos, mas pelo menos se esforça em trazer outra visão. Outro fato que condiz com esse ponto de vista é a personagem de Jennifer Aniston que é o espelho do mundo empresarial. Ela é carrancuda, não dá risada e as vezes é chata.
Última Ressaca é uma comédia que até se sai bem nos momentos que precisa, há cenas divertidas e bem feitas, mas algumas cenas são desnecessárias e a direção força bastante para fazer o telespectador rir. Outro fato foi que tentaram impressionar demais mostrando a baderna feita e as loucuras feitas pelos personagens e deixaram de lado a história
O ponto alto de A Última Ressaca é o elenco. Jennifer Aniston e Jason Bateman já haviam trabalhado juntos anteriormente em outros filmes como “Coincidências do Amor” e “Quero Matar Meu Chefe”. Em coincidências foram dirigidos por Speck e Gordon. O elenco ainda traz a atriz Kate McKinnon dos caça-fantasmas e Olivia Munn. Essa mescla de profissionais rodados e que já atuaram juntos é o principal motivo para ir ao cinema assistir a ele.
A única ressalva é para a personagem de Aniston ela é séria demais, sua personagem é uma mulher poderosa e isso atrapalha seu desenvolvimento. O papel de empresária chata impõe um certo limite em fazer piada ou participar de cenas engraçadas, algo essencial em uma comédia. Mas ela não está nesse personagem a toa. Jennifer Aniston é uma mulher poderosa, assim como sua personagem ela é decidida e focada no que quer e isso é algo que joga a favor do filme. Só é uma pena que a aproveitaram pouco na produção. Ela merecia maior destaque.