Crítica | The Flash é uma espetacular jornada pelo multiverso da DC

Crítica | The Flash é uma espetacular jornada pelo multiverso da DC

Poucas produções hollywoodianas foram tão amaldiçoadas quanto The Flash. Desde a ideia original da Warner Bros de produzir um longa-metragem do velocista escarlate no início dos anos 2000 até o lançamento do novo filme de Andy Muschietti, a jornada foi árdua e repleta de reviravoltas; dentro e fora das câmeras, com a mais recente envolvendo a polêmica figura pública do astro Ezra Miller.

Além dos problemas internos, The Flash ainda é lançado durante um período de incerteza da DC, que deve enfrentar mais um grande reboot de suas propriedades no cinema. Entre todas as questões enlouquecedoras a seu redor, ao menos é reconfortante atestar que o longa funciona sozinho como um grande filme.

Na trama, o corredor Barry Allen (Miller) segue trabalhando como o Flash ao lado da Liga da Justiça. Desenvolvendo sua habilidade para correr na velocidade da luz, ele planeja voltar no tempo para impedir o assassinato de sua mãe (Maribel Verdú), mas acaba criando uma perigosa nova linha do tempo sem a presença de outros heróis.

Analisando a premissa e a campanha de marketing do filme, que aposta no retorno do Batman de Michael Keaton e a introdução da nova Supergirl de Sasha Calle, havia o risco de o Flash ser um coadjuvante em seu próprio filme. Felizmente, o resultado é muito mais concentrado e sólido do que o esperado, graças ao ótimo roteiro de Christina Hodson (de Bumblebee e Aves de Rapina), que triunfa em reunir os diferentes tratamentos anteriores - de nomes como Joby Harold, Jonathan Goldstein e John Francis Daley - em uma história que é essencialmente sobre Barry Allen, e que ao mesmo tempo em que serve como uma aventura multiversal, também funciona perfeitamente bem como um filme de origem e introdutório à mitologia do herói.

Apoiando-se na clássica premissa de "Flash bagunça a linha do tempo", Hodson é hábil ao explorar um dos subgêneros mais consagrados da Sétima Arte: a viagem no tempo. A situação na qual Barry se mete é completamente derivada de clássicos como De Volta para o Futuro, e o texto se diverte ao colocar seus personagens discutindo e teorizando sobre paradoxos, mas especialmente na decisão brilhante de colocar Barry Allen para contracenar com uma versão mais jovem e ingênua de si mesmo.

Isso garante uma performance genuinamente espetacular do controverso Ezra Miller, que balanceia o papel duplo ao tentar fazer seu Barry "original" amadurecer às pressas diante da situação vulnerável; além de lidar com a tragédia envolvendo sua mãe. Ao mesmo tempo (literalmente), ele brilha como a hilária versão mais estúpida de Barry, que garante diversos momentos de humor bem aplicados e, assim como o protagonista, uma jornada de amadurecimento que culmina em reviravoltas muito interessantes; e que honram a fórmula da viagem no tempo.

E por mais que Miller seja o destaque absoluto, há espaço de sobra para que Michael Keaton brilhe em seu triunfal retorno como Batman. Ainda que bem mais ágil e atlético do que seu trabalho nos filmes de Tim Burton, Keaton se diverte e oferece um papel coadjuvante forte, especialmente pela reverência com a qual Muschietti retrata sua iconografia. De forma similar, a introdução de Sasha Calle como Supergirl surge de uma inversão de expectativas de O Homem de Aço que é surpreendente, e a jovem atriz latina garante uma boa presença e muito carisma como a prima mais velha de Kal-El.

Tendo dirigido as duas partes de It: A Coisa para a Warner Bros, Andy Muschietti é mais um diretor de terror que migra para o gênero de quadrinhos; seguindo os passos de Sam Raimi, James Wan e David F. Sandberg. O cineasta argentino apresenta uma visão dinâmica e rica, que parece olhar diretamente para a arte dos quadrinhos como principal inspiração, apostando em sequências que abrem mão do realismo mais prático de diretores como Christopher Nolan, mas que valoriza a grandeza e o senso de espetáculo de seus personagens poderosos: tudo envolvendo a hiper velocidade do Flash é visualmente espetacular, especialmente durante a sequência de abertura ao lado do Batman de Ben Affleck.

O único problema grave está mesmo nos efeitos visuais. Durante todo o filme, a impressão é de que The Flash é um filme não finalizado, seja pela renderização de seus cenários digitais ou até mesmo elementos mais simples, como a nítida cobertura digital que diversos dos trajes do herói têm; e eu apostaria seguramente que Ben Affleck jamais vestiu o traje do Cavaleiro das Trevas nesse filme, já que seu rosto parece "flutuar" por trás do capuz o tempo todo.

Há também um dos momentos que os fãs mais calorosos da DC já estão sonhando há tempos, onde Muschietti usa dos efeitos visuais para vislumbrar o vasto multiverso da editora. É uma sequência realizada inteiramente através de efeitos digitais, e que pessoalmente não me ofereceram nada além de um mero fan service - com uma ou duas participações genuinamente especiais. O filme em si é muito maior e mais aproveitável do que isso, felizmente.

Mas é um mero detalhe. O resultado final de The Flash é uma obra surpreendentemente coesa e divertida, que tem seus melhores momentos quando aposta nas infinitas discussões sobre viagem no tempo e paradoxos. Independente do que o futuro da DC possa ser nos próximos anos, The Flash certamente será lembrado como um dos pontos mais especiais de sua História.

The Flash (EUA, 2023)

Direção: Andy Muschietti
Roteiro: Christina Hodson
Elenco: Ezra Miller, Michael Keaton, Sasha Calle, Michael Shannon, Maribel Verdú, Ron Livingston, Kiersey Clemmons, Antje Traue, Ian Loh
Gênero: Aventura
Duração: 144 min

https://www.youtube.com/watch?v=u7RjQ3pyqLE&t


Crítica | Transformers: O Despertar das Feras joga muito no seguro

Após cinco filmes comandados pela visão megalomaníaca de Michael Bay e um spin-off surpreendentemente emotivo, a franquia Transformers busca formas de se reinventar. Os filmes de Bay não foram exatamente queridinhos com a crítica, mas encheram os cofres da Paramount Pictures com bilhões de dólares em bilheteira; enquanto o derivado Bumblebee, de Travis Knight, fez o oposto ao apresentar um filme muito elogiado, mas não tão lucrativo financeiramente.

16 anos após o lançamento do primeiro filme, o estúdio tenta combinar os dois modelos de negócio com Transformers: O Despertar das Feras, uma espécie de reboot que tenta balancear o espetáculo rentável de Bay com o olhar mais intimista de Knight. O resultado, infelizmente, não acrescenta muito de novo ao jogo.

Na trama, o jovem Noah (Anthony Ramos) precisa desesperadamente de um emprego estável para ajudar seu irmão doente. Quando ele aceita roubar um carro esportivo de uma empresa, Noah se surpreende ao descobrir que o veículo é um Transformer da raça Autobot, que pede sua ajuda para recuperar um artefato valioso que pode levar seus colegas de volta ao planeta natal.

Escrito por um batalhão de cinco roteiristas, O Despertar das Feras é consideravelmente melhor do que diversos de seus anteriores. Bebendo da fonte de Bumblebee, o filme tem um investimento emocional forte na relação familiar de Noah e seu irmão mais novo, o que garante um primeiro ato sólido e que permite ao espectador torcer para que o protagonista tenha sucesso; e toda a sequência com o primeiro contato com os Transformers, garantindo uma boa cena de perseguição, é realmente inspirada e divertida, assim como o carismático transformer Mirage, que tem voz de Pete Davidson.

É um bom ponto de partida, mas que se torna apressado demais para levar o filme o mais rápido possível para a ação: se Noah tem uma relação crível com sua família, toda a amizade e parceria construída com os robôs transformistas é bem artificial e forçada. A jornada para caçar o macguffin obrigatório, que traz a estagiária de museu vivida por Dominique Fishback, também não é das mais empolgantes, e acaba presa em uma das muitas variações que esse tipo de narrativa já ofereceu na franquia Transformers - com pistas, transformers ancestrais escondidos e locações remotas ao redor do mundo, mas agora com a categoria de "animais transformers".

E por falar em animais transformers, os chamados Maximals garantem excelentes criações digitais da sempre eficiente equipe de efeitos visuais. O líder Optimus Primal (sério) é uma das figuras mais expressivas e carismáticas que a franquia já ofereceu, e o cineasta Steven Caple Jr. parece se aproveitar muito mais das expressões mais humanizadas nos robôs.

Já na ação, Caple Jr. é um cineasta muito mais pragmático e consistente do que Michael Bay. Sua visão certamente carece da escala e espetáculo que tornavam os filmes anteriores - mesmo que incompreensíveis - ao menos visualmente impressionantes. Tudo na mise en scéne de Caple Jr. é fácil de acompanhar e seguir, mas pouco memorável ou inovador. De novidade, só a bizarra ideia envolvendo uma cena de ação com Noah e Mirage no clímax, que definitivamente nos faz questionar o que é um filme de Transformers - mas não no sentido positivo da coisa.

Sem grandes novidades ou riscos (ao menos desconsiderando a curiosa cena pós-créditos), Transformers: O Despertar das Feras é um filme extremamente seguro. Traz bons momentos de ação e personagens carismáticos, mas não o suficiente para tornar a experiência realmente especial ou memorável. Um pouquinho de megalomania Bay faria bem.

Transformers: O Despertar das Feras (Transformers: Rise of the Beasts, EUA - 2023)

Direção: Steven Caple Jr.
Roteiro: Joby Harold, Darnell Metayer, Josh Peters, Erich Hoeber e Jon Hoeber
Elenco: Anthony Ramos, Dominique Fishback, Pete Davidson, Peter Cullen, Peter Dinklage, Michelle Yeoh, Ron Perlman, Colman Domingo, Liza Koshy, Tobe Nwigwe, Cristo Fernandéz
Gênero: Ação
Duração: 127 min

https://www.youtube.com/watch?v=uEaHZpxeL4c&t=5s


Crítica | Homem-Aranha: Através do Aranhaverso é uma sequência digna e ambiciosa

Crítica | Homem-Aranha: Através do Aranhaverso é uma sequência digna e ambiciosa

Enquanto o Homem-Aranha era explorado de diferentes formas em suas encarnações no cinema live-action, com um acordo inédito entre a Sony Pictures e a Marvel Studios incorporando o herói no universo dos Vingadores, o verdadeiro ouro estava nas animações. Em uma aposta livre da Sony na dupla Chris Miller e Phil Lord, o estúdio alcançou algo genuinamente especial com Homem-Aranha no Aranhaverso, célebre animação de 2018 que colecionou prêmios e elogios - entre eles, o Oscar na categoria.

Cinco anos depois, em uma indústria que literalmente passou a utilizar das ferramentas e estilos de Aranhaverso, a dupla Miller e Lord retorna com uma ambiciosa continuação em duas partes para a saga multiversal de Miles Morales, tendo início com Homem-Aranha: Através do Aranhaverso, que segue o altíssimo padrão de qualidade do filme anterior.

A trama segue mais uma vez o jovem Miles Morales (voz de Shameik Moore), que tenta equilibrar sua vida adolescente com a responsabilidade de ser o Homem-Aranha de Nova York. Quando sua amiga Gwen Stacy (voz de Hailee Steinfeld) mais uma vez surge através de outra dimensão, os dois embarcam em uma jornada que envolve um grupo das melhores versões do Aracnídeo através do multiverso, liderados pelo enigmático Miguel O'Hara (Oscar Isaac), que investiga uma poderosa ameaça para a estrutura do universo.

Por mais que o primeiro filme do Aranhaverso seja uma obra que abraça o potencial da escala grandiosa, ao apresentar infinitas versões de seu personagem-título, seu charme reside justamente na simplicidade: a história de origem. Felizmente, por mais que a sequência de fato seja maior em escala e ambição, o roteiro da dupla Miller e Lord ao lado de Dave Callaham (de Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis) segue com um foco preciso nas emoções humanas e relacionamentos entre os personagens - agora oferecendo uma atenção ainda maior à Gwen de Steinfeld, que é igualmente complexa como Miles.

Mais impressionante ainda é notar como o roteiro do trio aproveita inúmeras pontas soltas e elementos de história do anterior para conjurar sua trama central. Seja na ótima justificativa para a existência do desastrado vilão Mancha (dublado por Jason Schwartzman) ou na surpreendente mudança de perspectiva que toda a transformação de Miles no Homem-Aranha ganha a partir da visão complexa de Miguel O'Hara, que oferece uma inteligente puxada de tapete na própria jornada do herói - e também em toda a mitologia "canônica" estabelecida do Homem-Aranha em suas décadas nos quadrinhos e cinema.

Com um investimento narrativo sólido (mesmo que um tanto repetitivo em seu primeiro ato), Através do Aranhaverso mantém o fator inovador do original ao seguir surpreendendo com suas técnicas de animação. Agora sob o comando do trio de diretores Joaquim dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson, a continuação ousa ainda mais no mix dinâmico de estilos, texturas e contagens de frame; agora com destaque para a visão próxima de uma pintura aquarela para o mundo de Gwen Stacy ou os movimentos derivativos de um recorte de papel para o hilário Spider-Punk (dublado por Daniel Kaluuya). A quantidade gigantesca de novas variantes do Aranha também possibilitam diversas brincadeiras estéticas inspiradas, além de participações especiais que certamente deixarão os fãs animados - e prontos para uma caçada infinita por easter eggs a cada frame.

Mantendo-se fiel ao estilo e cuidado do original, Homem-Aranha: Através do Aranhaverso é uma sequência digna e ambiciosa. Ainda que claramente esteja servindo como a primeira parte de uma história maior, a equipe criativa triunfa mais uma vez ao testar os limites da tela animada, e aumenta as expectativas para sua promissora conclusão.

Homem-Aranha: Através do Aranhaverso (Spider-Man: Across the Spider-Verse, EUA - 2023)

Direção: Joaquim dos Santos, Kemp Powers e Justin K. Thompson
Roteiro: Chris Miller, Phil Lord e Dave Callaham
Elenco: Shameik Moore, Hailee Steinfeld, Oscar Isaac, Jake Johnson, Lauren Vélez, Brian Tyree Henry, Jason Schwartzman, Daniel Kaluuya, Karan Soni, Issa Rae, Shea Whigham
Gênero: Aventura
Duração: 140 min

https://www.youtube.com/watch?v=-d320RI4RGc


Crítica | A Pequena Sereia desperdiça potencial com visão limitada de Rob Marshall

Dentre todas as animações no vasto leque de joias preciosas da Disney, não há dúvidas de que A Pequena Sereia é uma de suas obras mais especiais. Lançada pela talentosa dupla Ron Clements e John Musker em 1989, a animação foi um tremendo sucesso e inspirou gerações, e a ideia de transformá-la em um live-action, como tem sido o modelo nos últimos anos, inspira medo: afinal, é uma história que exigiria um gigantesco domínio técnico, tratando-se de um projeto quase que inteiramente ambientado embaixo da água.

Seguindo o sucesso dos remakes de A Bela e a Fera, Aladdin e O Rei Leão, a Disney de Bob Iger ataca com força agora na reinvenção do clássico dos anos 1990, apostando na voz da novata Halle Bailey e do diretor Rob Marshall para o ambicioso novo projeto. Infelizmente, o resultado fica pela metade do caminho, justamente por conta da visão limitada de seu realizador.

Repetindo todas as etapas do filme de 1989, a trama do filme apresenta a sereia Ariel (Halle Bailey), que sonha em conhecer o mundo da superfície, mas é constantemente bloqueada por seu pai super protetor, o Rei Tritão (Javier Bardem). Quando Ariel salva o carismático Principe Eric (John Hauer-King) de um naufrágio, ela busca uma forma de se tornar humana e se juntar ao mundo terrestre.

A esta altura do campeonato, é bem evidente o modelo de negócios da Disney em torno dos controversos remakes live-action. É uma agressiva capitalização da nostalgia por animações populares da década de 1990, mas que normalmente costumam cair nos mesmos problemas: repetição sem brilho da história, poucas novidades e, no caso das obras mais fantasiosas, realismo exagerado para animais falantes - vide o desastroso Rei Leão de Jon Favreau, lançado nos cinemas em 2019. Quase todos esses elementos podem se aplicar à Pequena Sereia de 2023.

Em especial, o desafio técnico para criar mundos submarinos parece algo muito além dos talentos de Rob Marshall. Ainda que tenha dirigido o vencedor do Oscar Chicago, Marshall teve experiências desastrosas com filmes de grande orçamento (e todos para a Disney), com "destaque" para o fraquíssimo Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas, cujo grande mistério reside em como o projeto conseguiu gastar mais de US$370 milhões no orçamento. Com A Pequena Sereia, Marshall tem dificuldade em criar ambientes que sejam visualmente interessantes ou coerentes em sua proposta ultra realista, já que o CGI para criar cabelos em movimento embaixo da água distrai bastante, e a escolha de reduzir as fontes luminosas nas profundezas (com exceção de um inspirado balé de águas-vivas) garante uma experiência escura e preguiçosa.

A procura pelo realismo também bate de frente com os elementos mais fantasiosos do universo de A Pequena Sereia: todos os peixes e animais marinhos abrem mão de caracterizações estilizadas para destacar seres realistas e, sinceramente, assustadores. Acompanhar longos diálogos, piadas e especialmente números musicais com criaturas empalhadas digitalmente rende uma experiência incômoda, e a beleza do número musical "Under the Sea" garante um espetáculo de "vale da estranheza" que será difícil de esquecer; capitaneado por um Sebastião (com voz de Daveed Riggs) que assombrará meus piores pesadelos com seus olhos vazios e profundos.

Toda essa primeira metade de A Pequena Sereia é dolorosa, e eu estava pronto para abandonar o navio e declarar este mais um remake fracassado. Porém, a situação muda drasticamente no momento em que Ariel se torna humana, com ajuda da feiticeira Ursula (uma inspirada Melissa McCarthy), e passa a maior parte do tempo na terra. Talvez seja o enfoque em personagens de carne osso e ambientes mais humanos, mas Rob Marhsall se torna muito mais interessante aqui, sendo eficiente em contar uma excelente história de amor entre Ariel e o Príncipe Eric.

Isso também porque a novata Halle Bailey mostra-se uma ótima atriz. Além de soltar a voz com maestria durante os diversos números musicais submarinos, Bailey tem uma presença típica do cinema mudo ao compor uma Ariel que, incapaz de falar, se expressa através de olhares, linguagem corporal e tiques que tornam sua personagem imediatamente carismática e interessante. Sua química com o expressivo John Hauer-King funciona, e o resultado consegue ser vastamente superior ao romance do casal na animação - já que o roteiro de David Magee é inteligente em expandir os eventos e criar mais situações que permitem a fluidez do romance dos dois, e que realmente eleva exponencialmente o resultado final.

Uma pena que toda essa porção seja apenas um elemento de A Pequena Sereia, que ainda precisa se concentrar em mais elementos fantasiosos em seu clímax, novamente prejudicado pela visão limitada de Marshall para o espetáculo (Não dá pra tentar fazer No Fim do Mundo tendo dirigido Piratas 4). O resultado acaba bem desequilibrado, mas que ao menos garante algum respiro graças à ótima história de amor, bem carregada por seu inspiradíssimo casal central.

Nas mãos de um James Cameron (ou até James Wan), o resultado poderia ter sido grandioso.

A Pequena Sereia (The Little Mermaid, EUA - 2023)

Direção: Rob Marshall
Roteiro: David Magee, baseado na obra de Hans Christian Andersen
Elenco: Halle Bailey, John Hauer-King, Javier Bardem, Melissa McCarthy, Daveed Diggs, Awkwafina, Jacob Tremblay
Gênero: Aventura, Romance
Duração: 142 min

https://www.youtube.com/watch?v=EwV8daDfvuM


Crítica | Velozes e Furiosos 10 não sabe a hora de parar

Em andamento nos cinemas desde 2001, é de se admirar a resiliência da franquia Velozes e Furiosos em tentar construir uma narrativa e linha do tempo coerente. Sem reboots, alterações temporais ou prelúdios, a saga dos corredores de Dom Toretto permanece uma das histórias mais fascinantes de evolução de franquia em Hollywood, que atinge agora a marca impressionante de um décimo capítulo em 2023 - sem contar o derivado Hobbs & Shaw.

Após algumas turbulências nos bastidores, que contaram com a substituição do diretor Justin Lin (responsável por cinco dos dez longas da saga) pelo francês Louis Leterrier, já acostumado com pancadarias e carros após o sucesso de Carga Explosiva 2. Mas se Velozes e Furiosos já virou uma grande festa de linchamento público das leis da Física há tempos, Velozes e Furiosos 10 deixa bem claro que a piada já está ficando sem graça.

Na trama, Dom Toretto (Vin Diesel) lida com os desafios da paternidade ao cuidar de seu filho Brian (Leo A. Perry) ao lado da esposa Letty (Michelle Rodriguez). Mas a paz de Toretto e sua família de corredores é quebrada quando o lunático Dante (Jason Momoa) ressurge das cinzas dos eventos de Operação Rio para obter vingança contra os heróis.

Não que Velozes e Furiosos já tenha sido um exemplo de lógica narrativa, mas é realmente decepcionante encontrar neste décimo filme um retcon tão preguiçoso e sem graça quanto a introdução de Dante. O filho de um vilão do passado que o público não sabia que existia, e que serve à desesperada tentativa da franquia em exacerbar o lore e a mitologia de seus personagens - onde o próprio Diesel já comparou com o trabalho de J.R.R. Tolkien em O Senhor dos Anéis. Isso só torna a experiência de Velozes 10 extremamente repetitiva e cansativa, já que todas essas situações e suas variações já foram experimentadas antes, onde o próprio Velozes 9 já lidava com temas de paternidade e figuras obscuras do passado.

O roteiro escrito por Dan Mazeau e Justin Lin ainda peca por suas ambições exageradas ao quebrar o núcleo da história em múltiplas partes: em seus 140 minutos, o espectador seguirá a missão de Dom, os demais integrantes da familia perdidos em Londres, a subtrama bizarra de Letty com a vilã Cipher (Charlize Theron), o ex-vilão Jakob (John Cena) agindo como tio legal em um road movie e toda a saga de vingança de Dante. É uma estrutura que exigiria muito mais peso e elementos interessantes para os demais personagens, mas que deixa bem evidente que o filme em si só se importa com Toretto e Dante, com o restante da "Família" servindo apenas como distrações descartáveis. Curiosamente, o que faz falta é o roteirista Chris Morgan, que reformulou e entendeu as dinâmicas de equipe a partir de Desafio em Tóquio, e abandonou o barco após Hobbs & Shaw.

O que se salva mesmo é a adição de Jason Momoa. Ainda que sua inserção na trama seja absurda, o astro de Aquaman se diverte horrores na pele de Dante, que age como a figura anárquica e descontrolada aos moldes do Coringa da DC. Momoa é exagerado, afetado e não poupa nos maneirismos, dando origem a uma figura que passa longe de ser ameaçador ou um verdadeiro perigo, mas que é sempre capaz de injetar humor e pulso ao filme - invalidando completamente a ideia descartável de outro vilão do governo perseguindo Toretto (no caso, o inexpressivo Alan Richson). Um vilão carismático e que definitivamente merecia mais tempo.

Mas o que realmente importa em Velozes e Furiosos são as cenas de ação, disso não há dúvida. Entrando de última hora em uma produção que escalonou seu orçamento para a casa dos US$340 milhões, Leterrier se sai de forma eficiente em apresentar boas sequências de perseguição, lutas corporais e toda a escala cartunesca que a franquia passou a adotar em seus últimos anos. Infelizmente, após confrontos com tanques de guerra, cofres gigantes, submarinos nucleares na Antártida e até viagens ao espaço, parece ter pouco que Velozes possa fazer para surpreender e divertir o espectador, e o décimo filme certamente carece de um grande momento aos moldes dos anteriores.

O destaque fica para uma boa sequência de perseguição em Roma, onde Leterrier abandona um pouco a montagem excessiva e os efeitos visuais de apoio para uma cena com efeitos práticos notáveis e uma boa geografia da capital italiana. De quebra, é nesta sequência que Velozes 10 é capaz de oferecer ao menos um momento estupidamente brilhante, que envolve Toretto, um guindaste e uma bomba redonda. Definitivamente um dos destaques.

No fim, realmente não parece haver mais ideias malucas para a turma de Vin Diesel com Velozes e Furiosos 10. As maquinações de história e personagens surgem mais cansadas do que nunca, e com exceção do vilão de Jason Momoa, nem o espetáculo parece ser capaz de surpreender. Vai ser difícil aguentar uma segunda (e talvez até terceira) parte do encerramento.

Velozes e Furiosos 10 (Fast X, EUA - 2023)

Direção: Louis Leterrier
Roteiro: Dan Mazeau e Justin Lin
Elenco: Vin Diesel, Michelle Rodriguez, Jason Momoa, Tyrese Gibson, Ludacris, Nathalie Emmanuel, Sung Kang, Jordana Brewster, John Cena, Charlize Theron, Jason Statham, Daniela Melchior, Brie Larson, Rita Moreno, Helen Mirren, Alan Ritchson
Gênero: Ação
Duração: 142 min

https://www.youtube.com/watch?v=2UMNQ-61Bg0&t=3s


Crítica | Guardiões da Galáxia Vol. 3 é o melhor filme do MCU

Crítica | Guardiões da Galáxia Vol. 3 é o melhor filme do MCU

Ao longo da última década, o nome de James Gunn foi se tornando um dos mais interessantes e poderosos no cinema de quadrinhos. Saído do terror gore e satírico, Gunn encontrou seu espaço na Marvel Studios com o impopular grupo dos Guardiões da Galáxia, rapidamente transformando os heróis cósmicos em algumas das figuras mais aclamadas dos fãs de quadrinhos dos últimos anos.

A história do cineasta com os mercenários galácticos quase terminou de forma lamentável quando Gunn foi demitido da produção do terceiro filme, o que só possibilitou sua passagem para o lado da DC, onde dirigiu O Esquadrão Suicida e atualmente coordena toda linha de produção da empresa - com um novo Superman já em andamento.

Felizmente, a Disney deu a Gunn uma última chance de se despedir de seus personagens, eo cineasta entrega com Guardiões da Galáxia Vol. 3 um filme completamente fora da caixa e triunfal; que se destaca imediatamente como a melhor produção do estúdio até agora.

A trama do filme volta a seguir o grupo dos Guardiões da Galáxia, agora atuando como protetores da sociedade de Luganenhum. Quando Rocket (Bradley Cooper) é atacado pelo misterioso Adam Warlock (Will Poulter), o Senhor das Estrelas (Chris Pratt) organiza uma missão desesperada para salvar seu amigo, indo em confronto direto com o maligno Alto Evolucionário (Chukwudi Iwuji).

Seguindo uma estrutura convencional de grandes trilogias do passado, Guardiões da Galáxia Vol. 3 é um capítulo muito mais sombrio e pessoal do que seus antecessores. O toque particular de Gunn em misturar humor cartunesco e escatológico serve bem posicionado como de costume, mas os traumas profundos de seus personagens são bem mais evidenciados aqui; em especial do guaxinim Rocket, que é o destaque absoluto da narrativa, que enfim apresenta os flashbacks que detalham sua aterradora história de origem.

Em uma série de cenas corajosas e perturbadoras, Gunn testa os limites de seu uso de CGI (e da classificação rigorosa da Disney) para contar como Rocket foi criado em um experimento cibernético do Alto Evolucionário. Intercalando-se com a narrativa central dos Guardiões, os clipes de Rocket ganham mais impacto graças à presença de um grupo de outros animais do mesmo experimento, o que resulta em algumas das sequências mais tristes e chocantes que um filme do gênero já apresentou, muito em prol da excelente performance de Chukwudi Iwuji como um dos vilões mais odiosos da história do MCU. Não há tantos riscos ou viradas mirabolantes de trama em Guardiões 3, mas sim um interesse gigantesco em aprofundar os sentimentos e relações de seus personagens; e o guaxinim falante de CGI desde já configura-se como uma das figuras mais complexas e empáticas que Hollywood apresentou nos últimos anos.

Não que Gunn deixe todo o restante de lado. Com uma missão mais pessoal e com um risco sombrio, todos os demais personagens surgem mais maduros e com seus próprios arcos a serem cumpridos: Chris Pratt nunca esteve tão bom quanto Peter Quill, ao passo em que as dinâmicas entre Mantis (Pom Klementieff), Drax (Dave Bautista), Nebulosa (Karen Gillan) e Groot (Vin Diesel) atingem novos níveis de dramaturgia, enfim amadurecendo o grupo. Há também o elemento brilhante de se trazer uma nova versão de Gamora, permitindo que Zoe Saldaña explore um lado muito mais grosseiro e antipático da guerreira, constantemente batendo cabeças com Quill - que ainda sofre de amor e luto por sua perda (em Vingadores: Guerra Infinita).

E além do excelente trabalho dramático, James Gunn faz de Guardiões da Galáxia Vol. 3 sua definitiva obra como cineasta. Ainda trabalhando com o diretor de fotografia Henry Braham, seu filme é consideravelmente mais rico visualmente do que outros exemplares lavados e genéricos do MCU, onde Gunn aproveita a variedade estética de seus múltiplos planetas e ambientes (onde uma instalação espacial formada por material orgânico causa grande fascínio), além de constantemente explorar possibilidades inventivas com sua câmera e design de produção.

A visível inspiração de Gunn também se reflete nas cenas de ação, com destaque para um plano longuíssimo que acompanha todos os Guardiões lutando contra inimigos em um corredor apertado. É sem sombra de dúvida o maior momento da carreira de Gunn como diretor, e também uma das poucas sequências de um filme de super-heróis que fizeram meu queixo cair no chão, tamanha a habilidade e maestria em tela - e que ainda se beneficia de ter Beastie Boys como sua canção central.

Habilidoso em seu ritmo mesmo com a longa duração, Guardiões da Galáxia Vol. 3 é um filme completamente diferente dos demais do MCU. Graças à dedicação apaixonada de James Gunn, a conclusão da trilogia surge como uma empreitada emocionante, divertida e que sopra um pouco de vida para o tão desgastado gênero dos super-heróis. Definitivamente, James Gunn fará falta para a Marvel Studios, mas eu mal posso esperar para ver o que ele fará em seguida.

Guardiões da Galáxia Vol. 3 (Guardians of the Galaxy Vol. 3), EUA - 2023

Direção: James Gunn
Roteiro: James Gunn
Elenco: Chris Pratt, Zoe Saldaña, Dave Bautista, Karen Gillan, Bradley Cooper, Vin Diesel, Pom Klementieff, Chukwudi Iwuji, Sean Gunn, Will Poulter, Elizabeth Debicki, Maria Bakalova, Sylvester Stallone, Nathan Fillion
Gênero: Aventura
Duração: 150 min

https://www.youtube.com/watch?v=OP7hoPmIy6Q


Crítica | Beau Tem Medo coloca Joaquin Phoenix em odisseia bizarra

Com a recepção marcante de seus dois primeiros filmes de terror psicológico, Hereditário e Midsommar: O Mal Não Espera a Noite, o cineasta Ari Aster se tornou um dos nomes mais fascinantes da nova geração de Hollywood. Novamente ao lado da badalada A24, Aster oferece seu projeto mais desafiador e estranho com Beau Tem Medo, que troca o horror escancarado para se tornar uma espécie de ataque de ansiedade de 180 minutos. Definitivamente não é uma experiência das mais agradáveis.

A trama do filme, mantendo todas as surpresas ocultas, começa quando o problemático Beau (Joaquin Phoenix) se programa para fazer uma visita à casa de sua mãe (Patti LuPone). Ao longo do caminho, Beau acaba enfrentando uma série de imprevistos bizarros e surpreendentes.

Seguindo o exemplo de filmes como Depois de Horas, a proposta de Beau Tem Medo está pautada em um homem com objetivo mundano e linear. O desenvolvimento do roteiro se diverte nas infinitas possibilidades de obstáculos que aparecem ao longo do caminho, onde Aster apelará tanto para o terror profundo quanto um senso de humor dark, tal como o filme de Martin Scorsese. Toda essa proposta funciona lindamente durante o primeiro ato do longa, onde Aster explora o cotidiano aparentemente mundano de Beau, criando terror e constrangimento através de situações simples - como um vizinho que o acusa falsamente de fazer barulho ou o medo diário de andar por sua calçada absurdamente violenta.

O problema começa durante a jornada em si. Ainda que Aster traga bons personagens e situações (com destaque para o casal aparentemente amistoso vivido por Nathan Lane e Amy Ryan), a experiência vai sendo prejudicada pela longa duração. Levando em conta a proposta do longa de apostar na constante ansiedade e constrangimento, uma duração que encosta nas 3 horas oferece diversos problemas de ritmo - e pessoalmente considero o segundo ato extremamente inchado e cansativo, especialmente quando Aster investe em uma longa sequência teatral que não passa de uma simples alegoria. Mesmo com o ótimo trabalho técnico e a combinação inspirada de live-action e animação 2D (com participação da dupla chilena Cristobal León e Joaquín Cociña), é o tipo de material que poderia ser eliminado.

O que leva Beau Tem Medo para seu terceiro ato, que certamente arrancará as mais variadas reações do público. Será simplesmente impossível esboçar uma resposta indiferente ou simplista às decisões e visualizações de Aster em seu climax, que oferece uma das imagens mais grotescas (e, pessoalmente, ridículas) que vi numa tela de cinema em muito tempo.

Não há um parâmetro objetivo para julgar Beau Tem Medo. Mesmo com uma performance muito forte de Joaquin Phoenix, o novo filme de Ari Aster é uma odisseia de erros e acertos, que variam entre ótimas representações do medo cotidiano e as neuroses do dia a dia, até o senso de absurdo e ridículo de suas maiores ambições. Sem dúvida, uma experiência.

Beau Tem Medo (Beau is Afraid, EUA - 2023)

Direção: Ari Aster
Roteiro: Ari Aster
Elenco: Joaquin Phoenix, Patti LuPone, Nathan Lane, Amy Ryan, Stephen Henderson, Richard Kind, Parker Posey
Gênero: Suspense
Duração: 179 min

https://www.youtube.com/watch?v=D5LH3WqqZUQ&t=


Crítica | A Morte do Demônio: A Ascensão leva Evil Dead para a cidade

A franquia A Morte do Demônio foi o principal cartão de visitas de Sam Raimi em seu início de carreira como cineasta independente. Mais de 40 anos depois, a saga de demônios e motosserras se converteu em uma das mais influentes admiradas do gênero, com o uruguaio Fede Alvarez ressuscitando a franquia com um excelente remake em 2013.

Mais de uma década depois, Sam Raimi e o astro Bruce Campbell escolhem um novo cineasta para apadrinhar, levando as histórias sombrias de Evil Dead para as mãos do irlandês Lee Cronin (do elogiado Bosque Maldito) que oferece uma revitalização original e estimulante com o mais recente A Morte do Demônio: A Ascensão.

A trama acompanha a jovem Beth (Lily Sullivan), que retorna para Los Angeles a fim de visitar sua irmã Ellie (Alyssa Sutherland). Quando os filhos de Ellie descobrem o sinistro Livro dos Mortos em um banco abandonado, demônios malignos são libertados, possuindo o corpo de Ellie e colocando-a em uma caçada imperdoável pelo apartamento.

Ao mesmo tempo, o novo A Morte do Demônio é essencialmente o mesmo e completamente diferente de seus anteriores. Responsável também pelo roteiro, Cronin segue os mesmos passos estabelecidos por Sam Raimi ao explorar a descoberta acidental dos encantamentos e a subsequente possessão de pessoas inocentes. O grande diferencial está nos detalhes, como o fato de a maldição dessa vez ser libertada por uma gravação em disco de vinil (garantindo um trabalho sonoro fantástico) e a ambientação em um apartamento - enfim deixando as cabanas isoladas na floresta.

Cronin se beneficia imensamente dessa proposta, já que a ameaça de uma mãe possuída perseguindo seus familiares é muito mais assustadora do que um grupo de amigos adolescentes. Infelizmente, os personagens não são dos mais interessantes (especialmente a trinca de adolescentes filhos de Ellie), mas ao menos garantem boas performances de suas protagonistas. Lily Sullivan faz o melhor estilo de sobrevivente aos moldes da Ripley de Sigourney Weaver em Aliens: O Resgate, enquanto Alyssa Sutherland é uma verdadeira revelação ao se divertir horrores em sua atuação diabolicamente carismática - assustando e fascinando na mesma medida, naquela que talvez seja a grande performance de toda a franquia Evil Dead.

Como diretor, Cronin aproveita as gigantescas possibilidades que um Evil Dead urbano pode trazer. A situação se estende para cômodos apertados, a interferência de vizinhos e - em particular - sequências claustrofóbicas em elevadores. Cronin traz todo o sangue, gore e desmembramento que os fãs já podem esperar da franquia - ainda que nada tão insano quanto o filme de Fede Alvarez - e o uso de efeitos práticos permanece admirável, com direito a uma memorável homenagem ao elevador sangrento de O Iluminado.

O único grande demérito de A Ascensão envolve seu inexplicável prólogo e epílogo. É quando Cronin retorna para a ambientação clássica de Evil Dead, com personagens diferentes em uma cabana na floresta, mas que pouco acrescenta e se relaciona com os eventos da trama central. Não ajuda também que seja o bloco com os piores personagens e membros do elenco.

Mas no geral, Lee Cronin entrega mais um ótimo exemplar de Evil Dead com A Morte do Demônio: A Ascensão. Ainda que siga as mesmas regras e convenções dos filmes anteriores, a troca de ambientação oferece uma ótima possibilidade de renovação, que na maior parte é bem aproveitada pelos realizadores.

A Morte do Demônio: A Ascensão (Evil Dead Rise, EUA - 2023)

Direção: Lee Cronin
Roteiro: Lee Cronin
Elenco: Lily Sullivan, Alyssa Sutherland, Gabrielle Echols, Morgan Davies, Nell Fisher, Mirabai Pease, Richard Crouchley, Anna-Maree Thomas
Gênero: Terror
Duração: 97 min

https://www.youtube.com/watch?v=DSryQkpjpLI&t


Crítica | Suzume finaliza a primeira trilogia autoral de Makoto Shinkai com sensibilidade

Makoto Shinkai é um dos mais importantes expoentes da indústria cinematográfica de animes japoneses. Após conseguir alçar voos de relevância internacional com Your Name. (também conhecido como o Se Eu Fosse Você japonês), o diretor trouxe mais um sucesso com O Tempo com Você

Agora chega Suzume, finalizando a trilogia de filmes sobre desastres naturais e consequências com doses generosas de elementos sobrenaturais. Também buscando inspiração do mestre Myiazaki com A Viagem de Chihiro e O Castelo Animado, Shinkai visa trabalhar sua obra prima com Suzume, mas o resultado é um pouco aquém do que o almejado pelo artista. 

Súbita paixão 

O nome do filme vem da personagem protagonista, Suzume, uma estudante de 17 anos que mora com a tia Tamaki a maior parte de sua vida após perder a mãe em uma tragédia. Apressada para a escola, Suzume parte até notar um belo jovem passando por seu caminho. 

Ele a questiona sobre algumas ruínas e parte em direção até lá. Encantada pela beleza do rapaz chamado Souta, ela decide segui-lo para as ruínas. Lá, ela se perde e acaba encontrando uma misteriosa porta. Ao abrir, ela se depara com um universo paralelo que também traz um perigo gigantesco dentro de si. 

Após descobrir da pior forma como a sua interferência com o desconhecido foi perigosa, Suzume acaba entrelaçando seu destino com o de Souta que percorre todo o Japão para selar as portas e seus perigos. Tudo fica ainda mais complicado quando um gatinho místico chamado Daijin foge do local, aprisionando Souta em uma cadeirinha infantil ligada à infância de Suzume. 

Sem alternativas e na pressa, os dois passam a perseguir Daijin para reaver o corpo de Souta e também resolver o perigo desperto pela ruptura do equilíbrio das portas mágicas.

Apesar da sinopse ser longa, Suzume não é um filme burocrático. Na verdade, passa bem longe disso. O roteiro de Shinkai é repleto de boas ideias originais enquanto preserva todo o DNA autoral do artista muito pautado por histórias de amores impossíveis repletos de melodrama. 

Ele não foge do piegas e o abraça, algo bastante corajoso na escolha de uma narrativa de corrida contra o tempo para salvar o Japão de um desastre. É algo tão curioso que chega a prejudicar bastante a protagonista Suzume que é pautada apenas por sua paixão súbita por Souta, largando tudo para trás para atender um chamado "divino" de seu coração. 

Embora o texto entretenha e seja divertido, com doses bastante manipuladas para provocarem emoção e lágrimas no espectador, Shinkai apresenta seu trabalho mais problemático até então. O fato é que o filme renderia uma excelente série animada limitada, cobrindo mais adequadamente todas as boas ideias que o artista apresenta. 

São muitas ideias que acabam subaproveitadas no percorrer da trama bastante apressada que, ironicamente, ganha uma tremenda barriga em seu terceiro ato que serve para atrasar o clímax e revelar a evidente fragilidade na relação entre os personagens. 

O que mais funciona, mesmo que forçado, é o romance bizarro entre Suzume e Souta em seu formato carismático de cadeirinha. De resto, nada sustenta o filme, apesar de Shinkai trazer elementos muito interessantes sobre o rancor de Tamaki e a perda de sua juventude por cuidar de Suzume como a sua filha (ainda há também um elemento sobrenatural aqui que não faz o menor sentido). 

Tão longo a jornada se inicia que rapidamente os problemas surgem. Suzume traz uma mensagem bela dentro de um cenário relativamente realista, mas o roteirista dobra a sua ficção conforme a própria vontade. Para não ser burocrático, ainda que a narrativa seja de viagem e também um coming of age, Shinkai apela para uma infinidade de conveniências narrativas. 

Suzume sempre tem todo o dinheiro a disposição para resolver pormenores da vida e se não tem, algum estranho se prontifica a ajudá-la de modo extremamente afável e caridoso. Isso chega até a render uma natureza repetitiva até o meio do segundo ato para o filme. O mais curioso é que o filme poderia trazer uma justificativa plausível pelo uso do gato místico Daijin, mas isso não acontece. Shinkai tropeça em meio a suas próprias ideias e acaba esquecendo que elas também podem resolver as deficiências do próprio texto. 

Infelizmente, isso parece perseguir Suzume a cada novidade que é apresentada. A ideia de Shinkai sobre como ambientes abandonados e ruínas seguram emoções é excelente. O modo que isso se conecta com a história regressa de Suzume e também da história recente do Japão também é uma conexão inteligente. Uma pena, porém, que talvez por problemas de tradução, esse ambiente mágico e perigoso que habita nas dentro das portas seja também contraditório com o roteirista quebrando suas próprias regras estabelecidas previamente. 

Por conta de não conseguir desenvolver de modo satisfatório os personagens e também do passado de Suzume, o clímax emocional sedimentado desde os primeiros minutos de filme não atinge o potencial merecido e também desperdiça mais uma chance de explorar a relação de Tamaki com a protagonista. O clímax emociona, claro, mas por conta do melodrama exacerbado, da pungente e ótima trilha musical e pela dublagem competente. Não fosse isso, seria algo vazio ainda mais por Shinkai adicionar um bizarro elemento de viagem temporal nos instantes finais do filme. 

Também é triste que pouca atenção seja destinada ao fogo gatinho Daijin. O diretor faz um bom uso das redes sociais para conseguir manter o núcleo de Suzume atrás do personagem, mas pouquíssimo dos elementos místicos do personagem é apresentado, nada de sua motivação é desenvolvida e nem a problemática de sua função original. No fim, o desfecho é ainda pior com o personagem sofrendo um destino bastante triste sem chegar perto de merecer isso. É bizarro já que Shinkai manipula tanto a narrativa com diversas leniencias que a decisão de ser austero com Daijin estranha bastante. Pior ainda é como Suzume lida com o destino da criatura sendo que estava movendo mundos para salvar Souta que havia conhecido literalmente há três dias. 

Arte para encher os olhos 

Não é novidade que os filmes de Shinkai são visualmente impressionantes. Com forte pegada naturalista, o artista sabe comandar o talentoso time de ilustradores e animadores para trazer cenários majestosos que trazem suas próprias histórias apenas pelo visual (e isso é mais evidente em Suzume pela proposta de apego ao passado com as ruínas apresentadas aqui). 

O cineasta trabalha com eficiência com o poderio visual de sua proposta, chegando a trabalhar até mesmo dimensões épicas dignas de Neon Genesis Evangelion. Sem dúvidas é a maior força do filme que também ganha uma versão impressionante em Imax. 

O afinco artístico permanece também no design dos personagens, embora Souta possua um visual bastante genérico chegando a relembrar Howl de O Castelo Animado. Felizmente, o personagem fica a maior parte da projeção em seu formato de cadeira que traz uma bela poesia visual por ter somente três pernas, representando o sentimento de falta que Suzume luta diariamente por não ter a mãe consigo. 

Aliás, o destaque da animação certamente fica na movimentação da cadeira que flerta com uma visão "realista" da antropomorfização. Shinkai consegue emplacar um humor muito eficaz com as tiradas visuais envolvendo a cadeira e também sobre Suzume sentar nela ou não. 

Em termos puramente cinematográficos, Shinkai realiza o trabalho com a maestria de sempre, apenas traçando alguns elementos visuais-chave como uma montagem rápida das rotinas do ato de trancar e destrancar coisas - para reforçar toda a questão de trancar as portas, etc. As marcas do diretor estão mesmo com o pedigree autoral do texto. A animação tem todo o seu charme, os céus maravilhosos e todas as sequências envolvendo ruínas são igualmente bem trabalhadas. 

É interessante também, apesar de contar uma história repleta de buracos, que ele traz de modo cristalino a bela mensagem do filme. É muito inteligente que ele conecte o arco do luto da protagonista com um evento tão traumático que assombra o Japão desde então e que traz uma mensagem universal sobre a importância de superar tragédias.  

No fim, aos tropeços, Suzume finaliza a trilogia de romances impossíveis em meio à tragédias monumentais de Shinkai. O cineasta tem uma trilogia para chamar de sua e o que o futuro reserva para sua carreira desperta interesse. É bom que o artista renove suas inspirações, pois boas ideias não faltam para trazer mais histórias bonitas como essa. É um bom divertimento que merece ser visto, além de prestigiar o alcance de mais um anime nos cinemas brasileiros. 

https://www.youtube.com/watch?v=I6HKOpEGqVU&ab_channel=SonyPicturesBrasil

Suzume (Suzume no tojimari, Japão – 2022)

Direção: Makoto Shinkai
Roteiro: Makoto Shinkai
Elenco: Nanoka Hara, Hokuto Matsumura, Eri Fukatsu
Gênero: Animação, Aventura,
Duração: 122 min


Crítica | Super Mario Bros. - O Filme - Clássico da Nintendo recebe uma adaptação à altura

Crítica | Super Mario Bros. - O Filme - Clássico da Nintendo recebe uma adaptação à altura

Um dos grandes desafios atuais da indústria cinematográfica é a de adaptar games para o cinema e para a TV, tendo como missão a de manter a fidelidade em relação aos jogos e o de tentar fazer algo “novo” e que possa atrair fãs que desconhecem a obra original para assistir aquela produção. É daí que vem o desafio de Super Mario Bros - O Filme, animação que surge com alguns anos de atraso e que segue a tendência de adaptações que tomam Hollywood.

Não dá para entender como um personagem tão icônico dos videogames pode ficar tanto tempo longe dos cinemas, contando apenas com uma adaptação ridícula de Super Mario Bros. (1993), que era tão tosca, mas tão tosca, que praticamente jogou pelo ralo a ideia de fazer com que a dupla de encanadores se tornasse um sucesso.

Nessa nova história, a trama traz Mario (dublado por um Chris Pratt sem nenhum sotaque italiano) e Luigi (Charlie Day) tentando ganhar a vida como encanadores, até que um dia acabam sendo engolidos por um cano e vão parar em outra realidade, um mundo mágico, sendo que Mario foi parar no Reino do Cogumelos e Luigi em um local sombrio, em que reina Bowser, o vilão que é apaixonado pela Princesa Peach (Anya Taylor-Joy). O foco da narrativa está todo em Mario, que obviamente tem mais tempo de tela que seu irmão, com a importância de Luigi se limitando apenas a ser um prisioneiro e fazer com que Mario tenha uma jornada própria para salvá-lo.

Nostalgia

Dirigido pela dupla Aaron Horvath (Os Jovens Titãs em Ação! Nos Cinemas) e Michael Jelenic, com base no roteiro de Matthew Fogel (Minions 2), o longa animado funciona bem e irá agradar parte do público que cresceu jogando os games de Mario Bros., fazendo o feijão com arroz e não tentando reinventar a roda. Faz aquilo que os fãs queriam presenciar, ou seja, com os protagonistas sendo apresentados de maneira divertida e inserindo boas sequências de ação.

Uma coisa que chama a atenção no filme são as diversas referências, os conhecidos “easter eggs”, que principalmente para os conhecedores do game da Nintendo são puro devaneio. É possível encontrar na trama referências a jogos clássicos da franquia Mario Bros., como Super Mario Bros. 3 (NES - 1988), Super Mario Kart (Super NES - 1992) e Donkey Kong (NES - 1983), assim como é possível encontrar também “easter eggs” de jogos clássicos da empresa japonesa, como Punch-out! e Kid Icarus.

Diferente de Jogador Nº 1 (2018), em que a maioria das citações a obras da cultura pop faziam sentido para a narrativa, em Super Mario Bros. - O Filme não é bem assim que acontece, sendo que maioria das várias aparições de personagens, transformações do Mario e até mesmo as referências a games clássicos da franquia, poderiam ser descartadas. Não são informações realmente relevantes para a trama, estão ali apenas para trazer os fãs saudosistas para os cinemas. Esse excesso de referências se mostra desnecessário principalmente no último ato, em que as coisas acontecem de forma tão rápida que nem faz muito sentido colocá-las ali.

Ícones da Cultura Pop

Não é de se estranhar que Mario seja o protagonista do filme – até porque o título leva o seu nome – mas há uma outra protagonista muito importante na produção: a Princesa Peach. Chama a atenção pelo fato de os diretores fazerem algo diferente do que estamos acostumados a ver nos games, em que Mario precisa salvar Peach a todo instante. No longa, a Princesa tem um destaque que não é nada simbólico, tomando decisões importantes para a trama e mostrando que quem manda no Reino é ela. Também não é de se espantar a aparição de Donkey Kong na trama, já que a primeira vez que Mario Bros. apareceu foi em um jogo do Donkey Kong. Esse encontro entre Mario e Donkey Kong dá um outro tom para a narrativa, dando mais graça e ação a várias cenas.

Em compensação ao destaque dos heróis há a aparição de Bowser Koopa (com uma dublagem fantástica de Jack Black), um antagonista que é apaixonado por Peach e que fará de tudo para conquistar o Reino Cogumelo e também o coração da Princesa. É um ótimo vilão e muito bem desenvolvido, chega até a ser violento em alguns momentos, deixando claro que a obra não é focada apenas no público infantil, mas também no público adulto. Surpreende o fato de personagens carismáticos, como Diddy Kong e Yoshi aparecerem apenas de forma rápida e sem importância para a história, o mesmo ocorre com Toad, que praticamente some com o desenvolvimento da narrativa.

Super Mario Bros. - O Filme é diferente – e melhor – que a maioria das adaptações de games, trazendo a essência do videogame e assim mantendo o espírito da obra original. Outro grande destaque está na qualidade da animação, que lembra bastante os games de Mario Bros. Por essas e outras agrada e irá levar uma legião de fãs aos cinemas, além de possivelmente receber no futuro uma continuação e que seria muito bem vinda.

Super Mario Bros. - O Filme (The Super Mario Bros. Movie, EUA – 2023)

Direção: Aaron Horvath, Michael Jelenic
Roteiro: Matthew Fogel
Elenco: Chris Pratt, Anya Taylor-Joy, Charlie Day, Jack Black, Kevin Michael Richardson, Khary Payton, Keegan-Michael Key, Seth Rogen
Gênero: Animação, Aventura, Comédia
Duração: 92 min

https://www.youtube.com/watch?v=TnGl01FkMMo