Crítica | O Pior Vizinho do Mundo - Traz um Tom Hanks implicante e rabugento

Crítica | O Pior Vizinho do Mundo - Traz um Tom Hanks implicante e rabugento

Quando Um Homem Chamado Ove foi lançado, no ano de 2015 – no Brasil estreou apenas dois anos depois, em 2017 – logo, todos notaram seu grande potencial narrativo, tanto que o filme foi indicado na ocasião ao Oscar de Melhor Filme Estrangeiro. É então realizado um remake com o título sugestivo de O Pior Vizinho do Mundo e com Tom Hanks no papel de protagonista, e a nova versão não deixa nada a desejar ao original.

A grande questão a se discutir é da real necessidade desse remake existir, já que o longa original tinha uma história bastante agradável de se acompanhar, do mal-humorado senhor chamado Ove, que foi forçado a se aposentar e vivia ditando as regras de convivência em sua rua, mas no fundo, havia uma grande humanidade dentro de Ove. Assim ocorre com a versão americana, que foi realizada para agradar principalmente ao público norte-americano, que não tem muita atração por acompanhar legendas de produções estrangeiras.

Além de ter como referência a versão sueca, o filme dirigido por Marc Forster (Christopher Robin: Um Reencontro Inesquecível), também se inspira no livro de Fredrik Backman, que deu vida ao personagem amargo e ranzinza. O resultado almejado é conquistado, pois, se mantém o principal: que é o de conservar a alma do personagem, tanto da obra, quanto da produção sueca. Porém, ao acrescentar certos debates atuais, a trama acaba por derrapar ao não discutir a fundo esses assuntos que tinham potencial para ir mais longe.

Uma história profunda e reflexiva

Otto (Tom Hanks) é um homem solitário, cheio de manias, rabugento e que não gosta de ver as regras em seu condomínio sendo desrespeitadas e quebradas, principalmente pelos seus novos vizinhos, inclui-se aí Marisol (Mariana Treviño), que está grávida, seu marido e suas duas filhas. Uma típica família latina que está de mudança para o local e que em breve irá mudar também a vida de Otto, um senhor que ao longo da trama tenta de vários modos se suicidar por pensar que sua existência não faz mais sentido.

Há um trauma pessoal que Otto carrega e que será apresentado ao longo da trama. Tal situação é o ponto principal que a narrativa quer tratar e que tenta criar um laço emocional entre o roteiro e o público, fazendo com que muitos espectadores não consigam segurar as lágrimas em dado momento da história. A grande questão do longa dirigido por Marc Forster, é em que ponto ele quis chegar com a sua obra, pois, a partir do segundo ato, em que algumas descobertas importantes são feitas a respeito de alguns personagens, fica nítido que o cineasta inseriu essas discussões apenas para causar maior drama e não gerar um real debate.

O roteiro escrito por David Magee (O Amante de Lady Chatterley) tenta acrescentar diferentes questões atuais na trama e que não se sustentam com o passar da história. Algumas delas percebe-se que foram jogadas ali para dar maior dramaticidade para a narrativa, deixando assim alguns assuntos que poderiam ser relevantes sendo abordados de maneira rasa. A conclusão é que o filme é bastante profundo e reflexivo, ainda mais em relação a algo tão delicado quanto o suicídio, e é um acerto o jeito que o roteiro trata desse tema, mostrando que Otto pode sim seguir caminho sem precisar se trancar dentro de casa, ou até mesmo ficar preso na sua rua, e que nem sempre é o fim.

O Pior Vizinho do Mundo aproveita o seu potencial ao máximo e prende a atenção por ter Tom Hanks como protagonista. Hanks, que em Um Lindo Dia na Vizinhança (2019) interpretava um homem bondoso e que era amado por todos tem uma troca de papel, sua atuação está tão convincente que chega a incomodar em alguns momentos devido ao perfeccionismo de Otto. Deve agradar ao público por trazer boas lições e apor fazer pensar a respeito de alguns acontecimentos que surgem na vida.

O Pior Vizinho do Mundo (A Man Called Otto, EUA – 2022)

Direção: Marc Forster
Roteiro: David Magee, Fredrik Backman (livro), Hannes Holm (Um Homem Chamado Ove)
Elenco: Tom Hanks, Mariana Treviño, Lily Kozub, Mack Bayda, Cameron Britton, Juanita Jennings, Peter Lawson Jones, Rachel Keller
Gênero: Comédia, Drama
Duração: 126 min

https://www.youtube.com/watch?v=i9-t8H_5W0k


Whitney Houston - I Wanna Dance With Somebody é uma boa biografia de uma cantora lendária

Dirigido por  Kasi Lemmons, o filme I wanna dance with somebody - a história de Whitney Houston - Nippy para os íntimos vivida pela atriz Naomi Akie - brilha como ela, a Voz (maiúscula proposital por causa do apelido que teve em vida) feminina do século passado e início desse.Sucesso nos anos 80/90, Whitney Houston quebrou recordes atrás de recordes de venda de álbuns, de canções mais tocadas desde o seu lançamento. Filha de Cissy Houston - Tamara Tunie -  e John Russel Houston - Clarke Peters, começou a cantar no coral gospel júnior da Igreja de Nova Jersey, aos 11 anos de idade.

Sua mãe, também cantora, descobriu cedo que a voz da filha valia ouro. E ensinou técnicas de canto a ela entre uma viagem e outra para realizar shows pelos EUA. Enquanto isso, os filhos ficavam junto com os primos. Dionne Warwick era uma delas. A outra, Dee Dee, que não é citada no filme, foi a causa de muitos traumas na cantora. Uma das falhas desse espetáculo - sim, o filme é um espetáculo de shows, roupas, estilos - que está em cartaz nos principais cinemas das capitais e grandes cidades do Brasil. Somente dessa maneira, seria possível descobrir o início do envolvimento dela - e de seus irmãos - com as drogas que usou.

Apresentada ao “acaso” ao produtor Clive Davis - interpretado pelo excelente Stanley Tucci - , da artista, enquanto ainda era backing vocal dos shows da mãe, foi logo contratada e começou a ganhar fama pelas músicas que escolhia e o modo absolutamente maravilhoso que as interpreta.

Não há como não se emocionar com as diversas fases da menina que se torna mulher, começa como princesa dos EUA e cresce juntamente com as canções que escolhe e os prêmios que vai levando vida afora. 

Para quem conhece bem todos os transtornos pelos quais Whitney passou - e sobreviveu com a força interior -, não sairá totalmente satisfeito do cinema. Mas a relação dela com o seu agente tem química, carinho e compreensão. A atriz leva a personagem ao apogeu com o Hino Nacional Norte-Americano interpretado por ela na final do SuperBowl, o mais importante torneio de futebol americano, repete essa mesma força ao cantar para Nelson Mandela, na África do Sul e dá esperança de que ela venceria, por completo, o uso das drogas, quando canta no programa da Oprah. Infelizmente, não foi isso que aconteceu.

Whitney Houston fez da arte - como um todo - a sua maneira de viver, sendo escolhida por Kevin Costner para interpretar uma cantora de fama internacional, Rachel Marron, em O Guarda-Costas. Segundo o ator, não haveria outra para poder interpretar o papel.

A mezzo-soprano - sim, era esse o seu tipo de voz - se foi em 2012 por afogamento acidental na banheira do quarto de hotel que estava hospedada, depois de sofrer mais uma das dezenas de decepções que viveu - seu pai, além de roubar o que ganhava e distribuir o seu dinheiro a muitas pessoas, incluindo uma de suas amantes, a processou em 100 milhões de dólares por ser afastado do que mais gostava de fazer. Ou seja, segundo ele, cuidar da carreira da sua princesa.

Lindo e triste filme de uma vida que marcou muitas vidas com as suas canções e interpretações especialíssimas. Inclusive essa de quem escreve esse texto. Boas lembranças de um tempo feliz!


Crítica | Os Fabelmans - Spielberg e a arte de se fazer cinema

Assistir aos 150 min. de Os Fabelmans, novo filme de Steven Spielberg, é um grande luxo e oportunidade para os cinéfilos e adoradores da obra do diretor, que se consagrou pelos seus trabalhos em clássicos como Tubarão e A Lista de Schindler, pois, funciona como uma viagem à juventude de Spielberg.

Não é pretensão alguma, nem exagero, dizer que Os Fabelmans é um dos melhores trabalhos da carreira de Spielberg. Isso se dá pelo fato de ser uma peça autoral, por abordar a sua história de vida, mesmo de maneira ficcionalizada, e nela o cineasta apresenta as virtudes de um jovem sonhador, idealizadas em Sammy Fabelman. Os fãs de várias gerações de Steven Spielberg, principalmente aqueles na faixa dos 30 anos, se sentirão saudosistas em vários momentos e vão pegar referências na história de situações que ocorreram na juventude e infância do jovem cineasta e que depois foram usadas futuramente em suas obras.

É verdade que Os Fabelmans não conta com um título muito atraente frente a todo seu repertório que se propõe a apresentar, e isso pode causar uma fuga de uma parcela do público que irá assisti-lo por pensar que é apenas mais um drama familiar comum, sendo muito mais que isso. Spielberg realiza uma carta de amor aos pais e insere na narrativa personagens que funcionam como lembranças de integrantes de sua família e que tiveram importância durante o seu crescimento pessoal e profissional.

O fato é que se fosse pedido para que Spielberg roteirizasse e dirigisse uma série biográfica ou escrevesse um livro sobre sua vida, a obra seria muito próxima do que é presenciado em Os Fabelmans, tendo o jovem Sammy Fabelman sendo apresentado como um garoto que sonhava em fazer filmes, indo contra os desejos de seu pai, que era um técnico de computador de sucesso na época e não queria que Sam fizesse cinema.

Amor à primeira vista

Com uma paixão pela sétima arte que surgiu logo em sua primeira ida ao cinema para assistir ao O Maior Espetáculo da Terra (1952), foi a partir daí que nasceu uma vontade no jovem Sammy em trabalhar fazendo filmes. Há outros relatos bastante pessoais que são apresentados na narrativa e que podemos acompanhar ao longo dos 150 min., como a traição de sua mãe com o melhor amigo de seu pai o antissemitismo presente em vários momentos da trama, passando pelo seu primeiro amor e o confronto com os “valentões” do colégio.

O belo roteiro, obra de Steven Spielberg com parceria de Tony Kushner (Amor, Sublime Amor) é um primor só, trabalhando o lado dramático, mas também dando um tom de humor em várias cenas e assim tirando um pouco da carga pesada da narrativa.

O elenco em especial está ótimo, mas com destaque para Michelle Williams e Gabriel LaBelle, que estão nos papéis centrais, estão fantásticos, com atuações que não deixam o espectador em nenhum momento perder a atenção na trama.

Entretanto, o grande acerto, sem dúvida alguma, está na presença de David Lynch interpretando o cineasta John Ford. Em uma cena espetacular, em que Spielberg coloca um diretor representando o passado do audiovisual conversando com o jovem Sammy, este simbolizando o futuro do cinema e recebendo uma aula do veterano de forma simples e direta — possivelmente uma das melhores cenas do filme.

É possível dizer que Steven Spielberg raramente erra, e caso cometa erros eles praticamente não aparecem em Os Fabelmans, que tem em sua direção um de seus trabalhos mais maduros e inteligentes da carreira. O longa recebeu dois prêmios no Globo de Ouro, nas categorias de Melhor Direção e Melhor Filme de Drama e não deve parar por aí com o Oscar chegando.  Que Steven Spielberg não pare por aí e continue nos brindando com mais filmes de tamanha qualidade.

Os Fabelmans (The Fabelmans, EUA - 2022)

Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Steven Spielberg, Tony Kushner
Elenco: Michelle Williams, Paul Dano, Gabriel LaBelle, Seth Rogen, Mateo Zoryan, Keeley Karsten, Alina Brace, Judd Hirsch, Sam Rechner, Oakes Fegley, Chloe East, David Lynch
Gênero: Drama
Duração: 150 min


Crítica | Gato de Botas 2: O Último Pedido é a melhor animação da DreamWorks em anos

Crítica | Gato de Botas 2: O Último Pedido é a melhor animação da DreamWorks em anos

Após manter a franquia Shrek na geladeira por mais de 10 anos, eis que a DreamWorks Animation realiza um retorno triunfal e surpreendente com Gato de Botas 2: O Último Pedido. Servindo como uma sequência tardia para o spin-off do personagem felino de Antonio Banderas, o resultado é o melhor trabalho da empresa em muito tempo.

A história do filme segue as aventuras do destemido Gato de Botas, dublado novamente por Antonio Banderas. Quando suas 9 vidas ameaçam chegar ao fim, o Gato precisará proteger sua última vida e embarcar em uma jornada para encontrar a mítica Estrela Cadente perdida, que concede um desejo a seu mestre, mas precisará fazê-lo antes de diversos outros caçadores atrás do mesmo prêmio - além da figura misteriosa do Lobo Mau (voz de Wagner Moura), que o persegue pelo caminho.

Inspirando-se fortemente no estilo de animação de Homem-Aranha no Aranhaverso, o novo Gato de Botas é uma das grandes surpresas do ano. Além de contar com cenas de ação inspiradas e conceitos visuais fascinantes, o filme de Joel Crawford é engraçado e dramático na medida certa, aprofundando a mortalidade do Gato de Botas em sua poderosa inimizade com o Lobo; mas também criando momentos divertidos com sua equipe de aliados (Salma Hayek e o carismático Harvey Guillén) e a gangue oposta liderada por uma divertidíssima Cachinhos Dourados (voz de Florence Pugh) e sua trupe de ursos britânicos.

Confira o comentário completo no canal Lucas Filmes.

Gato de Botas 2: O Último Pedido (Puss in Boots: The Last Wish, EUA - 2022)

Direção: Joel Crawford
Roteiro: Tommy Swerdlow e Paul Fisher
Elenco: Antonio Banderas, Salma Hayek, Harvey Guillén, Wagner Moura, Florence Pugh, Olivia Colman, Ray Winstone, John Mullaney
Gênero: Aventura
Duração: 100 min

https://www.youtube.com/watch?v=JRwWn6jUQPo


Crítica | Avatar: O Caminho da Água é o filme mais ambicioso de James Cameron

Já fazem 13 anos desde que James Cameron quebrou um hiato de mais de uma década para apresentar a seu novo universo fantástico com Avatar. O filme se tornou a maior bilheteria da História do Cinema, apresentando uma nova revolução de computação gráfica e efeitos 3D. Desde então, Cameron passou quase 20 anos planejando não uma, mas quatro continuações de sua saga de ficção científica.

Para Avatar: O Caminho da Água, o trunfo vem na possibilidade de Cameron poder explorar sua grande paixão: os oceanos. Já tendo encontrado alienígenas nas profundezas com O Segredo do Abismo e literalmente ter afundado um transatlântico em Titanic, o novo filme transporta a ação para a biosfera marinha de Pandora, resultando naquele que certamente é o maior e mais ambicioso  espetáculo que o diretor já ofereceu até então.

Na trama, Jake Sully (Sam Worthington) e Neytiri (Zoe Saldaña) começam uma família em Pandora, tanto com filhos biológicos quanto crianças adotadas. A paz do casal é interrompida quando os humanos da RDA retornam ao planeta, agora com intenções agressivas de tomar o território inteiro. Buscando refúgio, Jake e sua família migram para uma tribo aquática, onde precisaram mudar todos os seus costumes.

Uma reclamação comum acerca do primeiro Avatar é sua história simplificada. É um grande pastiche de obras como Dança com Lobos e até mesmo Pocahontas, mas elevados com a grande imaginação e capacidade de criar mundos de Cameron. Para O Caminho da Água, Cameron e os roteiristas Rick Jaffa e Amanda Silver mantém a simplicidade temática e narrativa, com a história dando muito mais espaço para os filhos adolescentes de Jake e Neytiri (e o casal infelizmente fica de escanteio) e a exploração de dilemas igualmente simples: amadurecimento, reconhecimento dos mais velhos, identificação e etc. Porém, o trio de roteiristas é muito eficiente em tornar todas essas personagens em figuras carismáticas e fáceis de se identificar; especialmente o esforçado Lo’ak (o simpático Britain Dalton) e a enigmática Kiri, nova personagem vivida por uma Sigourney Weaver rejuvenescida.

É um medo comum ter seus protagonistas adultos sendo substituídos por crianças e adolescentes, afinal são personagens dificílimos de serem escritos, mas o resultado é muito positivo. Toda a dinâmica familiar funciona e emociona, e ganha contornos interessantes ao integrar um garoto humano (Jack Champion) como parte do núcleo familiar, em uma inversão interessante da premissa do filme original. Curiosamente, o mesmo se aplica para o vilanesco Quaritch (Stephen Lang), que tem um retorno muito criativo e coerente com as ideias de ficção científica de Cameron, com o agora azulado coronel protagonizando um arco que espelha o de Jake Sully no primeiro filme.

Por outro lado, há também um problema de convenções e repetições narrativas. Como Jake e sua família se mudam para uma nova tribo, com as figuras de Cliff Curtis e Kate Winslet como líderes, os membros de sua família passam por mais um processo de aprendizagem, similar ao do Avatar original: o encantamento com um novo ecossistema, o processo de se conhecer e domar criaturas inéditas e a relação dos protagonistas com novos personagens. O processo pode se tornar um tanto repetitivo, especialmente pela extensa duração de 192 minutos, mas felizmente garante uma infinitude de novas e elaboradas criaturas - todas excepcionalmente desenhadas e confeccionadas por uma equipe de designers absurdamente criativa.

Com mais de uma década em desenvolvimento, naturalmente James Cameron oferece um espetáculo ainda maior do que seu antecessor. Os efeitos visuais são virtualmente perfeitos e repletos de detalhes, e Cameron avança a tecnologia de captura de performance para obter imagens e atuações embaixo da água, que garantem uma realização em 3D e High Frame Rate absolutamente maravilhosas. Cameron também retoma a parceria com o diretor de fotografia Russell Carpenter (de Titanic e True Lies) e juntos aprimoram de forma colossal a concepção fotográfica do projeto; garantindo um aprofundamento de luz, foco e elementos cinematográficos que tornam O Caminho da Água visualmente superior ao anterior em todos os sentidos.

Mestre em espetáculos e cenas de ação, Cameron leva seus brinquedos e alienígenas para a água, e o resultado é impressionante. Por mais de 1 hora de duração, o cineasta apresenta uma cena de guerra aquática fantástica, e ainda presenteia o público com uma inesperada porção dedicada ao naufrágio de um cruzador militar, onde Cameron pode literalmente trazer seus músculos de O Segredo do Abismo e Titanic para o universo de Avatar.

O único grande defeito de O Caminho da Água está em sua trilha sonora. Sem o falecido James Horner no comando da música, a produção contou com Simon Franglen, que foi assistente do compositor durante o primeiro filme. Infelizmente, Franglen se contenta em repetir e reciclar todos os temas criados por Horner no original, mas de uma forma nada inspirada, e que só reforça a repetição de elementos narrativos. Uma distração monumental.

Ainda que inferior ao primeiro filme, Avatar: O Caminho da Água segue a tradição de James Cameron para construir continuações maiores e mais ambiciosas do que seu predecessor. Mesmo que excessivamente longo e um pouco repetitivo, o núcleo familiar é emocionante e genuíno, e carregam todo o espetáculo visual de criações fantásticas e cenas de ação espetaculares. A coroa de Rei do Mundo segue intocada.

Avatar: O Caminho da Água (Avatar: The Way of Water, EUA - 2022)

Direção: James Cameron
Roteiro: James Cameron, Amanda Silver e Rick Jaffa
Elenco: Sam Worthington, Zoe Saldaña, Stephen Lang, Sigourney Weaver, Cliff Curtis, Kate Winslet, Britain Dalton, Jack Champion, Edie Falco
Gênero: Aventura
Duração: 192 min

https://www.youtube.com/watch?v=ijbTSFFBJv8&t=4s


Crítica | Noite Infeliz transforma Papai Noel em herói de ação

Crítica | Noite Infeliz transforma Papai Noel em herói de ação

Desde que o John Wick de Keanu Reeves ajudou a revitalizar o cinema de ação hollywoodiano na última década, a 87th North tem se posicionado no meio dessa revolução. Originalmente uma empresa de action design (a 87Eleven), a produtora co-fundada por David Leitch ajudou a criar novos ícones do gênero, e às vezes de lugares inesperados: Charlize Theron reinventou sua carreira com Atômica, Brad Pitt voltou à onda de pancadaria com Trem-Bala e até o “pacato" Bob Odenkirk mostrou suas habilidades de luta com o divertido Anônimo.

O próximo passo natural da empresa? O Papai Noel, naturalmente. Essa é a proposta de Noite Infeliz, que transforma o Bom Velhinho das festas natalinas em uma máquina de matar agressiva e sangrenta, mas por mais divertida que a proposta possa parecer, o resultado fica bem abaixo do esperado.

A trama acompanha o Papai Noel verdadeiro (David Harbour) que encontra-se deprimido e melancólico após anos realizando um trabalho que não julga mais como importante. Cumprindo sua rota anual na Véspera de Natal, Noel acaba se deparando com uma família disfuncional que é mantida refém por um grupo de mercenários em uma mansão. Motivado pelo pedido da garotinha mais jovem no grupo, ele resolve intervir, usando apenas seus punhos e saco de brinquedos como armas.

Chega até a ser curioso como diferentes brucutus do cinema de ação andam vestindo a roupa vermelha do Papai Noel ultimamente. Kurt Russell tem sua própria franquia na Netflix com As Crônicas do Natal e até Mel Gibson encarnou uma versão bem brutal (e original) de São Nicolau no irreverente Entre Armas e Brinquedos. Agora, David Harbour empresta seu carisma para o papel, que infelizmente é prejudicado pelo texto bem mediano da dupla Pat Casey e Josh Miller (das adaptações recentes de Sonic na Paramount Pictures).

É uma decisão curiosa a de realmente usar o Papai Noel mitológico como astro de ação, e a dupla de fato constrói um bom palco ao estabelecer a personalidade depressiva e sarcástica do protagonista - sendo um Billy Bob Thornton um tanto mais melancólico. O problema começa quando Casey e Miller parecem não dosar o equilíbrio de humor e drama, já que Noite Infeliz parece se levar a sério demais ao explorar a previsível narrativa de pais “pseudo divorciados” com uma criança pequena, mas toma rumos simplesmente ridículos e dignos de desenho animado à medida em que a narrativa avança. O problema é o descompasso, já que existem 3 filmes de tonalidades bem diferentes correndo em paralelo nos (arrastados) 110 minutos de projeção.

O resultado fica um pouco mais decepcionante quando chegamos às cenas de ação. O mediano Tommy Wirkola (de João e Maria: Caçadores de Bruxas) assume um estilo de coreografia extremamente simples, e que logo se torna repetitivo durante todas as demais cenas de luta. Wirkola e seus dublês claramente se divertem com o uso de aparatos e enfeites natalinos para efeitos de mutilação e ataque (com destaque para o uso de uma estrela brilhante), mas a piada logo vai se esvaziando - especialmente pelo trabalho de fotografia irregular de Matthew Weston, que em diversas cenas torna o resultado visualmente incompreensível.

Mais bizarro ainda é o longo bloco onde Noite Infeliz parece ficar sem ideias e opta por recriar Esqueceram de Mim. Porém, Wirkola imagina como o clássico natalino de Chris Columbus seria se de fato fosse violento e tivesse uma censura para maiores, garantindo uma sequência divertida no papel (ou em um vídeo paródia de YouTube), mas que definitivamente não tem espaço ou razão sensata para aparecer no filme; muito menos para tomar tanto tempo de tela.

Por mais que tenha uma ideia interessante, Noite Infeliz não consegue aproveitar seu divertido potencial. Há uma grave descompasso entre drama e humor, e o próprio David Harbour não se mostra como uma escolha inspirada no papel. Bem, para os fãs de ação e Natal, sempre existirá Duro de Matar.

Noite Infeliz (Violent Night, EUA - 2022)

Direção: Tommy Wirkola
Roteiro: Pat Casey e Josh Miller
Elenco: David Harbour, Beverly D'Angelo, John Leguizamo, Alex Hassell, Alexis Louder, Leah Brady, Edi Paterson, Cam Gigandet, Alexander Elliot
Gênero: Ação
Duração: 112 min

https://www.youtube.com/watch?v=Sk9PIm8osLI&t


Crítica | O Menu é um dos filmes mais saborosos e originais do ano

Nada como uma boa inversão de expectativas. Dado o atual fascínio de Hollywood pelo tema de canibalismo, não é incomum olhar para um longa-metragem batizado de O Menu, cuja proposta promete “um cardápio com muitas surpresas”, e supor que seu tema também irá remeter ao consumo de carne humana. Felizmente, esse prato traz muito mais camadas do que seu cheiro possa sugerir, e o filme de Mark Mylod facilmente se destaca como uma das surpresas mais agradáveis e originais do cinema de 2022.

Na trama, o casal Tyler e Margot (Nicholas Hoult e Anya Taylor-Joy) viaja para o requintado restaurante do renomado Chef Slowick (Ralph Fiennes), localizado em uma ilha remota. Obcecado com controle e perfeição, o excêntrico chef promete preparar um menu diferente de tudo o que seus convidados já experienciaram, e suas práticas logo se revelam como algo muito além do que um mero afinco culinário.

Escrito pela dupla Seth Reiss e Will Tracy, mais acostumada com séries de TV ou programas de Late Show, O Menu é uma sátira feroz ao mundo da gastronomia de alta classe. Tal como o canibalismo em Hollywood, programas de cozinha como Masterchef garantiram um interesse gigantesco do público nos últimos anos, e o texto de Reiss e Tracy acerta ao incorporar diversos elementos desse subgrupo social - como a degustação excessiva, os pratos conceituais - e jogá-los em uma trama muito bem costurada. A dupla é particularmente inspirada na forma como prepara a exposição, incorporando elementos que remetem diretamente à cozinha para ditar as “regras" de seu universo, como a sequência de pratos e os letterings extremamente irônicos que detalham cada refeição - e, posteriormente, alguns eventos relevantes à história.

À medida em que o lado mais sombrio de Slowick começa a florescer, o texto de Reiss e Tracy ganha uma nova camada pelas mãos do diretor Mark Mylod (que comandou diversos episódios de Succession). Tratando-se de um verdadeiro psicopata na cozinha, a figura de Slowick garante ao espectador um excepcional exemplo de riso nervoso, já que a situação na qual o grupo de convidados se encontra é extremamente assustadora e claustrofóbica, mas o absurdo do “conceito" de seu colorido antagonista, e suas práticas que garantem quadros visualmente impressionantes, também provocam a veia do humor negro de forma muito eficiente; alcançando um resultado similar ao do ótimo Casamento Sangrento, também produzido pela Searchlight Pictures.

Mas um dos grandes deleites de O Menu é observar o feroz duelo que passa a ser travado entre o Slowick de Fiennes e a aparentemente inocente Margot de Anya Taylor-Joy. Enquanto Fiennes oferece sua postura tradicionalmente rígida e temperada com toques de humor (como seu hilário personagem em Ave, César!), Joy parece contestar e nunca levar seu tratamento à sério; contrariando também a postura de fanboy agressivo de seu parceiro, muito bem retratado por Nicholas Hoult. À medida em que Fiennes e Joy vão descobrindo e expondo segredos um sobre o outro, com o roteiro se aproveitando bem de foreshadowings e pequenas pistas ao longo do caminho, O Menu oferece uma experiência genuinamente empolgante e imprevisível - e o preparo de um simples cheeseburger nunca pareceu tão saboroso e triunfante quanto o que ocorre no terceiro ato da projeção.

Ainda que tenha sua parcela de absurdos e suspensões de descrença no ato final, O Menu se destaca no catálogo de lançamentos de 2022 como uma de suas oferendas mais interessantes. É uma história magistralmente contada, com uma direção precisa e um excelente elenco. Um prato que cai bem e definitivamente vale a repetida.

O Menu (The Menu, EUA - 2022)

Direção: Mark Mylod
Roteiro: Seth Reiss e Will Tracy
Elenco: Ralph Fiennes, Anya Taylor-Joy, Nicholas Hoult, Hong Chau, John Leguizamo, Janet McTeer, Aimee Carrero, Paul Adelstein, Judith Light, Rob Yang, Mark St. Cyr, Arturo Castro, Reed Birney
Gênero: Comédia, Suspense
Duração: 106 min

https://www.youtube.com/watch?v=pel2N4FDeso&t


Crítica | Até os Ossos é uma curiosa história de amor canibal

Hollywood definitivamente está interessada em canibalismo. Seja no investimento em conteúdos de não ficção ou filmes de terror, o tema está em alta no cinema e no streaming, e o renomado Luca Guadagnino agora está colocando suas fichas na mesa. Curiosamente, o resultado de Até os Ossos é radicalmente diferente de alguns de seus antecessores, por se tratar de um romance.

Ainda mais divertido é perceber como Até os Ossos parece combinar os dois principais sucessos de Guadagnino como cineasta nos Estados Unidos: um romance adolescente e coming of age com Timothée Chalamet, saindo de Me Chame Pelo Seu Nome, e uma história de terror, vísceras e sangue; tal como em seu remake de Suspiria. O resultado é surpreendentemente eficaz.

Baseando-se no livro de Camille DeAngelis, a trama segue a jovem Maren (Taylor Russell), que tenta controlar sua vontade incontrolável de consumir carne humana. Após ser abandonada pelo pai (André Holland), ela parte em uma viagem pelos Estados Unidos a fim de encontrar sua mãe biológica, deparando-se com uma série de estranhos carismáticos; especialmente com Lee (Timothée Chalamet), que compartilha da mesma condição.

Assistindo a Até os Ossos, fica claro como o longa é genuinamente uma adaptação literária. A extensa narrativa de mais de 2 horas aposta em diversos personagens, locações e saltos no tempo, adequando-se como um road movie padrão. Dessa forma, o roteiro de David Kajganich não é incapaz de fugir de alguns clichês e convenções do gênero - principalmente quando a jornada de Maren esbarra em personagens que pouco acrescentam ou que carecem de carisma.

Porém, o saldo é bem mais positivo. Justamente por estar inserido em um gênero mais romântico e também derivativo do coming of age, Até os Ossos surpreende por sua abordagem ao canibalismo. Ainda que nada muito gráfico ou violento como o francês Raw, o longa fascina por suas descrições e diálogos extensos, onde personagens compartilham as sensações e reflexões sobre o ato de se devorar um ser humano - especialmente no tipo de "refeição" que dá título ao filme.

Também é muito original observar como a história coloca inúmeros personagens canibais no filme, oferecendo a curiosa justificativa de que "um devorador pode sentir o cheiro do outro", mesmo a quilômetros de distância. Isso garante encontros com a bizarra dupla formada por Michael Stuhlbarg e David Gordon Green (sim, o diretor da nova trilogia de Halloween) e o assustador sociopata interpretado por Mark Rylance, Sully. É uma figura absolutamente imprevisível, enigmática e que sempre deixa o espectador inquieto; já que sua aparente simpatia é sempre mascarada por uma ameaça aterradora, e Rylance se garante como o grande destaque entre os coadjuvantes.

Já o romance central entre Taylor Russell e Timothée Chalamet é bem funcional. Mesmo quando a câmera de Guadagnino seja um tanto viciada na estética "fly on the wall", servindo como um observador inquieto, o carisma de ambos os intérpretes é aparente e muito convincente. Chalamet acerta em criar uma figura que equilibra uma postura de bad boy com uma fragilidade palpável, enquanto a relativamente desconhecida Russell (dos filmes da franquia Escape Room da Sony Pictures) segura boa parte da projeção com uma performance quieta, mas cheia de carisma e um olhar penetrante.

Mesmo que seja um tanto longo e com algumas barrigadas narrativas, Até os Ossos é uma experiência muito original e envolvente. Clássico road movie, o filme de Luca Guadagnino é capaz de chocar e emocionar na mesma medida, e definitivamente se garante como uma das experiências mais únicas do cinema de 2022.

Até os Ossos (Bones and All, EUA - 2022)

Direção: Luca Guadagnino
Roteiro: David Kajganich, baseado no livro de Camille DeAngelis
Elenco: Taylor Russell, Timothée Chalamet, Mark Rylance, Michael Stuhlbarg, David Gordon Green, Chloe Sevigny, André Holland
Gênero: Drama, Romance
Duração: 131 min

https://www.youtube.com/watch?v=OMeEv_9faFQ&t=4s


Crítica | Desencantada é uma das piores continuações da Disney

Lançado originalmente nos cinemas em 2007, Encantada é um filme mais importante do que a própria Disney pode oferecer crédito. Muito antes de o estúdio e toda a indústria começar a questionar a fórmula e reinventar as lições de contos de fadas, o filme de Kevin Lima já apresentava ideias disruptivas e originais, e fazia com muito charme, diversão e carisma graças ao trabalho fantástico de Amy Adams - em um dos papéis definidores de sua carreira.

15 anos depois, a Disney volta a capitalizar a nostalgia de gerações para oferecer um novo - e aguardado - capítulo da história da princesa Giselle, agora com uma aventura produzida diretamente para o Disney+. E se Encantada realmente é um filme que transborda magia e encantamento, Desencantada faz bastante jus a seu título ao se desfazer de ambos os elementos.

Na trama, Giselle (Adams) está se mudando para o subúrbio americano de Monroeville ao lado de seu marido Robert (Patrick Dempsey) e a enteada Morgan (Gabriella Baldacchino). Porém, enquanto ela se diverte com uma vida mais simples, nota a infelicidade de sua família neste novo ambiente, e logo recorre à magia para transformar seu cotidiano em um conto de fadas. O feitiço só tem um efeito inesperado ao transformar Giselle na Madrasta Má da história.

Por um lado, é importante elogiar a ousadia. Afinal, o trio de roteiristas David Weiss, J. David Stem e Richard LaGravenese segue por um caminho mais difícil, já que muitas continuações contemporâneas se contentam em repetir a fórmula de seu filme original; a ideia de enxergar Giselle como uma pseudo antagonista é realmente ousada e garante um bom material para Amy Adams se divertir. Porém, não há traço algum do charme e da originalidade que tornaram o primeiro Encantada tão bem sucedido e especial, já que Desencantada não parece saber qual tom acertar.

Se o primeiro era uma ótima exploração da fórmula do peixe fora da água, Desencantada não vai além de um pastiche genérico de diversos outros contos de fada da Disney: em parte Branca de Neve, alguns elementos de A Bela Adormecida e - claro - uma repetição quase grotesca de todos os beats de história de Cinderela, que surge como a principal inspiração da história. É como assistir a um filme completamente diferente do original, e um que infelizmente é muito mais genérico, excessivamente longo e que lamentavelmente descarta diversos de seus elementos vencedores - o maior deles, o príncipe Harry de James Marsden que é reduzido a uma participação de meros 5 minutos.

A reviravolta de Giselle estar em conflito consigo mesmo oferece outro problema ao longa quando uma segunda antagonista é introduzida: a Rainha Má de Maya Rudolph. O próprio filme parece em conflito quanto a qual ameaça prefere priorizar: Rudolph ou a própria personalidade maléfica de Giselle, que ao menos servem para render um bom número musical antagônico entre as duas - mas Rudolph surge completamente deslocada em relação ao elenco, que ainda precisa apostar na irregular Gabriella Baldacchino como pseudo protagonista por boa parte da duração.

Não bastasse a confusão conceitual, Desencantada é mais um exemplo preocupante da pobreza visual sobre a qual Hollywood vem se afundando. A direção de Adam Shankman (de Hairspray: Em Busca da Fama) nunca vai além do básico, captando até números musicais de escala grandiosa com a estética rudimentar de uma sitcom de TV da década de 1990, jamais fugindo do previsível “plano-contraplano-plano geral”, que só empalidecem na paleta de cores lavada e sem qualquer brilho. 

Na verdade, o diretor de fotografia Simon Duggan (que geralmente é um ótimo fotógrafo) tem a infeliz escolha de aplicar um filtro horroroso sobre todas as cenas que se desenrolam após o feitiço de Giselle - inexplicavelmente transformando todos os personagens e cenários em bonecos de cera, tão desagradáveis quanto o efeito usado por Peter Jackson em sua trilogia de O Hobbit.

Infelizmente, Desencantada desce muito o nível de qualidade em relação ao anterior. No lugar de uma aventura engraçada, inteligente e bem realizada, o resultado é bem mais próximo das lamentáveis continuações direto para VHS que a Disney lançava na década de 1990. É realmente um desencanto completo.

Desencantada (Disenchanted, EUA - 2022)

Direção: Adam Shankman
Roteiro: David Weiss, J. David Stem e Richard LaGravenese
Elenco: Amy Adams, Patrick Dempsey, Maya Rudolph, Gabriella Baldacchino, James Marsden, Idina Menzel, Griffin Newman
Gênero: Aventura, Comédia
Duração: 120 min

https://www.youtube.com/watch?v=O3EI3v7mxf0&t=5s


Crítica | Pantera Negra: Wakanda para Sempre é uma linda homenagem, mas filme problemático

Ryan Coogler tinha uma tarefa impossível. Não só o cineasta americano em ascensão precisava seguir o trabalho monumental de Pantera Negra, filme que arrecadou mais de US$1 bilhão nas bilheterias, foi universalmente aclamado e até indicado ao Oscar de Melhor Filme, mas também precisava fazer algo digno para honrar o legado de Chadwick Boseman, astro que morreu após uma trágica batalha contra o câncer.

O projeto foi mudado e alterado diversas vezes ao longo dos anos, até se tornar este Pantera Negra: Wakanda Para Sempre, filme que chega com as pesadas responsabilidades de continuar a história de uma lenda, homenagear outra e ainda estabelecer inúmeros novos pontos de história e personagens para o chamado MCU. Naturalmente, não é uma tarefa que seria bem-sucedida ao extremo.

A trama incorpora a morte de Boseman ao trazer a nação de Wakanda de luto, sofrendo sem a presença do Rei T'Challa, cuja ausência agora deixa o país suscetível a ataques e desejos imperialistas de todo o mundo. Uma das operações do governo americano desperta a atenção de Namor (Tenoch Huerta), um guerreiro das profundezas que pressiona a Rainha Ramonda (Angela Bassett) para formar uma aliança e levar a guerra para a superfície.

Processo de luto

Assistindo a Wakanda Para Sempre, nitidamente percebe-se a existência de dois filmes batalhando entre si. O primeiro deles é a mais honesta e emocionante expressão de luto e sentimentos complexos, que Coogler e o roteirista Joe Robert Cole o fazem com naturalidade e maturidade, em um nível desconhecido para as obras do MCU - e que por consequência transborda-se em todo o elenco, afiadíssimo. O outro filme provavelmente representa o resquício da ideia original de Coogler para o projeto, que estabelece uma guerra épica entre duas nações escondidas da humanidade, para enfim apresentar o Príncipe Namor ao Universo Marvel dos Cinemas.

São duas linhas bem diferentes entre si, e que raramente conversam de forma coerente. A introdução de Namor e diversos outros elementos, como a prodígio Riri Williams/Coração de Ferro (a ótima Dominique Thorne), a pressão do governo americano sobre Wakanda e o conflito descartável entre Everett Ross (Martin Freeman) e a péssima Condessa Valentina de Julia Louis-Dreyfus (apresentada nas séries da Disney+) garantem uma experiência inchada, excessivamente longa (são 160 minutos de filme) e desequilibrada - mesmo com as nobres intenções de Coogler e a equipe.

Infelizmente, o talentoso Ryan Coogler surge menos inspirado também na função de diretor. Trocando a diretora de fotografia Rachel Morrison por Autumn Arkapaw (da série Loki), Coogler gera um filme que visualmente é bem menos caprichado ou estimulante como o original, com Wakanda Para Sempre sendo excessivamente escuro, esteticamente lavado e sem uma grande variação de cores. As cenas embaixo da água, para retratar o reino de Namor, são escuras e escondem o bom trabalho da equipe de design de produção, que infelizmente cai no padrão da Marvel Studios de obras de paleta de cor nula.

A ação também é pouco inspirada, com Coogler e Arkapaw apelando demais para câmera tremida e cortes excessivos. As melhores sequências de ação do longa são melhoradas pela ótima trilha sonora de Ludwig Goransson e as canções licenciadas, que realmente fazem a diferença aqui. Faltou um olhar genuinamente épico e de grande escala que uma trama de guerra como a de Wakanda Para Sempre precisava.

Coração acelerado em Wakanda para Sempre

O grande alento do filme, além da sensibilidade gigante para analisar o processo de luto, é mesmo o elenco. Letitia Wright é promovida a protagonista e garante o arco mais complexo e exigente do filme, entregando uma performance poderosa, com nuances dramáticas, bem humoradas e até surpreendentemente sombrias. Angela Bassett também oferece muita força em um papel coadjuvante mais ativo, enquanto Lupita Nyong'o e Winston Duke seguem extremamente carismáticos - ainda que com uma participação muito menor.

Já o "estreante" Tenoch Huerta garante uma figura impressionante e sempre envolvente para seu antagonista Namor. Como o filme gasta tanto tempo para explicar suas origens e motivações, Huerta é bem eficiente em criar uma figura cheia de tons de cinza, que passa longe de ser um vilão comum. Toda a concepção do longa em transformar o personagem dos quadrinhos em um símbolo da cultura maia também é extremamente acertado.

Novamente, não era uma tarefa fácil tirar esse filme do papel, dadas as circunstâncias infelizes. Wakanda Para Sempre sofre com um roteiro inchado e repleto de elementos desnecessários, e também pela condução técnica aquém de sua proposta grandiosa. Porém, o filme garante uma bela homenagem para Chadwick Boseman, onde o amor e as boas intenções são presentes a cada segundo.

Pantera Negra: Wakanda Para Sempre (Black Panther: Wakanda para Sempre, EUA - 2022)

Direção: Ryan Coogler
Roteiro: Ryan Coogler e Joe Robert Cole
Elenco: Letitia Wright, Lupita Nyong'o, Winston Duke, Angela Bassett, Tenoch Huerta, Danai Gurira, Dominique Thorne, Martin Freeman, Julia Louis-Dreyfus
Gênero: Aventura
Duração: 161 min

https://www.youtube.com/watch?v=xEd-MzqK4iU&t=5s