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Crítica | Elvis ressuscita o Rei do Rock no melhor filme de Baz Luhrmann

Eu tenho uma relação um tanto complicada com Baz Luhrmann. Um dos cineastas australianos mais celebrados de todos os tempos em Hollywood, Luhrmann é dono de um estilo bem particular: festeiro, escandaloso e regado a purpurina são boas características de seu cinema, que certamente não é para todos. Eu pessoalmente não sou fã de sua radical adaptação de Romeu + Julieta, simplesmente não suporto a histeria descontrolada de Moulin Rouge! Amor em Vermelho e nunca nem consegui passar dos primeiros 20 minutos de seu épico melodramático Austrália.

Mas ao mesmo tempo… Sou um grande defensor de sua excelente adaptação em 3D de O Grande Gatsby, o que me deixou um pouco mais curioso quando foi anunciado que ele faria um filme sobre a vida do Rei do Rock, Elvis Presley. E mais especificamente, da vida de Elvis e seu misterioso empresário, o Coronel Tom Parker. Após quase uma década afastado do cinema, visto que Luhrmann é um diretor que passa muito tempo na concepção visual e musical de seus projetos, o australiano emerge completamente evoluído: Elvis é certamente o melhor filme de sua enxuta carreira.

Totalmente aos moldes de um biopic musical, a trama do filme analisa os eventos da ascensão e queda de Elvis Presley (Austin Butler), mas pela perspectiva do asqueroso e enigmático Coronel Tom Parker (Tom Hanks), que repensa todos os acontecimentos importantes da vida dos dois, em seu leito de morte.

Heróis e vilões

Justamente pela premissa baseada em querer cobrir a vida inteira do biografado, você já tem uma noção básica de como será este Elvis. É um filme que ainda está preso nessa caixinha bem formulaica e travada que é o subgênero da cinebiografia – cuja vertente musical tem encontrado uma nova vida, vide os sucessos de Bohemian Rhapsody e Rocketman. Justamente por isso, é impossível para Elvis escapar de alguns clichês, a básica e previsível estrutura da ascensão e queda, os pontos baixos e todos os percalços que o roteiro assinado por Luhrmann, Craig Pearce, Sam Bromell e Jeremy Doner precisa enfrentar se realmente quer cobrir a vida inteira de Elvis Presley. A diferença aqui, no entanto, é a forma como o projeto encontra seu protagonista.

Apesar de trazer Elvis em seu título, o roteiro toma a decisão criativa de narrar toda a história do ponto de vista do Coronel. Olhando sob uma perspectiva de dramaturgia clássica, Parker é o vilão da história, e sua frequente narração tenta justificar suas ações, mostrar como ele era o real visionário por trás do sucesso de Elvis Presley e como sua imagem foi tremendamente brutalizada pela mídia. O efeito é curioso, já que o filme em si mostra justamente o oposto disso, quase como se Luhrmann apostasse em uma “contradição intencional”, rivalizando o texto com a imagem de forma intrigante e fazendo o próprio espectador questionar os conceitos de protagonista e antagonista.

Não deixa de ser uma ideia essencialmente metalinguística, já que Parker é retratado no filme como o “mercador das ideias”. O sujeito responsável por encontrar o talento e apresentá-lo ao mundo, e colocá-lo na função de narrador praticamente estende seu papel de showman para através da quarta parede, como se o “fantasma de Tom Parker” estivesse tentando convencer o público sobre a realidade dos eventos e subvertê-los à sua vontade. Uma ideia fascinante e que, claro, serve à interpretação do roteiro de Luhrmann e seus colegas sobre os eventos discorridos.

Canalizando as energias

No aspecto de direção, nunca antes vi Baz Luhrmann colocando seu estilo em uma dose tão apropriada. Um filme do cineasta nunca é uma experiência normal, sendo um universo à parte e com um estilo bem particular, necessitando um estado de mente específico e, principalmente, a necessidade de deixar qualquer sutileza de lado. Nesse caso, Luhrmann usa toda aquela energia vibrante pra criar ótimas transições de cena, uma velocidade bem dinâmica na passagem de tempo, nas diferentes locações e também na forma como cria-se o contexto na época: seja político, cultural ou econômico, o longa sempre retrata a mudança no mundo ao redor de Elvis Presley, e como o cantor fez esse mix do gospel, country americano e o blues da música negra.

Esse é um dos pontos altos do filme, inclusive. A música sempre foi um fator bem importante nos filmes de Baz Luhrmann, desde a popularização do jukebox musical no cinema com seu Moulin Rouge!, ou até quando transformou jazz em rap para O Grande Gatsby. Em Elvis, Luhrmann e sua equipe analisam como o rock n’ Roll de Elvis Presley está bem enraizado ao rhythm & blues, e é um grande destaque a performance de “Hound Dog”, quando a sequência vai se entrecortando entre três momentos diferentes da vida do cantor: com o jovem Elvis vendo uma culto na igreja, uma gravação de disco e uma performance ao vivo. É uma forma bem sucinta, e com excelente montagem e mixagem de som, de mostrar como o estilo de Elvis Presley se concretiza.

Todas essas sequências de shows e apresentações musicais são especialmente vibrantes, já que Luhrmann é bem preciso nesse retrato sobrenatural de como a música de Elvis impactava as plateias. Usando um background do apreço de Elvis por quadrinhos de super-heróis, a câmera de Luhrmann retrata o rebolado e os passos de dança do cantor como verdadeiros super-poderes – literalmente capazes de provocar gritos orgásticos de todas as garotas na plateia. É o melhor uso das habilidades cênicas de Baz Luhrmann, com sua câmera em travelling por constante, uma excelente fotografia da australiana Mandy Walker, que sempre mantém uma influência de luzes coloridas do circo pelo filme inteiro, e também da ótima montagem assinada por Matt Villa e  Jonathan Redmond. 

Sobre o trabalho de Mandy Walker em especial, destaco uma ótima cena, com um uso muito inteligente de luz. É quando Elvis e o Coronel têm uma discussão no escritório de um estacionamento, e Walker aposta em luzes de holofote nada realistas para simular faróis de carro, passeando pela janela fechada desse escritório durante a discussão dos dois. Uma maneira muito inteligente de ilustrar esse “show” dos bastidores, de como a vida de Tom Parker e Elvis Presley ainda é o grande circo de onde emergiu o grotesco empresário. Um trabalho realmente formidável.

Nasce Uma Estrela

E, claro, todas essas sequências se sobressaem também graças ao excelente Austin Butler. Saído de diversas produções originais do Disney Channel e papéis ocasionais em longas como Era Uma Vez em Hollywood, Butler explode para dominar com perfeição o sotaque de Elvis Presley e também sua contagiante energia durante o palco. Não é o tipo de performance exagerada em que o ator mostra-se obcecado em ser uma cópia da pessoa real, mas sim uma interpretação de quem era seu biografado. Butler faz um trabalho realmente notável e imersivo, apresentando um retrato bem verossímil, e ainda que dentro de um filme bem gigante e espetacular, também muito íntimo.

Em contrapartida, Tom Hanks realmente faz um personagem de desenho animado. Remetendo bastante ao show de horrores que foi a caracterização de Anthony Hopkins como o Mestre do Suspense em Hitchcock, Hanks cria uma figura bem cartunesca e exagerada, mas que acaba se mesclando bem nesse universo, que é completamente desgarrado de realismo. Repito: é um filme do Baz Luhrmann que lhe pede para aceitar o exagero; e na medida do possível, Hanks faz um contraponto interessante para o Elvis Presley mais ingênuo e rebelde de Austin Butler.

Ainda que preso a todos os clichês e convenções da batida fórmula cinebiográfica musical, Elvis se beneficia da precisa visão de Baz Luhrmann, seja na forma como desconstrói a noção de protagonismo e antagonismo, ou em seu sempre afiado apuro estético e musical. É o melhor filme do cineasta, que ainda transforma Austin Butler em uma estrela digna do Rei do Rock n’Roll.

Elvis (EUA/Austrália)

Direção: Baz Luhrmann
Roteiro: Baz Luhrmann, Craig Pearce, Sam Brommel e Jeremy Doner
Elenco: Austin Butler, Tom Hanks, Olivia DeJonge, Helen Thomson, Richard Roxburgh, Kelvin Harrison Jr., Kodi Smit-McPhee, Xavier Samuel, David Wenham, Luke Bracey, Dancre Montgomery, Gary Clark Jr, Leon Ford
Gênero: Drama
Duração: 159 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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