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Crítica | Fargo – 03×07: The Law of Inevitability

Spoilers!

Fargo, Fargo, Fargo… Às vezes manifesta-se de forma diferente, outrora mantém essa característica de forma bem sutil, mas alguns episódios do seriado simplesmente trazem aquilo que definem Fargo em seu DNA. The Law of Inevitability é um exemplo disso, oferecendo um capítulo que certamente poderia servir como “preview” de tudo o que a série representa, e confesso que poucas vezes tive uma surpresa tão agradável e inimaginável este ano quanto à pequena recompensa que nos aguarda em seus minutos finais. 

Relações de poder continuam ditando o rumo aqui. Com Gloria Burgle (Carrie Coon) e Winnie Lopez (Olivia Sandoval) encontrando o corpo de Ray Stussy (Ewan McGregor) após a resolução sangrenta no episódio anterior, as engrenagens se movem para que Gloria fortaleça sua teoria da ligação dos assassinatos, para a ira de seu superior (Shea Whigham), que acaba levando Nikki Swango (Mary Elizabeth Winstead) em custódia sob acusação de tê-lo matado. Isso também perturba Emmit Stussy (McGregor), que tenta disfarçar e ocultar de Sy (Michael Stuhlbarg) o fato de ter matado seu próprio irmão, tendo apenas o asqueroso Varga (David Thewlis) como conselheiro e ombro “amigo” onde ele realmente pode agir normalmente.

Primeiramente, foi ótimo termos a atenção voltada um pouco mais para o núcleo de Gloria, personagem que ficou praticamente de escanteio nos últimos três episódios, mas que teve a chance de brilhar novamente aqui. Ou melhor, não, já que a xerife nunca sofreu tanta burocracia quanto aqui, incluindo uma divertida cena onde Coon explora ainda mais suas nuances ao trazer Gloria tentando obter um formulário azul que lhe garantiria acesso ao interrogatório de Nikki – e é adorável como Gloria tenta usar de sua posição de xerife para tentar “ameaçar” os colegas. Além disso, Shea Whigham merece créditos por conseguir criar um sujeito tão imbecil e capaz de provocar a ira do espectador a praticamente toda ação, normalmente para refutar as teorias de Gloria por pura ignorância ou ego – ainda mais ignorando o fato de que um assassino invadira a delegacia disfarçado para eliminar Nikki. Não sabemos quem é o sujeito, mas claramente está conectado com Varga.

Então voltamos os olhos para Stussy e sua relação com Varga. De cara, o episódio abre com uma cena sinistra e elegante, com Varga parado em frente à maravilhosa árvore de Natal de Emmit, enquanto um urso empalhado o encara do outro lado da sala. O misterioso personagem começa então a abrir todos os presentes sob a árvore, já indicando o quanto Varga conseguiu infiltrar-se na vida do sujeito, e o fato de desembrulhá-los com uma navalha simboliza perfeitamente a abordagem agressiva e perigosa do sujeito. O jogo de alegorias do diretor Mike Barker fica ainda mais brilhante quando temos um diálogo entre Varga e Stussy, com o vilão sentando-se ao lado do urso empalhado, enquanto o “rei do estacionamento” fica ao lado de sua árvore de Natal – rendendo um belíssimo plano aberto temperado pela luz quente de Craig Wrobleski. Fica ainda melhor quando o contraplano de Varga opta por um fade ao cortar de volta para Emmit, com o enquadramento cirúrgico misturando a imagem do urso com a de McGregor, como se representasse a transformação do protagonista nesta fera. Empalhada, no caso. Isso, meus amigos, é pura linguagem cinematográfica.

Emmit, inclusive, rende outro momento memorável e que também ilustra mais um exemplar da direção primorosa de Barker. Quando Lopez aparece em um restaurante onde ele janta com Sy e Ruby Goldfarb de Mary McDonnell, o tempo “congela” e lentamente vamos acompanhando o trajeto de Emmit até ela, com todo o som de fundo tornando-se abafado e as imagens desfocadas, criando uma expectativa absurda – já que Varga o alertara para não reagir de forma desesperada demais, enquanto Gloria enviara Lopez justamente para observar a reação do irmão diante da notícia da morte de Ray. A forma como McGregor reage, após esse suspense gigantesco, só é capaz de trazer risos e facepalms para o espectador, mas logo depois temos o total inverso ao trazer Sy chegando em casa e se desfazendo em lágrimas nos braços de sua esposa, queixando-se sobre como o mundo está todo errado. É um momento de melancolia real e afetivo, mas que também serve bem a esse universo Coeniano.

Há de se destacar também outros momentos “menores” do episódio, mas que contribuem para minha afirmação inicial de que este episódio é um Fargo exemplar. O principal deles é quando o atrapalhado policial Donny (Mark Forward) tem um tenebroso encontro com Yuri (Goran Bordgan) dentro da biblioteca de Eden Valley, local onde Varga o enviara para coletar informações a respeito de Gloria. Donny é o típico covarde, e Forward se sai bem ao ilustrar o desespero do policial tentando se mascarar atrás de um fiapo de imponência, que só parece mais flácido com o fato de Yuri estar simplesmente lendo um livro de contos infantis enquanto recebe ordens para deixar o local. É uma cena muito parecida com o primeiro encontro entre Gus Grimly (Colin Hanks) e Lorne Malvo (Billy Bob Thornton) durante a primeira temporada, onde o assustado policial deixa o suspeito ir embora ao ser ameaçado por sua tranquilidade e inteligência, e o fato de que Yuri agora usa uma cabeça de lobo empalhado como chapéu só deixa tudo mais dinâmico.

Porém, é em seus minutos finais que The Law of Inevitability traz o grand finale. Recusando-se a cooperar com a investigação, Nikki é enviada para a prisão estadual, em uma dramática cena onde a moça embarca em um ônibus cheio de detentos para uma longa e fria viagem pelas estradas cheias de neve. Para a nossa surpresa, ela senta-se ao lado de ninguém menos do que o Sr. Wrench! O capanga mudo da primeira temporada vivido por Russell Harvard, em uma cameo inesperada e divertida, especialmente por trazer de volta um icônico tema musical de Jeff Russo. Como se não bastasse a surpresa, o episódio termina com Yuri e Meemo provocando o acidente do ônibus, no melhor estilo O Fugitivo. Em mais um exemplar uso de transição fade, observamos enquanto o encapuzado de lobo vai perfurando as algemas com uma furadeira para capturá-la.

Aí me pergunto… Sr. Wrench está ali apenas para uma cameo ou será importante? Talvez ajude Nikki a fugir de seus captores? Ou talvez seja apenas Noah Hawley agindo no melhor estilo Coen e simplesmente colocando participações aleatórias? Tudo aponta para a última opção, mas o que importa é que este foi um episódio realmente fantástico. Seja na interação entre os personagens, o roteiro sempre afiado ou a direção inteligente de Mike Barker, isto simplesmente é Fargo.

Fargo – 03×07: The Law of Inevitability (EUA, 2017)

Criado por: Noah Hawley
Direção:
Mike Barker

Roteiro: Noah Hawley, Matt Wolpert e Ben Nevidi
Elenco: Ewan McGregor, Carrie Coon, David Thewlis, Mary Elizabeth Winstead, Michael Stuhlbarg, Olivia Sandoval, Linda Kash, Shea Whigham, Goran Bogdan, Mary McDonnell
Emissora: FX
Gênero: Drama, Crime
Duração: 43 min

Confira AQUI nosso guia de episódios da temporada

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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