Desde que somos crianças, sempre imaginamos o encontro de personagens de franquias diferentes. Às vezes um negócio difícil em Hollywood, graças às intrigas de direitos autorais (um encontro entre Vingadores e Liga da Justiça seria o uber ales), é um método que já deu muito certo nos anos 40, quando os filmes de Monstros da Universal promoviam crossovers entre a Múmia, Drácula, Lobisomem e outras variantes; em sua grande maioria, para lutar.
Porque essa é a graça, certo? Quando Thor e Homem de Ferro se encontram pela primeira vez em Os Vingadores, eles lutam. O primeiro grande encontro entre Batman e Superman nos cinemas, foi literalmente sobre um embate entre os dois. Dessa forma, a New Line até que demorou para colocar seus dois grandes ícones no mesmo projeto: Freddy Krueger, de A Hora do Pesadelo, e Jason Voorhees, de Sexta-Feira 13, no conflito simplesmente entitulado Freddy vs. Jason. E, claro, esses filmes de confronto geralmente significam um desgaste criativo, uma forma de ganhar uma graninha a mais ou simplesmente colocar dois ícones lado a lado. Dentro de suas pretensões baixas, é inegável que Freddy vs Jason seja perfeitamente eficiente em sua proposta.
Vale lembrar que a ideia de juntar os dois personagens já havia sido sugerida em Jason vai Para o Inferno: A Última Sexta-Feira, que terminava com a mão enluvada de Freddy saindo debaixo da terra e puxando a máscara de hóquei do assassino de Crystal Lake. Assim, começamos com um Freddy (Robert Englund, sempre) profundamente enfraquecido: novos métodos psicológicos estão mantendo sua influência sobre os sonhos dos adolescentes de Springwood limitada, e a lenda de Krueger vai rapidamente sendo esquecida. Em uma última tentativa de retornar, Freddy usa Jason Voorhees (Ken Kirzinger) para matar os adolescentes da rua Elm e recuperar seu poder, mas a situação se descontrola quando Jason acaba seguindo suas próprias leis.
Basicamente: é um concurso de popularidade. Freddy está sendo esquecido pela garotada, e fica enputecido quando seu rival acaba reunindo mais “atenção” do que ele. E não há um problema nisso, mesmo, já que o roteiro de Damian Shannon e Mark Swift jamais tenta ser o filme mais sofisticado do mundo. O trabalho da dupla, com muito sucesso, consegue captar e preservar elementos e passagens de ambas as franquias: o sexo gratuito e exploitation de Sexta-Feira 13, as sequências mais psicodélicas envolvendo sonhos de A Hora do Pesadelo e até a forma como a trama vai progredindo: flashbacks com uma jovem descobrindo pistasno passado sempre foram a principal muleta narrativa da franquia de Wes Craven, e nada mais justo do que revisitarmos a tragédia de Crystal Lake justamente através desse método. Uma decisão batida e clichê, sim. Mas que reconhece suas origens de slasher oitentista.
Os personagens são completamente descartáveis e se comunicam através de diálogos expositivos, cumprindo adequadamente os estereótipos do valentão, o nerd, o maconheiro e a obrigatória final girl (a eficiente Monica Keena), mas realmente não vale a pena nos debruçarmos sobre eles. Afinal, só ligamos para Freddy e Jason, e felizmente o diretor Ronny Yu compreende a responsabilidade e o respeito por trás desses ícones. A maquiagem em Robert Englund recupera os traços do original e oferece uma modernização sutil, ao passo em que a nova encarnação de Jason acerta no figurino mais imponente e também “zumbificado”, com a jaqueta rasgada e os fiapos saindo por trás de sua máscara. As mortes também honram o legado das franquias, com um quantidade gigantesca de sangue falso, membros decepados e efeitos práticos satisfatórios – especialmente por parte de Jason, que sempre foi a força mais bruta entre os dois assassinos, e aqui usa até um facão em chamas. Os poderes de Freddy, porém, acabam sofrendo com um excesso de CGI, que na época ainda era muito artificial e que não envelheceu bem com o tempo.
Mas e quanto à luta dos dois? Definitivamente vale a pena. Há uma abordagem mais fantástica, com o primeiro confronto que se passa dentro de um dos sonhos de Jason, onde Yu infelizmente traz mais dos efeitos visuais fracos dos anos 2000 (ele transforma Jason em uma bolinha de pebolim…), mas nos entrega imagens inesperadas: como um Jason criança e deformado chorando com a máscara de hóquei, e sendo lentamente ameaçado por Freddy. E, estando não só em um sonho, mas na sala da caldeira, é o local onde Freddy tem mais poder e mais conexão “com sua franquia”, até pela escolha inteligente dos tons alaranjados da fotografia de Fred Murphy, que logo alterna para o azulado da noite quando a luta evolui para o mundo real; onde Jason tem a vantagem por sua força, e onde Krueger realmente é só um cara normal com uma luva de garras.
Essa segunda luta é definitivamente mais trash, ainda mais por transformar Freddy em um lutador de Street Fighter, aplicando golpes elaborados contra o brutamontes Jason. A diferença de força entre os dois torna o combate divertido e, não sendo um filme de ação moderno, Yu mantém a ação visível e clara de se entender, dando muita ênfase no gore e em planos detalhe de sangue jorrando e membros sendo perfurados – o diretor até opta por um frame rate mais alto em tais momentos. É simplesmente maravilhoso de se assistir, e acho genial como Yu e os roteiristas optam por um desfecho ambíguo para o duelo, que até hoje gera suas discussões sobre quem seria de fato o vencedor.
Freddy vs. Jason é uma besteira. Mas é uma besteira que está bem ciente do tipo de filme que precisa ser, e acaba sendo uma bela mistura de duas das maiores franquias do gênero do terror, sendo um prato cheio absoluto para os fãs dos personagens. Não importa quem ganha, pois o vencedor de verdade é o espectador.
Freddy vs. Jason (EUA, 2003)
Direção: Ronny Yu
Roteiro: Damian Shannon e Mark Swift, baseado nos personagens de Wes Craven e Victor Miller
Elenco: Robert Englund, Ken Kirzinger, Monica Keena, Jason Ritter, Kelly Rowland, Chris Marquette, Brendan Fletcher
Gênero: Terror
Duração: 97 min
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