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Critica | O Último Duelo – Rashomon se mistura com um Épico Feminista

Já estava se fazendo falta de um bom épico Medieval, visto o quanto raro e com pouco sucesso alguns vem sido hoje em dia, mais sendo vendidos para nichos respectivos em plataformas de streaming no formato de séries ou filmes. Mas ainda bem que Sir Ridley Scott ainda vive entre nós e se mostra estar em total atividade do seu trabalho mesmo na casa dos 83 anos de idade. Ainda em total boa forma e pronto para entregar outro projeto dentro de uma de suas marcas mais conhecidas: um épico antigo, e um que consegue se mostrar tão único em meio ao que o diretor já realizou no passado, e possivelmente fazendo um de seus melhores!

Vindo de um hiato de dois anos desde o subestimado Todo o Dinheiro do Mundo, o velho mestre se mostra mais inspirado do que nunca por trás das câmeras com O Último Duelo, provando mais uma vez como ele ainda é um dos melhores de uma espécie decadente de cineastas de Hollywood: os velhos diretores por contrato/executores técnicos, mas que ainda possuindo uma ou duas assinaturas de autor por detrás de seu trabalho. Ele é capaz de fazer tudo o que você imaginar de filmes de gênero e, se a ocasião permitir, se põe a investigar temas de influência religiosa sobre os conflitos existenciais da humanidade e a moralidade dos poderes políticos.

E de forma bem similar com sua subestimada obra-prima Cruzada, ele aqui acaba fazendo mais um épico medieval que confronta temas de conflitos humanos modernos, que até ecoa sua estréia estrondosa com os Os Duelistas, não apenas por semelhanças no tema de combate visto o título similar, e mesmo onde as batalhas são definitivamente um destaque aqui, brutais, físicas e sangrentas, e com o duelo titular sendo facilmente um dos duelos medievais mais realistas já apresentados na tela do cinema – como era de se esperar com o diretor; mas também no vínculo de rivalidade estabelecido entre dois homens ao longo dos anos, até atingir consequências terríveis e custos em suas vidas.

Se juntando a dupla Ben Affleck e Matt Damon que entregam aqui outro ótimo roteiro em suas carreiras de parceria desde Gênio Indomável, dessa vez com a ajuda de Nicole Holofcener (À Procura do Amor), adaptado do livro de Erick Jager de mesmo nome que aborda relatório historicamente oficial sobre o último duelo judicial oficialmente reconhecido travado na França entre o cavaleiro normando Jean de Carrouges (Damon) contra o escudeiro Jacques Le Gris (Adam Driver), o último sendo acusado de estuprar a esposa de Carrouges, Marguerite de Carrouges (Jodie Comer).

Rashomon na Idade Média

E não querendo exagerar, mas já exagerando, no quanto merecedor de elogios a narrativa consegue ser, e como isso prova minha teoria de quanto bom o roteiro é, que definirá a qualidade final de um projeto do Scott. Com o roteiro aqui, de muitas maneiras, sendo a estrela principal do filme, não só mantendo uma narrativa forte e afiada em uma verborragia medieval que não se auto-sabota com jargões modernistas distrativos, e sempre mantendo uma dialética prende pela sua simplicidade direta. Não complicando o que não deve, e entrega tudo de forma orgânica e direta quanto as discussões que desperta, mas nunca tentando atrair grande atenção para si sobre esse as mesmas.

Especialmente por como ele define o desenrolar do enredo ao empregar uma estrutura semelhante à Rashomon de Akira Kurosawa, estabelecendo a história em três versões diferentes recontando os mesmos eventos, seguindo suas diferentes perspectivas individuais do caso em questão. Mas ao contrário de Rashomon, aqui você percebe quase que imediatamente a verdadeira versão sem sombras de dúvida – o filme nem sequer esconde isso, porque até Kurosawa teve a coragem de questionar sobre a versão feminina da história, e a versão que mais aparentava ser a real. Não querendo dizer que esse deveria ser o objetivo do filme, ou como isso seja depreciativo a história contada aqui, ou como ela é executada.

Em vez disso, é apenas questionar sobre dar à narrativa uma complexidade mais ampla – que o filme nunca chega a alcançar dada as questões que levanta sobre verdades afáveis e omissões convenientes. E o filme claramente se incline para um lado das perspectivas, embora o lado certo é claro! Mas, na maior parte, não atrapalha em contar uma história multi-perspectiva sobre a factualidade da verdade em um mundo governado por homens, suas leis de poder e a reivindicação da religião como estando do seu lado.

 

O filme segue três atos principais em particular, e como cada uma toma uma forma diferente o suficiente até para se tornarem filmes diferentes dentro do mesmo, mas sempre se conectando no que se diz ou revela sobre um ao outro. No primeiro capitulo quando seguimos a vida de Jean de Carrouges, no que se forma em quase uma jornada do herói galanteador, perseverando contra as probabilidades desafiadoras que recaem naquele recaem sobre ele e sua vida enquanto tenta se provar um homem digno de carregar o titulo de cavaleiro, e um casamento honrado com sua amada apaixonada Marguerite.

No segundo quando seguimos Le Gris no que se forma um estudo de personagem sobre cobiça e desejos de um homem que quase parece mentir para si mesmo que ele é quase honrado e justo em face de seus próprios desejos viciantes, fornecidos pelo amo que serve, um completíssimo excêntrico Ben Affleck como Pierre d’Alençon, e que parecem quase nutrir uma relação homo-erótica por trás das portas.

E, finalmente, o terceiro capítulo que leva a se tornar um drama de tribunal com um q feminista que começa quando seguimos a perspectiva de Marguerite, e vemos como ela encara a história com seu próprio compilado dos fatos. Como mostra que matrimonio aparentemente Hollywoodizado perfeito e honrado, é coberto de abusos, falta de afeto e cheio de atitudes de macho alfa operando sua vida como propriedade, e sua inocência e charme é confundido com prazer e saliência no olhar de um abusador quando a estupra violentamente.

E se nos dois capítulos anteriores ela não era nada além de uma mera coadjuvante e mais servindo como uma ferramenta da narrativa de dois homens, aqui ela é totalmente mostrada toda carismática, espirituosa e como empoderada ela é ao fazer o Feudo de Carrouges prosperar enquanto ele está fora.

Privilégios de Poder e Honra

E é valoroso perceber o quanto o roteiro e Scott conseguem empregar exatamente esse ambiente da era medieval, com o sistema de feudos de diferentes lordes formando um reinado, e tendo suas próprias ordens de hierarquia e política em volta da terra e das guerras no qual são mandados para ganhar seu sustento para fazer suas terras prosperarem e ganhar títulos; funcionando exatamente como base para exploração dramática dos personagens e que se leva em cima de seus desenvolvimentos pessoais. Tomando o sentido literal de épico em grande escala, contado a partir de uma perspectiva íntima e focada em personagens.

Já na primeira história, enquanto seguimos Carrouges, já forma a base de como acompanhamos os conflitos morais e o custo físico sofrido por um homem sob o sistema de autoridade e pressão moral em que termos como terra e ter herdeiros são o que definem as condições de poder e status. É tudo incrivelmente historicamente fiel como também material perfeito para rixas dramáticas, mesmo que não totalmente bem explorados, ficando mais nas camadas de fundo de seu universo pomposamente bem destacado.

E como o mesmo volta a refletir e evoluir por meio de alguém como Le Gris, que vemos ser parte do sistema, integrado em seus louros e benefícios, engrenando poder e controle e, em última análise, revelando a reflexão de como a verdade pertence àqueles que tem o poder de aplicá-la!

Como esse se torna o tema principal, uma vez que chegamos à terceira história de Marguerite com o estupro e abuso infligido a ela, e onde Scott não poupa o público e o retrata um tom perturbador, chocante e nojento exatamente como deveria ser visto. Mas é tudo visto como um crime contra a propriedade de Carrouges, não um crime infligido a ela, dando um reflexo da misoginia sistêmica herdada dos tempos medievais! E a busca quase automática de proteger o nome do homem e por em dúvida a palavra da mulher.

Trazendo o filme para as discussões atuais sobre a condição das mulheres, colocando a veracidade de suas palavras em dúvida, em um mundo masculino. Com ela sendo acusada de falso testemunho e sendo julgada diante dos homens e de Deus. Pode até ser um exagero, mas de certa forma ecoa Robert Bresson e seu O Processo de Joana d’Arc, compartilhando um tom austero e a conduta fria em torno do julgamento de Marguerite, e onde a hipocrisia do homem revela mais uma contundência de ignorância diante das palavras da mulher, tomadas apenas como possíveis mentiras lunáticas.

Com ela sendo apontada, ofendida e acusada por todos os homens predominantes, e até mulheres, que a cercam. E em tal mundo, a realização final compartilhada por todas as mulheres em relação à melhor maneira de manterem o florescer de  suas vidas, tudo o que podem fazer é sobreviver, mesmo que omitindo sua própria tortura íntima infligida, como era sua condição.

Falsas Mentiras e Verdades

Para alguns, isso pode soar como unilateral demais, que apenas busca retratar políticas progressistas “lacradoras” moderna em um filme de gênero predominantemente masculino, o que de certa forma é, mas, novamente, sem chamar a atenção a ponto de se tornar apenas uma palestra forçada arquitetada só em volta desse foco. O filme se aprofunda no drama com clara honestidade e uma direção clássica, e durante toda sua duração um tanto longa, nunca perde sua atenção presa na tela, com cada capítulo diferente perfeitamente integrado um ao outro graças montagem formidável de Claire Simpson. Mostrando como este é antes um filme que busca através de sua narrativa de multi-perspectivas, analisar as virtudes de um diante da real natureza de sua moralidade!

Carrouges apenas busca manter a honra e louvor de seu nome no meio do reinado, e mesmo em meio a sua clara arrogância e machismo imaturo deixados claro na versão de Marguerite das coisas, Damon ainda consegue dar um lado humano para seu personagem, se mostrando apenas um indivíduo perdido em seus próprios interesses e preso em crenças patriarcais. Enquanto Le Gris de Driver se apresenta como um galanteador culto e humilde nas suas conquistas, mas que na verdade é um víbora cínico e manipulador. Onde a verdade é moldada pelo ego e vaidade do personagem em foco de cada história, advinda do orgulho ferido e ressentimento, ou apenas a honestidade ferida no caso de Marguerite.

Até chegarmos ao quarto ato extra, do duelo, onde todas as versões anteriores colidem em uma, as perspectivas entram em uma luta selvagem e brutal pela sobrevivência e tensões em torno do combate definitivo nos deixa na ponta dos nossos assentos em excitação e dramaticamente absortos. A boa e velha experiência de cinema funcionando no seu melhor, capaz de deixar você coçando a cabeça em questionamentos e encantado do começo ao fim, o tipo de espetáculo que Ridley é capaz de oferecer no seu melhor, e é exatamente isso!

O Último Duelo (The Last Duel, EUA, UK – 2021)

Direção: Ridley Scott
Roteiro: Ben Affleck, Matt Damon, Nicole Holofcener
Elenco: Matt Damon, Adam Driver, Jodie Comer, Ben Affleck, Alex Lawther, Marton Csokas, Harriet Walter
Gênero: Épico, Drama
Duração: 152 min

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Publicado por Raphael Klopper

Estudante de Jornalismo e amante de filmes desde o berço, que evoluiu ao longo dos anos para ser também um possível nerd amante de quadrinhos, games, livros, de todos os gêneros e tipos possíveis. E devido a isso, não tem um gosto particular, apenas busca apreciar todas as grandes qualidades que as obras que tanto admira.

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