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Crítica | Projeto Gemini – Tecnologia de ponta não salva roteiro barato

A carreira de Ang Lee é das mais curiosas. De dramas familiares na China e nos EUA como Banquete de Casamento, Tempestade de Gelo e O Segredo de Brokeback Mountain, o cineasta taiwanês também se arriscou em longas de ação e fantasia que requeriam investimentos em tecnologia, como Hulk, As Aventuras de Pi e o recente A Longa Caminhada de Billy Lynn (este último aliando o drama com tecnologia). É uma carreira imprevisível, e o cineasta premiado com dois Oscar agora ataca com uma ficção científica de ação na forma de Projeto Gemini, que avança a tecnologia em mais alguns anos – mas é uma grande ofensa para apreciadores de uma boa história.

A trama acompanha o infalível assassino de aluguel Henry Brogan (Will Smith), que enfim considera a aposentadoria após anos de matança. Porém, após receber informações confidenciais de um amigo, ele vira alvo de sua antiga agência, que envia a arma perfeita para eliminá-lo: um clone mais jovem e mais ágil dele mesmo. Dessa forma, Henry contará com a ajuda da agente Danny (Mary Elizabeth Winstead) e seu colega Baron (Benedict Wong) para descobrir o mistério por trás de seu perseguidor.

Já nasceu datado

Não é a premissa mais original de Hollywood, mas que pode ser bem explorada com um roteiro decente. Não é o caso de Proejto Gemini, que sofre pela péssima escrita e execução do texto creditado a Darren Lemke, David Benioff e Billy Ray (mas que passou por inúmeras revisões não creditadas ao longo dos anos). É o tipo de história que soa datada e que certamente ficou acumulando poeira em alguma gaveta por anos, já que falha em suas tentativas frustradas de aprofundar conceitos de ficção científica ou as relações mais básicas entre seus personagens.

O trio formado entre Smith, Winstead e Wong é dos mais esquisitos. Não há uma interação real ou carismática entre o grupo, por mais que todos estejam bem em seus papéis, e então fica claro que todos os personagens são realmente rasos e sem personalidade alguma. Com a entrada do clone na história, todo o conflito que se resolve de forma interessante na pancadaria (chegaremos lá em breve) é completamente desperdiçado por soluções fáceis e viradas de chave na motivação dos personagens – que estão sempre proferindo frases óbvias como “eu não aguento mais enfrentar os fantasmas do passado” ou “eu não consigo me olhar no espelho”, entre outras declarações genéricas.

Nem mesmo o ótimo Clive Owen é aproveitado, dando um personagem vilanesco sem graça que pára no meio do caminho. Responsável pela criação do clone de Henry, seu cientista fica entre o “pai amoroso e calculista” e o completo maníaco de desenho animado que grita suas intenções em voz alta.

Fonte da Juventude

Na direção, Ang Lee é sempre um nome muito interessante de se analisar. Novamente apostando no High Frame Rate, modo de exibição que troca os 24FPS por 120FPS (mas que só será exibido no Brasil em 60FPS, devido à capacidade técnica), o cineasta e o diretor de fotografia Dion Beebe capturam imagens belíssimas graças ao troca-troca de paisagem da narrativa, e que ganham mais nitidez e fluidez graças à imagem mais “acelerada”. É um efeito triplicado nas cenas de ação, especialmente na ótima perseguição de motos em que Henry é perseguido por seu clone, e que ganha mais fôlego e intensidade graças ao frame rate, e também ao uso eficiente de 3D.

Porém, infelizmente Lee mostra-se limitado nesse departamento. Há pelo menos duas ou três cenas de luta corporal gravadas e enquadradas da mesma forma, e que inexplicavelmente limitam-se a planos fechados e sem qualquer decupagem mais criativa (estamos falando do homem que fez O Tigre e o Dragão), e que empalidecem diante daquela ótima perseguição. E a coreografia, por ser pouco inventiva, acaba beirando o risível graças à velocidade do HFR, e confesso que me descontrolei quando Mary Elizabeth Winstead literalmente se tornou a diretora de fotografia em uma cena ao simplesmente apontar uma luz para os dois Will Smith enquanto lutavam entre si. É inacreditável, e eu insistiria para que a atriz compartilhasse o crédito com Beebe.

O que nos leva ao outro grande atrativo técnico de Projeto Gemini: o Will Smith digital. É mais um avanço na tecnologia de criar rostos fotorrealistas, e é importante ressaltar que Lee e sua equipe não usaram o método do rejuvenescimento digital (visto no Samuel L. Jackson de Capitã Marvel, por exemplo) mas sim em uma criação completamente CGI do rosto de Smith, que atuou com captura de performance. A criação funciona na maior parte do tempo, especialmente em cenas mais escuras, mas é difícil não notar que estamos diante de um boneco “irreal”, especialmente nos movimentos da boca; sempre a área mais difícil para animadores. Em certo momento, há uma cena ensolarada que evidencia a artificialidade do jovem Smith de forma assustadora, e mostra que a tecnologia ainda não está totalmente ali.

A impressão que fica em Projeto Gemini é que muito esforço técnico foi dedicado a um roteiro pavoroso. O novo filme de Ang Lee oscila entre momentos de ação interessantes e o tédio total provocado por sua trama sem pulso e personagens sem personalidades. A embalagem pode ser de última linha, mas realmente não tem nada por dentro.

Projeto Gemini (Gemini Man, EUA – 2019)

Direção: Ang Lee
Roteiro: Darren Lemke, David Benioff e Billy Ray
Elenco: Will Smith, Mary Elizabeth Winstead, Clive Owen, Benedict Wong, Douglas Hodge, Theodora Miranne, Linda Edmond
Gênero: Ação, Ficção Científica
Duração: 117 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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