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Crítica | Sex Education: 2ª Temporada – A Dramédia do Sexo

Sex Education estreou ano passado e tornou-se uma das séries mais irreverente e favoritas da Netflix, conquistando fãs ao redor do mundo com exponencial crescimento – principalmente por fazer algo que muitas pessoas não queriam fazer: quebrar os tabus sobre temas como sexualidade, aceitação, feminismo, sororidade e tantos outros de extrema importância para a complexo organismo social que insurge na contemporaneidade. Não isento de falhas, a primeira temporada investiu em dois lados da mesma moeda, brincando com os conceitos de comédia e tragédia de modo sutil e envolvente – apenas para acrescentar mais algumas camadas de ambos os elementos para seu segundo ano.

Laurie Nunn retorna como a showrunner e a roteirista principal do novo ciclo, iniciando com o explícito “expurgo” que Otis (Asa Butterfield) realizou em si mesmo ao deixar para trás suas inseguranças e finalmente conseguir se masturbar – eventualmente ficando viciado e percebendo que sua recém-descoberta sobre o corpo pode colocá-lo em situações um tanto quanto desconfortáveis, seja com a mãe, Jean (Gillian Anderson), seja com a namorada, Ola (Patricia Allison). Seguindo os passos da iteração predecessora, os capítulos usam de uma subvertida técnica de foreshadowing para arquitetar as narrativas principais, focando em uma pessoa ou um casal que esteja tendo algum problema e que será resolvido (ou explorado) no decorrer de sessenta minutos.

Como sempre, temos o elenco principal permeado por diversos coadjuvantes que em momento algum perdem seu brilho, trazendo para as telinhas um peso necessário para mostrar que o sexo não é algo perfeito, utópico e idealizado – como vemos em tantas produções audiovisuais (inclusive na controversa indústria pornográfica). Cada personagem encarna uma “vertente” sexual diferente para que o roteiro, construído em perfeição orgásmica por uma competente equipe criativa, traga para os telespectadores explanações acerca de fetiches, medos, traumas, desejos e infinitas outras proposições. Ademais, a obra pode ser encarada como um didático guia em que assuntos considerados inapropriados perdem suas características pré-concebidas e estendam-se sem fronteiras e sem restrições conservadores e retrógradas.

Mais uma vez, o personagem de Butterfield não consegue roubar a atenção para além de sua configuração como protagonista – e o antiético expert em terapia sexual que se apropria do trabalho da mãe e o leva para a escola. É claro que seu arco se aprofunda com força, ainda mais levando em conta que Jean é contratada pela escola para supervisionar as cartilhas oferecidas aos alunos e que Otis continua lutando contra o sentimento conflitante entre duas garotas; entretanto, Anderson é um dos exemplos de uma crível evolução “heroica”, desenterrando um passado conturbado e enfrentando mudanças inesperadas no funcionamento de seu antro pessoal (sua casa).

Maeve (Emma Mackey), que já havia nos encantado na temporada anterior com uma incrível performance, volta para mais uma árdua trajetória que se inicia com a retomada de controle sobre sua própria vida – marcada pelo retorno da problemática mãe, Erin (Anne-Marie Duff), para casa, e por seu desejo de reingressar na escola após ser injustamente expulsa. Cansada de tomar o problema dos outros para si, ela pretende focar nas suas conquistas e em seu crescimento, entrando para a equipe de gênios do colégio e canalizando esforços para proteger suas amigas. Porém, não estamos lidando com um capítulo de romances românticos, e sim com a realidade nua e crua da vida adolescente na Inglaterra – e Maeve não fica fora de uma resistência pré-programa sobre o que sente por Otis, refugiando-se com um novo morador de seu bairro para superá-lo ou tomar coragem para dizer o que sente.

Enquanto isso, Eric (Ncuti Gatwa) é um tanto quanto deixado de lado – com um arco que poderia ser resumido em alguns minutos. É sempre interessante vermos representatividade em produções mainstream, ainda mais quando estamos frente a frente com um protagonista extremamente humanizado e repleto de qualidades e defeitos; o jovem, aqui, sai de sua concha martirizada no ano de estreia do show e começa a se relacionar com o intercambista francês Rahim (Sami Outalbali), cuja personalidade oposta à de Eric é o que os une em um apressado namoro. Mais uma vez, as coisas não jazem na perfeição melódica de um sonho e premeditam o retorno de Adam (Connor Swindells), um ex-valentão que foi mandado para o colégio militar e voltou para sua cidade natal depois de ser expulso – reacendendo uma enviesada chama com Eric.

Apesar das repetições, é visível que a série supera a si mesma em praticamente todos os aspectos: para além de um roteiro costurado com exímia cautela, Nunn colabora com um quarteto de diretores que reproduz com fidelidade a estética criada em 2019 à medida que almeja a uma identidade única – ousando referenciar algumas obras de alto calibre (incluindo com planos-sequências e frames propositalmente ultrassimétricos). Essa preocupação artística expande-se também para a paleta de cores, que não tenta fundir as diferentes ambientações, e sim separá-las em uma justaposição contrastante e bastante prática.

Mesmo com certos excessos desnecessários, Sex Education eleva seu nível ainda mais, trilhando uma dramédia inebriante sem quaisquer hesitações sobre o que apresenta. Apesar da narrativa fechada, há, como sempre, um cliffhanger chocante para o terceiro ano – que deve nos conduzir para um necessário amadurecimento dos personagens.

Sex Education – 2ª Temporada (Idem, Estados Unidos – 2020)

Criado por: Laurie Nunn
Direção: Ben Taylor, Sophie Goodhart, Alice Seabright
Roteiro: Laurie Nunn, Sophie Goodhart, Richard Gaad, Rosie Jones, Mawaan Rizwan
Elenco: Asa Butterfield, Gillian Anderson, Ncuti Gatwa, Emma Mackey, Connor Swindells, Kedar Williams-Stirling, Alistair Petrie, Aimee Lou Wood, Tanya Reynolds, Patricia Allison, Sami Outalbali, Anne-Marie Duff, Chinenye Ezeudu
Emissora: Netflix
Episódios: 08
Gênero: Comédia dramática
Duração: 60 min.

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Publicado por Thiago Nolla

Thiago Nolla faz um pouco de tudo: é ator, escritor, dançarino e faz audiovisual por ter uma paixão indescritível pela arte. É um inveterado fã de contos de fadas e histórias de suspense e tem como maiores inspirações a estética expressionista de Fritz Lang e a narrativa dinâmica de Aaron Sorkin. Um de seus maiores sonhos é interpretar o Gênio da Lâmpada de Aladdin no musical da Broadway.

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