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Crítica | Talvez uma História de Amor – O clichê bem feito

Em um dos momentos mais reveladores do filme nacional Talvez uma História de Amor, o protagonista de Mateus Solano se vê assistindo a Sintonia de Amor em uma fita VHS. Estrelado por Tom Hanks e Meg Ryan, o filme de Nora Ephron representa um tipo de filme que praticamente não existe mais: a comédia romântica, subgênero extremamente popular nos anos 90 e 2000, e do qual Sintonia é um dos mais adorados. Faz sentido que o diretor Rodrigo Bernardo insira essa cena em seu próprio filme, já representando o tipo de cinema mais simplista e água com açúcar que tenta resgatar, com resultados eficientes, ainda que nada inovadores.

A trama nos apresenta a Virgílio (Solano), um designer solteiro e bem sucedido que vive com segurança e controle praticamente obsessivos; do tipo que rejeita uma promoção do trabalho se isso significa ter que refazer sua declaração de imposto de renda já pré-pronta para os próximos cinco anos. Ao chegar em casa certo dia, ele encontra uma mensagem em sua secretária eletrônica de uma tal Clara, informando-lhe do término do namoro dos dois. O problema é que Virgílio não faz a menor ideia de quem seja Clara, e parte em uma jornada para tentar entender o que aconteceu.

Fórmula exemplar

É uma premissa típica de comédia romântica, e que o roteirista Ben Frahm e Bernardo adaptam com habilidade da obra de Martin Page, e que aos poucos vai soando como uma perspectiva oposta à de Brilho Eterno de uma Mente sem Lembranças. No que diz respeito a fórmula, estrutura e entrega, o trabalho da dupla é absolutamente formidável: os arcos e obstáculos do protagonista são bem desenvolvidos e apresentados, com Frahm e Bernardo mostrando que entendem da sutil arte do foreshadowing, sendo capaz de apresentar e dar pistas de alguns rumos culminantes da história de forma orgânica; seja pela referência a painéis digitais de uma linha de perfume, a presença de cartazes de circo no apartamento de Virgílio ou pelo cachorro que só se comporta ao ouvir a canção “New York, New York”, de Frank Sinatra.

O fato de que os demais personagens evidentemente sabem quem é Clara também oferece uma jornada interessante, onde o espectador e o protagonista vão aprendendo novas informações, e o fato de que o primeiro lugar onde Virgílio vai ao receber a mensagem é sua psicóloga já nos deixa claro que o personagem sofre de algum problema; no caso, um tipo particular de amnésia, que o fez se esquecer de Clara e todo o relacionamento que aparentemente mantinham. Quase que numa estrutura detetivesca, Virgílio “entrevista” diversas amigas que podem saber quem é Clara, com cada depoimento o levando a uma pessoa diferente, o que confere um leve ar de surrealismo ao fato do protagonista jamais ser direto ao assunto, preferindo ocultar dos demais o fato de que se esqueceu da moça. De certa forma, até remete à jornada de John Cusack em Alta Fidelidade, visto que Virgílio teve um relacionamento com algumas das mulheres e já desejou ter com parte delas, fornecendo uma análise (rasa) sobre sua própria personalidade.

Em seu primeiro trabalho protagonista, Mateus Solano entrega bem um papel que facilmente poderia descambar para o caricato. O comportamento obsessivo e sintomático de Virgílio jamais surge irritante ou aborrecente, com Solano sempre oferecendo um retrato simpático e que busca ser educado; vide a entrega certeira da frase “eu espero ter sido um bom cliente”, a uma atendente por telefone da companhia elétrica. Em alguns momentos, o ator parece um pouco “maduro” demais para o papel, visto que o perfil de todos os demais personagens parece um pouco mais jovem, mas Solano compensa com uma atuação carismática – mas que infelizmente tem os momentos do mal supremo em atuações nacionais: a entrega extremamente formal de linhas de diálogo, que acaba com o coloquialismo que deveria ditar uma conversa informal.

Destaque também para as boas performances de Thaila Ayla, Bianca Comparato, Jacqueline Sato e Paulo Vilhena, além de uma divertida participação de Cynthia Nixon, de Sex and the City.

Direção segura e sem invencionices

Como diretor, Bernardo faz um jogo seguro e sem invencionices. Faz um bom trabalho nos planos que detalham o ambiente organizado e impecável do protagonista, com sutis inspirações de Wes Anderson ao enquadrar a simetria de sua mesa de trabalho e os múltiplos post its ali espalhados. A forma como grava uma São Paulo cinzenta e vasta também causa uma impressão marcante, com Virgílio sendo um ser solitário vagando pelas ruas e estações de metrô lotadas de estranhos. Bernardo só banaliza as imagens de drone, sempre no mesmo enquadramento para demarcar uma passagem de tempo, mas é bem feliz em capturar belas imagens da cidade de Nova York, em um deslumbramento que equivale ao do protagonista.

E se não se arrisca a inventar a roda, Bernardo traz alguns momentos inspirados, como quando Virgílio usa um capacete de construção para iluminar seu apartamento – e passa a perseguir a misteriosa silhueta de Clara com o raio de luz do capacete. É um momento belo e que deve ser motivo de orgulho para o diretor de fotografia Hélcio Alemão Nagamine, e que ganha mais peso quando o protagonista literalmente analisa uma de suas chapas de raio X, como se procurasse a mulher nas imagens de seu cérebro, mas que acaba um tanto banalizada pelo uso de uma canção incidental romântica; que praticamente grita para termos uma identificação emocional forçada – algo que as imagens sozinhas seriam capaz de atingir.

Talvez uma História de Amor jamais engana o protagonista sobre suas intenções. É uma comédia romântica açucarada e old school, cheia de todos os clichês e convenções do gênero, mas feitos de maneira eficiente e divertida, mesmo que não traga nada necessariamente novo. Não deixa de ser uma boa alternativa para matar as saudades de tempos mais simples.

Talvez uma História de Amor (Brasil, 2018)

Direção: Rodrigo Bernardo
Roteiro: Rodrigo Bernardo e Ben Frahm, baseado na obra de Martin Page
Elenco: Mateus Solano, Thaila Ayla, Bianca Comparato, Totia Meireles, Paulo Vilhena, Nathalia Dill, Jacqueline Sato, Dani Calabresa, Marco Luque, Cynthia Nixon
Gênero: Comédia Romântica

Duração: 101 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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