Vanessa Hudgens tornou-se uma queridinha da Netflix nos últimos anos e, depois de ter estrelado a rom-com A Princesa e a Plebeia, voltaria a trabalhar com a plataforma de streaming inúmeras vezes. Neste ano, por exemplo, além de estrelar a ação noir Polar alguns meses atrás, ela também regressaria para as narrativas natalinas ao protagonizar a dramédia Um Passado de Presente. E, levando em conta que o serviço não tem um pulso consideravelmente muito firme com longas-metragens, era de se esperar que a investida de fim de ano (apenas uma de dezenas que serão lançadas até o dia 25 de dezembro) fosse apenas uma releitura de qualquer clichê cinematográfico dos anos vinte anos.
Surpreendentemente, a diretor Monika Mitchell até consegue sair um pouco da caixinha formulaica que esperaríamos ver. É claro que sua produção não é revolucionária, mas, no final das contas, entrega o que promete e consegue aquecer nossos corações com um enregelante e romântico medley que, apesar de ser previsível, é tão incrível que chega a ser divertido. E talvez seja essa despreocupação que tenha conseguido nos aproximar da estória, mesmo que, no tocante à estrutura, seja mais do mesmo.
Baseando-se em inúmeros contos de ficção científica e aglutinando esses elementos com inclinações de gênero bastante fortes, o filme é ambientado em duas épocas diferentes: temos a breve perspectiva medieval que gira em torno de Sir Cole (Josh Whitehouse), um soldado do Reino de Norwich cujo sonho é se tornar cavaleiro, mas ele não sabe exatamente o que lhe falta para alcançar o posto desejado; as coisas mudam quando Cole cruza caminho com uma poderosa feiticeira que prenuncia uma jornada de amadurecimento e de reflexão, mandando-lhe para a Ohio dos dias atuais. E é a partir daí que ele se encontra com a jovem Brooke (Hudgens), uma professora desacreditada com o amor.
É quase óbvio entender o que acontece a partir de então: ambos os personagens mergulham em uma trama de autodescobrimento em que precisam encontrar o que falta em suas vidas. Dessa forma, numa sutileza interessante promovida pelo roteiro de Cara J. Russell, a feiticeira em questão, referida como Senhora (Ella Kenion) fala abertamente da missão que Cole precisa cumprir e, também, da missão que Brooke também tem consigo mesma. Não é apenas coincidência que o arco dos protagonistas se entrelaçou em uma única trajetória, e sim obra do Destino – cuja presença imaterial é bastante comuns em obras ambientadas na época do Natal.
Por mais que Hudgens e Whitehouse não tenham uma química exorbitante em cena, eles compartilham entre si alguns momentos de pura diversão, como a adaptação do cavaleiro em uma sociedade movida pela tecnologia e por “costumes estranhos” que pouco a pouco passam a integrar sua personalidade. Em contraposição, Brooke é envolvida em solilóquios apaixonantes que a cativam no princípio de um relacionamento romântico, concretizado nos últimos momentos do terceiro ato antes que ela perceba que irá perdê-lo para uma força maior.
O grande deslize é a sua falta de obstáculos: ora, se Sir Cole tem uma grandiosa aventura pela frente, é apenas natural que ele esbarre em problemas passíveis de resolução e até mesmo uma reviravolta que transforme sua percepção sobre o mundo. É claro que pedir isso de uma história como esta pode passar das exigências palpáveis, mas não reclamaríamos de ver ao menos alguém ou alguma coisa atrapalhando a convergências dos personagens principais. Por exemplo, temos a menção ao ex-namorado de Brooke e a presença de uma espécie de femme fatale que tenta se aproximar de Cole – mas o potencial desses antagonistas em causar algum efeito dentro da obra é jogado fora e minimizado ao máximo.
Ao menos a construção é engessada o suficiente para que fiquemos confortáveis dentro do que o longa se propõe a fazer: os coadjuvantes giram em torno dos nossos heróis e servem como catalisadores dos acontecimentos principais – que, eventualmente, nunca são de nos tirar o fôlego. Temos, de um lado, Madison (Emmanuelle Chriqui) e Claire (Isabelle Franca), irmã e sobrinha de Brooke que estão a todo tempo ao lado dela e, com a chegada de um frenético segundo ato, são os pivôs que levam a personagem de Hudgens e começar a se apaixonar por Cole; de outro lado, o policial Stevens (Arnold Pinnock), responsável por garantir que a presença do charmoso estranho na cidade não ameace ninguém – e, da mesma forma que as figuras mencionadas acima, é base para que o casal venha à tona.
Um Passado de Presente é tudo aquilo que esperaríamos de um clichê natalino produzido pela Netflix e, mesmo com simulacros e mais simulacros já explorados por tantas outras histórias, a narrativa é reconfortante e fofa ao extremo e reacende nosso espírito festivo com força.
Um Passado de Presente (The Knight Before Christmas – EUA, 2019)
Direção: Monika Mitchell
Roteiro: Cara J. Russell
Elenco: Vanessa Hudgens, Josh Whitehouse, Emmanuelle Chriqui, Ella Kenion, Harry Jarvis, Isabelle Franca, Jean-Michel Le Gal
Duração: 92 min.