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Matheus Fragata

Crítica | Ran - O Ressentimento que Destrói

Com Spoilers

A vida profissional de Akira Kurosawa foi uma verdadeira história cinematográfica. Enquanto conheceu o sucesso, o lucro e os louros nos anos 1950 e 1960, período de ouro da carreira do diretor, logo foi abandonado pelos estúdios e esquecido no tempo, realizando apenas dois filmes por década com tremenda dificuldade de encontrar quem os financiasse.

Com o tremendo esforço para produzir Kagemusha obtendo resultados favoráveis em decorrência do blockbusters, o cineasta pensou que seria mais fácil trazer seu próximo projeto, Ran, para a realidade. Sem poder contar com a ajuda inestimável de George Lucas e Francis Ford Coppola, seria somente um milagre que poderia concretizar esse filme já totalmente pronto na cabeça do diretor e também em milhares de storyboards feitos ao longo de uma década de planejamento.

Este milagre teria nome e nacionalidade: o francês Serge Sibelman que depositou toda sua confiança e investimento em Kurosawa para que ele entregasse o filme de sua vida. Mas, também de modo trágico, o diretor já estava com a visão consideravelmente debilitada na produção deste longa, conseguindo somente enquadrar com a intensa ajuda de seus assistentes que tinham uma boa noção do que Kurosawa queria a partir das milhares de pinturas feitas com cuidado.

O Filme de Uma Vida

Não é por menos que Kurosawa tenha amado tanto Ran considerando a melhor arte que já havia feito em toda sua carreira. De modo bem objetivo, a narrativa do filme dialoga com o sentimento que o diretor preservava naquela altura tão angustiante de sua carreira. Ele simplesmente se sentia traído pela própria nação, o homem que abriu o mundo para o cinema japonês, por não lhe ajudar mais com as produções cinematográficas, já que todo o mercado havia se voltado para investimentos de programas de televisão.

Esse sentimento de rancor de um idoso traído é o alicerce da narrativa do filme, muito inspirada em Rei Lear de Shakespeare. É uma época de paz no grande território do clã Ichimonji. Paz conquistada à custo de sangue, mortes e traumas. O grande lorde Hidetora (Tatsuya Nakadai), já com setenta anos, festeja sua glória com uma caçada à javalis nas grandes planícies do local paradisíaco na companhia de seus três filhos: Taro (Akira Terao), Jiro (Jinpachi Nezu) e Saburo (Daisuke Ryû). Visando dar grandes anúncios durante a caçada, incluindo selar aliança com outros dois clãs dispostos a ceder suas filhas para casamentos arranjados, Hidetora reúne a todos para anunciar sua aposentadoria como grande lorde.

Disposto a ceder seus títulos e terras para o filho mais velho, Taro, Hidetora causa a ira verdadeira em Saburo, o caçula. Não por cobiça ao título, mas por crer que seu pai está insano com esse plano absurdo de passar suas posses ainda em vida quando o mais correto é esperar sua morte. Ele o chama de ingênuo por acreditar que os outros irmãos serão fiéis a ele despido do poder. Ultrajado pelo comportamento de Saburo, Hidetora o deserda e o bane de seu feudo, incluindo o fiel criado Tango que tenta avisá-lo sobre a honestidade inestimável de Saburo.

Com o filho caçula afastado, mas já cooptado por um clã que desejava aliança, Hidetora logo vê as premonições de Saburo se tornando realidade. Ao transferir o poder para Taro, logo o velho é banido das terras, além de não poder contar a ajuda de Jiro que decide manter lealdade ao irmão. Vivendo como um lorde renegado com uma pequena comitiva, se isola em um terceiro castelo abandonado que seria da posse de seu terceiro filho. Mas logo essa pequena paz é irrompida com a guerra civil declarada por Taro que deseja matar o próprio pai.

Kurosawa novamente se dá ao luxo de fazer um filme de vasta duração, não percebendo que isso afeta o andamento do ritmo da boa história que pretende contar. Em Ran, o cineasta se porta de modo pessimista ao extremo – esse deve ser o longa mais trágico e niilista de toda sua carreira. Basicamente, o alvo é desconstruir a tradição japonesa sobre a honra da família, a honra dos pais e da tradição.

O conceito é este servindo como pano de fundo moral para termos o desenvolvimento de apenas dois personagens: Hidetora e a perversa Lady Kaede, esposa de Taro, cujo passado envolve um enorme trauma causado por Hidetora. Apesar de nunca termos qualquer detalhamento da relação do grande lorde com seus filhos e tampouco um foco maior em Taro, Jiro e Saburo, há realmente um cuidado interessante para a jornada do protagonista.

De dono do mundo para nem ser dono de si próprio, vemos como o grande lorde sucumbe aos poucos à loucura até se tornar um insano completo. Sua trajetória envolve reencontrar fantasmas do passado, aqui representados pela figura de Tsurumaru, um jovem que ficou cego por ordem de Hidetora quando invadiu o castelo de sua família, caindo a si sobre todas as maldades que causou em incontáveis pessoas.

A partir da destruição dos elos familiares por fome de poder, o protagonista é despido de todos os prazeres e glória que possuía vagando pelo feudo somente com o seu Bobo como companhia. O paralelo entre o Bobo com Hiredota é bastante evidente – sutileza não é o forte de Kurosawa em Ran. O Bobo possui uma relação de amor e ódio com seu antigo mestre e revela ser bastante cínico – coisa que Hiredota não foi ao confiar o poder nas mãos corrompidas de seus filhos.

Apesar dessa associação ser positiva para o desenvolvimento do protagonista, o Bobo é um personagem extremamente irritante, sempre interrompendo o fluxo da ação para contar uma anedota sem graça ou sem nexo, além de perder a utilidade narrativa em questão de poucas cenas. Como sua presença é ostensiva até a conclusão da obra, o espectador é obrigado a aturar esse engodo.

Como todo o desenrolar da história não guarda muitas surpresas, sendo bastante previsível por conta do tom extremo que Kurosawa prega em seus personagens detestáveis e perdidos, temos um lampejo mais interessante com Lady Kaede que praticamente é uma Lady Macbeth que age de modo independente. Kaede, é uma antagonista no meio de antagonistas, ou seja, é um tanto exagerada na engenhosidade de sua maleficência – Kurosawa a coloca a lamber sangue em uma certa cena repleta de energia. Apesar de ser uma encenação brega pelo extremo, há uma simbologia interessante nesse ato da vilã.

 A personagem extremamente fria e cruel age de modo calculado, com somente um intuito secreto em mente que, apesar de bastante óbvio, não cabe na crítica a revelação. Se trata de uma bonita conclusão para um ciclo de violência criado por Hiredota em seus dias de conquista a custo do sofrimento alheio, tornando a personagem muito bem motivada, apesar da exposição final nada elegante.

Nesse ponto, Hiredota é alvo de uma redenção curiosa. Já que o personagem não faz mas as coisas acontecerem, coisas acontecem com ele por conta do tumulto caótico que se instalou no feudo. O personagem ao relento logo fica desinteressante até um reencontro emocionante no final no qual novamente o niilismo age e Kurosawa emplaca outra desconstrução importante sobre a lenda dos samurais.

Heróis Derramados

Esse golpe é o mais forte em Ran: como a morte dos líderes poder ser tão banal e desonrada contra um oponente anônimo que porte uma arma de fogo. Kurosawa queria novamente fazer um atestado sobre a violência da Segunda Guerra sobre as massas se colidindo e matando aos montes. Isso reverbera em todas as sequências de batalha do filme.

A primeira delas envolve a invasão do castelo de Hiredota. Aqui, Kurosawa finalmente culmina toda a preparação sobre o clima que trabalhava no filme até então, sempre mostrando grandes nuvens negras se aglomerando e aproximando conforme o conflito entre Ichimonji se intensifica – um foreshadowing eficiente. Irrompendo uma vasta tempestade, o diretor revela finalmente o motivo de adotar uma linguagem visual tão restrita em Ran optando sempre em grandes planos gerais ou outros mais afastados – só há seis closes em todo o longa.

Com esses planos afastados, há sim uma magnitude fantástica na batalha com mais de mil figurantes se digladiando – o diretor é extremamente feliz em organizar os esquadrões a partir de cores fortes para os uniformes sempre azuis, amarelos ou vermelhos para o espectador compreender a ação. Kurosawa captura as massas em combate, tornando todo o massacre um grande exercício de cor e deslumbramento, mas também exibindo horrores individuais como o massacre das concubinas do protagonista ou de alguns corpos incendiados em meio ao confronto sangrento.

Aqui há menor uso de armas de fogo se comparado a culminação do onipotente clímax que certamente será uma das sequências mais impressionantes que verá na vida. Não somente pela inteligência da estratégia do confronto que sofre diversas reviravoltas, mas principalmente pela magnitude ainda maior da batalha totalmente realista.

Kurosawa realiza o maior pesadelo logístico de todos os tempos ao trabalhar com tantos figurantes, cavalos, figurinos, adereços e efeitos visuais para realizar essa luta trabalhando inclusive com a profundidade de campo para mostrar um terceiro exército observando o confronto no cume de uma montanha. É algo surreal. Uma pena que o distanciamento da câmera, por vezes, torno o calor da ação um pouco mais frio, além de conferir certa repetitividade visual em toda a obra.

Por fim, Kurosawa também apresenta uma descrença completa nos deuses e em Buda, indicando um grau de ateísmo cínico que chega a ser cruel com o plano final do longa, no qual um pequeno homem é abandonado ao relento, totalmente sem esperanças, esperando o pior dos destinos chegar para livrá-lo do pesar existencial.

Nada é Bom, Tudo é Violência, Todos Vamos Morrer

Kurosawa fez seu filme mais pessoal por se associar fervorosamente a Hiredota. Ele se sente exatamente como o personagem: totalmente traído, abandonado e mendigando enquanto derrotado pela miséria de sua própria herança.

Ran é de longe seu filme mais depressivo e pessimista, nunca oferecendo chance de transformação plena ao longo da jornada. Todo alvorecer de alegria logo é assassinado impiedosamente por peças alheias pouco relevantes. O diretor simplesmente mandou seu recado contra quem o importunava já indicando que era miserável por si. Não ajudou em nada o fato de sua esposa ter morrido bem no meio do processo de filmagem, o deixando ainda mais soturno.

Com esse ótimo testamento, Kurosawa encerra sua carreira de épicos samurai resgatando a beleza e tragédia do Japão feudal. Ele emenda críticas pertinentes contra a violência e o impacto negativo da guerra. Mas como tudo é bastante exagerado, extremo e, ironicamente, tão distante e frio, Ran se tornou um dos pontos mais altos da vida do diretor, mas não o seu mais brilhante.

Ran (Idem, Japão, França – 1985)

Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa, Hideo Oguni, Masato Ide, William Shakespeare
Elenco: Tatsuya Nakadai, Akira Terao, Jinpachi Nezu, Daisuke Ryû, Mieko Harada, Hisashi Ogawa
Gênero: Drama, Guerra
Duração: 165 minutos

https://www.youtube.com/watch?v=AbbfDntoRRk


by Matheus Fragata

Crítica | Sanjuro - A Sombra Insustentável de Yojimbo

O sucesso de Yojimbo foi monumental. Não só por ter um tremendo efeito no mercado e na noção de cinema oriental na época, mas como também virou o maior sucesso financeiro de Akira Kurosawa em mercado doméstico. Com olho no lucro praticamente certo em uma sequência da grandiosa história do Ronin sem nome, o misterioso Sanjuro, a Toho entrou em um acordo estranho com Kurosawa para que ele quebrasse a tradição de nunca realizar sequências.

Algumas tradições realmente nunca deveriam ser quebradas.

Com certeza minha opinião sobre Sanjuro é bastante fora da curva sobre a obra que recebeu aplausos tão intensos quanto o longa original, mas há simplesmente um enorme problema com Sanjuro: em essência, ele é muito parecido a Yojimbo.

Lá e de Volta Outra vez

Dessa vez Kurosawa apresenta Sanjuro escutando uma fofoca problemática de um grupo de dez samurais que estão discutindo uma problemática envolvendo o clã do superintendente da cidade, interessado em tomar em limar o clã rival para controlar a cidade. Novamente se fazendo presente pela moralidade do correto, Sanjuro decide ajudar os samurais totalmente imaturos que seguem o código à risca nunca agindo por si.

Para realizar tal feito, temos novamente um plano engenhoso de Sanjuro envolvendo se infiltrar no lado oposto para capturar informações e desestabilizar o forte grupo conspirador por dentro, do mesmo modo que vimos em Yojimbo.

De conceito muito parecido e uma leve distinção de moralidade indicando um desenvolvimento estranho ao protagonista, temos uma aventura que custa a engajar já que o grupo de samurais que Sanjuro se alia são extremamente chatos.

Para criar conflito, Kurosawa e os roteiristas pendem ao máximo para mostrar os jovens samurais como bobocas completos que agem pelo ímpeto sem nunca pensar em um plano ou analisar com firmeza uma situação dúbia. O contraste gerado com a figura do ronin sem nome que pouco se lixa pelo código é notado imediatamente, mas novamente há um excesso de repetição desse tema que só atinge certo ápice na cena final do filme na qual Sanjuro aprende uma valiosa lição sobre violência e o preço de uma morte, enquanto os samurais bocós saem mais maduros do grandioso conflito.

É um pouco mais difícil compreender a natureza do embate entre os clãs já que tudo envolve certa burocracia, além de ser exposto ao espectador de modo muito grosseiro e preguiçoso, embora flerte com a ótima cena de Yojimbo na qual o anfitrião explica lentamente ao samurai o inferno que se instalou na cidade.

Apesar de trazer esse interessante jogo de amadurecimento em Sanjuro que reconhece que a violência nem sempre é a melhor resposta, culminando em um clímax inteligente envolvendo a armadilha pacífica perfeita que o ronin cria para o clã oponente, é uma mudança muito brusca para uma aventura pouco catártica para o herói, já que os eventos ocorridos em Sanjuro são menos expressivos e intensos que o do anterior.

Simplesmente fica a aparência incomoda que Kurosawa, desapontado pelos espectadores não terem sacado a mensagem antiviolência de Yojimbo, decidiu tornar tudo explícito com o sofrimento de Sanjuro e através diálogos nada sutis para frisar que matar pessoas é algo ruim. O moralismo forçado simplesmente destoa do universo orgânico outrora construído

Logo, com essa mão pesada para guiar a história, o diretor parece pouco inspirado para superar o trabalho desempenhado antes. A estética suja fascinante de Yojimbo é deixada por uma plástica simétrica e bastante limpa, repleta de cenas internas em sets mais simples, com pouco ou nenhum movimento com enquadramentos que buscam sempre mostrar a unidade do grupo para superar as adversidades, além de inserir Sanjuro finalmente com outros samurais a todo momento.

Ou seja, no viusal, Sanjuro é uma obra bastante repetitiva, infelizmente, além de tediosa, apesar de vez ou outra Kurosawa nos apresentar boas sequências de ação bem coreografadas exibindo todo o talento de espadachim do anti-herói. Até mesmo a trilha musical, tão estilizada e potente de outrora, é diluída para fazer o filme ter uma atmosfera mais séria e dramática. É uma reviravolta de estilo muito radical para uma franquia que já havia nascido icônica.

Mesmo restringindo bastante o visual com os enquadramentos fechados de planos conjuntos, há momentos que Kurosawa se rende para inserir elementos poéticos bastante criativos como o intenso uso de um riacho como peça vital na narrativa e das pétalas de belas camélias, tonificando essa mudança de ares que Sanjuro experimenta em sua jornada, se tornando mais pacífico.

O Herói que não estava lá

Kurosawa simplesmente trai as características iniciais de seu personagem ao fazer um trabalho muito mais brando em Sanjuro com uma história pouco interessante. É óbvio que se deve levar em consideração que quem optar ver a este filme antes de Yojimbo, é bem capaz que goste da atmosfera distinta que o diretor apresente aqui, além de serem fisgados pelas características geniais do personagem em solucionar grandes problemas violentos. A história pode até mesmo funcionar melhor.

Porém, como se trata de uma óbvia continuação, Sanjuro infelizmente fica muito na sombra gigantesca de Yojimbo a ponto de se tornar uma obra fria, sem gosto e sem energia para retratar um samurai vagabundo que outrora era um perfeito anti-herói apaixonante.

Sanjuro (Tsubaki Sanjûrô, Japão – 1962)

Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa, Hideo Oguni, Ryûzô Kikushima
Elenco: Toshirô Mifune, Tatsuya Nakadai, Keiju Kobayashi, Takashi Shimura, Katamari Fujiwara, Yûzô Kayama
Gênero: Drama, Samurai
Duração: 95 minutos

https://www.youtube.com/watch?v=Uq_rSsbhQnE


by Matheus Fragata

Crítica | Yojimbo: O Guarda-Costas - A Subversão do Samurai

Akira Kurosawa era um homem atento. Sabia que um bom cineasta precisava se renovar de tempos em tempos e, para isso, estava sempre ligada nos grandes sucessos do cinema mundial, principalmente do americano. Com a ascensão absoluta do western e o congestionamento de títulos muito parecidos, Kurosawa se sentiu inspirado ao ver Os Brutos Também Amam e decidiu traduzir o western para o gênero do cinema samurai que ele já estava muito acostumado a realizar e injetar elementos novos.

Garantido pelo sucesso agradável da comédia de aventura A Fortaleza Escondida, o diretor novamente conseguiu driblar a Toho para realizar um novo blockbuster que, apesar de popular, seria muito violento. Com Yojimbo, o cineasta provaria mais uma vez o quão essencial é para o. Cinema mundial já que seu faroeste adaptado inspirou Sergio Leone a fazer a trilogia do Homem Sem Nome de um modo tão descarado que até mesmo o cineasta japonês se sentiu ofendido chegando até a processá-lo por plágio.

A medida drástica não é por menos, afinal Yojimbo pode ser considerado como outra grande obra prima na carreira prolífica do cineasta.

O Samurai Desconstruído

O fato do longa ser tão fascinante é muito por causa da mudança substancial de estilo narrativo e estética cinematográfica que Kurosawa propôs aqui. Na narrativa, acompanhamos a jornada do ronin (um samurai sem mestre) andarilho sem nome, que se auto intitula falsamente como Sanjuro. Sem destino em sua jornada, ele decide na sorte para qual lugar deve ir.

Trilhando às cegas, o ronin encontra uma cidadezinha rural perdida no interior do Japão. Outrora um lugar amigável, mas agora, sob domínio de dois chefões do crime organizado que controlam o comércio têxtil e de bebidas, o lugar virou um completo caos devido a guerra entre os dois criminosos que tentam roubar o campo de comércio um do outro, lançando a cidade em um estado permanente de guerra civil. Se hospedando no restaurante local, Sanjuro vê uma boa oportunidade de enriquecer e livrar a cidade dos problemas causados pela violência endêmica, mas de modo inteligente na tentativa de também salvar sua pele, após se meter em algumas enrascadas.

A diferença de Yojimbo já se encontra na abertura do filme. Com câmera na mão, trilha musical repleta de estilo e energia, Kurosawa acompanha seu samurai sem nome andando repleto de marra à caminho da cidade até ser bem-vindo no lugar ao se deparar com um cachorro mordendo uma mão decepada. A abertura é simplesmente genial por dar todo o tom que o diretor deseja: humor negro e violência declarada, além de desconstruir firmemente a postura do samurai que havia feito nos filmes anteriores.

É só reparar no modo que o excelente Toshirô Mifune se porta ao logo da narrativa, sempre torto, desbocado e preguiçoso lançando olhares cínicos e risadas cruéis ao notar a estupidez que o cerca. Ele foge do padrão altivo e honroso dos samurais elegantes, pois é sujo e maltrapilho, sempre chacoalhando os ombros em um tique nervoso como se expulsasse pulgas do próprio corpo. E, ainda assim, o ronin é um gênio completo na arte do combate e da estratégia, o tornando um dos anti-heróis mais improváveis de todo o cinema. É um trabalho de caracterização genial.

A moral estética presente em todos os filmes do cineasta também se faz valer em Yojimbo. Aqui é bastante claro que a inteligência sobrepuja a violência, além de infiltrar outras mensagens honradas sobre justiça, honra e lealdade, além de elaborar uma crítica genial sobre confiança cega já que temos Sanjuro engenhando seu jogo psicológico com os dois chefes para que ambos intensifiquem o combate. Na primeira vez que testemunhamos essa guerra, vemos como o protagonista é excepcionalmente esperto ao ficar no topo do terreno, se divertindo como os dois lados são covardes em se enfrentar em uma cena bastante cômica principalmente pelo desfecho esperto.

A narrativa é forte o suficiente para sustentar o longa e todas as viradas bastante lógicas. O diretor finalmente compreende o valor de uma duração mais objetiva de um longa-metragem, acertando em cheio no ritmo das cenas. Também colabora o fato de finalmente testemunharmos alguma espécie de desenvolvimento de personagens nesses longas samurai de Kurosawa.

Apesar de passar longe do excepcional, o diretor compreende que Sanjuro é uma figura tão misteriosa e fascinante que não pode ser simplesmente um totem de moralidade. O personagem carismático é certamente difícil, pois ele é sádico, beberrão e aproveitador, mas ao mesmo tempo apresenta lealdade para com o lado certo do conflito, protege quem ama e exibe compaixão através de uma linha narrativa paralela envolvendo a tragédia de um casal separado após uma aposta errada em um jogo de azar.

É exatamente por esses retratos contrastados de Sanjuro que Yojimbo é um filme incompreendido a ponto até mesmo de Kurosawa ter se arrependido de o realizar quando mais velho. O motivo é bastante simples e até bem evidente dentro do longa: ele nunca visou engrandecer a violência ou glorificar a matança, mas sim criticar as consequências de um conflito violento. Afinal, no clímax do longa, vemos como a cidade está destruída, além de seu comércio e seus habitantes.

O lugar se torna completamente fantasmagórico por conta das ações de Sanjuro incitar a guerra. Com o cinismo final do personagem, Kurosawa mostra como ele sempre foi indiferente a tudo aquilo que o cercava, não dando a mínima para o futuro dos poucos cidadãos sobreviventes da desgraça.

Porém, como o filme é tão cheio de estilo, com coreografias maravilhosas nos duelos, além de ter um protagonista extremamente habilidoso com a katana que consegue se livrar de todas as situações adversas de modo crível, outros cineastas só preferiram ver o glamour da história, inspirando uma torrente de filmes samurai na mesma linha estética glamorosa e violenta de Yojimbo.

Porém, no que faltou de sensibilidade em outros cineastas, temos em enorme quantidade em Kurosawa. Sempre fascinado pelo movimento da encenação mesmo em enquadramentos estáticos, ele não aposta somente pela aglomeração grande de pessoas para preencher o poderio visual do Tohoscope, mas principalmente por conta da abordagem com o vento e a poeira ao longo de todo o filme. É através desses elementos simbólicos que Kurosawa trabalha a crescente escalada de caos que acontece na cidade, utilizando tempestades de areia com ventania moderada a extrema em picos dramáticos simbolizando a degradação plena que ocorre no lugar.

Aliás, por mencionar isso, é preciso apontar como o diretor se revoluciona em termos de atmosfera com o clímax inesquecível da obra, com Sanjuro enfrentando uma gangue inteira, incluindo um pistoleiro antagônico muito marcante ao longo do filme. É aqui que finalmente começamos a ver a origem da clássica linguagem dos filmes samurai em duelos catárticos que influenciam até hoje a franquia Star Wars. Sem apostar em closes, Kurosawa injeta toda a força através de planos abertos contrastes com a caminhada de Sanjuro e da gangue até culminar no início da rápida matança. É um momento histórico, preciso e emocionante.

O Samurai vagabundo

Conseguindo equilibrar perfeitamente questões problemáticas em sua carreira como o intenso jogo moral, o desenvolvimento de personagens e o alicerce narrativo, Kurosawa criou uma de suas melhores histórias em um filme com senso estético apaixonante. Ele nos convida a assistir e espiar a vida desse ser tão misterioso do mesmo modo que o protagonista espia a ruína humana na profundidade de campo das janelas de sua morada provisória.

Um exercício fantástico repleto de humor, sem tirar a dimensão trágica da morte e do sofrimento de um povo sem medo de caminhar nas trevas sombrias. Um conto de um samurai vagabundo que tem o poder de trazer o céu e o inferno conforme for sua vontade. Yojimbo é realmente tudo isso que falam.

Yojimbo – O Guarda-Costas (Yôjinbô, Jápão – 1961)

Diretor: Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa, Ryûzô Kikushima
Elenco: Toshirô Mifune, Tatsuya Nakadai, Yôko Tsukasa, Isuzu Yamada, Takashi Shimura, Katamari Fujiwara, Ejirô Tôno
Gênero: Ação, Drama, Western, Samurai
Duração: 110 minutos

https://www.youtube.com/watch?v=y_1iT_GmHTE


by Matheus Fragata

Crítica | Juventude Transviada - Um Clássico sem Causa

Apesar da Nova Hollywood ser declaradamente reconhecida com seu início por Easy Rider, há muito do cinema renovado dos anos 1970 em Juventude Transviada, clássico de Nicholas Ray, além de possivelmente ser o maior filme de sua vida. Isso, em 1955. Saindo do seu hit instantâneo por Johnny Guitar, Ray recebeu um voto de confiança na Warner que permitiu que o realizador fizesse um filme mais autoral para a época.

Com toda a certeza, Ray trouxe um filme perfeito em sua cabeça que inventou uma realidade própria para gerar a força motriz da obra, crendo veementemente que estava a retratar a vida de milhares de jovens com a narrativa criada. Passado o deslumbramento histórico que a obra gerou e também a performance simbólica de James Dean como protagonista, é um fato certo que Juventude Transviada simplesmente não envelheceu nada bem, fazendo pouco ou nenhum sentido para uma audiência hoje. Talvez seja justamente por isso que, com algumas alterações, o filme fosse melhor se pensado para os anos 1970 nos quais de fato os jovens passavam por problemas diversos.

Perdidos na Noite

Stewart Stern e Irving Shulman fazem de tudo para inserir algum sentido na história pensada por Nicholas Ray. Temos então a narrativa sobre a pequena tragédia de Jim Stark (James Dean), um jovem habituado a mudar de cidades sempre que problemas surgem na sua vida por ordens de seus pais superprotetores que o mimam intensamente. Parando na delegacia depois de uma noite de bebedeira em Los Angeles, Stark é novamente perdoado por seus pais nada rígidos, mas encontra dois outros jovens, Judy (Natalie Wood) e Platão (Sal Mineo) que também sofrem com questões paternas.

Acreditando que terá um ótimo primeiro dia de aula para recomeçar sua vida, logo Jim tem seus planos furados por conta da implicância do namorado valentão de Judy para com ele. Disposto a resolver essa querela irracional, Jim aceita um desafio mortal para ser aceito na comunidade estudantil. Porém as consequências do ato jogam Jim, Judy e Platão em uma noite de aventuras perigosas.

É totalmente peculiar a este filme que ele comece tão bem e termine tão mal. Juventude Transviada sofre de diversos males e de um realismo que só funciona na cabeça de Nicholas Ray, mas certamente é muito feliz estabelecer os pilares de um conflito que simplesmente parecia ser o filme, mas que logo após uma trágica morte, se torna outro completamente diferente.

Os roteiristas abordam com eficiência para justificar a rebeldia de Jim e suas tentativas escapistas. Nada sobre questões existenciais aqui, mas sim um desejo completo de atenção paterna para conseguir causar uma catarse em seu pai para que ele pare de ser tão subjugado pela esposa e em perpetuar discussões inúteis. Já com Judy, há certa luxúria e um amor infantil rondando sua relação com o pai, inferindo uma paixão proibida – isso aparece e nunca mais é mencionado novamente.

O trabalho mais complexo certamente se dá com Platão, o garoto obviamente homossexual muito frustrado com a ausência de afeto dos pais que acabaram de se divorciar. Porém, há certo exagero para mostrar que o garoto é desequilibrado para já apresenta-lo como um matador de filhotinhos de cães. Ou seja, os três personagens desejam uma figura máscula e forte para capitanear seus destinos, dar respostas certas para suas frustrações e dominar o ambiente familiar.

A partir desse cenário tenebroso, os roteiristas colocam o protagonista para interagir com esses dois adolescentes com bastante intensidade. O problema é que temos somente um dia como espaço diegético para todos os eventos dramáticos do filme ocorrerem. Apesar disto deixar o ritmo bastante dinâmico, também torna boa parte da história em algo completamente surreal.

Primeiro que os personagens mal têm tempo para serem desenvolvidos de forma similar ao sentimento humano ou o convencional narrativo para mudanças tão bruscas como as que ocorrem aqui. Por exemplo, Judy e Jim rapidamente superam a morte de um personagem que havia morrido há poucas horas e logo se apaixonam perdidamente no decorrer de uma noite repleta de fugas da realidade. Enquanto isso, se convencem que são figuras paternas para Platão que deseja ser aceito como filho dos dois e formar uma grande família feliz. Mas, antes de realizar seu sonho, o garoto surta e começa a atirar com armas de fogo contra alguns bullies da gangue do falecido levando a uma bizarra perseguição policial e um dramalhão surreal no clímax da obra – no qual todos os sentimentos bastante claros dos personagens são expostos em diálogos péssimos.

O pior de tudo é que Ray filma os elementos de modo realmente pretensioso como se quisesse que o espectador levasse tudo o que ocorre na tela do modo mais sério possível a ponto de comprar o drama artificial que ele propõe. Há simplesmente um excesso de caricatura, principalmente em Platão, um garoto que realmente é impossível comprar o discurso de “pobre coitado” que Ray tenta emplacar quando é claro que o menino é um desajustado deprimido muito além da linha do aceitável. Isso não torna a “amizade” dele com Jim mais excêntrica ou especial, mas sim bizarra, inclusive pelas atitudes que Jim toma posteriormente naquela noite por uma pessoa que ele conheceu, literalmente, há poucas horas antes.

Ray não conhece limites para as mudanças tonais que propõe com bastante frequência partindo de um drama escolar repleto de potencial para virar um drama psicológico barato, mas ainda interessante até culminar em um final violento para lançar uma crítica social sobre a criminalidade com menores de idade e suas motivações para agirem com tanta rebeldia.

Há momentos, sim, memoráveis dentro de Juventude Transviada como a ótima sequência envolvendo uma corrida mortal que culmina em uma tragédia através de uma conveniência narrativa esquisita – essas não faltam aqui, principalmente no clímax. Ou na abordagem que Ray toma ao exibir o primeiro dia de aula de Jim e uma sessão bonita dentro do planetário, apesar do motivo ridículo para a gangue desejar eliminar a existência do protagonista.

Rebelde com Causa

Apesar de tudo isso, Juventude Transviada é um bom filme. Nicholas Ray tem um olhar engessado, mas muito competente com a técnica cinematográfica, além de fazer bom uso da profundidade de campo para gerar maior dimensão ao perigo que os personagens encaram. Fora isso, é muito feliz com a decupagem de ação bem organizada e com seus enquadramentos ricos em Cinemascope visando valorizar cenários e paisagens californianas fabulosas como a da mansão muito conhecida por Crepúsculo dos Deuses e das cenas que se passam no Observatório Griffith.

O problema apenas reside na artificialidade completa dessa história que o diretor pensa ser tão genial e comunicativa, mas que envelheceu terrivelmente a ponto de ficar caricata. Seu impacto na época certamente teve valor o suficiente, além da morte de James Dean ter catapultado o filme que estreou um mês depois do triste acidente do ator. Simplesmente há muita psicologia barata e desenvolvimento surreal de seus personagens em uma questão de tempo diegético tão absurda para que Ray consiga sustentar qualquer crítica que ele pretendia com seu filme.

No fim, ele acaba exatamente como Platão durante o clímax: totalmente perdido, atirando para todos os lados.

Juventude Transviada (Rebel Without a Cause, EUA – 1955)

Direção: Nicholas Ray
Roteiro: Nicholas Ray, Stewart Stern, Irving Shulman
Elenco: James Dean, Natalie Wood, Sal Mineo, Jim Backus, Ann Doran, Corey Allen, Dennis Hopper
Gênero: Drama
Duração: 111 minutos

https://www.youtube.com/watch?v=wXRgAXU1-T4


by Matheus Fragata

Crítica | A Fortaleza Escondida - A Fraqueza de Kurosawa

Akira Kurosawa queria agradecer pela ótima experiência que teve com a Toho, o estúdio que apostou tudo no talento do cineasta nas ótimas produções de Os Sete Samurais e Trono Manchado de Sangue, filmes certamente de grande risco financeiro. Para isso, parou de seguir o caminho grandioso dos épicos samurais para realizar uma aventura de comédia popular com A Fortaleza Escondida.

Nada mais digno para o cineasta experimentar outros campos e se renovar novamente, porém, mesmo sendo um sucesso absoluto de bilheteria e, posteriormente, tornando-se um clássico a ponto de influenciar boa parte da criação de Star Wars, o filme é simplesmente medíocre perto do que havia feito até então. E grande culpa disso é pelo nítido exagero de Kurosawa em tornar uma aventura simples em um épico rebuscado.

Comédia para Poucos

Kurosawa já abre o filme com a dupla de camponeses imbecis chamados Tahei (Minoru Chiaki) e Matashichi (Katamari Fuhiwara), dois ex-soldados que participaram de uma guerra de clãs e acabaram perdendo tudo nas batalhas quando acreditavam que ficariam ricos com os saques de vilas e aldeias. Maltrapilhos e resmungões, os dois veem sua péssima sorte virar quando descobrem peças de ouro escondida em pedaços de madeira espalhadas em um riacho.

Decididos a saquear tudo, logo são interrompidos pelo poderoso general Rokurota Makabe (Toshirô Mifune), que os recruta para transportar duzentas peças de ouro perdidas na dizimação do clã Aikizuki. O ouro está escondido na fortaleza do general e precisa chegar até o território do clã aliado Hayakawa para financiar a reestruturação dos Aikizuki. Para isso, Makabe também transportará a princesa Yuki, única herdeira do clã, disfarçada como menina muda para que os camponeses não suspeitem de nada do seu plano. O problema é que a jornada para cruzar a fronteira terá diversos desafios que testarão a lealdade dos pobres homens com seu patrão.

Ou seja, mesmo se valendo de uma típica trama aventureira e despretensiosa, Kurosawa consegue encaixar o diálogo moral tão presente em seus filmes. Aqui, o dilema ético sempre orbitará a ganância e pobreza ética dos dois camponeses contra a nobreza altruísta e correta do general e da verve digna da princesa gritalhona Yuki.

O jogo de conceito é a força motriz do conflito secundário do longa e repetido à exaustão. Com a dupla, temos diversos planos frustrados em roubar o ouro ou estuprar a princesa enquanto o general se afasta para planejar novas ações para o grupo cruzar a fronteira em segurança até retornar e desmontar as intenções pérfidas da dupla.

O problema do plano conceitual do longa é justamente a repetição exaustiva dessas esquetes nada ou pouco engraçadas tornando absolutamente todos os personagens superficiais ao extremo e, até mesmo, irritantes. Apesar de apelar ao slapstick sucessivas vezes para realizar o tom cômico dos abobalhados Tahei e Matashichi, Kurosawa consegue criar boas piadas a partir de ironias inteligentes feitas com muito auxílio do visual ousado do filme.

Uma delas envolve a dupla subindo um morro dificílimo para chegar na fortaleza escondida entre as montanhas para logo darem de cara com Rokurota já os aguardando no terreno, avisando que havia uma passagem secreta ao lado. A graça disso é o modo como Kurosawa expõe a piada, pois nitidamente os dois camponeses partem correndo para o morro antes mesmo do general conseguir lhes avisar da facilidade escondida.

Outro bom momento envolve um plano inteligente de Rokurota para atravessar a fronteira de modo legal, sem precisar travar batalhas com soldados inimigos. Permitindo a travessia do grupo, pouco tempo depois o capitão da fronteira é avisado sobre a viagem proibida que escolta a princesa Yuki que ele acabara de garantir passagem. É uma ironia ingênua, mas eficiente para a proposta popular da obra.

Aliás, essa natureza talvez seja onde Kurosawa erra demais ao tentar conferir esse tom “descontraído” da obra, afinal se trata de outra grande produção com cenas que até visam homenagear a icônica sequência da Escadaria de Odessa em O Encouraçado Potemkin. Kurosawa entende o “descontraído” com o “exagerado”. Os personagens não cativam pela caricatura, além de Rokurota que chega a ser minimamente interessante em sua jornada gloriosa para proteger a princesinha mimada chatíssima que berra ao falar, a narrativa é atrofiada pendendo sempre para deus ex machinas e conveniências narrativas fazendo o grupo ser extremamente sortudo em todos os entraves – incluindo uma reviravolta final absurda, mas relativamente justificada, além de um final dilatado em excesso para conferir uma recompensa anticlimática para os camponeses sugerindo alguma mudança catártica nunca vista no filme.

De fato, dilatação é o que define A Fortaleza Escondida. Kurosawa erra ao apostar que seu filme tem fôlego para sustentar 140 minutos de exibição somente com a força do elenco e da natureza repetitiva dos conflitos. Como o grupo é um tédio completo de acompanhar, em poucos minutos o filme também tem seu ritmo prejudicado.

Esse é o primeiro filme que Kurosawa trabalharia com o TohoScope, a variante japonesa da técnica Cinemascope, permitindo enquadramentos mais amplos horizontalmente. Rapidamente vemos como o diretor se adapta bem a mudança de formato, mesmo que não haja uma intensa obsessão por enquadramentos perfeitos como havia feito em seu filme anterior. Como a história do longa se vale de uma intensa caminhada a céu aberto, Kurosawa usa o formato para capturar paisagens belas e grandiosas, além de usar, como sempre, a profundidade de campo de modo eficiente para estabelecer maior distância entre os elementos em cena.

Fica nítido que Kurosawa se dedica inteiramente em criar duas set pieces maravilhosas sendo a primeira envolvendo uma rebelião de escravos – aqui o diretor captura o movimento massivo de uma multidão raivosa, e o duelo perfeito de Rokurota contra um antigo rival em uma luta fabulosa com lanças antecedida por uma perseguição rápida e intensa. No duelo, enfim, apesar da grande predominância de planos abertos para deixar a ação fluir exibindo a fantástica coreografia, nota-se que Kurosawa começa a usar um pouco mais da linguagem clássica do cinema samurai. Mas apenas com o som, pontuando o clima através de uma trilha musical repleta de pausas e pequenas explosões.

A Frágil Fortaleza

Em uma obra estranha, Kurosawa comete diversos equívocos para tornar esse filme popular em uma espécie de épico mal concebido. O conceito proposto se esgota rapidamente e os fracos personagens não inspiram muito fascínio para aguentar a extensa jornada fornecendo algum prazer ao espectador. Mesmo que tenha servido como grande inspiração para a franquia milionária de George Lucas, A Fortaleza Escondida é uma obra frágil demais de um cineasta que simplesmente é eficaz em fazer grandes épicos samurais de drama. A comédia em uma aventura exagerada, certamente não foi seu forte.

A Fortaleza Escondida (Kakushi-toride no san-akunin, Japão – 1958)

Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa, Hideo Oguni, Shinobu Hashimoto, Ryûzô Kikushima
Elenco: Toshirô Mifune, Minoru Chiaki, Katamari Fujiwara, Susumo Fujita, Takashi Shimura, Misa Uehara
Gênero: Comédia, Aventura
Duração: 139 minutos.

https://www.youtube.com/watch?v=VBBeeOdQRiE


by Matheus Fragata

Crítica | Trono Manchado de Sangue - A Melhor Adaptação Possível de Macbeth

Akira Kurosawa sempre foi um homem culto fanático por literatura. Sua primeira tentativa em adaptar um grande romance não foi muito bem-sucedida com O Idiota, clássico de Fiódor Dostoiévski, por conta de entraves graves com o estúdio que produziu o projeto. Reconquistando a confiança e prestígio com Viver e o supremo Os Sete Samurais, um dos filmes mais rentáveis de sua carreira, o diretor decidiu manter a boa parceria com a Toho que mantinha até então.

Era o tempo perfeito de Kurosawa se reinventar mais uma vez ao perseguir seu sonho: criar a adaptação cinematográfica perfeita de uma grande obra literária. O presenteado da vez fora William Shakespeare com sua excelente peça Macbeth. O diretor estava decidido a fazer o seu melhor e, de fato, consegue. Provavelmente, Trono Manchado de Sangue seja sua obra-prima mais relevante dentro de sua carreira.

Shakespeare Samurai

De certa forma, Kurosawa subverteu a expectativa de seus fãs ao entregar um filme samurai, mas nada similar com o Os Sete Samurais, repleto de ação. Sendo um cineasta de conceitos, ele é fiel a sua proposta estética até a conclusão do filme, mesmo que isso chegue a prejudicar a obra. Felizmente, não é o caso com Trono Manchado de Sangue. O diretor simplesmente acerta em tudo.

Removendo a narrativa de Macbeth do contexto europeu ao transportar com perfeição para o Japão Feudal. Aqui, um dos filmes mais ricos em história da carreira do cineasta até então, acompanhamos a pequena saga do respeitado general Taketoki Washizu (Toshirô Mifune excepcional). Ao repelir uma grande rebelião contra o grande senhor do Castelo da Teia de Aranha, Washizu e seu melhor amigo Yoshiteru Miki (Akira Kubo) precisam atravessar a densa floresta da Teia de Aranha para chegar ao castelo e receber suas devidas condecorações pelo desempenho decisivo para suprimir a rebelião.

No meio do caminho, Washizu e Miki encontram uma velha sinistra que oferece diversas profecias perturbadoras para a dupla de guerreiros prometendo que Washizu será o senhor de uma grande mansão antes de tomar o Castelo e que o filho de Miki, posteriormente, tomará o Castelo das mãos dele. Debochando da palavra da velha demoníaca, os dois seguem para encontrar o seu senhor a quem juraram lealdade absoluta. Mas o cenário rapidamente muda quando o grande senhor oferece as recompensas do mesmo modo que a velha previra no caminho.

Discutindo com sua esposa, Lady Washizu (Isuzu Yamada na, possivelmente, melhor encarnação para a Lady Macbeth), o samurai rapidamente é persuadido pelos argumentos venenosos da mulher a fim de tomar o poder e conquistar o glorioso Castelo.

Analisar a narrativa de Trono Manchado de Sangue é exatamente a mesma coisa de analisar a peça de Shakespeare e todos sabemos que se trata de uma obra magnífica que traz à tona como a lealdade humana é rapidamente subvertida em favor ao egoísmo e cobiça quando “justificadas” sob argumentos manipulados. Kurosawa adapta com fervor essa incrível história, conseguindo traduzir muito bem para a cultura japonesa ao encaixar suas mensagens repletas de moral como de costume.

Aproveitando Mifune ao máximo para delinear um complexo desenvolvimento para Washizu, desde um nobre guerreiro até um insano desleal absolutista, Kurosawa traz momentos bem cadenciados através de cenas que nunca repetem um estágio de texto já superada, fazendo com que a narrativa progrida com muita perfeição e fluidez.

O conceito que Kurosawa busca fica resguardado à estética da obra. Para o texto, a simples adaptação do ocidente para o oriente basta. Há caprichos mais interessantes na adaptação mostrando como Washizu tenta resistir a tentação de tomar o poder para si gerando um ótimo confronto com sua esposa fria e tão perversa. O nível da traição se torna maior por Kurosawa estabelecer bem a amizade entre os dois guerreiros, além de abordar com firmeza o tanto que admiram o grande mestre.

Como tudo é seguido à risca, criando uma clássica jornada de ascensão e queda, Kurosawa escolhe brilhar mesmo com o campo da direção. O cineasta simplesmente realiza um trabalho sublime conseguindo fixar uma mistura perfeita entre a linguagem do teatro com a cinematográfica. Através de planos abertos e encenações repletas de simbologia, o diretor valoriza a expressão corporal de seus atores, se permitindo poucas vezes a se dar o luxo de close-up que, naturalmente, afasta o filme do ar teatral feito com tanto capricho.

Desde os momentos iniciais do longa, somos apresentados a um universo fantástico com cenários grandiosos e caprichados respeitando a arquitetura tão icônica dos castelos feudais japoneses, além de esbanjar um rol de armaduras através de um setor de figurino simplesmente invejável. Temos aqui um verdadeiro blockbuster japonês. Mas, como havia dito, Kurosawa nunca aborda sequências de ação monumentais como havia feito anteriormente.

Tudo é muito psicológico nesse filme com o diretor apostando ferrenhamente na atmosfera de suas cenas. Não demora nada para o espectador ficar entretido com a magia sobrenatural que permeia a Floresta da Teia de Aranha – um nome muito apropriado, afinal Washizu cairá em uma armadilha criada por ele próprio ao escutar as premonições ambíguas do demônio. Usando a natureza e o movimento sobrepujante do lugar com o uso do vento e de intensa neblina, temos a criação perfeita para a apresentação fantasmagórica do demônio disfarçado de velha enquanto tece um enorme fio como se fosse uma Moira definindo o destino dos guerreiros bem à frente de seus olhos.

Através do uso de maquiagem e figurinos brancos ao extremo, Kurosawa cria um contraste tão intenso para o fantasma com o mundo real que é impossível não sentir algum calafrio. Tudo é simplesmente assustador e maligno nessa cena. Apesar de teatral em sua maioria neste trecho, Kurosawa apresenta a ocasião que ele moverá a câmera vez ou outra durante o filme. Sempre quando usar um jogo de encenação para remover ou adicionar objetos em cena, o diretor aproximará a câmera dos atores até que o item seja adicionado para então retomar o enquadramento original, criando uma ilusão pouco realista, mas muito eficiente e mais elegante do que simplesmente se valer de fades ou trucagens de câmera a la George Méliès.

Se valendo pouco do uso de trilha musical ou de efeitos sonoros, tudo recai no domínio do diretor com sua encenação para magnetizar o olhar do espectador. Sem excessos de um ritmo equilibrado, temos sequências fenomenais como a do assassinato do grande senhor. Para abordar essa violência, o diretor nunca nos exibe o ato de matar, mas nos confina com Lady Washizu no quarto proibido da mansão no qual o traidor anterior havia se matado depois de sua rebelião fracassar. Só de colocar o casal para descansar nesse aposento, temos um golpe de mestre para firmar a certeza absoluta da decadência ética que Washizu logo entrará, sem nunca tentar surpreender o espectador com gracinhas furadas.

Há de mencionar também como Kurosawa se torna um mestre de composição em Trono Manchado de Sangue. De modo similar ao seu trabalho magnífico com Rashomon, ele sempre procura dar simetria aos enquadramentos. Seja apostando na centralidade dos planos ou com o posicionamento criativo dos atores, sempre criando formas geniais de explorar a profundidade de campo – esta, valorizada ao extremo para que o diretor consiga oferecer a tridimensionalidade de ação que o palco de um teatro oferece.

No clímax, basicamente a única cena de ação do filme, o diretor revela o quanto valoriza o realismo a ponto de atirar flechas reais em direção a Mifune para capturar a expressão de medo verdadeiro da morte que o ator consegue transmitir tão bem. Assim, de modo poético, ele consegue nos fazer sentir compaixão pelo bobo personagem que não passou de um mero peão no plano maquiavélico da esposa. É algo simplesmente único.

O Homem que tinha tudo e não tinha nada

Kurosawa simplesmente fez a melhor adaptação de Macbeth já feita para os cinemas com Trono Manchado de Sangue. Com extrema objetividade, valorização da narrativa e do desenvolvimento de personagens, temos um dos filmes mais completos do grande mestre japonês tão fissurado em valorizar a cultura de seu país ao traduzir de modo eficaz e criativo uma das melhores peças de Shakespeare.

Trabalhando com perfeição o conceito da proposta estética, Kurosawa consegue iludir o espectador para que ele nunca perceba que estamos vendo uma espécie de teatro filmado. O cineasta simplesmente conseguiu unir o melhor de duas artes sem precisar remover o maior brilho técnico e artístico que as duas tem a oferecer.

Com diversas tramas fantasmas tecidas por aranhas escondidas na escuridão, Trono Manchado de Sangue prova que somente os grandes gênios conseguem trazer à tona o lirismo tenebroso que Shakespeare realizou em sua tragédia sobre o homem que teve tudo, mas que nunca teve nada.

Trono Manchado de Sangue (Kumonosu-jô, Japão – 1957)

Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa, Shinobu Hashimoto, Hideo Oguni, Ryûzô Kikushima, William Shakespeare
Elenco: Toshirô Mifune, Isuzu Yamada, Takashi Shimura, Akira Kubo, Minoru Chiaki
Gênero: Drama, Suspense
Duração: 110 minutos.

https://www.youtube.com/watch?v=2-72oaAS9hc


by Matheus Fragata

Crítica | Os Sete Samurais - E o Destino de um Cineasta

É muito possível que a sombra de Os Sete Samurais tenha ficado maior que o valor intrínseco ao filme. A história simplesmente o engrandeceu. E com razão, visto que o Cinema ocidental capturou tanto da receita de bolo que Akira Kurosawa criou em seu épico excêntrico apontado como a obra de sua vida.

O projeto já havia nascido para ser histórico tanto que a Toho quase faliu ao investir dois milhões de dólares na produção do filme, o tornando o verdadeiro primeiro blockbuster japonês da História. Devido ao sucesso de Viver, a Toho confiou no guião de Akira Kurosawa para entregar outro enorme sucesso tanto que respeitaram o desejo corajoso de produzir o filme em sua duração total absurda de três horas e meia – nos cinemas, uma versão de 150 minutos foi disponibilizada.F

Apesar de tão longo, curiosamente o filme segue o preceito de “fatos e conceitos” como o diretor já havia feito com Rashomon, O Idiota e Viver anteriormente. Ou seja, apesar de linear, a narrativa de Sete Samurais não é nada convencional, possuindo uma identidade verdadeiramente única, funcionando como a inauguração de um molde que permitiria o desenvolvimento de outros épicos de aventura inesquecíveis no futuro.

O Caminho do Samurai

Flertando com experimentações e dramas melodramáticos, Kurosawa finalmente encontraria sua vocação com os filmes chambara, mas conhecido como filmes samurais – o western japonês. Através de uma história relativamente simples – que custou muito tempo para que ele e seus roteiristas criassem, o diretor conseguiu contar uma das maiores histórias de todos os tempos evocando os valores morais da pureza do sacrifício, da união dos povos e principalmente pelo amor ao próximo.

Em pleno século XVI, tudo começa com um aldeão descobrindo que uma trupe de quarenta bandidos pretendem saquear novamente sua pobre aldeia quando a colheita tiver terminado. Temendo morrer de fome ou massacrados durante o assalto, o grupo de camponeses decide partir para a ofensiva e confrontar os ladrões opressores. Só há um grande problema: eles são fracos e não sabem lutar.

Para resolver a situação, a aldeia envia três habitantes para a cidade a fim de contratar quatro samurais para liquidarem seus inimigos. Somente oferecendo a alimentação como pagamento, os camponeses acabam conseguindo recrutar seis samurais e um mercenário maltrapilho. Sob a liderança do samurai estrategista Kambei Shimada (Takashi Shimura), os camponeses terão que se preparar para a maior batalha de suas vidas.

Esbanjando tempo de exibição, Kurosawa decide seguir com bastante tranquilidade ao longo da narrativa, enraizando fortemente os problemas sociais da aldeia e da personalidade histérica dos aldeões somente controlados pela força intelectual do sábio ancião, líder do lugar. Depois de apresentar o incidente incitante, o roteirista então pautará o filme na seguinte ordem: a Busca, a Preparação e o Conflito.

De todos os atos, creio que o segmento da busca seja o mais interessante por Kurosawa conseguir experimentar mais. Isso logo é feito com a apresentação épica de Kambei como um grande mestre samurai imbuído por grande senso de justiça ao resolver um sequestro de uma criança por um ladrão esfomeado e, aparentemente, insano. Kurosawa assume um tom de genialidade para traduzir a cena com perfeito silêncio do personagem que, ao descobrir a situação, rapidamente elabora um plano para enganar o ladrão, raspando todo seu cabelo para se disfarçar de monge caridoso.

Através de um embate invisível – Kurosawa nunca mostrará Kambei batalhando de modo explícito, o herói salva a criança ao retalhar o bandido. Nessa cena simplesmente inesquecível, o diretor usa um slow motion para frisar a queda do homem morto, enaltecendo o ato heroico testemunhado pelo espectador. Aliás, é apontado que o primeiro uso do slow motion para fins dramáticos seja de autoria de Kurosawa justamente neste filme. Basicamente, o cineasta inventa linguagem cinematográfica com Os Sete Samurais, outro ponto que enaltece a obra como um pilar da gramática do cinema.

Mesmo que nem todos os samurais tenham apresentações boas – apenas o calmo Kyz ganha uma entrada equiparável a de Kambei ao vencer um duelo com apenas a precisão de um golpe, Kurosawa tenta trazer algumas características visuais e comportamentais que os destaque. Isso certamente funciona para Kambei, Kyuzo, Katsuhiro e Kikuchiyo (Toshirô Mifune completamente caricato) que marcam presença pela vivacidade das interpretações, mas para o restante do grupo, nem tanto a ponto do diretor falhar em gerar emoção quando outros samurais ronins fora desse quarteto são mortos em batalha.

O Hóspede Samurai

Porém, embora tenhamos tantos personagens que a história dispõe, Kurosawa não tem interesse em desenvolvê-los individualmente no restante do filme. Isso, por si, não é um aspecto negativo de Os Sete Samurais apesar de eu, pessoalmente, desgostar desse método de abordagem. Mas qualquer espectador aproximado a filmografia do diretor, logo entenderá o que ele propõe aqui: um novo conceito.

O segundo ato inteiro, apesar de ter a desculpa narrativa de ser sobre a “preparação” ou “treinamento” do grupo de samurais e dos camponeses, é focado inteiramente na integração dos povos. Por histeria em primeiro momento – e depois justificado, os camponeses temem a presença dos samurais crendo que irão estuprar todas as mulheres da vila. É aqui que, basicamente, o único personagem passa a ser desenvolvido: Kikuchiyo.

Por si, ele merece um bom detalhamento no texto, pois é um personagem interessante. Kurosawa o torna a perfeita subversão do samurai: não é virtuoso, é egoísta, orgulhoso e fanfarrão, além de ser um guerreiro medíocre que age antes de pensar. Porém, seu desejo em fazer parte do grupo é curioso demais por conta dos roteiristas darem pistas suficientes para mostrar que o explosivo homem é também um camponês.

Isso se faz presente na compreensão rápida do modo que os camponeses pensam, do método de vida, do compartilhar dos alimentos exclusivos dos samurais, por resolver uma complexa reviravolta envolvendo a descoberta de um cadáver escondido na vila e, principalmente, por se debulhar em lágrimas quando salva um garotinho órfão de um incêndio. É um personagem intrigante que faz de tudo para provar seu valor ao longo do filme todo resultando em uma catarse poderosa no final que atinge em cheio o espectador.

A importância de Kikuchiyo é tremenda por conta dele ser o elemento aglutinador dos dois povos. Kurosawa quer trabalhar o grupo vs. indivíduo em Sete Samurais, tanto que a gramática visual do filme pode ser até mesmo repetitiva, pois sempre o diretor enquadrará os samurais unidos em planos conjuntos e os camponeses em planos mais próximos ou juntos evidenciando alguma discordância e desordem. Isso é mantido na maioria do filme até que os camponeses enfim se tornam um povo unido.

Essa identidade visual também faz parte das direções que Kurosawa oferece para os atores. Enquanto os samurais, com exceção de Mifune, são delicados, felizes e altivos, sempre andando de modo gracioso, os camponeses são encurvados, barulhentos, chorões, covardes, sujos e repletos de paixões imediatas. O contraste é absolutamente gritante.

Apesar de limitar o visual do longa com esses mesmos enquadramentos, Kurosawa se mantem fiel à proposta no filme todo, algo realmente digno de nota. A particularidade curiosa do segundo ato certamente é a inundação de humor que recebemos, algo bastante compreensível já que se tratava de um filme popular antes de alcançar o status cult. Através de muitas bobagens cômicas de Mifune que usa seu corpo inteiro para realizar as mais exageradas das expressões, se portando como um animal selvagem, os camponeses se entretém e esquecem do enorme perigo que ronda suas vidas. O resultado visual certamente é brega, com Kurosawa exibindo galhofas toscas e grandes sorrisos desdentados para a câmera, mas o significado para o filme é tremendo.

Guerreiros

Enfim inicia o tão aguardado terceiro ato. É bastante nítido que Kurosawa exagera com a duração do filme que certamente poderia ter algumas arestas aparadas ou núcleos narrativos inteiros como um envolvendo a paixão proibida irrelevante entre Shino, uma camponesa disfarçada de camponês (novamente, experimentação narrativa brilhante, mas subdesenvolvida), e Katsushiro, o aspirante a mestre samurai. Mesmo que negue a intenção do conceito do realizador, não há muito material que sustente esse núcleo amoroso descartável – ao menos há imagens espetaculares na floresta tão delicada que os dois apaixonados se encontram.

No ato anterior, fica evidente o cuidado de Kurosawa e dos roteiristas em fazerem de Kambei um verdadeiro estrategista militar. A armação do plano para prevenir a infiltração dos bandidos em três frentes da vila é simplesmente genial – coisa que carece em muitos dos filmes de ação descerebrados de hoje em dia. Mostrando a eficácia do preparo, o diretor não subestima sua obra e justifica a duração do miolo do filme focado no treinamento e prevenção.

A abordagem do diretor para essa enorme batalha também é excêntrica, pois tudo é tratado com um grau de realismo absoluto. Ou seja, a luta não dura apenas uma tarde, mas sim três dias inteiros intercalando momentos explosivos e outros de falsa paz. É aqui que o diretor precisa tocar os acordes certos para que a plateia se excite com a ação e chore com as mortes dos heróis – mesmo que esse detalhe não funcione com alguns personagens.

Os confrontos por si revelam o mestre cinematográfico que Kurosawa é ao criar cenas de ação realmente sem precedentes na época. Para conseguir o feito de capturar o grau de realismo que as batalhas com tiros, flechas, lanças, espadas e cavalos requisitavam, o diretor usou um esquema de múltiplas câmeras – novamente, algo audacioso e histórico para o cinema japonês. Podem filmar a ação simultaneamente, ele só precisaria resolver os cortes de modo orgânico na montagem que também é muito eficiente em deixar a coreografia acontecer de modo sublime.

Tudo é simplesmente compreensível e poético ao extremo. Também há de se levar em conta que a abordagem para filmar a ação é sempre feita a partir de planos abertos estáticos, mas repletos de movimento pela encenação. Apaixonado pela arte do movimento, o diretor torna muitas cenas de Os Sete Samurais em um festim de danças naturais. O movimento do homem é valorizado, mas certamente Kurosawa é mais apaixonado pelas características do vento, do fogo, das folhas e da água.

Tanto que todo o clímax ocorre debaixo de uma pesada chuva como elemento catártico, mas também incluída como diferencial para a ação sofrer drásticas alterações, afinal o próprio terreno é alterado pela degradação da chuva que torna a terra em lama. São imagens que movem e oferecem elementos novos para o espectador apreciar a todo instante.

Com base nesse enorme realismo que Kurosawa desejou para o filme, também é digno mencionar os esforços hercúleos em recriar fielmente o figurino e os cenários para ficarem de acordo com a época. Como tudo é real, a ilusão se torna ainda maior para envolver o olhar do espectador. Aliás, para imprimir esse feito, o diretor também raramente utiliza a trilha musical, deixando o filme em estado silencioso repleto de contemplação.

O Tempo do Samurai

Obra-prima ou não, é inegável que Os Sete Samurais tenha um peso imenso na História do Cinema servindo de apoio ou inspiração para diversas obras que se valorizam da estrutura simples, mas tão eficiente que Kurosawa ordenou no maior filme de sua carreira. Pecando, talvez, pela duração exagerada do corte final, com diversas barrigas irritantes, digo que não se trata de um filme fácil para qualquer espectador cair de cabeça, esperando ver a melhor história de suas vidas.

Simplesmente não irá encontrar isso aqui. Principalmente com a mentalidade de hoje que valoriza muito mais o conteúdo do que uma abordagem mais excêntrica de conceitos em união a uma proposta estética muito firme como a de Kurosawa aqui. Mesmo sendo um dos maiores filmes da História, isso não reflete que seja o melhor para diversas pessoas.

Mas, caso esteja pronto para enfrentar essa enorme jornada samurai, é um fato que Kurosawa recompensará com uma encenação inteligente, coreografias de ação espetaculares, um discurso temático fascinante, além de introduzir novas linguagens cinematográficas ao longo do tempo. Prazeroso na maior parte do tempo por conta principalmente de personagens interessantes, simplesmente é uma dádiva testemunhar um feito único na carreira desse diretor tão intrigante.

Por meio deste épico, Kurosawa revela que o tempo dos samurais acabou. Porém, ironicamente, ele só estava começando a florescer em sua filmografia.

Os Sete Samurais (Shichinin no samurai, Japão – 1954)

Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa, Shinobu Hashimoto, Hideo Oguni
Elenco: Toshirô Mifune, Takashi Shimura, Keiko Tsushima, Kamatari Fujiwara, Daisuke Katô, Isao Kimura, Minoru Chiaki, Seiji Miyaguchi, Yoshio Inaba
Gênero: Aventura, Samurai, Drama
Duração: 207 minutos


by Matheus Fragata

Crítica | O Idiota - Kurosawa Retalhado

Com o sucesso absurdo de Rashomon, Akira Kurosawa virou o nome mais quente do cinema japonês atraindo a atenção de muitos estúdios. Geralmente, são essas situações que geram a receita perfeita para um belo desastre: um cineasta repleto de confiança e um estúdio disposto a aceitar qualquer loucura que o contratado irá propor. Dispostos a tudo para ter um filme de Kurosawa, o estúdio Shochiku ganhou a grande batalha ao confiar cegamente no complicado projeto do cineasta.

Sem saber naquele momento, os dois firmaram um pacto atrapalhado. Kurosawa simplesmente queria adaptar um dos maiores romances de Fiódor Dostoiévski: O Idiota, um dos maiores e mais complexos livros da carreira do consagrado autor. Filmando um total de 265 minutos, Kurosawa deu um passo maior que as pernas para o cinema comercial japonês. O estúdio, tão assustado pela duração tremenda da obra, não estava interessado em perder múltiplas sessões por causa do capricho do diretor e logo ordenou que o filme fosse reduzido para uma versão de 166 minutos.

Nem é preciso dizer que o resultado dessa mutilação impensada prejudicou completamente O Idiota, o relegando a um posto compreensível de pior filme do mestre cineasta. Isso mostra também como a indústria pode cometer erros tão bobos a ponto de aprovar um filme de quase cinco horas sem pestanejar apenas para trabalhar com o diretor mais promissor do momento e, ironicamente, quase arruinar a carreira de Kurosawa.

A Audácia Castrada

Kurosawa foi bastante corajoso e trazer o romance de Dostoiévski para adaptá-lo em outro país, em outra época e com outros personagens, apenas preservando as características majoritárias do enredo. Em seu filme, tudo se passa imediatamente depois da Segunda Guerra Mundial trazendo a história de Kinji Kameda (Masayuki Mori) ao retornar para Hokkaido, após ter sido perdoado por crimes de guerra momentos antes de ser fuzilado.

Com o trauma da experiência quase mortal, Kameda foi transformado em alguém todo bom, repleto de compaixão e amor ao próximo, se tornando, aos olhos da sociedade, um perfeito idiota. Porém, a moralidade inocente desse idiota consegue transformar a vida de todos próximos a ele. Em questão de pouco tempo, Kameda se vê dentro de um triângulo amoroso no qual duas mulheres disputam seu amor: a infeliz Taeko Nasu (Setsuko Hara) e a virtuosa Ayako (Yoshiko Kuga). Infeliz com essa disputa amorosa, o amigo de Kameda, Akama (Toshirô Mifune), apaixonado por Taeko, começa a planejar um assassinato para se livrar do idiota.

O grande problema do filme é o fato dele ser praticamente incompreensível. Os cortes do estúdio retiraram partes do começo, meio e fim e por conta disso temos diversas elipses brutais que retiram trechos inteiros de diálogos importantes, além de prejudicar o ritmo do longa. Assistir a O Idiota é de fato um teste de paciência devido a essa fragmentação surreal da narrativa, prejudicando a fluidez dos acontecimentos.

Por conta disso, não só a história do filme sofre bastante como os próprios personagens. A figura messiânica de Kameda torna-se superficial ao extremo, agindo do modo mais previsível possível, apesar dos esforços de Kurosawa em mostrar que o protagonista tem uma fome inacreditável pela tragédia, se aproximando sempre dos malditos talvez com segundas intenções. Já o resto do elenco cai nas mazelas maniqueístas para fixar a moral supervalorizada pelo artista.

Ou seja, o bastião de bondade que é Kameda, entra em confronto com as pessoas mais virulentas e detestáveis daquele lugar. Os pecados apresentados são muitos: avareza, cobiça, mentiras diversas, ódio extremo, sadismo, orgulho, preconceito, etc. Todos os coadjuvantes são mostrados dessa maneira para sofrerem alguma transformação redentora ao final da obra. Nada muito complexo, além disso.

Como a narrativa dá constantes pulos, é difícil ficar engajado com algum drama apresentado em tela, além do fato de ser extremamente fácil confundir quem são os personagens devido a caracterização muito pobre para cada um. Ou seja, é um filme confuso em diversos níveis, gerando frustração no espectador.

Ao menos, Kurosawa se esforça em tornar sua obra retalhada, no mínimo, compreensível – os inúmeros intertítulos no começo do filme para contextualizar o espectador funcionam, apesar do excesso de informações apresentadas em tão pouco tempo. Depois de muito tempo investido, o espectador se acostuma com a confusão narrativa, compreende alguns pontos da estrutura do filme, além da moral passar intacta, apesar do final também ser mascarado.

Ou seja, no fim das contas, é preciso ter lido o livro de Dostoiévski para se situar melhor nessa adaptação curiosa do diretor.

Pesando a Mão

Kurosawa queria fazer um melodrama épico com O Idiota e realmente acredito que ele tenha conseguido o resultado com versão completa da obra. Porém, a que temos disponível mostra um exagero tonal em diversas cenas repletas de gritaria, lágrimas e close-ups quase como se fosse uma novela mexicana – é irônico que Kurosawa possa ter configurado uma linguagem visual televisiva justo em 1951, ano que os televisores estavam surgindo para a venda.

Isso principalmente afeta o rendimento dos atores. No caso, o mais afetado é Masayuki Mori que interpreta o protagonista. Apesar dele acertar em cheio nas expressões faciais repletas de amor e inocência, Mori sempre mantém a mesma expressão corporal durante o filme inteiro fazendo com que o personagem se torne uma das peças mais monótonas do filme inteiro. Sem nunca conseguir passar a credibilidade necessária para o espectador, não há prazer algum para acompanhar a jornada do personagem.

Em uma nítida obsessão para adaptar linha por linha o romance russo, Kurosawa engessa a sua linguagem cinematográfica ao máximo abrindo mão de composições elegantes e do movimento que ele tanto preza em suas obras. Tanto que assistir ao O Idiota não se assemelha em nada com o restante de sua filmografia.

Kurosawa aborda a direção do modo mais quadrado possível para conferir um ar teatral excessivo. Por conta dos planos serem sempre tão afastados, isso também contribui para a confusão visual em perceber sobre qual personagem estamos acompanhando no momento. Os cenários são simplórios, o uso da música também, além da câmera estar quase sempre estacionada. Tudo pensado para não quebrar a ilusão teatral da obra que, infelizmente, torna o filme uma verdadeira chatice.

Idiotice Peculiar

A ambição de Kurosawa simplesmente a traiu com O Idiota. Confiando que o estúdio preservaria sua visão, o diretor realizou um dos maiores erros de sua carreira que nunca será reparado, pois os negativos excluídos muito provavelmente já foram descartados. Dessa forma, O Idiota como ele é hoje, se trata apenas de um filme muito medíocre e confuso, além de ser excessivamente lento com personagens desinteressantes.

Poderia ser sim um ótimo filme e um grande clássico do mestre Kurosawa, mas acabou sendo apenas uma obra cheia de caprichos equivocados a condenando para o rodapé da grande carreira do diretor.

O Idiota (Hakuchi, Japão – 1951)

Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Akira Kurosawa, Ejirô Haisata, Fiódor Dostoiévski
Elenco: Setsuko Hara, Masayuki Mori, Yoshiko Kuga, Toshirô Mifune, Takashi Shimura
Gênero: Drama, Romance
Duração: 166 minutos.

https://www.youtube.com/watch?v=wYP-Isrt8Pw


by Matheus Fragata

Crítica | Rashomon - Quatro Versões de Uma Verdade

Rashômon é um dos filmes mais festejados da História do Cinema. Basicamente, com o mundo atento sempre aos trabalhos saídos de Hollywood por muitas décadas, Akira Kurosawa conseguiu colocar o cinema estrangeiro em evidência com essa pequena obra-prima lançada em 1950 tanto que dizem que a categoria de Melhor Filme Estrangeiro no Oscar foi criada justamente por causa do sucesso que o filme obteve tão rápido ao redor do mundo.

Para si, Kurosawa foi um grande pioneiro ao tomar tantos riscos com Rashômon, um filme de narrativa fragmentada encaixada em três linhas temporais distintas, mas ligadas entre si. Feito para um público tão acostumado com narrativas lineares, poderia ter sido um enorme fracasso. Mas, por uma ironia do destino, apesar de muita gente não ter entendido bem a narrativa, o público foi conquistado pela estranheza exótica dos testemunhos que Kurosawa bem expôs aqui.

A Busca pela Honestidade

A partir das histórias de Ryûnusuke Akutagawa, Kurosawa e Hashimoto testam os limites da narrativa cinematográfica com Rashômon. A primeira narrativa envolve três pobres camponeses se abrigando nas ruínas do templo Rashomon para fugir de uma chuva incessante. O mais desbocado dos homens, logo começa a provocar o Monge e o Lenhador, indagando o porquê daquela expressão tenebrosa em suas faces. Admitindo que a história fará o cínico homem perder a fé na humanidade, logo se colocam a contar as consequências de um terrível assassinato.

O problema é que existem quatro versões dessa história e aparentemente ninguém conhece a verdade absoluta do que aconteceu em uma tarde ensolarada no meio da mata envolvendo o bandido Tajômaru (Toshirô Mifune) e o casal Kanazawa (Machiko Kyô e Masayuki Mori).

Apesar de todo o filme ser uma enorme parábola sobre a honestidade e os limites da dignidade humana, é difícil ficar indiferente pelo pioneirismo narrativo que Kurosawa apresentou aqui. Ao contrário de Cidadão Kane, uma narrativa fragmentada em flashbacks, temos uma mesma história contada sob diferentes versões, apesar das consequências serem sempre as mesmas: um homem morre e uma mulher desaparece.

O interessante é a escolha nada convencional de embalar um testemunho dentro de outro testemunho através de flashbacks dentro de flashbacks. O Lenhador e o Monge que contam as histórias fazem questão de repetir os testemunhos dados à polícia contando o que ocorreu durante o interrogatório da mesma forma.

Nesses testemunhos dados a partir do ponto de vista de peças-chave do ocorrido: o bandido, a mulher e o marido, temos as discrepâncias sobre o acontecimento e logo percebemos o ninho de mentiras contadas. Além de usar a narrativa do modo mais ousado possível para a época, Kurosawa também introduz o conceito do narrador não-confiável em seu filme, colocando o espectador como participante ativo para deduzir quais trechos podem ser confiáveis e montar uma versão final para tudo aquilo.

As histórias são bastante simples com as versões sempre trazendo informações que favorecem, de algum modo, seus narradores. Chegando até mesmo a utilizar o paranormal, as versões dos homens visam trazer desafios honrados, grandes batalhas e até mesmo uma polêmica envolvendo um estupro. Já a da mulher, a mais fácil de ser desacreditada, é repleta de furos, conveniências e omissões de passagens importantes citadas pelos outros dois homens.

Somente conhecemos a “verdade” através de um relato até então inédito do Lenhador que testemunhou tudo e não revelou à polícia por um motivo nada nobre, apesar dele insistir que sua versão é a verdadeira. E de fato parece ser, pois é nela que Kurosawa desmonta os mitos japoneses sobre honra, matrimônio e coragem em uma sequência de eventos muito poderosa condenando totalmente o depoimento dos outros.

Nesse sentido de honra e orgulho, tão valiosos para a cultura de seu país, Kurosawa sabe que há um limite para desconstruir arquétipos consagrados e redime o Lenhador com a inserção surreal de um artifício narrativo para tal, apesar da mensagem ter sido muito bem enviada através do camponês mais pobre em um diálogo cáustico contra o Lenhador.

De modo genial, Kurosawa consegue entregar uma história de detetive, crime, sexo, terror e melodrama através da possibilidade que o bom uso da fragmentação narrativa consegue gerar.

Regra dos Três

Já tendo dirigido uma quantia grande de filmes desde 1943, Kurosawa havia encontrado sua marca autoral praticamente presente em todas suas obras. Especificamente em uma palavra, Kurosawa é movimento. Raríssimas são as vezes que teremos um plano totalmente estático em algum de seus filmes.

Em Rashomon, o movimento é constante através de métodos muito diversificados além do básico: câmera e atores. Ou seja: o ambiente. Kurosawa usa a folhagem, sombras, poeira, vento e a chuva para imprimir vida em todos os fotogramas da obra. Às vezes, há movimento em três frentes como os travellings feitos com câmera na mão – muito estabilizada para a época, nos segmentos que os personagens caminham pela densa floresta enquanto sombras das folhas são projetadas em seus rostos. Poético e misterioso ao mesmo tempo.

Entretanto, acima do movimento, Kurosawa também é um diretor obcecado na plástica do enquadramento. Por vezes, são centralizados, mas a assinatura mais frequente é o que chamo da “regra dos três”. Tanto para estabelecer geografia cênica como para unir os personagens em uma aglutinação imagética única. Mas a poesia, obviamente, é o que Kurosawa pretende atingir.

Assim como um pintor, o cineasta trata sua tela como um espaço útil importantíssimo onde tudo deve estar no lugar correto no momento certo – vido o plano final da obra. Muitas vezes, principalmente nas cenas de interrogatório, Kurosawa enquadra um personagem em primeiro plano enquanto insere outras testemunhas na profundidade de campo – tudo sempre em foco. São enquadramentos bastante bonitos que oferecem uma dinâmica visual interessante, além de evidenciar que, de fato, o Lenhador e o Monge estavam presentes nesses depoimentos, não descreditando a veracidade dos testemunhos para o espectador.

Também é preciso salientar a maravilha fotográfica que Kurosawa e seu diretor de fotografia conseguem com a complicada iluminação do filme. Não por ele ser fabulosamente bonito, mas por conta da dificuldade que é iluminar dentro da mata fechada – ainda mais em preto e branco. Com truques para intensificar a luz através de espelhos usando a própria mata como difusores para abrandar a intensidade da luz solar que foi possível realizar essas cenas bastante atmosféricas.

Kurosawa também já era um diretor experiente para coreografar as cenas de duelos samurai e de fato Rashomon possui boas doses de lutas de katana tanto que a encenação do relato final consegue ser brilhante por destituir o duelo da pompa e elegância demonstrada em outra restituição anterior. Ainda no nível da encenação, Kurosawa não usa a chuva aqui como elemento catártico como faria em Os Sete Samurais. Na verdade, é o raiar do sol que irrompe a chuva da desconfiança para abençoar a vida do Lenhador transformado com o reconhecimento de seus próprios erros. Novamente, poesia simples e bela.

O único entrave é que Rashomon pode ser um filme bastante chato. O ritmo da obra é bastante deficitário graças a dilatação desnecessária de alguns movimentos dos atores, da antecipação de um duelo ou de uma troca de olhares. É curioso que o diretor seja tão vanguardista em tantos aspectos e um tanto retrógado nessa ênfase absurda para criar um clima que se torna frágil por conta do exagero. Ao menos, Kurosawa foi iluminado em trazer os relatos a partir de pontos já definidos do impasse, sem repetir todo o caminho que levou até a emboscada do crime.

Floresce um Mestre

Antes de Rashomon, Kurosawa era um realizador eficiente que conseguia contar suas histórias de modo apropriado com uma boa técnica visual. Porém nada se aproximaria do resultado obtido nesse alvorecer de talento que este filme é. Importante para o Cinema como um todo e por catapultar a carreira de Kurosawa a orçamentos maiores e projetos ambiciosos, Rashomon é um filme que é digno de todos os elogios, mesmo quando se perde pelos caminhos de uma floresta chuvosa.

Rashomon (Rashômon, Japão – 1950)

Direção: Akira Kurosawa
Roteiro: Ryûnusuke Akutagawa, Akira Kurosawa, Shinobu Hashimoto
Elenco: Toshirô Mifune, Machiko Kyô, Masayuki Mori, Takashi Shimura, Minoru Chiaki, Kichijirô Ueda
Gênero: Drama, Mistério, Crime
Duração: 88 minutos

https://www.youtube.com/watch?v=ankoam7pqck


by Matheus Fragata

Crítica | Assim Caminha a Humanidade – Desconstruindo o Texas

Todo meio de expressão artística possui exemplares fortíssimos encarados como verdadeiros épicos monumentais. No cinema, esses épicos ocorrem vez ou outra e alguns tem a felicidade de marcarem História se tornando verdadeiros clássicos. George Stevens, já totalmente consolidado na indústria reconhecido como um dos maiores nomes de Hollywood, encontraria, talvez, o maior desafio de sua carreira: a realização de Assim Caminha a Humanidade.

Um dos maiores filmes da cinematografia americana com três horas e vinte minutos de duração, Assim Caminha a Humanidade é um épico para oferecer o melhor do blockbuster dramático de Hollywood, resgatando ferrenhamente o espírito apaixonante de ...E O Vento Levou ao trazer uma história que ousa atravessar décadas para mostrar a completa transformação de seus personagens.

O Texas do Passado

O livro de Edna Farber é uma grande carta de amor ao Texas mostrando todos os seus defeitos assim como suas glórias. Por ser um épico que atravessa a maior parte da vida dos personagens, já se tornava um enorme desafio para adaptar às telonas, mas o grande esforço de Fred Guiol e Ivan Moffat faz o difícil virar um passeio no parque devido a estupenda qualidade da escrita tanto para a narrativa ao todo como no tratamento dos diálogos espetaculares muito eficientes em mostrar as diferentes personalidades tão distintas que os personagens apresentam.

Apesar de gigante, o foco da história se concentra na relação amorosa de Leslie (Elizabeth Taylor) e Jordan Benedict (Rock Hudson). Ela, uma garota do interior de Maryland, estado do leste dos Estados Unidos, se apaixona perdidamente por Jordan, um latifundiário ricaço do Texas, estado do oeste, quando ele viaja para sua casa a fim de comprar o poderoso alazão War Winds para sua fazenda de 500 mil hectares.

Voltando com o cavalo e a moça para o Texas já domado dos anos 1920, conhecemos o incrível choque de cultura e realidade que Leslie terá para se adaptar a um modo de vida e pensamento completamente diferentes dos seus, além de ter que lidar com a antipática irmã de Jordan, Luz (Mercedes McCambridge), e com as investidas suspeitas do capataz Jett Rink (James Dean), o empregado mais detestado do rancho pecuário Reata.

A beleza disso tudo é que a sinopse só abrange parte do primeiro ato já que a narrativa está em constante evolução, trocando de antagonistas e protagonistas a todo momento conforme os anos passam. Apesar disso dar o toque de peculiaridade para o filme, é nítido que o melhor ato é o primeiro que consegue desenvolver plenamente a poderosa protagonista Leslie – Liz Taylor demonstra uma vivacidade apaixonante nesse segmento.

Os filmes de Stevens, principalmente os pós-Segunda Guerra, trazem problemáticas sociais sutis, mas em Assim Caminha a Sociedade, o conflito social é o mais presente. Através do coração humanitário de Leslie, vemos a mulher confrontar os pensamentos machistas do marido, do enorme racismo que impera no rancho contra os trabalhadores mexicanos, a péssima qualidade de vida desses trabalhadores em condições análogas à escravidão, além de tomar a ordem da dinâmica da casa para si, desagradando profundamente a cunhada.

Aliás, a figura de Luz é tão poderosa como antagonista que deveria ter sido mantida por mais tempo, apesar da cena climática dela exibindo toda sua crueldade projetando o ódio que sente por Leslie no pobre alazão War Winds. Apesar dessa decisão duvidosa em se livrar da antagonista tão rapidamente, os roteiristas desistem da figura de um vilão focando inteiramente a mensagem nos choques ideológicos entre Leslie e Jordan.

A construção de Leslie como uma mulher forte e indomável repleta de valores progressistas é feita com afinco. O que pode decepcionar um pouco é o perfil de Jordan, já que somente temos o exato oposto dos valores de Leslie, afinal ele é egoísta, racista, machista, xenófobo, rude, tradicionalista, preconceituoso, entre outras diversas características negativas que colocam à prova porque que Leslie se casou com um homem tão retrógado. O intuito dos roteiristas com isso é personificar o antigo Texas, o antigo oeste indomado e violento, tanto que esse primeiro ato possui um clima poderoso de western.

É bastante claro que Jordan será o principal foco de evolução ao longo da narrativa, assim como o próprio Texas fica cada vez mais civilizado. A rivalidade entre Jordan e Jett Rink também é enraizada de modo eficaz, apesar de Rink ser um personagem bastante simples de progressão previsível. Aliás, esse é o maior problema de Assim Caminha a Humanidade é a previsibilidade. Absolutamente todos os arcos e núcleos são telegrafados ao extremo, com exceção ao destino de Luz no primeiro ato.

Sabemos que o casal terá filhos, que haverá alguma separação temporária, que Jett Rink ficará bilionário ao descobrir um poço abundante de petróleo em seu terreno e que Jordan será desmontado por não conseguir controlar nada o destino de seus filhos ou do próprio Texas que deixa de ser uma potência pecuária para virar uma potência petrolífera.

O Texas de “Hoje”

Encerrado o primeiro ato em grande momento, os roteiristas parecem que se perdem em qual história eles querem contar, já que rapidamente Leslie e Jordan e a relação amorosa de ambos fica em completo escanteio por conta de muitas, mas muitas elipses para mostrar o crescimento dos filhos do casal: Jordie, Judy e Luz II.

Há sequências interessantes que já determinam a rebeldia dos jovens enquanto crianças como a poderosa cena envolvendo Jordie e um pônei na qual Jordan começa a perceber que não é o dono de tudo e de todos como pensava. Nesse ponto, a figura do tio Bawley cresce bastante como um forte conselheiro para Leslie e as crianças.

A partir deste ponto, com Jett Rink ficando cada vez mais rico, o filme acelera o passo para se transformar em um jogo de conceitos e não mais de desenvolvimento de personagens. Os filhos crescem muito rápido sem alguma preocupação para estabelecer mais características a eles. Tanto que quando já partimos para a idade adulta deles, não existe muita afeição ou empatia por serem desconhecidos completos.

Focado nas histórias dos três, o roteiro toma diversos desvios para mostrar um casamento inter-racial com uma imigrante mexicana, as diferentes consequências da ida à Segunda Guerra Mundial, além de nenhum estar focado em herdar os negócios gigantescos do pai em Reata. Enquanto Jordan declina e começa a ver seu império ruir diante do sucesso de Rink, novamente há elipses para chegarmos ao terceiro ato, no qual Leslie e Jordan passam a ser avós – apesar do sumiço bizarro de uma das filhas deles.

Não há muita exploração da relação de Rink e Jordan depois do ex-empregado ter ficado rico o que também é um potencial desperdiçado. Somente no terceiro ato, quando o filme começa a dialogar com Cidadão Kane e o declínio moral de Rink que o nível volta a se fortalecer. Os conceitos e fatos apresentados no segundo ato tornam-se mais relevantes colocando conflitos raciais em evidência, finalmente afetando os personagens que viviam em uma bolha ideológica em Reata, já que o pai, nessa altura, é totalmente domado por Leslie, respeitando as pessoas como elas são.

Justamente por isso que o clímax do filme, também bastante conceitual, funciona bem conseguindo resgatar a boa escrita do primeiro ato. Apesar de clichê e bastante convencional, vemos um Jett Rink solitário e degradado pela bebida. O velho e eficiente “o homem que tem tudo e, ao mesmo tempo, não tem nada”. Rink é um escravo do próprio pensamento sempre focado em Jordan, nunca aproveitando de fato sua vida ou usando seu dinheiro em prol do Texas, é simplesmente um predador pior que o antigo patrão. O desfecho de seu núcleo trágico é muito forte não só por revelar o quão miserável é o psicológico do personagem, mas também em encerrar uma história de amor proibido.

No final, já com Jordan totalmente desenvolvido e transformado, há uma poderosa reflexão sobre a identidade do Texas e das alegrias da vida em uma mensagem muito edificante e satisfatória para todo o longo percurso da narrativa.

O Ápice de um Artista

George Stevens estava inspirado para realizar seu melhor trabalho de direção com Assim Caminha a Humanidade, apesar de não ser o seu melhor filme. Investindo três anos inteiros para concretizar sua visão, é inegável a qualidade de seu trabalho. Primeiro, é preciso dizer que Stevens simplesmente realiza um milagre com a duração do filme, já que ele é tão agradável e fluído para assistir. As muitas horas de fato passam voando já que temos personagens tão fascinantes de acompanhar.

Isso vem por conta do magnífico trabalho com o elenco que simplesmente dá um show, apesar de muitas vezes as atuações cruzarem a linha da ficção. Nesse caso, o entrave entre Jordan e Rink é tão realista pelo fato de Rock Hudson e James Dean se odiarem totalmente durante as gravações da obra, uma rivalidade que contribuiu bastante para o resultado final. Como apontei antes, Liz Taylor é fenomenal nessa obra, servindo como um contraponto muito sólido a Hudson. Entretanto, este sendo o último filme de Dean concluído antes de sua trágica morte, é impossível tirar os olhos do jovem ator quando ele aparece em cena – ele simplesmente tinha o potencial de se tornar um ator tão eficaz quanto Marlon Brando, por exemplo, ou Daniel Day-Lewis.

Dean estava completamente investido no papel conseguindo transformar completamente sua atuação conforme os anos passam: de menino rebelde para canastrão insolente detestável. Aliás, esse é um ponto pioneiro para Stevens: ele fez questão que todos os atores continuassem na narrativa mesmo conforme as décadas passassem, forçando o envelhecimento através de maquiagem – na época, simplesmente escalavam atores mais velhos quando isso acontecia.

Todos se comportam bem nos papéis, respeitando as limitações físicas impostas pela idade, apesar de Rock Hudson ainda aguentar algumas brigas pesadas com diversas trocas de socos. Assim como em Os Brutos Também Amam, Stevens requisitou que a equipe artística se esforçasse ao máximo para conferir diversas mudanças visuais na direção de arte para Reata.

No começo, vemos Leslie chegar em uma residência faraônica no meio do deserto desolado. O ambiente interno é tão pouco convidativo quanto a aparência externa sombria da casa, já que todo o trabalho em madeira é feito com cores escuras e mortas. Tudo é monocromático ao extremo, além do mau gosto estético da decoração. Ou seja, o lugar parece um mausoléu. Essa identidade visual é tão poderosa que chegou a inspirar Del Toro para a criação da fantástica mansão em A Colina Escarlate.

A casa é uma extensão do estilo tradicional de Jordan então nada mais conveniente que ela mude de atmosfera conforme Leslie amansa seu marido. Já com o nascimento das crianças, vemos a casa reformada, com tons brancos e uma decoração eficiente em resplandecer luz e aconchego no lugar. O fato é que Stevens realmente consegue imprimir uma identidade visual muito poderosa para seu filme que certamente é o que mais possui enquadramentos poéticos de toda a sua carreira.

Não preocupado somente com o valor estético de seus planos, o diretor monta alguns que conseguem transmitir mensagens valiosas por si só. Por exemplo, quando Leslie aborda Jordan em uma noite infeliz para fazer suas ponderações sobre o casamento quase fracassado, Stevens a insere no negrume da escuridão da sala, refletindo todo o luto e tristeza que ela por desejar se afastar do marido – este, banhado pela luz quente e reconfortante da lareira.

O choque para Jordan vem logo depois quando ele acompanha a família para se despedir na estação de trem. Quando a locomotiva parte, Stevens tem o cuidado de deixar o protagonista distante e solitário na profundidade de campo ao enquadrar a placa “Benedict”, sobrenome da família, em primeiro plano. Poderoso e eficaz, sempre.

Aliás, é particularmente brilhante o tratamento visual tão expansivo para os anos 1920 com externas abundantes, além do contato intenso com a natureza selvagem enquanto nas outras décadas temos uma redução de espaço cada vez maior, com os personagens se confinando em edifício mais luxuosos e confortáveis, se imobilizando cada vez mais e perdendo o contato místico da natureza. É uma crítica velada do diretor, mas bastante perceptível com algum esforço do espectador.

Stevens mantém a consistência cinematográfica de sempre e até ousa contar detalhes somente com as imagens, nunca através de diálogos, como o fato de Leslie e Jordan dormirem em camas separadas na terceira idade indicando que o casamento não conseguiu ser salvo apesar dos esforços de ambos. De todo o modo, existem cenas que o diretor se sobressai como um verdadeiro poeta na encenação como a do infame jantar comemorativo de Rink no final da obra ou na impactante cena do velório que funciona também como uma bela homenagem do diretor para todas as vítimas da Segunda Guerra.

Também é muito perceptível que Stevens amadureceu na técnica de filmagem aprimorando bastante a decupagem ao seguir uma linha mais lógica de enquadramentos. Por consequência, ao filmar com menos ângulos, o ritmo da troca de planos é muito menos frenético que anteriormente sendo esse o filme mais contemplativo do diretor. Algo fácil para nós, já que a obra traz vistas e cenários estonteantes em grande parte do tempo.

Gigante

Assim Caminha a Humanidade é um excelente filme, mas um pouco esburacado pelas elipses apressadas trazidas após o primeiro ato perfeito. Com uma história de fundo social importante e repleto de mensagens atuais sobre racismo, xenofobia e tradição, Stevens foi à fundo nos problemas texanos sem nunca desrespeitar a grande terra que é aquele lugar.

Eficiente em todos os sentidos, temos a realização plena de um filme, de fato, gigante.

Assim Caminha a Humanidade (Giant, EUA – 1956)

Direção: George Stevens
Roteiro: Edna Ferber, Fred Guiol, Ivan Moffat
Elenco: Elizabeth Taylor, Rock Hudson, James Dean, Carroll Baker, Jane Withers, Chill Wills, Dennis Hopper, Mercedes McCambridge, Rod Taylor
Gênero: Drama, Romance
Duração: 200 minutos.

https://www.youtube.com/watch?v=elMP6PqGBo0


by Matheus Fragata

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