Crítica | Masculino-Feminino - Quando Bergman acabou com Godard
Por filmar demais e experimentar ao extremo, Jean-Luc Godard conseguia criar obras-primas memoráveis, assim como tropeços absurdos em sua carreira. Mesmo que muita gente louve Masculino-Feminino, ainda outro drama de romance sobre casais da filmografia do diretor, simplesmente considero esse irritante conto um dos maiores vacilos da carreira do autor.
Trazendo a história de Paul (Jean-Pierre Léaud), um marxista pensador, que se apaixona pela nada ideológica Madeleine (Chantal Goya), uma garota concentrada em perseguir seu sonho de se tornar uma cantora pop. Sem nenhuma razão aparente, além das constantes investidas terríveis de Paul em se aproximar da jovem, os dois convivem atravessando diversas aventuras pretensiosas em Paris.
Até A Chinesa, Godard simplesmente não sabe trabalhar bem questões ideológicas politizadas em seus filmes. Masculino-Feminino é a maior prova disso por conta da completa inaptidão dos diálogos que Paul tem com amigos ou com Madeleine ou através de monólogos longos para si mesmo. Todas as vezes que o protagonista se põe a falar, o espectador é obrigado a acompanhar uma diversidade absurda de verborragia sobre filosofia, política e ideologia.
Como a atuação de Léaud é impassível conseguindo tornar Paul em um insuportável pretensioso, o longa de ritmo já monótono de Godard se torna interminavelmente entediante. Godard pode muito bem sim ter construído uma sátira ao pedantismo juvenil masculino de pseudo intelectual, porém há uma falha que simplesmente destrói o tom cômico completamente: não há conflito. Nunca.
Paul reclama de tudo e traz as conjecturas de Godard, as mesmas de sempre, sobre as guerras da Argélia e do Vietnã indicando um esgotamento criativo do diretor para trazer seu descontentamento do que ocorre para seus filmes. Aliás, esse esgotamento é tão notado que o diretor parece simplesmente ignorar que há algum espectador para a história que ele pretende contar – obviamente, tudo é diluído em quinze cenas aleatórias com pouco ou nenhum encadeamento narrativo.
Testemunhamos então um filme que mais se assemelha a um diário repleto de discursos flácidos prepotentes vomitados em um fluxo de consciência tão maçante que até mesmo os outros personagens simplesmente ignoram – para a nossa infelicidade. Mesmo que Paul consiga elaborar algum questionamento interessante, logo esse é atropelado por mais um caminhão de discursos desconjuntados que não permitem a reflexão atingir o espectador. É a verborragia pela verborragia.
Em Masculino-Feminino, o diálogo é simplesmente uma enorme encheção de linguiça para preencher os intermináveis cem minutos de exibição. Aliás, seria mais apropriado chamar o filme de “Masculino-Masculino”, já que o papel que Madeleine desempenha seja tão irrelevante. Godard não explora os ares das juventudes em uma narrativa típica de guerra de sexos já que, primeiro, o protagonista é um falastrão de esquerda completamente idealizado pelo diretor.
Para piorar isso tudo, o “romance” é tão estéril por conta não só pela falta de química, apesar dos esforços de Goya, mas por conta dos diálogos entre os dois serem pautados em interrogatórios filosóficos sem qualquer refinamento, como se Paul perguntasse o que viesse a sua mente naquele instante. Como Madeleine sempre replica com comentários curtos e nada interessados, não demora muito para Godard fazer uma abordagem sexista na personagem.
Ele a reduz como uma boba sonhadora interessada apenas pelo consumo e acumulação de capital em uma visão realmente misógina: ou as mulheres são “putas” ou são “idiotas” nesse longa – isso é dito em diálogos com os amigos de Paul, já que nunca acompanhamos o ponto de vista de Madeleine quando está distante do protagonista.
O único bom momento que Godard consegue criar alguma atmosfera romântica entre os dois, com Paul ficando bastante desconcertado em se aproximar de Madeleine para dormir na mesma cama, há um momento de silêncio e de delicadeza entre os dois que torna o conflito finalmente honesto. Até que Godard se lembra que precisa se tornar insuportável novamente, interrompendo a bela cena para logo fazer Madeleine recitar uma poesia abruptamente.
Por esses detalhes é praticamente impossível se conectar aos personagens, pelo discurso e pela relação que eles nutrem ao longo de toda a obra. Mesmo com Godard oferecendo um tratamento estético bem rígido e posando a câmera com enquadramentos da linguagem de documentário, para dar a falsa impressão de capturar pessoas reais com dramas reais.
Como o próprio Ingmar Bergman disse sobre esse filme em específico e também da persona de Godard: é um exercício maçante na qual somente o diretor parece estar se divertindo. Godard é um mestre inventor, mas isso não significa que todas suas invenções sejam impecáveis e para todos.
Masculino-Feminino (Masculin féminin, França – 1966)
Direção: Jean-Luc Godard
Roteiro: Jean-Luc Godard
Elenco: Jean-Pierre Léaud, Chantal Goya, Marlène Jobert, Michel Debord
Gênero: Drama, Romance
Duração: 110 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=pRiVKoW18Fw
Crítica | O Demônio das Onze Horas - As Extravagâncias de Godard
Jean-Luc Godard voltaria a abordar a política novamente depois de O Pequeno Soldado somente com O Demônio das Onze Horas, como se fosse uma redenção do diretor pelo trabalho insosso realizado em sua primeira aventura politizada. A mudança na forma técnica seria tão abrupta que Godard até mesmo gastaria muito dinheiro para filmar em Cinemascope e em Technicolor, duas escolhas que certamente rendem melhorias estéticas ferrenhas ao filme chegando até mesmo lembrar o capricho visual de O Desprezo.
Mesmo que não foque inteiramente sobre as guerras da Argélia e do Vietnã, Godard faz questão de mandar suas mensagens ideológicas sem muita cerimônia. Logo, temos o melhor e o pior de Godard como cineasta e roteirista nesse filme que simplesmente se transforma após a marca da primeira hora.
Viagem da Perdição
Por incrível que pareça, O Demônio das Onze Horas possui um dos roteiros mais focados de Godard, conhecido pelas narrativas esparsas bastante diluídas. O fato é a união do estilo peculiar do roteirista com o formato de narrativa muito convidativo para a escrita fragmentada: o road movie. Com ares de Bonnie e Clyde, temos a história de Fernand Griffon, o ‘Pierrot’ (Jean-Paul Belmondo), um homem casado e rico que está entediado da vida de conforto que leva. Quando reencontra uma ex-namorada, Marianne (Anna Karina), decide fugir com a moçoila e encarar uma vida criminosa já sabendo que a mulher é caçada por alguns gangsteres.
A quebra de rotina é sempre muito bem aproveitada pelo road movie que praticamente implora para que suas aventuras tenham pitadas generosas de romance e crime. Nessa junção perfeita, Godard tem tudo em suas mãos para criar uma nova obra-prima. Em primeiro momento, isso de fato acontece.
Os personagens são bastante contrastados, com Pierrot sendo um intelectual maçante que passa dias consumindo cultura para tentar criar suas próprias filosofias – ou seja, as filosofias de Godard já bastante influenciado pelo maoísmo, contra a fascinante Marianne, uma jovem repleta de emoções que só deseja viver o dia como se fosse o último em uma jornada de prazeres.
O romance com os dois acaba funcionando bastante por conta do intenso conflito que surge entre eles quando Pierrot para de atender as demandas criminosas de Marianne, fugindo da adrenalina e se fixando em um paraíso idílico de praias delicadas em constante contato com a natureza. A aventura até ali é bastante agradável exibindo como Godard ainda tem a capacidade de encantar com o bom humor e personagens interessantes.
Isso tem muito a ver por este segmento ser o menos ideológico da narrativa, focando realmente no amor dos dois, nas peculiaridades do tratamento que possuem entre si e nas trapalhadas criminosas de ambos, mesmo que ainda tenhamos a forte presença das leituras de Pierrot. A imprevisibilidade dos personagens em união a algumas conveniências narrativas também funciona para manter a fluidez da trama.
Os problemas surgem a partir de um momento muito bizarro que Godard faz questão de encaixar na vã tentativa de criticar os Estados Unidos sobre a Guerra do Vietnã. A sequência inteira é de um mau gosto completo. O que incomoda, além da insensibilidade artística, é a prepotência intelectual de Godard que demonstra sua soberba com a completa ignorância sobre o tema, apelando aos mais cafajestes dos estereótipos.
A derrocada é iniciada aí, com Godard fragmentando ainda mais a narrativa jogando acontecimentos aleatórios e mudando a índole do casal. Cenas de tortura retornam, além de trechos de violência que simplesmente não casam com que era feito antes. O resto da história se comporta como se fosse um filme totalmente diferente, apesar de possuir uma bela sequência musical que abranda o tom surreal que Godard adota. São diversos erros como a separação do casal, a inserção de novas cenas com monólogos insuportáveis, entre outros elementos que também já tiraram o brilho de outros filmes do autor.
Na direção, surpreendentemente, há um flashback da técnica que apresentou em O Desprezo: refinamento e elegância. Godard é um cineasta de fases que consegue se transformar inteiramente em questão de um intervalo pífio. Justamente por isso que seus filmes são tão fascinantes e diferentes a um ponto que se torna difícil perceber, somente pelo visual, que foram dirigidos pela mesma pessoa.
Apesar de nunca movimentar a câmera fora de seu eixo com travellings ou gruas, o diretor compensa com panorâmicas milimetricamente precisas para manter um equilíbrio invejável nos enquadramentos sempre belos do longa. A explosão de cor, com objetos também selecionados a dedo para oferecer também contrastes absurdos, se torna um festim para os olhos. Como boa parte do filme é centrado em locações repletas de paisagens estonteantes, é difícil não categorizar O Demônio das Onze Horas como um dos longas mais bonitos de Godard.
O tom quadrado do manejo de câmera não impede as outras marcas ousadas do diretor como algumas quebras de quarta parede mais criativas, inserções de letreiros excêntricos, além da montagem sempre muito característica do diretor. A encenação realmente não é um dos pontos fortes aqui, apesar de Godard montar uma piada genial ao final do filme, quase satirizando a si próprio com o intenso papo filosófico.
Aliás, há uma transformação visual digna de nota no começo do filme, na qual acompanhamos Pierrot e sua mulher em uma festa aparentemente insuportável. Para representar a imobilidade da burguesia e da repleta falta de contraste, Godard usa filtros nada sutis jogando os rígidos enquadramentos sob cores monocromáticas de tons esverdeados, vermelhos ou azuis. Com a quebra do confinamento de Pierrot em sua vidinha, a opulência visual do longa se faz ainda mais poética e adequada.
Filme Interrompido
Às vezes a maior ameaça contra uma obra pode ser o seu próprio criador. O tom ideológico de Godard consegue tornar O Demônio das Onze Horas em um filme realmente insuportável em sua hora final, renegando completamente o bom trabalho feito anteriormente que consegue capturar a atenção do espectador, além de gerar empatia com os personagens, em especial com Marianne já que Anna Karina exibe sua melhor performance nessa parceria com o diretor.
Mas não é apenas por conta do cinismo pedante do diretor que o filme se perde, mas pela narrativa que passa a saltar no extremo da fragmentação, quebrando qualquer sucessão de lógica ou coerência apresentada até então. No mais, é um bom filme de Godard, extremamente belo e feliz em sua primeira metade fiel a proposta do longa, mas ainda se trata de uma obra atropelada pelo próprio ego do realizador.
O Demônio das Onze Horas (Pierrot le fou, França – 1965)
Direção: Jean-Luc Godard
Roteiro: Jean-Luc Godard
Elenco: Jean-Paul Belmondo, Anna Karina, Graziella Galvani,
Gênero: Crime, Drama, Romance, Comédia
Duração: 110 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=TVvhJrrgfs0
Crítica | O Pequeno Soldado - O Filme Censurado de Godard
A história sobre a produção de O Pequeno Soldado talvez seja mais famosa que a do próprio filme. Na prática, esse seria o segundo filme de Jean-Luc Godard, filmado poucos meses depois de Acossado que também marcaria a primeira colaboração do diretor com a musa Anna Karina que se tornaria sua namorada em pouco tempo.
Marcando o primeiro verdadeiro filme político da sua carreira, Godard focou a narrativa em uma história de espionagem situada em plena Guerra da Argélia mostrando as problemáticas ideológicas do conflito com a união amorosa de espiões de lados opostos. Como o filme tem níveis de violência gráfica moderados e um discurso que complicava o lado dos franceses do conflito, o longa sofreu com a censura até o fim da Guerra com a França reconhecendo a independência do país em 1962.
Com o fim do conflito, a censura francesa liberou a estreia do filme em 1963. E para quem acompanha a carreira de Godard seguindo os filmes na ordem de lançamento, o choque é tremendo.
Trabalhos Duplos
É um fato conhecido que as narrativas de Godard só se tornam mais consistentes a partir de Viver a Vida. Apesar de não ser tão inventivo quanto Uma Mulher é Uma Mulher, o roteiro partilha as características caóticas da história simpática da comédia romântica de 1961. Com a presença massiva de uma narração over que tenta conferir um tom noir bastante falho já que Godard é péssimo em criar atmosfera aqui, ela mais funciona para aglutinar as esparsas cenas da obra bastante confusa.
A narração em primeira pessoa traz diversas explicações para entendermos como o espião Bruno Forestier (Michel Subor) falha em assassinar um alvo importante e logo é procurado por seus comparsas que passam a duvidar da sua lealdade. Nesse meio tempo, ele se relaciona com Veronica Dreyer (Anna Karina), uma outra espiã do lado oposto do conflito também em missão na cidade de Genebra.
Altamente pretensioso, Godard não dá a mínima para a coesão de sua narrativa, inventando regras absurdas ou saídas milagrosas que fazem pouco ou nenhum sentido. Com a quase inexistência de diálogos, temos diversas sequencias repletas de exposição via monólogos, seja do protagonista em narração ou quando ele exibe seus pensamentos para outros personagens. A presença massiva de leituras de trechos filosóficos ou políticos de esquerda também colabora para tornar a obra ainda mais enfadonha.
Como os personagens não parece reais pelo acabamento rudimentar do filme, não existe muita empatia com o casal ou desprezo pelos antagonistas da trama. Mas Godard acerta algumas boas sequências, principalmente a de tortura. Lenta e pesarosa, o diretor não escolhe lados mostrando como ambos utilizavam métodos grotescos para conquistar novas informações. Mesmo que seja também falha na direção, a cena ganha pontos pela coragem da realização.
Se a história de O Pequeno Soldado é uma grande bagunça incompleta apelando até mesmo para a narração para trazer à tona acontecimentos importantíssimos como a morte de uma personagem, o mesmo pode ser dito da direção de Godard, extremamente problemática e imprecisa. Basicamente, não existe clima no filme inteiro, é um exercício estéril incompleto reunido por uma montagem burocrática que nem chega a permitir que o diretor invente novos recursos fascinantes para a linguagem cinematográfica.
De estética verdadeiramente feia, coisa que até então era uma raridade, Godard não traz uma encenação interessante, não injeta ritmo para salvar o filme do marasmo, apesar de notarmos nitidamente algum esforço do cineasta em aglutinar melhor a obra. Visualmente, é apenas interessante o manejo rápido da câmera em movimentos panorâmicos para mostrar diversos detalhes de uma cena.
Pequeno Entrave
O Pequeno Soldado é mesmo uma das menores obras de Godard por seu caráter burocrático que transmite a incômoda sensação de ser um filme incompleto e todo fragmentado. Godard pode tentar fazer o máximo para trazer suas conjecturas filosóficas e políticas através dos monólogos prepotentes do protagonista espião que se torna um virtuoso intelectual em questão de segundos, mas é bem provável que o espectador não vá encontrar a resposta para todos os conflitos ou indagações transformadoras nesse pequeno filme repleto de defeitos até mesmo para o padrão mais relaxado do diretor.
O Pequeno Soldado (Le Petit Soldat, França – 1963)
Direção: Jean-Luc Godard
Roteiro: Jean-Luc Godard
Elenco: Michel Subor, Anna Karina, Paul Beauvis, Henri-Jacques Huet
Gênero: Guerra, Drama
Duração: 88 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=SS1qNnW3XF8
Crítica | Um Lugar ao Sol - A Morte do Sonho Americano
A Guerra muda pessoas. George Stevens, mesmo já consolidado na indústria antes de 1944, foi um dos diretores que partiram para a Europa a fim de fazer o registro histórico em filme das ações das tropas americanas. Dentro de sua filmografia, há uma nítida diferença entre o antes e depois dessa experiência transformadora na vida do diretor.
Se antes Stevens abordava temas espinhosos através da sutileza do sistema de estúdios com algumas comédias românticas com pitadas de drama, nada seria comparado quando surgissem as poucas oportunidades dele próprio financiar um filme como no caso de Um Lugar ao Sol conseguindo distinguir fortemente seu trabalho do que era feito na época, alcançando uma atenção dedicada a outros mestres como Elia Kazan e Alfred Hitchcock.
Ideias Perigosas
Apesar de já ter sido adaptado anteriormente, a versão de Michael Wilson e Harry Brown sobre a “Tragédia Americana”, romance clássico de Theodore Dreise, é uma das mais eficientes em trazer o cerne da problemática moral do original. A narrativa é focada na enorme desventura de George Eastman (Montgomery Clift), um garoto pobre de uma família muito rica. Sem esperanças de encontrar emprego, parte para a casa dos tios ricaços donos de uma fábrica de maiôs como última tentativa para melhorar de vida.
Pouco sensibilizados pela situação do sobrinho, os Eastman oferecem um cargo baixo na indústria para o garoto conseguir sair da miséria, mas não o adotam como parte da família. Isolado e solitário, George trabalha por meses como embalador na fábrica e nota que certa moça sempre lhe oferece olhares amigáveis. Alice (Shelley Winters) se apaixona por George e os dois começam a namorar, apesar disto ser contra as regras da firma. Com a relação apimentada, ambos dão passos ousados e ela acaba grávida. Isso seria um ótimo sonho para George, caso não fosse a nova paixão que aparece em sua vida, Angela Vicker (Elizabeth Taylor).
Ela, extremamente rica, oferece a oportunidade perfeita para George ascender socialmente e ser aceito pelos milionários de sua família. Aliando o útil ao agradável, tudo poderia ser perfeito se Alice não estivesse grávida. Temendo a miséria novamente, George começa a planejar um modo de se livrar do estorvo que vira Alice.
O tom sombrio da sinopse não é constante no longa inteiro, afinal Stevens e os roteiristas caminham por diversos gêneros ao longo da narrativa. De fato, Um Lugar ao Sol é um filme que engana bastante. Em primeiro momento, trabalham para oferecer a errônea impressão de trazer um drama de questões sociais, com um pobretão se esforçando para ser aceito pela família e melhorar as condições de vida da mãe que mora em um lugar distante. E claro, uma pitada de romance obrigatório para as produções da Hollywood clássica.
A eficiência desse primeiro ato é tamanha que a força de empatia que George gera no espectador é simplesmente impossível de ser quebrada, mesmo nos caminhos mais tenebrosos que a narrativa seguirá posteriormente. Como a empatia com o protagonista é forte, o espectador passa a desejar o melhor para ele. Os roteiristas são espertos em inserir o segundo romance em primeiro momento, com Angela nem percebendo a existência de George enquanto ele era rejeitado pela classe social dos tios.
Somente por uma olhada do acaso que ambos se conhecem, apesar de George já ser vidrado na moça desde a primeira vez que a viu. Como a diferença de abordagem – sustentada pelo talento indubitável de Montgomery Clift, de George com as duas moças, é possível sentir para qual o coração dele pertence. Mesmo que haja sim um maior contraste para revelar o lado sombrio do protagonista após solidificar o romance com Angela, sentimos o crescente pavor do conflito interno que ele sofre: ser feliz e arriscar sua liberdade ou ser infeliz com uma mulher que não e um filho indesejado.
De certa forma, essa disputa mais sombria dentro de um triangulo amoroso, pela abordagem ética do herói e da própria jornada, é possível relacionar Um Lugar ao Sol com o clássico Aurora, grande obra-prima de F.W. Murnau. No caso, temos aqui um olhar repaginado dessa história tão marcante. A evolução dos personagens, principalmente de Alice com George, é crível pelo jogo desesperado que os dois se encontram.
É justamente aqui que temos a abordagem de problemas sociais relevantes que capturam tanto a atenção do George Stevens pós-Guerra. O tema do aborto é uma constante toda vez que Alice e George estão juntos, apesar de nunca ser diretamente mencionado. Há buscas para isso, além da profunda tristeza de Alice notar que George já não está mais conectado a ela, a tratando com indiferença ou repugnância. Exatamente como os ricos o tratavam quando era apenas um operário qualquer, afinal ele só passa a ser notado pela sociedade quando namora Angela.
Isso certamente complica a relação de George com o espectador. Moralmente, ele sempre está errado, mas como o próprio personagem sabe disso, as circunstancias que levam ao terceiro ato ficam ainda mais complicadas. É simplesmente difícil definir uma condenação ao protagonista, afinal ele parece não ter culpa pelo ocorrido, apesar de ter desejado que o pior acontecesse. O segundo ato inteiro envolve esse clima de suspense bastante soturno e como Stevens filma tudo a uma distância complicada, o espectador fica ainda mais perdido para julgar o personagem.
De romance para suspense, Stevens e os roteiristas decidem mudar novamente os rumos do filme, sempre de modo bastante imprevisível, mas muito lógico pelas causas e consequências. O terceiro ato inteiro é concentrado no profundo melodrama por vezes exagerado e em outras, bastante adequado. O gênero do longa é alterado para contemplarmos uma injustiça justa ou uma justiça injusta já que há muita ambiguidade na sombra da dúvida do ato de George. A moral do filme é bastante poderosa não só por conta do texto excelente repleto de diálogos marcantes, mas principalmente pela direção de Stevens.
O Espectador como Testemunha
Stevens faz confidências para o espectador de muitos modos. Acompanhamos cada momento íntimo de George e até mesmo alguns de Angela e Alice. O diretor quer que saibamos mais do que os personagens para infligir maior desespero com o trágico desfecho da obra, já que a dúvida sempre permanecerá na discussão que ele propõe.
Desse modo, da força das relações humanas e de alguns ótimos momentos como a visita de Alice ao “bom doutor” e do desmaio de Angela, Stevens torna esses personagens bastante críveis fugindo do glamour artificial que muitos longas empregavam na época. Também há a diferença de Um Lugar ao Sol ser um dos filmes que o próprio diretor bancou, podendo realizar as extravagâncias autorais que desejava.
O intenso trabalho com locações e cenários mais ornamentados e diversos tornam o filme mais ritmado, além das reviravoltas surpreendentes que alteram a guia de gênero que Stevens trabalha. Seja com qualquer campo que ele toca, há um estupendo trabalho de ideias. Logo no começo do longa, com Eastman conhecendo o resto de sua família, o diretor consegue isolar o protagonista de todos os modos nos enquadramentos afastados para definir a geografia das posições que os atores estão. Não somente o figurino rudimentar o isola, mas o fato de toda a família estar em um eixo oposto a ele, como se tivessem nojo e quisessem evitar o incômodo de sua presença a todo custo.
O drama é bem imposto e sentimentos como o personagem passa a ficar levemente deprimido e sonhar o impossível até se apaixonar por Alice, se contentando com as possibilidades de sua realidade, apesar de ser tão Eastman como qualquer outro da fábrica. A condução dos dois romances é bastante eficaz e repleta de pequenos contrastes. Novamente abordando Aurora enquanto há um romantismo da cidade, com cinemas e parques que Alice e George visitam, com Angela temos a palpitação da aventura exótica com a visita a lagos, passeios de lanchas, extremo conforto, além da companhia de uma mulher bem mais bonita.
Um dos mais poderosos momentos se concentra no verdadeiro primeiro contato de Angela com George. Na segunda visita a casa do tio, novamente o personagem é tratado com indiferença. Stevens faz com todos os figurantes se afastem dele conforme se movimenta no cenário até finalmente ficar isolado, jogando bilhar sozinho.
Quando Angela o convida para dançar, vemos o protagonista resistir em entrar no salão repleto de figurões da alta sociedade, dançando no batente da porta até que a garota o conduz para dentro. A mensagem é sutil e bela, mas bastante clara: somente Angela poderia ter colocado ele como um privilegiado. Tanto que na cena seguinte, em outro jantar elegante, os convidados já até sabem o nome de George. Ele finalmente é adotado pela grife de seu nome e se sente realizado pela primeira vez na vida. Como o sentimento de felicidade é tão genuíno – novamente, Montgomery Clift impecável, compreendemos toda sua motivação para se livrar de Alice, o passaporte de volta para a miséria.
Apesar de estar próxima de ser um sex symbol para a época, Shelley Winters que interpreta Alice se esforçou ao máximo para que Stevens a escalasse para o papel. Para isso, deliberadamente usou roupas nada glamourosas, além de penteados que a envelheciam além da conta. Mantendo o visual idealizado pela atriz, Stevens cria um contraste simpático, mas poderoso entre os dois amores, inserindo mais um item polêmico para as escolhas de Eastman na obra.
Aliás, Stevens optou inteiramente em filmar em preto e branco por conta de uma cena em particular que também é a melhor do filme: a do barco. Em toda a sequência, Stevens prepara o terreno com planos enquadrados de modo bastante fantasmagórico, como se os personagens tivessem adentrado o próprio Estige em um plano sobrenatural. Sob o tratamento mais forte de contraste dos tons cinzentos e uma decupagem simples, o diretor evoca um suspense matador que, apesar de não durar muito tempo na prática, parece uma verdadeira eternidade.
Stevens simplesmente trabalha como um mestre em Um Lugar ao Sol. Sua condução é impecável do início ao fim no vasto esforço de oferecer dinamismo visual, movimentos de câmera elegantes, além de enquadramentos inteligentes que sempre valorizam a profundidade de campo trabalhada com tanto cuidado por ele. Entretanto, ouso dizer aqui que nenhum cineasta americano consegue trabalhar com fusões tão bem quanto Stevens. Os usos vão desde funcionais como uma elipse aliando imagens de Eastman trabalhando intercaladas com passagens dos dias no calendário, até mais poéticas quando o protagonista caminha para seu destino final e se lembra do primeiro beijo, tão terno e mágico em Angela. Há fusões que aliam até mesmo quatro planos diferentes de modo absolutamente impecável. É algo mágico de se ver.
A Tragédia Americana
O cinema clássico rendeu filmes excepcionais e mesmo já bastante “idoso”, Um Lugar ao Sol facilmente é um dos melhores exemplares que os grandes diretores americanos poderiam fornecer. George Stevens soube tornar seu filme em uma peça artística atemporal. Não por conta da linguagem e de seus dilemas morais repletos de problemáticas que jogam o espectador em diversas emoções conturbadas, mas pela eficácia do inegável charme que o filme sustenta. Um romance, suspense e melodrama que com certeza encontrou seu lugar ao Sol.
Um Lugar ao Sol (A Place in the Sun, EUA – 1951)
Direção: George Stevens
Roteiro: Theodore Dreiser, Michael Wilson, Harry Brown
Elenco: Montgomery Clift, Elizabeth Taylor, Shelley Winters, Anne Revere, Keefe Braselle, Raymond Burr, Fred Clark
Gênero: Drama, Romance, Suspense
Duração: 122 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=_Fm6sa_L5_4
Crítica | Bando à Parte - A Rebeldia Apaixonante de Godard
Jean-Luc Godard é um cineasta que está sempre em movimento. O mais fascinante é que não existe uma direção predeterminada para ele. Se resolve se renovar, simplesmente o faz, sem planejar tudo com antecedência ou gerar alguma crise pessoal que seria refletida em um novo filme. De muitas maneiras, Bando à Parte é uma resposta ao cinema anterior de Godard.
Não sobre os pequenos grandes filmes que havia feito como Acossado, Uma Mulher é Uma Mulher, O Pequeno Soldado, entre outros, mas especialmente para seu flerte com o star system e studio system que resultou uma obra-prima desgostada por si mesmo: O Desprezo. Para qualquer diretor, seria natural seguir o caminho das pedras e realizar filmes com orçamentos maiores e repletos de elegância.
Mas Godard não é qualquer diretor. Livre da produção do seu luxuoso filme anterior, já iniciou Bando à Parte como a completa antítese do que havia feito um ano antes. E o resultado é simplesmente único.
Passado Revisitado
Mesmo que Godard traga de volta diversas características de seus filmes anteriores aqui, há diferenças substanciais que marquem essa renovação de estilo do diretor. A começar, Bando à Parte é praticamente improvisado em sua totalidade. O diretor adapta livremente o romance de Dolores Hitchens, Fool’s Gold, com essa simpática história de três jovens: Odile (Anna Karina), Franz (Sami Frey) e Arthur (Claude Brasseur) que “planejam” um assalto na casa dos pais da bela e ingênua moça que compartilhou a valiosa informação de que há uma enorme quantia de dinheiro guardada em sua casa.
Godard ainda dilui a narrativa como de costume, fazendo diversas curvas para chegar ao destino final sem se preocupar em desenvolver os personagens. Visando trazer algo próximo de um film noir com os filmes de crime, ele apresenta Franz e Arthur como uma dupla fissurada por violência e bastante inspirada pelos filmes de assalto que tanto gostam de assistir.
Apesar de serem maliciosos, ambos compartilham a ingenuidade de Odile, agindo como criminosos tanto para atender o desejo inerente de adrenalina da juventude assim como resolver uma pendencia financeira com o tio criminoso de Arthur. Novamente, é bastante fácil ficar perdido nessas minucias do roteiro livre de Godard, já que temos diversas cenas desconexas focadas no envolvimento do trio em um poderoso triangulo amoroso.
Tanto que a apresentação de Odile se dá em uma aula de inglês na qual a professora pede para que os alunos traduzam trechos de Romeu e Julieta, inferindo uma aventura apaixonante para Odile. A abordagem dela com os bandidos é bastante excêntrica, pois claramente ela é atraída pelo perigo que eles representam, da instabilidade completa, mas também teme que os dois machuquem sua família ou lhe tragam miséria.
Essa dicotomia é bem trabalhada e dividida nas figuras de Franz e Arthur, um rapaz mais introvertido contra um rapaz mais violento e impulsivo. Godard insere diversas ironias tornando os personagens reféns da própria imaturidade como a questão sobre organizar um plano para esse assalto desajustado. Negando a necessidade de reagir contra imprevistos, subestimando os donos do dinheiro, o trio passa o tempo se divertindo em bares em cenas muito apaixonantes e memoráveis que colocam Bando à Parte como um filme muito simpático.
Aliás, esse tom leve e simples entra em contraste direto com a atmosfera densa e intelectual de O Desprezo. De muitas formas, essa é uma das obras mais acessíveis de Godard para qualquer espectador. Nessa linha de condução da narrativa, Godard brinca com a descontração dos personagens através de passagens sobre “um minuto de silêncio” na qual todo o som diegético é removido por trinta e seis segundos experimentando mais uma vez com a linguagem cinematográfica, ou com a inesquecível cena de dança “Madison” que evoca toda a meiguice de Odile – cena que também inspirou a sequência de dança em Pulp Fiction, além de um recorde improvável a uma visita ao Louvre.
Esses desvios apenas comprovam como a história do assalto é a tarefa menos importante para Godard em Bando à Parte. O diretor subverte essas convenções ao focar no lado mais humano dos personagens bastante realistas. Se trata apenas de uma jornada de bobos ingênuos que aprendem o sacrifício necessário para realizar sonhos criminosos. Há até mesmo a presença de um narrador over onisciente e onipresente para balancear melhor o intelecto dos personagens, esclarecendo alguns sentimentos que poderiam ficar fadados em uma ignorância do espectador menos atento.
Com esse rumo de improviso tão forte na obra, o mesmo ocorre com a direção de Godard, fugindo ao máximo do que havia feito em O Desprezo. Ou seja, nada de elegância e bastante desleixo. Nesse ponto é que o diretor tenta evitar realizar encenações longas com passeios de câmera muito bem estabilizados, closes e experimentação excessiva com a montagem.
As inovações linguagem estão presentes, mas muito reduzidas, assim como as características quebras de quarta parede. Apesar de ainda dar preferencia para planos longos, Godard interpola mais a decupagem, oferecendo um visual mais fragmentado do que o de costume ao trazer diferentes planos para diálogos ou ações. Já com a câmera, basicamente realiza todo o filme com ela instável, operada na mão, sem se preocupar com a plasticidade equilibrada dos enquadramentos. O que de fato é muito mais experimentado pelo diretor aqui é o uso da profundidade de campo, além de longas sequências que acompanhamos as andanças de Franz e Arthur com o carro conversível pelas ruas de Paris – além de outros trechos totalmente avulsos como uma pequena jornada de Odile para alimentar um tigre.
Ao fim de seu simples filme, para ridicularizar de vez a experiência controlada que teve com O Desprezo, Godard anuncia que seu próximo filme será filmado em cinemascope e technicolor, recursos que havia usado obrigatoriamente com o longa anterior.
Atos de Rebeldia
Bando à Parte é um filme rebelde e provavelmente um dos mais pessoais de Godard. O uso da história desleixada, dos improvisos e do descuido cinematográfico funcionam como um exorcismo do diretor, um grito de guerra e desespero clamando que nunca mais voltará a trabalhar nos moldes que experimentou com uma produção mais cara – e isso de fato acontece.
O verdadeiro Bando à Parte, de jovens deslocados e apaixonados pela aventura e o imprevisível, não é sobre Odile, Franz e Arthur, mas sim o Bando das produções frenéticas do jovem Jean-Luc Godard, o isolado mais criativo do Cinema.
O Bando à Parte (Bande à part, França – 1964)
Direção: Jean-Luc Godard
Roteiro: Dolores Hitchens
Elenco: Anna Karina, Claude Brasseur, Sami Frey, Louisa Colpeyn
Gênero: Crime, Comédia, Drama
Duração: 95 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=TM0lC2QCiSU
Crítica | A Mulher do Dia - Um Filme do Passado que veio para o Futuro
O debate do cinema contemporâneo hoje não consegue mais explorar sobre a qualidade dos filmes, de suas histórias, da estética, entre outros elementos que tornam um filme, Cinema. Os espectadores estão preocupados em ver se o longa consegue ter uma moral fixa que não ofenda quaisquer minorias, o máximo possível de diversidade, além do uso sempre positivo de estereótipos de outrora.
É um tanto engraçado notar essa preocupação fiscalizadora de hoje quando um filme de 1942 conseguiu trazer elementos que conseguem atender algumas demandas desse novo “olhar” sobre cinema. A Mulher do Dia, um dos clássicos de George Stevens, é um filme fora da curva para a Hollywood Clássica, um período no qual a indústria era tão apegada em reiterar a superioridade moral do american way of life.
Dias Incríveis
Com o mundo em plena Segunda Guerra Mundial, temendo pela perda de todas as liberdades nas mãos dos nazistas, não iria demorar nada para Hollywood começar a entregar filmes que elevassem bastante a moral americana – mesmo que os EUA só participassem efetivamente da Guerra a partir de 1944.
Mesmo que diversos dramas retratassem com eficiência o sacrifício das vítimas da Guerra, era totalmente incomum que um filme buscasse discutir abertamente o Feminismo – se é incomum hoje, imagine em 1940. O que torna A Mulher do Dia tão interessante é justamente essa característica que o destaca dentre todos os filmes dessa conturbada década.
O trabalho é tão bem-feito que o roteiro de Ring Lardner Jr. e Michael Kanin venceu o Oscar em 1943. Basicamente, como todos os grandes filmes da época, muitas qualidades são concentradas na história extremamente verborrágica com diálogos bem construídos. Aqui, temos a jornada de Tess Harding (Katherine Hepburn), uma jornalista consagrada mundialmente pela qualidade indubitável de seus importantes artigos sobre diversos assuntos, encontrando o amor com Sam Craig (Spencer Tracy), um jornalista de esportes extremamente simples.
A apresentação de ambos se baseia no contraste que segura muito bem o primeiro ato do filme. Craig e Harding tem conflitos intensos sobre o que cada jornalista julga importante em seu trabalho, menosprezando o papel social que ambos têm com o público. Esse choque de ideologias traz o clássico arco que mostra os dois conhecendo as esferas de trabalho de um do outro. Como a comédia é bastante concentrada no primeiro ato, essas descobertas geralmente são constrangedoras, mas sempre para Craig.
Enquanto Harding se diverte e compreende com rapidez as regras dos jogos que Craig a convida, o jovem repórter sofre nas reuniões com diplomatas que conversam em inúmeros idiomas – dos quais Tess domina com bastante fluência, ou nas reuniões sobre emancipação feminina na América. Curiosamente, isso nunca é posto como ridículo pelos roteiristas. Harding é uma virtuosa completa no trabalho e serve como um ícone de inspiração para diversas mulheres buscarem a independência profissional, abandonando o modelo de dona de casa pregado pelo american way of life.
Com uma mulher tão incrível e fascinante, Craig se apaixona, assim como Harding em encontrar um homem que consiga aceitar bem o ritmo frenético de sua vida. Em questão de pouco tempo, eles se casam e os problemas começam a surgir. Os roteiristas já deixam o caminho praticamente pronto para os conflitos que o casal sofre no segundo ato, apenas reforçando como a vida profissional extrema de Harding não a permite viver o casamento de modo pleno.
Logo, há um trabalho fascinante para criar uma antagonista na figura de Harding, sem nunca precisar apelar a qualquer clichê boboca de guerra dos sexos. Com os dois morando juntos, Craig passa a se sacrificar mais pelo casamento, se mudando para o apartamento de Tess, além de respeitar as inúmeras viagens que esposa precisa realizar para o trabalho. A partir de situações absurdas, mas críveis para aqueles personagens, vemos como Tess pode ser uma mulher egoísta, colocando sua glória profissional sempre em primeiro lugar.
São diversas situações que Craig tenta superar até uma discussão final que exibe todo o despreparo de Tess no trato humano com seu marido e com as outras pessoas que a cercam, incluindo a própria família. Aliás, o pai e a “tia” de Tess tem um papel importantíssimo para encaixar uma poderosa catarse na protagonista. A insatisfação de Craig também é tratada com cuidado, evitando demonizar Tess. Apenas vemos que ele está insatisfeito em nunca poder aproveitar seu tempo com a esposa.
Infelizmente, o final do longa é julgado de modo bastante preconceituoso pelos espectadores, o taxando de misógino. Entretanto, é bastante claro que essa interpretação é equivocada por uma característica boba do filme em resgatar o tom cômico do primeiro ato, já que o drama é bastante intenso no miolo do filme. De modo lógico e também bastante justificado pelo filme, vemos Tess tentando se encaixar no modelo de dona de casa perfeita que ela julga ser o que Craig procura – ou seja, a catarse da mulher é bastante única, pois ela não entende praticamente nada do que havia sido dito antes.
Por isso, temos um trecho muito longo exibindo a completa falta de dotes da mulher com a cozinha ao preparar um café da manhã surpresa para Craig. É aqui que a mensagem do filme fica ainda mais forte, explorando como a força do matrimônio pode trazer equilíbrio na vida do casal. Craig não quer que Tess sacrifique sua vida profissional, apenas deseja que ambos consigam ter uma vida normal, dividindo e celebrando as conquistas de cada um. De modo subjetivo, vemos que aquela loucura profissional da mulher não permite nem mesmo que Tess consiga ter uma vida para si mesma, já que tudo é engolido pelo trabalho.
Sem ofender nenhum dos lados, colocando a importância da mulher no cenário profissional, além desconstruir a moral absurda do american way of life, os roteiristas criam uma história simplesmente memorável que nem parece pertencer aos anos 1940 de tão atual que consegue ser. Ainda mais hoje que a vida profissional é sempre colocada em primeiro lugar para ambos os sexos.
Um Mestre Limitado
Não existem dúvidas que George Stevens seja um excelente profissional. O prolífico diretor era um dos favoritos para encabeçar produções importantes, se portando como um ótimo faz tudo que compreendia muito bem as minúcias do sistema de estúdio que imperavam com muita força na época.
Stevens sabia que era limitado por diversos elementos como a problemática do peso da câmera e da limitação dos cenários em estúdios compartilhados. Mesmo que tenhamos algumas cenas externas, o diretor as falseia encaixando os atores em um plano distinto construído dentro de um estúdio. Com o peso do maquinário necessário para montar uma cena, não havia a menor possibilidade de realizar algo visualmente mais atrativo, ainda mais em um filme de orçamento modesto concentrado no talento dos atores na troca de diálogos.
Essa certamente é uma das maiores forças do diretor em unir tão bem os talentos de Hepburn e Tracy que apresentam uma química tão fantástica que gerou uma parceria futura de mais oito filmes. Os dois carregam o filme inteiro com performances espetaculares sem a necessidade de apelar a caricaturas ou quaisquer exageros. O contraste do descontentamento de Tracy com a expressão sossegada de Hepburn é simplesmente impagável.
O curioso é que Stevens tem plena consciência da limitação cinematográfica técnica que atinge seu talento. Nunca podendo realizar um plano reverso, sempre obedecendo a um eixo teatral, movimentando a câmera de modo sempre simples, Stevens oferece uma dinâmica de montagem bastante acelerada para a época trazendo novos planos, sempre com a hierarquia bem definida, em questão de poucos segundos. Tudo isso para dinamizar o ritmo do filme que realmente é bastante fluído.
O único ponto que pesa negativamente para a direção de Stevens é o clímax da obra. Além da piada ser extensa fora dos limites do saudável, a duração da cena, com uma dinâmica cafona, tira muito tempo de exibição que poderia ser aproveitado com outras que mostrassem, enfim, a conquista do equilíbrio por Tess, conseguindo conciliar o casamento com o sucesso profissional. Por conta dessa piada boba, o filme termina de modo abrupto, sem abandonar o clichê do beijo final.
Troca de Papéis
A Mulher do Dia não é a melhor obra de George Stevens, obviamente, mas se trata de um longa simplesmente visionário que conseguiu trazer uma protagonista feminina independente sem apelar para estereótipos pejorativos, respeitando as características da mulher trabalhadora, mas exibindo que o equilíbrio sempre é a solução para salvar todos os relacionamentos.
Muito mais do que um filme de piadas bobas com as infames “trocas de papéis”, temos aqui um clássico esquecido que carrega uma mensagem muito valiosa para hoje e, muito provavelmente, para sempre.
A Mulher do Dia (Woman of the Year, EUA – 1942)
Direção: George Stevens
Roteiro: Ring Lardner Jr., Michael Kanin
Elenco: Katherine Hepburn, Spencer Tracy, Fay Bainter, Reginald Owen, Minor Watson, Dan Tobbin
Gênero: Comédia, Drama
Duração: 114 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=e25EgGHdNnQ
Crítica | Busca Frenética - Polanski travestido de Hitchcock
Vez ou outra, diretores decidem dar passos maiores que a perna, resultando em filmes medíocres ou simplesmente fora de tom. Isso já aconteceu com Steven Spielberg, Robert Zemeckis, Woody Allen, Martin Scorsese, Guillermo del Toro, entre diversos outros grandes nomes. Até mesmo Alfred Hitchcock já fez algumas bananadas ao se aventurar em obras de gêneros desconhecidos por ele.
Em Busca Frenética, foi a grande vez de Roman Polanski tomar uma grande invertida cinematográfica. Tentando criar um misto de ação com thriller, claramente inspirado em O Homem que Sabia Demais, Polanski mete os pés pelas mãos diversas vezes, apesar do resultado final ser razoável, mas nada memorável para um cineasta tão elogiado (e condenado).
Um Busca Monótona
Polanski realmente queria dizer algo com Busca Frenética, afinal ele mesmo escreveu a história. Apesar de almejar criar um thriller de ação, acabou criando um thriller de suspense, um dos medíocres inclusive. Na história, acompanhamos a viagem do casal Walker a Paris para uma convenção de Medicina. O respeitado doutor Richard Walker (interpretado competentemente por Harrison Ford) dará uma palestra para diversas pessoas, além da viagem à cidade mais romântica do mundo ser uma excelente oportunidade para apimentar um pouco seu relacionamento com Sondra, sua esposa.
Porém, o que seria uma viagem tranquila, rapidamente muda de ares quando Sondra some misteriosamente no hotel sem deixar qualquer rastro. Preocupado, Richard começa a procurar por sua esposa nos arredores. Sem saber o idioma e sem poder contar com a ajuda policial local, o bom doutor terá que conhecer o submundo parisiense para encontrar alguém que possa lhe ajudar.
Apesar do mistério ser bom e bastante intrigante, Polanski falha muito para conferir alguma personalidade a esses personagens. Richard é apenas Harrison Ford fazendo o que sabe fazer de melhor e Sondra é apenas um macguffin completo para movimentar a trama que envolve um segundo macguffin. Sabemos que os dois tem filhos que nunca sabemos realmente quem são. Com esse ponto inicial desinteressante para engajar o espectador, Polanski sofre ainda mais ao trabalhar a narrativa no primeiro ato – sendo que esse é até mesmo o melhor dos três.
Os problemas de Busca Frenética são bem básicos, apesar de Polanski tentar burocratizar o mistério. Nessa busca inicial, há sempre aquela situação clichê, mas obrigatória em filmes assim: a solicitação de ajuda dos poderes locais que estão pouco se lixando para os turistas. Feito isso, o mistério começa a ser decifrado quando Richard decide abrir a mala que sua mulher pegou por engano no aeroporto suspeitando que ela contenha a resposta para o seu sumiço – aqui já acontece um dos elementos mais falhos na lógica dos responsáveis pelo sumiço da mulher, apesar de Polanski brincar com isso posteriormente.
Em questão de pouco tempo, Richard encontra as pistas que o levam até alguém que saiba do paradeiro da esposa e rapidamente o mistério é resolvido, assim como a motivação dos antagonistas em atazanarem a vida do personagem. O problema é que Polanski já revelou todas as cartas da história na metade do segundo ato, com mais uma hora inteira de exibição. Mesmo apresentando uma nova personagem para auxiliar Richard, elaborando porcamente algum interesse romântico devido a total falta de coerência na moça, a hora final é simplesmente uma bela chatice.
Para estender ainda mais um filme superficial, o roteirista insiste em inserir reviravoltas bobas para dificultar a resolução do conflito. Com um ritmo mais elegante, não teria problema, mas como nada acontece, além do previsto, Polanski simplesmente dá um tiro fatal no final de seu filme. Fora isso, ainda há o uso recorrente de figuras misteriosas ou de personagens secundários totalmente redundantes. É apenas uma grande piada de Polanski, um criminoso confesso, para dizer o quanto que as forças policiais são idiotas.
Somente o primeiro ato se salva e algumas boas piadas inseridas aqui e ali.
O Hitchcock Deprimido
O que Polanski sabe fazer é criar clima e suspense. Realmente, é um diretor que saca muito bem de encenação e timing. Não é por menos que ele seja tão conhecido pela sua obra-prima, O Bebê de Rosemary. Apesar do roteiro trazer uma história tão... razoável, a direção de Polanski consegue transformar a experiência de assistir a Busca Frenética em algo interessante, mesmo que tudo fique um tédio completo no terceiro ato.
Mesmo que ele aposte em cenas de situações claramente estúpidas como quando Richard acaba comprando cocaína por acidente, Polanski traz um retrato muito raro de Paris: o pessimista. Trazendo um domínio geográfico muito impressionante da cidade, o diretor cria uma atmosfera opressiva e completamente indiferente aos problemas alheios dos outros. Parisiense de nascença, Polanski sabe muito bem como capturar os lados mais depressivos da cidade, de uma beleza melancólica de abandono e frio.
A atmosfera de Busca Frenética é realmente única por esse estilo sóbrio e escuro. Até mesmo em cenários, há um cuidado artístico para conferir mais personalidade aos personagens que vivem em outra realidade social distinta do conforto que o protagonista vive.
Com muita câmera na mão, há grande realismo e desespero na linguagem visual do filme muito concentrada na figura do protagonista. Raramente temos um abandono do seu ponto de vista, o que acaba limitando Polanski ao construir planos mais abertos para mostrar diferentes cantos da cidade. Essas imagens acompanhadas à ótima trilha de Ennio Morricone resultam em um efeito único.
O que talvez interfira negativamente no trabalho de Polanski seja as constantes tentativas de emular o estilo de Hithcock – algo nada fácil. De fato, algumas vezes, a réplica cai como uma luva ao usar a profundidade de campo de modo tão inteligente. O mais marcante deles, é quadro que mostra Richard no banho enquanto Sondra misteriosamente sai do quarto para depois sua mala aberta ser arrastada consigo. Com o uso muito sutil do zoom in, Polanski gera um efeito arrebatador de estranheza e medo.
Os problemas surgem quando tenta, digamos, atualizar Hitchcock. Isso ocorre nas trapalhadas sequências de ação ou nas inusitadas, focadas no exotismo de uma casa noturna árabe na qual novamente Polanski repete situações e ainda organiza uma dança totalmente esquisita de Richard com Michelle. Aliás, é curioso o fato que Polanski tenta trazer tanto de Hitchcock para a estética do filme e consiga ignorar completamente sua influência na montagem – área da qual Hitchcock sempre apostava suas fichas. Não existe um bom momento ou uso mais inteligente da montagem em Busca Frenética, apenas o básico do básico.
Desequilíbrio Frenético
Longe de ser ruim, mas também igualmente distante de ser ótimo, Busca Frenética é apenas um thriller razoável. É sabido que Polanski gosta muito de brincar com clichês e gêneros para surpreender sua plateia e entregar algo inesperado e cheio de personalidade. Talvez se estivesse menos obcecado em emular quem não é, esse filme fosse melhor, pois Polanski trai algumas de suas marcar autorais para entregar um filme redondo, mas esburacado.
A tragédia do homem comum em um cenário hostil sempre foi cativante. O mesmo acontece aqui, mas há diversas escolhas ruins de Polanski em estender a burocracia de seu filme totalmente imprevisível. É como dizem: até os grandes caem.
Busca Frenética (Frantic, EUA, França – 1988)
Direção: Roman Polanski
Roteiro: Roman Polanski, Gérard Brach
Elenco: Harrison Ford, Betty Buckley, Emmanuelle Seigner
Gênero: Suspense, Thriller
Duração: 117 minutos.
https://www.youtube.com/watch?v=XKRSA40CGfo
Crítica | O Desprezo - A Morte do Amor
O Desprezo é simplesmente histórico. Em toda sua história, Hollywood sempre esteve atenta aos talentos do estrangeiro, trazendo os maiores nomes exóticos para engrandecer o cinema americano com novos clássicos – apesar de raramente esses cineastas realizarem suas obras-primas nessas co-produções. Com a Nouvelle Vague totalmente concretizada em questão de pouquíssimo tempo já influenciando até mesmo realizadores do sistema como Alfred Hitchcock em Os Pássaros, já era mais que tempo para os produtores americanos voltarem os olhos para os queridinhos que revolucionaram o cinema mundial.
Mesmo sendo um co-produção majoritariamente francesa e italiana, O Desprezo marcaria a primeira vez que Jean-Luc Godard trabalharia com um produtor americano, além de um orçamento alto e modelos mais concretos de produção. Iria, enfim, fazer um filme dentro das regras visando quebrar diversas delas. Odiando completamente a experiência, Godard conseguiu criar uma verdadeira obra-prima. Isso é simplesmente inegável até mesmo para os espectadores que mais detestam a filmografia do francês.
Uma História de Filmes
Cuidando do roteiro, Godard adapta o romance de Alberto Moravia trazendo um fino exercício de metalinguagem sobre a metalinguagem com a história de Paul (Michel Piccoli), um roteirista encurralado no dilema de tratar um roteiro sobre A Odisséia de Homero para um novo filme de Fritz Lang (que simplesmente interpreta ele mesmo). O principal problema está concentrado com o produtor ricaço, Jeremy Prokosch (Jack Palance) um americano folgado que nada entende sobre arte, além de claramente estar interessado sexualmente na esposa do roteirista, a bela Camille (Brigitte Bardot).
Filmes sobre metalinguagem geralmente são, ao mesmo tempo, encantadores e difíceis. Com O Desprezo, tudo isso é multiplicado por dez. Godard não faz um filme fácil e sabe bem disso, exigindo muita paciência do espectador para encarar com seriedade esse grupo antipático de pessoas ao longo de toda a narrativa na qual ele brinca bastante com o realismo e romantismo, além de inserir pitadas irônicas de tragédias gregas sob o olhar de deuses esquecidos.
Basicamente, Godard torna as poucas cenas em atos inteiros, focando em diálogos que parecem nunca sair do lugar, além da problemática do produtor americano sempre precisar do uso de uma intérprete, Francesca (Giorgia Moll), para se comunicar com Lang e Paul. Godard não usa meias-palavras para antagonizar os lados com muita rapidez já que a representação de Jeremy é absurdamente tosca. O produtor bonachão é um tarado assediador, além de ser totalmente estúpido.
Obviamente, o texto é uma crítica direta do sacrifício da liberdade criativa em grandes produções ordenadas pelo dinheiro de produtores ricos que comandam os rumos que o filme deverá tomar durante todo o processo de produção. Godard, totalmente estranho a esse sistema de produção, já que financiava as próprias criações, experimenta isso na pele justamente com O Desprezo, mas parece englobar todos os anos da turbulenta experiência que Fritz Lang experimentou quando trabalhou em Hollywood.
Apesar de demonizar o produtor até não poder mais, Godard guarda diversas surpresas que revelam a alma do filme: a narrativa concentrada na vida ordinária do casal Paul e Camille. O segundo ato inteiro é dedicado para mostrar uma gigantesca discussão sobre a súbita decisão de Camille em desistir de amar Paul, colocando em risco a vida que os dois teriam em um apartamento na Itália, fixando residência.
A motivação do ódio de Camille é tratada como um mistério, apesar de ser bastante óbvia a razão dessa mudança de temperamento da moça. Apesar disso, nada é claro para Paul que fica intrigado com a rispidez da esposa, jogando todo o futuro da aceitação do trabalho nas mãos da mulher. Paul é claramente desajustado e rapidamente Godard apresenta como ele lida com os problemas que surgem em seu caminho: com violência.
Com as agressões físicas, Godard coloca Paul em pé de igualdade com a figura repugnante de Jeremy, apesar de mensurar com eficiência o quão genuíno é o amor do roteirista por sua esposa. Ironicamente, a cena que apresenta os dois, trocando confidências amorosas, foi uma exigência do produtor americano do filme – que obviamente já detestava O Desprezo, temendo um fracasso comercial em solo americano caso não houvesse alguma nudez no longa.
A exigência foi tamanha que Bardot praticamente passa o segundo ato inteiro coberta apenas por toalhas, fazendo nus traseiros ocasionalmente. A discussão dos personagens é tão exaustiva que em pouco tempo, o espectador torce para que a narrativa da metalinguagem recomece. E assim que ela chega, em um glorioso terceiro ato, temos o ápice da obra retirando todas as características estacionárias da obra.
Se Godard já havia sido cruel nos dois primeiros atos, nada se compara com o terceiro, apesar dele ser o mais fácil para o espectador, pois o roteirista basicamente explica toda a situação do filme ao comparar o casamento de Paul com a situação de Odisseu e todo seu conflito interno sobre retornar ou não para Penélope. Apesar disso remover um pouco o brilho da obra, já entregando o jogo para o espectador antes do clímax, Godard cria uma situação desconfortável sobre a enorme suspeita que Paul sofre ao desconfiar de uma traição da esposa com o produtor Jeremy.
Definindo o destino dos personagens, sem oferecer qualquer possibilidade de redenção, Godard cria uma ironia final bastante poderosa com a resolução de todos os conflitos do filme rebaixando os personagens às suas completas insignificâncias. Somente Lang que resiste a tudo, somente a arte que sobrevive sem se preocupar com a pequenez humana, pois nela há o sentido maior do legado.
A enorme farsa complexa de Godard é bastante simples e também genial. Um mistério que não é misterioso.
Um Artista Controlado
Godard simplesmente se porta como um verdadeiro cineasta profissional em O Desprezo. Mas isso é apenas um truque para desviar a atenção do espectador, pois o diretor insere seus toques autorais já na primeira cena do filme, trazendo os créditos iniciais narrados em vez de apresentados por letreiros tradicionais. Além de um plano muito charmoso que acompanha diretamente a filmagem da filmagem do próprio Desprezo. Uma brincadeira criativa sempre típica da genialidade de Godard.
Trazendo muitas características de Viver a Vida, Godard usa a câmera com bastante elegância, dando extrema preferencia à encenação com plano bastante longos, mas nunca perdendo a mobilidade relativamente simples da câmera que explora cantos e cômodos. Isso é bastante expressivo no segundo ato, quando acompanhamos a intensa discussão do casal.
Aliás, nacionalista do jeito que é, Godard já infere a traição de Camille ao fazê-la beber discretamente Coca-Cola, a incriminando pelo sabor americano de Jeremy. É curioso vê-lo explorar tanto linhas cinematográficas tão distintas, já que ele é um caso fortíssimo de diretor fissurado pelo poder do corte, da montagem. Aqui, Godard explora o movimento da fluidez da câmera e, pela primeira vez, o poder de enquadramentos muito bem pensados em um equilíbrio visual formidável.
Simplesmente temos um filme lindo de assistir aqui, já que Godard, mesmo obrigado, sabe usar muito bem o Cinemascope, principalmente no terceiro ato. Nele, o diretor se vale de belezas naturais da ilha de Capri, além da arquitetura excêntrica da casa de Jeremy. Aqui, há até mesmo ótimas metáforas visuais através de uma encenação simples ao enquadrar Paul na rocha, refletindo sua persistência burra e imóvel, enquanto Camille nada nua pelo cintilante mar azul, inferindo o derradeiro fim daquele casamento.
De tempos em tempos, Godard insere algumas sequências rápidas de imagens, como se fossem flashbacks, talvez para refletir a neura de Paul, porém, dentro da obra, é apenas uma distração que tira o encanto de um ótimo trabalho de direção. Entretanto, as inserções inteligentes das estátuas de deuses gregos trazem certa ambiguidade no destino final dos personagens, afinal estariam eles sendo julgados pelas divindades mortas? Há qualquer controle no destino dessas figuras infelizes? Impossível saber. Infelizmente, outro nítido exagero é o uso da trilha musical de Georges Deleure que, apesar de realizar um excelente tema, Godard insiste em inserir em diversos momentos, principalmente no segundo ato, aproximando a discussão no limite da paciência do espectador.
Teste de Paciência
Talvez O Desprezo seja tão fascinante por ser um filme vivo. Ele é irritante e exagerado, mas inteligente e encantador. Godard nos faz uma verdadeira prova de fogo para aguentar a primeira hora do filme com a já tradicional narrativa diluída, além de cenas alongadas ao máximo em discussões sem fim. Mas, quando finalmente as coisas saem do ponto-morto, é impossível ficar indiferente a essa excelente obra-prima.
É uma das melhores criações de Godard que nos traz uma dose de desprezo muito eficiente em apaixonar o espectador.
O Desprezo (Le Mépris, França, Itália – 1963)
Direção: Jean-Luc Godard
Roteiro: Jean-Luc Godard, Alberto Moravia
Elenco: Brigitte Bardot, Michel Piccoli, Jack Palance, Fritz Lang, Giorgia Moll
Gênero: Drama
Duração: 103 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=2wjDWnKTROI
Crítica | Viver a Vida - A Tragédia da Prostituição
Se Acossado é a estreia que consagra Jean-Luc Godard como um dos maiores realizadores cinematográficos da História, Viver a Vida é sua verdadeira primeira experimentação com uma narrativa mais sólida – coisa que Uma Mulher é Uma Mulher, seu segundo filme, certamente não possui.
Godard se inspira na obra de Marcel Sacotte sobre a vida das mulheres mergulhadas no submundo da prostituição. Abordando uma narrativa mais literária, dividindo o filme em doze capítulos, Godard traz a história de Nana (Anna Karina), uma jovem que aspira ser atriz de cinema, mas que, devido as condições sociais que vive, além da falta de oportunidades, acaba vendo a prostituição como a única alternativa para fugir da miséria.
Memórias do Submundo
Tanto Godard quanto Éric Rohmer exploraram o submundo parisiense em 1962. Rohmer abordaria a mendicância em sua tragicomédia O Signo do Leão enquanto Godard traz um retrato mais discreto e verborrágico sobre essa camada ignorada pela sociedade. Nana, desde o primeiro momento, é apresentada como uma mulher solitária, sem amigos, sem família e sem namorado.
Godard como de costume, trata a personagem de modo bastante frio, a afastando do espectador justo na primeira cena, na qual realiza um extenso diálogo de rompimento amoroso com os personagens virados de costas para a câmera – um conceito simples, mas muito ousado para o Cinema, afinal isso é uma jogada que vai contra o sentido clássico de encenação que havia na época.
Com essa abordagem através de capítulos distintos, apresentados através de intertítulos que até mesmo explicam o que o espectador verá, temos uma melhor noção sobre a vida da triste protagonista: pobre, desabrigada e condenada a um trabalho de remuneração nada próxima ao necessário para sobreviver em Paris.
Quanto mais se aproxima do momento fatídico da privação da intimidade de Nana, Godard realiza um segmento bastante generoso para humanizar a personagem excessivamente fria, ao mostra-la no cinema se emocionando com o clássico filme silencioso de Dreyer, A Paixão de Joana D’arc. Sem muita sutileza, o diretor procura criar um paralelo entre o sofrimento de Nana com a tristeza de D’arc, suportando pressões, injustiças e condenações de ignorantes.
Nesses segmentos, Godard novamente inventa recursos de linguagem cinematográfica para tornar a metáfora mais clara ao espectador, tornando Viver a Vida um filme silencioso com os diálogos apresentados em legendas – é surpreendente como o recurso funciona bem para esse filme em especial que poderia dispensar inteiramente o uso do som.
Não existe poesia ou entusiasmo para a cena do primeiro programa de Nana. Godard usa a brutalidade de uma encenação seca para refletir o desespero mudo da protagonista que se resigna ao seu destino infeliz. Porém, o contato com outras amigas que também acabaram no mesmo fim, leva a mulher a procurar um cafetão. Concentrando um capítulo inteiro para explicar os mecanismos internos e regras da prostituição, Godard cria uma sequência em montagem muito à frente de seu tempo, repleta de pontos de vista interessantes para ilustrar a dinâmica do esquema.
Se valendo das elipses naturais oferecidas pela estrutura de capítulos, Godard não espera quase nada para já desmontar a momentânea ilusão de Nana com seu novo ofício e também da proteção do cafetão. Em uma cena envolvendo um tiroteio de metralhadoras – na qual, brilhantemente, sincroniza os cortes dos jump cuts na montagem com o som dos tiros, Nana é abandonada à própria sorte, enfim descobrindo o quão descartável é – o discurso sobre o olhar masculino e a posse do feminino é recorrente de modo discreto.
A partir desse ponto, o encadeamento das cenas fica mais aproximado, mostrando um novo declínio psicológico de Nana que passa a ser tratada como “carne velha” no pedaço: sendo ignorada – até mesmo em uma belíssima cena de dança na qual faz de tudo para ser notada e, consequentemente, desejada (ponto mais alto da atuação de Anna Karina), ou trocada por outra prostituta por um cliente “sentimental” que a obriga a presenciar o programa.
Completamente infeliz, Nana aprende a virar um objeto, abrindo mão de seus desejos, de sua voz e de suas ideias. Ou seja, de sua vida. Para apresentar um ponto de virada eficiente, a fim de tornar a tragédia final ainda maior, temos Nana redescobrindo o sentido de viver quando conversa com um filósofo em um bar. O contraste de sua ignorância deprimida com a altivez do intelectual cria uma bela mensagem mostrando que qualquer um pode fazer filosofia, mesmo não tendo conhecimento.
Aliás, involuntariamente, Nana está sempre cercada por arte em livros, filmes e música. Essa relação despercebida mostra como Godard usa a arte como, além de encaixar referências importantes, se ela mesma tentasse salvar Nana da perdição, mostrando que há um outro lado do jogo que a garota imediatista desesperada insiste em não ver.
Além de trazer uma boa história existencialista repleta de sentimento através de seu olhar frio, Godard trata Viver a Vida com muito mais refinamento cinematográfico, se aproximando do clássico, de certo modo – algo que atingiria um belo ápice em O Desprezo. Os enquadramentos são feitos com mais cuidados, além da estabilidade muito expressiva da câmera.
Godard para com a histeria infernal de Uma Mulher é Uma Mulher e controla a montagem, optando por planos bastante longos, com alguns movimentos de travelling ou panorâmicas para oferecer maior diversidade visual ao filme. Basicamente, nunca recorre ao método clássico do plano/contraplano somente cortando a ação quando é muito necessário. Como os enquadramentos são muito excêntricos na escolha da altura da câmera, os pontos de vista que Godard traz fogem do ar teatral que poderia arruinar sua assinatura com facilidade.
Antes que ela acabe
Entre diversas referências e homenagens à arte (até mesmo ao cinema de Bergman), Godard cria uma experiência muito sólida e superior em sua carreira em franca ascensão. Viver a Vida pode ser tedioso, mas evoca uma história bastante sensível com um olhar único sobre a prostituição ao trazer essa abordagem sutil sobre o existencialismo. Porém, mais importante que a narrativa, é um exercício curioso ver as diferentes faces que Godard assume como cineasta, caminhando para uma jornada repleta de sucessos nessa década fascinante para o cinema francês.
Viver a Vida (Vivre sa vie: Film en douze tableaux, França – 1962)
Direção: Jean-Luc Godard
Roteiro: Jean-Luc Godard, Marcel Sacotte
Elenco: Anna Karina, Saddy Rebot, Monique Messine, André S. Labarthe
Gênero: Drama
Duração: 83 minutos
https://www.youtube.com/watch?v=ZAZGR5O33jw
Crítica | O Lar das Crianças Peculiares - Um filme nada peculiar
Desde Frankenweenie, Tim Burton está afastado das produções hollywoodianas de grande relevância. E não foi à toa. O diretor carismático que conquistou grande nicho de espectadores por conta de seu estilo gótico de mistura inusitada entre horror e comédia estava em uma fase cinematográfica medíocre. Tendo brilhado nos anos 1990, Burton não envelheceu bem na indústria entrando em uma má fase que persistiu em seus últimos longas como Sombras na Noite e Alice no País das Maravilhas.
Com O Lar das Crianças Peculiares, Burton tinha uma excelente chance para voltar à boa forma, estabelecendo um universo rico e de poderio visual digno dos seus anos de ouro. Infelizmente, não é o que acontece, mesmo se tratando de um bom filme.
Acompanhamos Jake, um menino comum de desejos simples. Dentre das poucas alegrias da sua vida, é cuidar de seu avô que lhe contava histórias fantásticas sobre o orfanato da sra. Peregrine para crianças peculiares. Infestado pela fantasia transmitida por seu avô e tentando descobrir as causas suspeitas de sua morte, Jake consegue partir com seu apático pai para o País de Gales a fim de encontrar o orfanato mágico repleto de pessoas extraordinárias.
Com pouco esforço, encontra rapidamente a antiga mansão. Porém, não descobre apenas as crianças das quais seu avô tanto falava, mas sim um universo totalmente novo e escondido do mundo real. O que não espera é que essa nova descoberta não apresenta apenas magia e amizades novas, mas sim perigos que nunca enfrentara antes.
O roteiro de Jane Goldman adapta o livro homônimo de Ransom Riggs, responsável pela pequena febre oriunda de sua trilogia de aventuras. Assim como em muitas aventuras de grupo, a história apresentada não foge das regras pré-estabelecidas desse tipo de narrativa. Logo, ela partilha de todas as fraquezas inerentes à escrita. É curioso notar que Goldman e Burton utilizam muitos minutos para estabelecer bem seu personagem protagonista e sua relação especial com o avô, assim, justificando satisfatoriamente qualquer motivação de Jake partir para as ilhas nubladas do Reino Unido.
Se valendo de alguns clichês típicos para definir Jake como um loser oprimido pelas relações sociais com seus pais desinteressados e amigos, é fácil nos compadecermos pela sua jornada de busca a fim de conseguir superar a morte traumática de seu avô – infelizmente, por conta de muitas elipses temporais, o luto do garoto não fica muito bem definido (única parte que Asa Butterfield deve na atuação).
É triste notar que todo o deslumbramento narrativo fica mesmo no primeiro ato do longa, muito eficiente em explicar a mitologia criada por Riggs, das regras daquele universo e apresentar todos os muitos personagens coadjuvantes que vivem no orfanato – acredite, é uma mitologia muito rica que fica bem estabelecida contando até mesmo com as motivações e passado do antagonista da trama. Jake, servindo como um pseudo “escolhido” nessa narrativa, não cria laços profundos com a grande maioria dos outros personagens e, portanto, graças a pouca interação, as crianças se tornam personagens bidimensionais, pálidos e sem desejos próprios.
Entretanto, Goldman, no primeiro contato de Jake com o orfanato, oferece diversos relances de relações mais interessantes que poderiam ocorrer ao longo do filme. Por exemplo: um triangulo amoroso entre Jake, Emma e Olive, lidando com os ciúmes melhor aprofundado do péssimo e emburrado Enoch (atuação patética de Finlay MacMillan); ou uma relação mais complexa com srta. Peregrine em sua busca incansável em descobrir tudo o que seu avô tinha vivido quando morou no orfanato; ou até mesmo uma melhor interação paterna.
Sim, são clichês, mas que certamente ajudariam a elevar e enriquecer diversos personagens não recebem o menor tratamento. Apenas são apresentados demonstrando suas habilidades que serão úteis durante o clímax problemático. Enfim, possibilidade é o que não falta aqui.
Até mesmo a relação que pauta quase toda a jornada de Jake consegue ser rasa: seu relacionamento com Emma, a menina mais leve que o ar. Assim como em outros núcleos, a roteirista novamente pincela um drama interessante que casa com o clima sóbrio da obra: Emma já fora apaixonada pelo avô de Jake, mas obviamente não ficaram juntos. Então o desafio para o desabrochar dessa paixão renderia momentos mais inteligentes.
Nem mesmo a questão da imortalidade e da rotina cronometrada recebe tratamento adequado com peso dramático mais certeiro – as crianças vivem o mesmo dia, em 1943, todos os dias graças às habilidades de Srta. Peregrine, se mantendo reclusas do mundo real e do tempo presente em 2016. Como boa parte dos coadjuvantes carece de personalidade, era possível administrar pequenos dramas para cada um. Resumindo, O Lar das Crianças Peculiares é uma narrativa de grupo muito similar à Esquadrão Suicida, embora seja bem mais interessante.
A atmosfera que Burton e Goldman inserem até o terceiro ato é sóbria, mantendo diálogos de qualidade, embora os personagens não cresçam e sejam redundantes – inclusive criam alguns mistérios. Entretanto, assim que o antagonista, Barron (interpretado por um muito divertido Samuel L. Jackson), surge, a narrativa parece deixar de se levar a sério. O vilão já tem natureza caricata, perde totalmente o ar ameaçador, reforçado pelas diversas piadas proferidas. É evidente que é um personagem legal e que traz boas reviravoltas, mas sua inserção destoa do restante da obra.
O filme não possui apenas estes problemas e fraquezas, mas também tem momentos diversos nos quais quebra as próprias regras estabelecidas naquele universo – desleixo do roteiro e da direção. As mais gritantes são o uso das fendas no fim do filme e na lógica absurda dos poderes de levitação de Emma e suas botas de chumbo – a menina chega ao cúmulo de nadar com elas. É preciso muita suspensão de descrença. Na verdade, é preciso que você não participe de modo algum da narrativa, já que este é o longa mais previsível de 2016. Tome nota disto, é possível sacar tudo o que acontecerá com pouquíssimo esforço de dedução e lógica.
Na direção, temos um Tim Burton bastante cansado. Não digo que o diretor não estava envolvido com o filme, pois nitidamente não é o caso, mas digamos que ele esteja mais comportado e menos afetado - até suas sequências-homenagem ao expressionismo alemão estão mais discretas. Sua câmera está mais clássica do que nunca, se movimentando com bastante sutileza e elegância.
Burton sempre soube valorizar o trabalho criativo dos seus departamentos de arte e de fotografia e aqui não é diferente, embora seja um filme menos expansivo ou espalhafatoso nesse sentido. Por trabalhar com uma temática menos fantasiosa nos cenários, Burton utiliza enquadramentos que buscam mais a figura do ator do que o restante dos elementos de cena.
A partir do momento que passamos a conhecer mais sobre o vilão Barron, Burton cria coisas mais autorais e, consequentemente, os enquadramentos param de ser tão automáticos e se tornam mais interessantes visualmente. A encenação também condiz com o humor negro característico do diretor largando as formalidades do primeiro e segundo ato.
Porém, esses breves momentos nos quais vemos Burton voltar aos seus maneirismos – há um momento nostálgico onde o diretor brinca com stop motion – dão origem à maior nêmese deste longa: o seu clímax. O desfecho não beira o péssimo por muito pouco, mas o diretor tenta fazer de tudo para desgostarmos do ápice da obra. As cenas de ação são muito mal trabalhadas, as lutas e suas reviravoltas são telegrafadas em excesso e as piadas recorrentes removem o senso de perigo. Para piorar, há o encaixe da música mais anticlimática possível para acompanhar o primeiro segmento do clímax: uma música trance deslocada – apesar de ter justificativa diegética.
Também é interessante apontar como Burton não consegue escapar de seus vícios de carreira. Aqui, nitidamente Eva Green (boa performance) substitui a ex-mulher do diretor, Helena Bonham-Carter. O casting inteiro tem as peculiaridades que ele busca: a menina de olhos muito amendoados e doces (substituindo Mia Wasikowska), o garoto esquálido quase anêmico, uma garota magérrima de olhares obtusos. Fora isso, a trilha musical de Higham e Margeson tenta emular as melodias de Danny Elfman, mas acabam completamente sem sucesso preenchendo o filme com músicas pálidas.
Talvez seja uma tristeza ainda maior ver que o diretor desperdiça diversas oportunidades de tornar boas sequências em algo realmente memorável. Isso vale para quando srta. Peregrine reinicia o dia dentro de sua fenda, na emersão de um antigo navio naufragado ou durante uma festa com esqueletos. Eventos como esses, filmados de modo único, teriam deixado esse longa com a apresentação "peculiar" que tanto precisava.
Para um filme que tenta ser tão peculiar e único em suas maneiras, O Lar das Crianças Peculiares só consegue ser uma versão pseudo gótica dos X-Men presos em uma narrativa previsível de Feitiço do Tempo. Mesmo com tudo o que descrevi no texto, de seus diversos problemas e qualidades, verdade seja dita, o filme é bastante divertido e te despertará vasto interesse nessa mitologia inusitada de Ransom Riggs e suas crianças peculiares. Para um divertimento fugaz e sem grandes pretensões, com absoluta certeza este é um filme que merece ser assistido.