Crítica | Kung Fu Panda 2
Touchée Pixar”. Esta deve ter sido a frase proclamada pelos animadores e produtores da Dreamworks SKG após o lançamento de “Shrek”. A primeira carta do triunfo havia sido lançada e a Pixar sabia que aquilo era apenas o início de seu pior pesadelo. Em 2001, Mike, Sully e Boo não conseguiram impedir que o Oscar acabasse nas mãos de Shrek, Fiona e Burro. Assim, a interminável lista de prêmios de animação da Pixar foi abalada pela primeira vez. E novamente, neste ano, a Dreamworks tem a maior chance de ganhar o Oscar de Animação de 2011 com “Kung Fu Panda 2”. A série de fatores não poderia ser melhor. Daqui onze dias, a franquia mais fraca da Pixar retorna – “Carros 2”. Além disto, o pingüim mais chato do mundo marca sua volta também neste ano em “Happy Feet 2” e “Rio” não tem poderio narrativo para desbancar o panda simpático de seu merecido prêmio.
Antes de Po tornar-se o Dragão Guerreiro e antes da formação dos Cinco Furiosos, a cidade de Gongmen era governada por um casal de pavões. Eles eram adorados pela população pela invenção dos fogos de artifício. Entretanto, o filho deles não iria seguir um caminho tão luminoso e bonito como os brilhantes fogos que haviam criado. Shen aprimorou a pirotecnia de seus pais e criou a mortal e explosiva pólvora, além disto, fez uma máquina capaz de destruir tudo em seu caminho. Agora, a liberdade da China e a arte do kung-fu é ameaçada. Entretanto, Shen não esperava que um panda gorducho e seus cinco amigos furiosos estão a sua procura para deter seus planos maléficos. No meio de sua jornada, Po também descobrirá muitas verdades sobre sua história.
Emocionante, simples e sombria
Os roteiristas Jonathan Aibel e Glenn Berger do filme original regressam para escrever a divertida história do novo filme. Eles seguem a linha narrativa adotada por muitos roteiristas que escrevem a continuação de sua criação. Geralmente o primeiro filme conta com menos ação, mas sim com a apresentação e o desenvolvimento de seus personagens. Já, nesse, acontece o inverso. Muita ação, aprofundamento no protagonista, no coadjuvante e no novo antagonista e introdução de novos personagens. O melhor exemplo disto é a franquia “Transformers” – em uma tarde chuvosa experimente assistir os dois e confira o resultado pecaminoso.
Felizmente, os roteiristas do filme conseguiram escapar de um desastre pela narrativa bem simples, mas muito cativante. Extremamente agitado com inúmeras cenas de ação que empolgam o espectador, mas conta também com desenvolvimentos satisfatórios em alguns personagens. Po é o mais desenvolvido durante o filme. Com seu arco narrativo, os roteiristas elaboram o famoso “golpe da lágrima” – é preciso ter um coração de pedra para não se emocionar com a trágica origem do panda ou com a fantástica relação com seu pai adotivo, Mr. Ping.
Além disto, a sugestão que lançam aos espectadores é bem significativa. Eles abordam de maneira muito sucinta a atual extinção dos pandas e sobre a adoção, geralmente vista como um ato assustador por muita gente. O roteiro também tem oportunidades de amadurecer a essência do protagonista, mas na hora H utiliza uma piada pastelão devolvendo o ar de palhaço imaturo para Po o que é bem desapontador para o espectador ávido por atitudes inéditas, não renovadas. Fora isso, o corpo narrativo é bem semelhante ao do filme anterior em que o objetivo de Po era ser aceito na sociedade, despertar o espírito do Dragão Guerreiro e deter Tai Lung. Já neste filme, ele tem a missão de descobrir suas origens, encontrar a almejada Paz Interior e derrotar Shen. Mas não deixe se enganar pela estrutura reciclada da narrativa. Apesar disto, conta com momentos completamente únicos e originais.
Muito da originalidade do filme vem dos novos personagens. Lorde Shen é o antagonista mais despreparado que já vi. O pavão é histérico, inseguro, desesperado e covarde vivendo a beira de um ataque de nervos dos quais muitos são causados pelo hilário Chefe dos Lobos, aliado do vilão. A outra adição bem-vinda é a da cabra cigana Falamacia – personagem vital para a evolução da narrativa de Po e Shen. Até o breve Mestre Rhino consegue elevar o ânimo do público em seus poucos minutos.
Enquanto Po é plenamente desenvolvido, os seus side-kicks são completamente esquecidos pelo roteiro. Eles estão envolvidos na história para ajudar o protagonista e servir de alívio cômico. Com exceção de Tigresa, os outros quatro furiosos – Garça, Macaco, Louva-a-Deus e Víbora, são apenas alegóricos. O teor cômico do filme é extremamente elevado – é impossível sair da sessão sem dar umas boas risadas. Carregadas de ironia e elementos-surpresa, as piadas são inteligentes e muito bem manjadas principalmente por lembrar que o filme é na verdade uma fábula. Ou seja, os protagonistas são animais falantes e, com isso, o roteiro aproveita para criar piadas a respeito da natureza dos bichos.
Algumas características do filme anterior retornam para a sequencia sendo a principal delas a conservação dos habitantes do Vale da Paz. É uma piada muito discreta que poucos perceberão, mas os coelhos, patos e porcos que dão vida a cidade – são pratos típicos da culinária chinesa – novamente a ironia se faz presente. A ambientação histórica também é muito interessante enriquecendo a trama. A pólvora foi criada na China durante a dinastia Han (206 a.C. a 220 d.C.). Ele também aproveita para citar sutilmente o Yin-Yang.
Apesar das muitas qualidades, o roteiro conta com elementos extremamente clichês. O maior exemplo disto é a história da origem de Po. Além dos clichês, conta com a previsibilidade assustadora de seu clímax – apenas com oito minutos de projeção já sabia como ia terminar o filme. Isso acaba desmoronando completamente o charme e entretenimento do ato final. Existe uma falha tremenda no meio da projeção que chega a assustar. Lá pelas tantas, Garça visivelmente quebra sua asa e pede ajuda para os amigos. Logo na cena seguinte ele já está voando em pleno esplendor. É por essas razões e o descaso com os demais personagens que o filme peca e decai sua notável qualidade.
Alegorias da voz
Se existe uma coisa mais difícil de analisar em um filme, além da fotografia, certamente é o trabalho de vozes dos atores em animações. Como a dublagem é muito natural, é praticamente impossível aguçar a audição o suficiente para juntar informações e escreve-las no parágrafo. Por isso estou distraindo você, caro leitor, com esta simples introdução a análise das vozes que imortalizam os personagens. Já aviso que a assisti a versão legendada então os comentários dirigem-se a mesma.
Jack Black volta a dublar Po e consegue achar espaço para surpreender e ensurdecer o espectador. A maioria de sua dublagem resume-se a gritar como um louco e emanar várias onomatopeias sendo a mais famosa o quote do filme “Skatoosh!”. Ele é extremamente caricato deformando diversas vezes sua voz para inserir uma dramaticidade ou comicidade a cena. Entretanto, o mais notável de seu trabalho é a energia que consegue transmitir a plateia que se diverte a todo instante com o audível exagero do ator.
Angelina Jolie continua a apostar na fala truculenta, ameaçadora e serena de Tigresa. Infelizmente, Dustin Hoffman, Seth Rogen, o ótimo David Cross, Lucy Liu, Jackie Chan, Jean-Claude Van Damme e Michelle Yeoh não contam com muito tempo em cena para desenvolver algo inédito, sendo que a participação destes atores é confinada a apenas seletas frases.
Quem definitivamente rouba a cena é Gary Oldman dublando Lorde Shen. Ele sim teve uma notável preocupação em criar um sotaque original para o personagem trabalhado. Algumas vezes, altera a elocução da fala do personagem puxando para um tom indescritível. O ator sabe trabalhar e regular muito bem a dicção ameaçadora e carregada do personagem para transformá-la num piscar de olhos em uma voz esganiçada, estridente e desesperada que diverte o espectador. De praxe, cria uma risada maligna completamente única.
Outra surpresa agradável no elenco milionário do filme é o modesto James Hong que empresta sua voz ao pai adotivo de Po. O trabalho de sua voz é um dos mais elaborados conseguindo emocionar o espectador pela transmissão muito competente do amor que o personagem sente pelo filho. Destaque também para Danny McBride em sua dublagem como Chefe dos Lobos.
Novos contrastes
A fotografia cria novos parâmetros ao se arriscar em contrastes inéditos. A paleta de cores escolhidas pelos animadores é variada, mas é perceptível o predomínio do amarelo e do vermelho. A iluminação morna satura o amarelo quando a trama focaliza Po e os Cinco a fim de tornar o ambiente mais seguro e amistoso. O amarelo também é usado inteligentemente durante o belo flashback de Mr. Ping concebendo um ar retrô a cena. Porém, todo jogo de iluminação é alterado assim que Shen aparece. No mesmo instante, os céus ficam em tom vermelho vivo contrastando com a branca e pálida penugem do pavão denotando uma dimensão de maldade e frieza abrangente para o antagonista. Além disto, o filme conta com segmentos onde a iluminação torna-se sombria. Ele conta com diveros segmentos noturnos exteriores e mesmo com os óculos 3D o espectador consegue desfrutar as belíssimas cenas. Isto acontece graças ao truque de iluminação mais manjado do cinema – a famosa “luz da lua”, só que neste caso usada em uma animação. Durante estas cenas os animadores enchem o céu de nuvens a fim de deixar a iluminação mais translúcida e suave. Novamente outro contraste é criado. Enquanto um lado da composição da imagem é iluminada pela cor cinza esverdeada que furam as nuvens, o outro reflete a luz avermelhada que escapa das janelas da torre de Shen.
Os artistas gostam de inserir fontes que iluminam indiretamente o cenário. Isto é fácil de observar durante as cenas da prisão, na subida de lance de escadas e no covil de Mestre Shifu. Graças a interessante escolha, os desenhistas tiveram a oportunidade de brincar com sombras, além dessas terem um cuidado especial na animação. O mais fascinante da modelagem da luz e sombra do filme, não é a incidência desta nos corpos dos personagens, mas sim nos cenários. A iluminação dos cenários é estonteante. Cada um recebe sombreamentos diferenciados dependendo da angulação da câmera.
Diferenças? Nunca mais!
Se o departamento de animação gráfica da DreamWorks tinha que provar que tinha potencial tecnológico para equiparar-se com a Pixar, definitivamente aconteceu neste filme. Cada filme da DreamWorks tem um ponto alto na animação. Em “Como Treinar Seu Dragão” existia o cuidado detalhado nos olhos, nas escamas dos dragões e principalmente da física da água e do fogo, mas desapontava assustadoramente no polimento porco conferido aos personagens figurantes que preenchiam cada cenário. Já em “Megamente” o cuidado era voltado à reação dos tecidos com o cenário e seus elementos, mas novamente a animação derrapava na recriação dos olhos inexpressivos dos personagens. Entretanto, a tecnologia deu um salto gigantesco e o mais beneficiado com isto é o novo “Kung Fu Panda”.
Absolutamente tudo é detalhado ao extremo, desde pêlos, olhos, tecidos e o visual arrebatador de cada cenário. A recriação da geografia chinesa medieval é de cair o queixo graças à grandeza das florestas, planícies, morros, cadeias montanhosas e, até mesmo, a concepção artística das cidades que os protagonistas visitam. Entretanto, o departamento de arte realmente impressiona no visual da torre de Lorde Shen. Absolutamente impecável, conta com a clássica e belíssima arquitetura chinesa. Lá ocorre uma das melhores cenas de ação que lembra ligeiramente um segmento muito parecido do novo “Transformers 3”.
A composição física dos cenários também é fantástica. Com o mínimo de esforço, o espectador perceberá que todos cenários contam com uma atmosfera única. Geralmente, os animadores inserem elementos naturais como a neblina, o vento, o pó, riachos, mares – a física da água é significativa durante o clímax, repare. Entre vários outros a fim de assemelhar o desenho com o mundo real. A direção artística é apenas a base do filme. A animação é o aspecto mais surpreendente e inacreditável. O movimento dos personagens nunca fora tão fluido e natural como neste caso dando um dinamismo fantástico as agitadas cenas de ação. As expressões faciais também são uma surpresa pela variedade de caretas encaixadas nas faces dos bichos, principalmente na de Po.
Quando o espectador pensa que não existe mais nenhuma surpresa no filme, finalmente Lorde Shen entra em cena. A caracterização proporcionada pela arte da produção é marcante principalmente pela cauda do pavão, hipnótica de tamanha beleza. As expressões do antagonista também são minuciosamente definidas retratando cada emoção vivida pelo personagem. Até mesmo o visual original das balas que a arma de Shen dispara são belos. A mistura perfeita das cores vibrantes dos fogos de artifícios dá vida aos disparos.
O núcleo criativo do filme também não se limitou apenas a desenhar em computação gráfica. Durante o longa, o espectador encontrará três estilos de desenho animado. O primeiro é baseado no traço das antigas gravuras encontradas em papiros e vasos chineses descobertos em sítios arqueológicos. A animação também muda de forma durante as epifanias de Po baseando-se no traço do mangá – marcante pelo tamanho desproporcional dos olhos. O terceiro estilo é a animação computadorizada.
Sonho de consumo
Pasmem, amantes de trilhas sonoras. A dupla fantástica de compositores, Hans Zimmer e John Powell, retornam para o delírio de seus ouvidos. Zimmer e Powell tem uma história de grandes conquistas musicais juntos da DreamWorks. Zimmer trabalhou na mediana trilha de “Madagascar” enquanto Powell conduziu a imensurável música levemente nórdica de “Como Treinar seu Dragão”.
Neste filme retornam com outra explosão de criatividade. Totalmente inspirados na música chinesa/oriental, compõem uma trilha fenomenal que mistura o melhor de dois mundos. A flauta, instrumento amplamente utilizado em trilhas de filmes sobre kung fu, está presente em praticamente todas composições. Zimmer e Powell constroem faixas misturando diversos instrumentos de forma im0ecável!
Flautas, corais, harpas, sininhos, tambores, trombones, violinos auxiliam os compositores a criar uma trilha inspirada. As músicas conseguem elevar o animo dos espectadores e adicionar um dinamismo frenético para as cenas de ação. Além de compor temas super agitados, criam faixas carregadas por um ar melancólico e triste que intensificam o “golpe da lágrima” citado na parte do roteiro. Se os temas não são tristes ou agitados, são belos pela simplicidade dos arranjos e pela sentimentalidade que possui.
Tiro arriscado, mas certeiro
Mark Osborne e John Stevenson foram substituídos na direção pela estreante Jennifer Yuh. O antigo cargo da mulher era o de diretora do departamento de arte – certamente uma bela promoção. A cineasta marca pontos positivos em sua estreia. Ela abandonou os diálogos – marca registrada da direção anterior, e apostou com todas as fichas a riqueza e a quantidade de cenas de ação.
A coreografia das batalhas é bem original, porém extremamente caras para o orçamento do filme. A diretora aproveita o gênero do filme – em que tudo é possível, para movimentar as câmeras de maneira alucinante durante as lutas. Por tratar-se de uma animação extremamente cinética e inserção do efeito 3D estereoscópico ajudou a dinamizá-la ainda mais. Este é um dos únicos filmes que eu garanto que a experiência 3D é necessária para o melhor aproveitamento da diversão que o filme tem a oferecer. Além disto, a cineasta encaixa slow motions que são piadas por si só.
Yuh não tem medo de brincar com a linguagem cinematográfica. Diversas vezes a diretora cria piadas visuais com simples movimentos de câmera e edições oportunistas inteligentes. Até mesmo a escolha de planos lança referências diretas a elementos da cultura pop. Ela também deu o toque feminino que faltava para a franquia. Existe um toque muito humano na condução da origem de Po que dificilmente se encontraria em uma direção masculina. Outro toque muito interessante de sua direção acontece bem no início do filme durante a primeira batalha. Yuh sincroniza a luta com a música interagindo com elementos do próprio cenário. Ou seja, a cena de ação indiretamente cria a música que a acompanha. Vale lembrar que as escolhas dos diferentes tipos de animação que compõe o filme também foram ideias da diretora.
Duas vezes inacreditável
O retorno de “Kung Fu Panda” para as telonas é uma ótima dica para divertir as crianças. A simplicidade de sua narrativa conversa com o público que quer atingir e confesso que sou um fã dedicado de animações, pois elas fizeram parte de minha vida e sempre farão. Os adultos também deveriam dar uma chance a Po e seus colegas porque o divertimento é garantido e a experiência 3D é recompensadora. Em uma sociedade em que a infância está sendo extinta aos poucos graças ao processo de “adolescentização” pelo espelhamento de ídolos teen, totalmente desprovidos de talento e simplicidade, que atinge nossas crianças, o filme se consagra por resgatar a essência da infância – a diversão sem nenhum compromisso e preocupações acompanhadas pelo processo de aprendizagem simples, mas extremamente significativo e construtivo.
Crítica | O Mágico
Quando eu era criança, era fascinado por mágica. Achava incrível ver pombas, lenços, moedas, todo tipo de parafernália sair voando das mangas do artista ou quando utilizava truques de ilusão para levitar ou cortar a assistente pelo meio. O problema é que eu fui crescendo e me desinteressando por mágica. Porém, eu não fui o único a abandonar a cartola do ilusionista, mas, sim, muita gente e este acontecimento é retratado neste brilhante filme de Sylvain Chomet.
Tatischeff, um grande mágico, está com sua carreira indo por água abaixo. Com cada vez menos pessoas se interessando por seu trabalho fica cada vez mais difícil viver, ou melhor, sobreviver. E assim começa sua jornada por diversos países na Europa para tentar fixar-se em um emprego, mas ocorre algo inesperado no meio de suas tantas viagens. Uma jovem, Alice, encantada pelo dom do homem, decide acompanhá-lo em suas viagens. Entretanto, a menina que devolve a alegria e a inspiração ao ilusionista é a mesma que consome seus ganhos.
Evidenciando a triste verdade
O roteiro escrito por Jacques Tati adaptado por Sylvain Chomet é crítico ao extremo e revela para o mundo desacordado e despercebido que artistas de cabaré e circo pertencem ao passado. O seu retrato principal é mostrar e desenvolver a relação do velho mágico com Alice. Enquanto o ilusionista lida com suas dificuldades emocionais e financeiras – precisa procurar emprego a todo instante –, Alice pede coisas sem parar e cuida dos outros artistas hospedados no hotel. O secundário já é mais importante que o primeiro porque mostra como todos artistas antigos e talentosos são trocados por bandinhas passageiras idolatradas pelas adolescentes escandalosas e, mostra como cada um se vira para continuar vivendo na maneira que pode.
A maior característica do roteiro são suas poucas falas, ou seja, os personagens não falam quase nada a maioria do filme, uma coisa pouco comum nos dias de hoje onde a falação desenfreada predomina na maioria dos roteiros. O mais impressionante são seus personagens que mesmo mudos possuem um carisma raro de se ver nos filmes hollywoodianos. Todos eles encantam e emocionam o espectador. Nenhum chega a ser maçante ou muito deprimentes graças a forma caricata (influência de Toulouse-Lautrec, provavelmente, um pintor que retratava o circo em cartazes imensos para ganhar a vida, provavelmente, por causa do seu nanismo) e bem humorada, especialmente o escocês, que são retratados. Os diálogos quando existentes resumem-se a frases pequenas, grunhidos ou falas ininteligíveis.
Além de ser crítico, ele é triste e impactante assim como a realidade. Os artistas estão em depressão e buscam empregos constrangedores ou que nada tem a ver com seus talentos ou até mesmo acabar na mendicância onde acabam sendo humilhados pela população. Cada personagem tem seu conflito com sua respectiva complexidade, até mesmo o coelhinho de Tatischeff ou o boneco do ventríloquo possuem um drama interessante.
Voltando as origens
Ao contrário de muitas animações por aí, “O Mágico” é um filme feito à moda antiga, ou seja, inteiramente animado e produzido a mão sem animação gráfica, hoje mais conhecido como animação em 2D.
Esteticamente, o filme é o mais bonito que vi neste ano, os cenários (que são pinturas lindas cheias de detalhes) acompanham as localidades que o mágico visita – Paris, Londres, um vilarejo na Suécia e, por fim, Edimburgo. Cada cidade tem um jogo de cor diferente, obviamente Paris, a cidade das luzes, é a mais iluminada e que possui cores mais vibrantes. O vilarejo acompanha a fase de tristeza do protagonista. Então, subitamente, as cores puxam para um tom mais cinzento e azulado para contrastar com a incessante chuva da Suécia. Já Edimburgo é mais amarronzada e bege casando com a fase um pouco mais tranquila da vida do ilusionista.
A animação do filme é um dos aspectos mais interessantes da composição. Cada personagem possui uma movimentação própria, por exemplo, Tatischeff anda com passos pesados e com o punho sempre fechado evidenciando o continuo desconforto e preocupação no momento que vive, fora as mágicas que ele executa, cada uma mais trabalhada que a outra. O palhaço anda com passos bêbados, por motivos óbvios. Os trigêmeos asiáticos movimentam-se com mais complexidade sempre com seus passos de trapezistas.
A maneira de como o filme é feito também é muito intrigante. Na maioria das vezes a câmera é fixa, mostrando apenas um plano aberto do cenário onde os personagens animados interagem no espaço. Ela foge de close-ups e dificilmente movimenta a câmera. Muito de vez em quando, ela faz um movimento panorâmico e a animação fica modelada em 3D realizando um plano muito belo.
Encantando aos poucos
A música é emocionante. Ela é composta por acordes agudos e notas fininhas que tentam tirar lágrimas de seus olhos. Na minha sessão, umas quatro pessoas choraram, então realmente a música é bem impactante. Ela também sempre casa com a cena sem exageros – músicas muito carregadas com drama podem ferir o projeto e tornar a imagem uma novela mexicana.
Como o filme não é falado, ele é cheio de sons. Eles criam uma atmosfera única para cada cenário e ajudam a elevar a dramaticidade da cena em muitos casos. Todos os sons que você imaginar, irá encontrar neste filme, bom pelo menos a maioria.
Bem-vindo à magnífica experiência da verdadeira mise-en-scène
O renomado diretor francês Sylvian Chomet, também roteirista e compositor do filme é conhecido pela sua direção no brilhante “Bicicletas de Belleville”. “O Mágico” tem um estilo de animação muito parecida com a do seu projeto anterior, mas com um design de personagens muito menos bizarro e medonho como os de “Belleville”. Claro que todos ainda são retratados de maneira bem caricata.
Mesmo com a animação sendo em 2D, ele mostra todo o seu poderio e maestria em execuções muito complexas, como quando várias penas de ganso voam no cenário. Ele também utiliza a iluminação a seu favor, bastante relevante nas cenas de seu filme, como quando Tatischeff e Alice dormem em Edimburgo onde existe um neon que pisca incessantemente. Fora a iluminação, usa as sombras para criar efeitos assustadores de tão raros. Por exemplo, no fim do filme, há uma cena onde não existem personagens. Apenas as sombras dos móveis movendo-se conforme a luz do luar, certamente uma das passagens mais bonitas do filme.
Chomet provou ter toda a sensibilidade e talento em direção cinematográfica neste filme. Afinal, tratou um tema bem triste de forma questionadora e crítica a respeito de como a sociedade trata os profissionais que já foram famosos no passado, mas esquecidos no futuro.
A última visita ao mágico
Esta animação é mais voltado para adultos, nem tente levar crianças para vê-lo, pois pode tornar-se uma experiência cansativa para elas. Ele é maravilhoso e, certamente, você irá perder a oportunidade de assistir uma bela história animada em meio de pinturas dignas de museu. Todavia há um porém – este filme fará você enxergar que os mágicos estão tão extintos quanto os dinossauros e você vai se sentir um pouco triste com isso.
O Mágico (L’illusionniste – França, Reino Unido, 2010)
Direção: Sylvain Chomet
Roteiro: Sylvain Chomet
Elenco: Jean-Claude Donda, Eilidh Rankin, Duncan McNiel, Raymond Mearns, James T. Muir, Tom Urie, Paul Bandey,
Duração: 80 minutos.
Crítica | O Turista (2010)
Os filmes baseiam-se em gêneros e temas. Alguns prevalecem e continuam fazendo sucesso nas bilheterias. Outros simplesmente morrem e nunca mais voltam. Um exemplo disto são os filmes noir que marcaram época nos anos 50 e muito raramente aparecem nos cinemas atualmente. Já o antigo thriller de espionagem é um molde ultrapassado de Hollywood e monopolizado pela franquia de James Bond, todavia alguns ainda persistem em aparecer e geralmente levam a pior.
Frank Tupelo é apenas um simples turista viajando a Veneza, mas tudo isto mudo quando conhece Elise Ward, uma fugitiva procurada pelo governo. Elise se aproxima de Frank com apenas um objetivo: tentar fazer os policiais acreditarem que ele é o seu companheiro, Alexander Pearce, um criminoso fiscal. O problema é que Elise não contava que acabaria se apaixonando pelo turista e, agora, Frank realmente corre risco de morrer graças a armadilha dela e também por um mafioso com pinta de russo nada contente com Pearce.
Roteiro de turista
O roteiro raso de Chistopher McQuarrie e de Florian Donnersmarck tem um problema de crise de identidade – começa como thriller de suspense e termina como comédia. Não reclamo dele terminar em comédia porque foi exatamente isso que salvou o filme.
Seu enredo não é surpreendente e conta com diversas passagens previsíveis, até mesmo seu clímax não deixa o espectador de boca aberta com sua resolução simplória. Também faz analogias quanto aos seus personagens nem um pouco carismáticos igualmente clichês comparando-os com personagens de livros de espionagem. Seus diálogos não empolgam e muitas vezes deixam o espectador quase dormindo. Em algumas horas, consegue ser original e envolver o público na trama graças a sensualidade de poucas conversas. Como sempre o antagonista da história é o vilão gangster cercado por russos super caricatos, também existem os policiais ineficientes e fanáticos pelo trabalho.
Existem furos no meio da história e personagens que desaparecem do nada e, de vez em quando, reaparecem para salvar a noite. Mesmo sendo chato e fraco,o filme tem seus acertos. A maior parte deles provém das idiotices que Frank faz no meio das perseguições, do cigarro LED, por trocar o italiano pelo espanhol diversas vezes e pela visão dos italianos a respeito dos turistas especialmente americanos (real, eu diria, pois vivenciei isso lá).
Sr. e Sra. Depp
Em toda a história da carreira destes dois, eles nunca tiveram a oportunidade de trabalhar juntos. Então, era esperado que o resultado fosse surpreendente e explodisse sua alma com tamanha qualidade, certo? Errado! Depp e Jolie não possuem química nenhuma entre seus personagens, sendo que o enredo se baseia no amor “proibido” deles. Não existe carisma em seus personagens assim como em suas atuações. Depp está se livrando aos poucos da maldição de Jack Sparrow que o persegue desde 2003, mas mesmo assim atuou no modo automático, simplesmente não fez esforço nenhum para inovar em nada. Jolie herdou os sorrisos e biquinhos de Salt e desfilou para as câmeras invejando várias figurantes no baile “Disney” que ocorre no fim do longa. Sua atuação resume em apenas ser sensual ao extremo, uma coisa realmente muito difícil para a mulher, não é? Ela nem tentou criar um sotaque inglês para sua personagem britânica.
O destaque fica por conta de Timothy Dalton, mesmo com seus poucos minutos em cena deixa o filme mais agradável e relembra seus anos incríveis como 007, onde tinha permissão para matar. Paul Bettany também está muito bem em seu papel de policial neurótico e garante o divertimento para o público com um belo timing entre seus chiliques e tiradas cômicas. Steven Berkoff faz um papel fácil e apostou na caricatura exacerbada do vilão.
Um tour a Veneza
O ponto mais alto do filme é a direção de arte e a bela fotografia. Nos interiores, tudo é filmado para mostrar o luxo e o glamour dos cenários que Depp e Jolie “atuam”. A fotografia aproveita o melhor da beleza de Veneza e de Paris a cada plano apresentado. Os planos abertos são os melhores, fora a grande beleza da paisagem, a câmera movimenta-se inteligentemente resultando em uma imagem única e original. Existem tomadas bem elaboradas, como o plano que Depp aparece andando no meio do negrume das pombas com seu smoking branco em plena Piazza San Marco.
O figurino também é relevante, as roupas que os atores usam são extremamente bonitas, principalmente as de Jolie que as tornam ainda mais bela do que já é. Ela também usa jóias estonteantes que as câmeras exibem com tanto orgulho em seus closes repetitivos.
A trilha que saiu pela culatra
As músicas são inspiradas e bem conduzidas – algumas até contam com uma batida eletrônica. Porém, quase nunca casam com as cenas, resultando em um efeito bem indigesto. Várias vezes, Jolie aparece desfilando calmamente com toda sua graça com uma música a la “Missão Impossível”. Outra cena que causa um estranhamento é a que se passa na varanda do hotel onde subitamente começa uma música digna de contos de fada.
O alemão alugado por Hollywood
Florian Henckel von Donnersmarck começou no cinema com o incrível “A Vida dos Outros” super elogiado pela crítica e premiado com o BAFTA e o Oscar, mas ao contrário de sua obra anterior, “O Turista” parece ser seu projeto escolar.
Ele praticamente obrigou as câmeras a filmarem Jolie 90% do filme, aparecendo mais do que a própria Veneza. Também não soube dirigir as poucas sequências de ação – a da lancha escapando a 10 km/h dos capangas russos vesgos é uma prova disso. Não desinchou o ego dos seus atores principais, talvez até por ter uma tara secreta por Angelina.
Como era a primeira vez que Depp e Jolie trabalhariam juntos, o resultado poderia ter sido bem melhor. E o pior de tudo: a edição catastrófica que este filme possui. Muitos dos diálogos são chatos graças a edição lenta e pouco precisa. Fora isso ainda insere slow motions completamente desnecessários em algumas cenas.
Mesmo sendo um filme de férias e descontraído, Donnersmarck poderia ter se esforçado mais. Agora eu penso que piada de mau gosto terá sido esta edição do Globo de Ouro deste ano, onde esta “obra de arte” recebeu três indicações.
Um postal seria uma idéia melhor
“O Turista” é o típico caso de filme pipoca despretensioso. Se você ainda quiser assisti-lo, recomendo que vá sem expectativa alguma de ver algo surpreendente. Apenas esqueça seu cérebro em casa e siga até o cinema, pronto para aceitar todas as soluções básicas do roteiro, os personagens insossos de Jolie e Depp e as perseguições maçantes. Você terá se divertido, ficado deslumbrado pela beleza visual da fotografia única de John Seale e se sentido como um turista em Veneza, afinal se o filme fez alguma coisa bem feita foi a bela propaganda turística da cidade flutuante.
Crítica | O Discurso do Rei
Todos sabem quem comandava e governava a Alemanha na 2ª Guerra Mundial. Muitos conhecem também que era o presidente “atômico” Roosevelt que estava na sala oval durante a guerra. E claro, o aliado de Hitler, Mussolini, infestava a Itália com seu ódio incabível. Além deles, Stalin mandava seus soldados para a morte certa. Mas se olharmos para trás, durante nossas aulas de História, quem estava segurando a onda na Inglaterra? Alguns podem até saber quem era, mas muitos desconhecem a personalidade que foi o Rei George VI, o rei gago.
A II Grande Guerra está prestes a explodir na Europa. O rei George V está doente e caminhando para a morte. Futuramente o herdeiro do trono, o breve Rei Eduardo VIII abdica e deixa o comando para seu irmão mais novo, Albert Frederick Arthur George, ou Bertie, para os mais íntimos. Bertie sofre de gagueira constante que não permite sua fala em público, exatamente no momento em que o povo mais precisa de uma voz em tempos de crise. Para evitar futuras tragédias, Elizabeth, sua esposa, procura um especialista em problemas de voz fora dos padrões, Lionel Logue, que promete curar a curiosa gagueira do rei temperamental.
Gago na medida certa
O roteiro escrito por David Seidler parece ser centralizado no tratamento da gagueira de Bertie. Mas, na verdade, o foco narrativo se concentra totalmente na amizade de Lionel e Bertie. E é justamente o desenvolvimento conturbado, cheio de brigas e desabafos, que encanta o espectador ao longo do filme.
Uma coisa que o roteirista gosta de relevar é a apresentação de seus personagens. Repare que Bertie é apresentado como uma figura constrangida, incapaz, tímida e nervosa, enquanto seu irmão, Edward, entra em cena aterrissando um avião com muita confiança, um personagem digno de ser rei. E por fim, o “humano” da história – Lionel, que aparece, assim, saindo do banheiro para receber Elizabeth.
A experiência adquirida pela gagueira que Seidler sofria, permitiu que o roteiro se aproximasse de uma maneira realista, mostrando as causas cruéis que a causam e suas diferentes intensidades dependendo do meio. Explicando melhor, no ambiente familiar é quase ausente, em lugar público, é constante e intensa.
David prefere assumir o tratamento pela comicidade dos métodos de Lionel, um menos ortodoxo e caricato que o outro, mas, que, realmente existem. Eu já fui gago quando criança e fui tratado em apenas uma sessão na base do terror psicológico.
Como todo bom inglês, Seidler soube paparicar a família real. Ele expõe as relações desequilibradas da família real de forma muito sucinta, mas sempre imunizando Bertie da frieza retratada pelo Rei George V, sua mãe Maria de Teck e seu irmão assumindo os postos de antagonistas. Quando tenta explicar as causas da abdicação do trono por parte de Edward, faz sem enfatiza-las passando quase despercebida para os olhos menos atentos. Entretanto, retrata como a corte adora “entreter” o Rei – a única crítica do filme para com a Realeza até então. Ao contrário do ambiente cruel da família real, as famílias de Bertie e de Lionel convivem com muita harmonia sempre transparecendo união e solidariedade.
Seidler também consegue uma proeza surpreendente em seu roteiro conseguindo transformar um personagem completamente desinteressante e apático em um protagonista único, peculiar e encantador. Alias, praticamente todos os personagens são carismáticos o suficiente para despertar a atenção do espectador, principalmente o trio principal da obra.
Fora os personagens espetaculares, os diálogos são igualmente importantes, ricos em detalhes e memoráveis. Eles tendem a puxar para a comédia na maioria das vezes, com os debates entre Logue e Bertie – os melhores do filme. Mas quando o drama aparece, consegue criar um impacto profundo chegando a emocionar o espectador. Por exemplo, a cena que Lionel vira um psicólogo para Bertie. Também é importante citar que muitos dos diálogos entre o especialista em problemas da voz e o Rei foram tirados diretamente do diário de anotações do Lionel Logue real.
Do you know any jokes?
No primeiro diálogo que Colin Firth se encontra com Geoffrey Rush existe uma frase extremamente irônica. Firth diz que timing não é o forte dele: “Timing isn´t my strong suite”, quando na verdade seu timing é perfeito e preciso. Ele arrancou toda experiência que ganhou trabalhando em peças de teatro, utilizando, várias vezes, expressões corporais. Sua atuação é lotada de detalhes que surgem a cada cena deixando-a mais forte. Por exemplo, seus olhares e expressões contidas de terror e desespero evidenciam o enorme conflito interno que o personagem passa – é bem evidente isso na primeira cena do filme. Sua postura durante a maior parte do filme é um pouco curvada que lentamente vai se corrigindo conforme a autoconfiança do Rei começa a aumentar. E claro, o maior destaque de sua atuação – a gagueira, esta vem de forma tão natural e espontânea para ele, que é difícil acreditar que realmente esteja atuando. Ele soube ilustrar muito bem as exigências do roteiro no controle da gagueira e nos compulsivos sons guturais com uma dicção perfeita carregada de sotaque, provando o trabalho intenso que teve para exercitar a voz.
Geoffrey Rush é outro espetáculo a parte também utilizando diversas vezes técnicas tiradas do teatro. Ele diverte o público com seu personagem extrovertido, cheio de caretas e respostas elaboradas nos diálogos com Firth. Na verdade, os dois atuam em uma relação de mutualismo (entenda-se aqui a diferença entre o rei e o plebeu). Um depende do outro para brilhar tanto que as melhores partes do filme são as que eles contracenam juntos – uma verdadeira aula de teatro clássico. Helena Boham Carter voltou a ser humana deixando de interpretar os seres fantásticos de seu marido Tim Burton. Ela atua de maneira bem contida e elegante coerente com seu papel, além de conseguir aproximar sua personagem do público graças ao carisma proporcionado a sua personagem.
Timothy Spall interpreta um Churchill caricato cheio de caras e com uma voz cavernosa – muitos críticos disseram que seu personagem se assemelhou muito com a personalidade histórica. Guy Pearce interpreta Edward, criando um personagem arrogante e insosso assim como o verdadeiro. De vez em quando, arrisca o carisma e surpreende, principalmente na cena que se passa em Balmoral Castle onde solta a sua melhor frase: “Po-po-po positively medieval”. Derek Bishop também entrega uma atuação acima do normal encarnando o Arcebispo Cosmo Lang.
Um passeio fotográfico
A fotografia de Danny Cohen é pálida, fria e bucólica. E transforma sua iluminação de sombria para clara de acordo com o progresso do tratamento de Bertie e da amizade com Lionel. Também gosta de inserir elementos como a névoa a fim de deixa-la com um ar fantasmagórico e de depressão assim como Bertie no início do filme e do período pré-guerra.
Trabalha várias vezes com espaços apertados como corredores e quartos pequenos principalmente na casa do protagonista conseguindo passar a impressão sufocante da gagueira incômoda do personagem. Com esse efeito, consegue contrastar a identidade única do filme com vários outros que abordam essa temática da “família real inglesa” onde tudo é dourado, esplêndido, exagerado e enorme, tão grande quanto o ego inflado dos reis caricatos.
Fora isso, enfatiza a profundidade em seus planos inserindo alguma fonte luminosa no fundo da imagem criando uma perspectiva muito interessante e densa. O melhor exemplo de profundidade e perspectiva que posso dar é a caminha de Logue e Bertie no parque. Mesmo que essa cena não utilize o principio da fonte de luz que apontei anteriormente, usa a nevoa a seu favor trabalhando os diferentes níveis de nitidez das silhuetas dos figurantes espalhados pelo cenário.
Talvez o maior mérito da direção de arte tenha sido encontrar as maravilhosas locações em que o filme foi rodado. Ao contrário do que muitos pensam o consultório do Dr. Logue não é um cenário criado especialmente para o filme, mas sim uma locação já utilizada pela Amy Whinehouse. Foi bem decepcionante ter descoberto isso. Todavia, eles realizam um trabalho impecável na composição dos cenários, ou seja, nos objetos que os atores interagem durante o longa, principalmente as réplicas dos microfones.
Um cenário que impressiona muito pela riqueza de detalhes e fidelidade histórica é o das ilhas de transmissão de rádio – esse sim foi trabalho da direção de arte. O figurino também é muito bem feito, mas a roupa da coroação do Rei George VI é simplesmente de cair o queixo de tamanha beleza.
A música que dá voz ao Rei
Alexandre Desplat já é familiarizado com a nobreza. Ele compôs a excelente trilha de “A Rainha” e repete a fórmula do sucesso neste filme. Suas composições ilustram a gagueira do Rei de maneira bem discreta, mas sempre carregadas de sentimento.
Repare que em boa parte das músicas existe uma repetição de notas e escalas contextualizando com a monotonia e repetição das sílabas e de sons que saem da boca do Rei. Algumas até contam com uma longa pausa completamente sem som, apenas com um violino constante e cruel a fim de deixar a cena mais angustiante como a que se passa no Estádio de Wembley e também retratar o problema de comunicação que o Rei sofre.
Muitas vezes, a música de Desplat ganha um reforço com a ajuda de Beethoven e de Mozart. Isto dá uma profundidade dramática e histórica inigualável ao filme porque um compositor é alemão – a nação que estava em guerra com o mundo era a Alemanha e Mozart é austríaco – Hitler também era austríaco. Isto consegue gerar uma ótima discussão sobre a proposta surpreendente da escolha das músicas destes compositores serem inseridas em um filme inglês sobre este período. É exatamente por este motivo que a cena do discurso do Rei é genial onde o 2º Mov. da 7ª Sinfonia de Beethoven casa com o ritmo da fala menos vacilante do Rei dando arrepios a quem assiste.
Os efeitos sonoros também são um show a parte, apesar de marcarem presença raramente. Eles são muito perceptíveis logo na primeira cena do filme onde a voz de Bertie é ecoada no estádio graças às caixas de som e os microfones precários da época.
Reapresentando o teatro clássico ao cinema
Tom Hooper surpreendeu o mundo quando levou o Oscar de melhor diretor do ano. Nem mesmo eu esperava que ele levasse. Sua direção realmente é muito boa e chama a atenção em diversos detalhes. O mais notável é a sua escolha de enquadrar os personagens no canto da imagem, conferindo um ar original a sua película.
Outra coisa é sua maneira de filmar muitas cenas com planos abertos para mostrar toda a atuação teatral de seus atores, até mesmo a movimentação fantástica de Geoffrey Rush pelo cenário denotando sua linguagem corporal. Ele também gosta muito de enfatizar os gestos e expressões de seus atores, como os closes na boca de Firth. Além disso, consegue transformar o microfone no maior vilão da história com closes exagerados sempre colocando-o entre o Rei e a platéia, deixando claro que o microfone também é uma das causas do nervosismo de Bertie. Algumas vezes, sua edição consegue ser criativa e inteligente, por exemplo, a cena do inicio do tratamento de Bertie quando a câmera aproxima a imagem no sofá e depois a distancia novamente, mudando o exercício de locução que os dois praticavam.
O maior mérito de Hooper foi ter conseguido criar um filme que agrada ao mesmo tempo os mais críticos quanto ao público casual.
Finalizando o discurso
“O Discurso do Rei” é um filme que ensina teatro clássico aos espectadores. Tenha isso em mente quando for assisti-lo, não vá esperando coisas revolucionárias ou pirotecnias hollywoodianas. Ele é feito nos moldes clássicos do cinema, o que não é uma coisa ruim no meio tantas idiotices sem qualidade e despretensiosas que bombardeiam o cérebro do espectador todos os anos. Eu o recomendo para todos que quiserem ter um bom divertimento no cinema, àqueles que estiverem curiosos a respeito do vencedor do Oscar de Melhor Filme de 2010 e também aos que realmente querem absorver toda a história e cultura que ele tem a oferecer. E, claro, a todos que quiserem descobrir o porquê de Colin Firth ter ser tornado o dono de tantos prêmios como melhor ator. E que saiam como eu saí – certos que, através da amizade, todas as dificuldades podem ser vencidas.
Crítica | As Viagens de Gulliver (2010)
Em 1726, Jonathan Swift, um grande escritor irlandês, escreveu e lançou “As Viagens de Gulliver” um livro absolutamente rico em detalhes e com uma ótima história. Mas, acima de tudo, um livro altamente crítico a respeito da sociedade humana e sua prepotência. Várias adaptações nos cinemas foram lançadas, porém nenhuma conseguiu ter grande prestígio tanto na crítica quanto no público. Agora, em 2011, a imortal história de Swift é relembrada por Hollywood enquanto deveria tê-la esquecido.
Lemuel Gulliver é um homem comum na cidade de Nova York. Trabalha no jornal New York Empire como o “cara da correspondência” e tem uma queda pela editora da seção “Viagens” do jornal. Após uma oportunidade relâmpago, Gulliver se vê preso em uma situação – deve escrever um artigo de viagens para a editora. Visto que ele não consegue escrever um parágrafo sequer, acha uma solução simples: “ctrl+c e ctrl-v”. Depois de copiar um texto da internet, sua editora acha o trabalho incrível e manda que ele faça uma matéria nas Bermudas. Chegando lá, aluga um barco e segue viagem até o famoso “Triangulo das Bermudas” e, após uma sessão de paranormalidade aquática, chega ao reino minúsculo de Lilliput, onde é feito prisioneiro por causa de seu tamanho assustador comparado aos pequeninos habitantes de lá.
Adaptando o inadaptável
O roteiro de Joe Stillman e Nicholas Scoller tem poucos méritos e muitos exageros, alguns até desnecessários. Por exemplo, se quiser construir uma mansão com selo de aprovação Tony Stark em menos sete dias é só chamar seres liliputianos que eles farão para você, o melhor, de graça. O seu maior problema é a falta de identidade. Ele consiste em sua maioria de paródias a filmes clássicos de ficção, a publicidade de várias coisas e até de músicas. Dificilmente este filme será lembrado como “aquele que Jack Black é um gigante”, mas como “o filme que parodiam outros a cada cinco minutos”. Ele consegue ser engraçado graças a essas paródias visto que os personagens que residem em Lilliput sofrem de uma falta de carisma contagiosa. Fora os diálogos que os habitantes de lá proferem, um mais maçante que o outro, ou marcados pela característica da “vergonha alheia”.
O personagem protagonista já é ultrapassado. O melhor exemplo são seus conflitos que já foram explorados diversas vezes. Gulliver é um cara sem autoconfiança/estima, sem ambições, ama uma mulher inalcançável, covarde, um total fracassado e que de uma hora para outra vira protetor de uma nação que o adora e o estima como rei. A causa que o roteiro busca para explicar como Black caiu no reino é fantasiosa, insatisfatória e muito simples – Triangulo das Bermudas.
De vez em quando, o roteiro consegue ser original e tira proveito do incomodo tamanho de Black no mundo pequenino, sendo a melhor delas a cena do pebolim e do segundo confronto entre os reinos.
O coadjuvante disse tudo
Em uma cena, Black e seu ajudante da correspondência têm um diálogo que autodescreve Gulliver. Mas, se analisar melhor, o personagem de T.J. Miller descreveu o próprio Jack Black.
Black realmente é um ator que já chegou no seu limite de atuação, sendo as melhores em “Escola de Rock” e “Teenacious D”. Ele continua a apostar em suas caras de dor de barriga. Antes isto tinha graça, mas agora o publico já viu tanto do mesmo que enjoou. Porém, com um elenco sem vontade de dar o melhor de si, Black se destaca e carrega o filme nas costas novamente. Emily Blunt desistiu de ser a Viúva Negra em “Homem de Ferro 2” para viver um personagem apêndice completamente sem relevância no enredo do filme, a não ser servir de par amoroso de Jason Segel. Este até se esforça para conseguir divertir o público, mas durante toda sua atuação parece um tanto perdido no set. Amanda Peet, Billy Connolly e Chris O’Dowd também dão as caras, sendo que este último recebeu o pior papel do filme – o personagem chato pseudo vilão.
Pequenos nas câmeras, grandes nas telas
As seções de direção de arte, fotografia e efeitos visuais tinham uma tarefa bem difícil para ser realizada: inserir um gigante em um mundo minúsculo sem tornar o efeito artificial com um orçamento mediano. Infelizmente, eles não conseguiram. Várias cenas realmente ficam bonitas, sendo a melhor delas a abertura original do filme feita com uma maquete de dar inveja a estudantes do fundamental. Mas, a maioria, ficou com um ar muito artificial. Os melhores exemplos disto são as cenas que o cenário feito em miniatura aparece em 1º Plano e Black em 2º. É visível que atrás de Black existe a famosa chroma key para inserir o cenário na cena ou quando Black interage fisicamente com algum outro personagem pequenino. Para solucionar este “pequeno” problema, os produtores resolveram filmar o longa no formato 3D estereoscópico, que ajuda a mascarar, razoavelmente, os efeitos incompetentes.
Graças a complexidade da filmagem e montagem do filme, as atuações acabaram limitadas e consequentemente prejudicaram o filme. A fotografia é bem despretensiosa, não é trabalho de nenhum gênio. Só uma vale destaque – a cena ridícula de Black vs. Robô onde ela assume descaradamente um modelo bem desgastado já visto em “Power Rangers” em todas suas temporadas. Além disso, tem uma mania duvidosa de fechar closes nos olhos dos personagens, estes quando acordam depois da viagem para Lilliput.
A famosa “encheção de linguiça”
A música do filme é inexpressiva em sua maioria, sempre melodramática para casar com as cenas. Por exemplo: uma cena em que Gulliver está triste, a música subitamente fica mais arrastada e lenta; quando Gulliver está feliz e satisfeito, torna-se alegre cheia de composições saltitantes. Para sair do comum, Black faz uma participação especial cantando a música “War”. Se na versão legendada o resultado é medonho e bizarro, nem quero imaginar nas versões dubladas. Somente, a trilha licenciada consegue salvar algumas partes do filme apostando em músicas de bandas que muita gente gosta como “Kiss” e “Guns n’ Roses”.
Favorito dos gigantes
O diretor Rob Letterman é conhecido principalmente pelo filme “Monstros VS. Alienígenas” que obteve críticas razoáveis e uma recepção calorosa nas bilheterias. Ele dirigiu melhor seu filme anterior do que esse.
Não conseguiu criar uma relação entre os atores que conseguisse superar a barreira imposta pelos efeitos visuais – muitas vezes Black deveria estar atuando com um grão de feijão do que com seus colegas.
Ponto positivo para sua direção só acontece em tirar mérito de suas sacadas – estas vistas nas propagandas publicitárias em Lilliput e nas sátiras dos inúmeros elementos pop presentes no filme.
As viagens nem sempre são agradáveis
O filme diverte com seus exageros e suas paródias. Serviu apenas para preencher a agenda de lançamentos da Twentieth Century Fox e matar a sede de besteiróis americanos do público. Os problemas técnicos são visíveis, Black já vez este papel em algum outro filme com as mesmas caras e talvez você saia satisfeito ou não.
Certamente, o maior prejudicado não foi o espectador, mas sim Jonathan Swift que escreveu sua obra com tanta genialidade e recebe mais outro filme com uma releitura vergonhosa e o pior de tudo, nem mesmo lembrado pelos créditos.
Crítica | Além da Vida
O que acontece depois que morremos? Todos já devem ter feito esta pergunta alguma vez na vida e certamente ficaram abalados com o mistério da ausente resposta. O cinema nunca tratou com muita profundidade esse tema. Existem alguns protótipos nacionais como “Chico Xavier”, “Nosso Lar” e “Bezerra de Menezes”, mas todos baseiam-se na religiosidade espírita.
Já no exterior, existiram alguns filmes que abordaram o tema de maneira inteligente como o vencedor de 2 prêmios Oscar “Ghost – Do Outro Lado da Vida” ou, até mesmo em comédias românticas, como “E Se Fosse Verdade”. E finalmente então Clint Eastwood apresenta para o mundo a sua visão a respeito da morte com “Além da Vida”.
Marie Lelay é uma francesa que sobreviveu ao monstruoso tsunami de 2004 na Indonésia, mas esta sobrevivência lhe deixou seqüelas profundas e algumas visões graças a uma experiência de “quase morte” resultante de uma pancada na cabeça. Enquanto isso, um vidente genuíno tenta esquecer sua vida profissional de antigamente e procura uma maneira de viver como uma pessoa normal ignorando seu dom. E, em Londres, um menino que perdeu seu ente mais querido é afastado de sua mãe e faz de tudo para conseguir contatar o espírito do falecido e se recompor da situação em que sua vida se encontra.
Tentativa e erro
O roteiro assinado por Peter Morgan é cheio de altos e baixos. Ele não é centrado em apenas um protagonista, no caso temos três – Marie, Marcus e George, isso já eleva sua complexidade e torna mais difícil, o desenvolvimento dos três personagens.
O desenvolvimento de duas das três histórias não é arrastado e mantém um ritmo agradável – uma narrativa intercala no meio de outra e assim por diante. Já a história que trata Marie como protagonista é chata demais e muito maçante, principalmente pela falta de carisma de sua personagem. Ele brilha em suas horas de mostrar como existem vários psíquicos de araque de maneira cômica. Brilha também no seu início, graças a bela sequência de ação, o desenvolvimento do drama de George e Marcus, a explicação convincente da origem da vidência de George e a relação do médium com seu irmão picareta.
Geralmente roteiros que não são centrados em um único protagonista tem a característica da “coincidência” onde todos os personagens relevantes do enredo se encontram e mudam o destino final de cada narrativa. O evento “coincidência” da história não é muito bom. A relação de Marcus com George chega até a ser poética, graças a profundidade que emociona o espectador. Mas quando George encontra Marie, a abordagem é simplória e a história da francesa não empolga desde o início do longa. Não espere encontrar uma relação entre personagens como em “Babel” onde a rede e a conexão entre cada um é dez vezes mais complexa e muito melhor elaborada.
Para não deixar o espectador dormir no meio da película, graças a total falta de ação, ele é recheado de sustos, principalmente quando George faz um contato com o outro mundo.
Mortos, mas nem tanto
O ator que mais se esforça no longa é Matt Damon e, felizmente, ele entrega um resultado muito bom, principalmente por seu carisma e sua ótima química com Bryce Dallas Howard que tem seu momento no meio do filme. Já a atriz Cécile De France casa bem com sua personagem monótona: sua atuação é completamente sem graça. Os gêmeos Frankie e George McLaren roubam a cena toda vez que aparecem na tela, possuem uma simplicidade e comoção difícil de encontrar nas “crianças” de Hollywood de hoje em dia. Steve Schirripa também trabalha muito bem com seu personagem “Chef”, ele consegue distrair o público nos momentos de descontração do roteiro.
Indicado ao Oscar
Os efeitos visuais do filme têm grande participação na abertura com o tsunami. O trabalho é realmente incrível, o movimento da água destruindo todos os edifícios, é estarrecedor. É interessante citar a complexidade de realizar um efeito deste – repare que na imagem tudo está sendo arrastado pela água desde o horizonte até a varanda do hotel, ou seja, todos os elementos do cenário estão sendo destruídos ao mesmo tempo, exatamente como o lastimável, mas bem digitalizado “2012”. O resultando desta única sequencia de apenas seis minutos é a indicação do Oscar de melhores efeitos visuais. Também realizaram um efeito interessante nas rápidas passagens no outro mundo sem criar uma atmosfera brega.
Dicromática
A direção de arte optou por deixar somente duas cores em quase todos os cenários: azul e branca. O branco varia de significado conforme os cenários mudam: no hospital de doenças terminais representa o vazio da morte; outras vezes representa a serenidade, a palidez, a frieza, o mistério, etc. O azul geralmente é misturado com o branco através de faixas e geralmente usado para reforçar visualmente a sobrenaturalidade do tema. O figurino também ajuda com cores mortas, por exemplo, cinza e marrom para contrastar e destacar os personagens nos cenários.
A iluminação também é significativa no caso, sempre durante as sessões de contato de George, ela trabalha com as penumbras dos personagens contrastando com o mistério e a misticidade da cena.
Eastwood trabalha com a câmera rígida durante o filme, não arrisca muitos movimentos, a não ser a rotação apaixonada em 360º e outro movimento inteligente que não irei citar para não estragar a surpresa. Apenas uma dica: ela se passa em Londres e acontece no início do filme.
A edição do filme resolve o problema da câmera imóvel e deixa a cena fluir – afinal assistir a uma cena com apenas um ponto de vista é genial ou desnecessário, depende do diretor. Também existem grandes planos gerais ou GPGs mostrando as belas paisagens do interior da França, de Paris e de Londres.
Duas faixas
Predominam duas músicas durante as cenas do filme, ambas de composições simples, mas carregadas de sentimento. A primeira é um solo de piano que é repetida diversas vezes com poucas variações. Ela é feita de acordes pesados e profundos com o objetivo arrancar lágrimas dos olhos do espectador. A outra é um arpejo inspirado de violão que repete demasiadas vezes com o mesmo objetivo.
Por uns dólares a mais
Clint Eastwood, o eterno “Dirty Harry”, parece ter ganhado seu momento de reflexão. Afinal ele está envelhecendo, viveu ao extremo nos seus anos dourados e a morte é um fato certo de nossas vidas. O interessante foi que em sua direção, ele não abordou a morte como a vilã destruidora de vidas, mas sim como algo que conforta, descrevendo o bordão que muitos conhecem “passou desta para melhor”.
Sua direção sempre foi crua e realista: quando algum personagem leva um tiro nas costas e fica paraplégico, ele continua paraplégico até o fim do longa. Não existe realidade de James Cameron em seus filmes porque o mundo não é fantasia. Para os que não conhecem sua maneira de dirigir, o filme pode acabar até sendo impressionante e cruel pela frieza retratada, mas sempre com uma sensibilidade e sutileza inacreditáveis.
Fiquei intrigado pela falta de pulso de Eastwood a respeito de Cécile De France. É um descuido muito grande para um diretor de tamanha genialidade! Inacreditável deixar uma atriz manchar a reputação de seu filme que foi feito com intuito de ser a obra de sua vida. Ele também tem um talento natural de descobrir novas promessas para o cinema, no caso os gêmeos McLaren.
Somente em outra vida?
O filme tem seus deslizes, principalmente quando Cécile protagoniza e tira a empolgação restante do público e o clímax despercebido. O tema é bom e o filme relaxa o espectador, mesmo com a abertura frenética. Não é a melhor obra de Eastwood, mas também não é a pior, simplesmente faltou algo a mais, porém muito recomendado para os que procuram um bom filme de drama no cinema. Mas Eastwood é Eastwood. Conferir é obrigação!
Crítica | Incontrolável
Mais uma vez outra história extremista chega as telas dos cinemas, no ano passado tivemos “Demônio” e “Enterrado Vivo” ambos com situações de arrancar os cabelos de tão desagradáveis. Agora o primeiro filme “missão impossível” do ano chega, só que desta vez baseado em fatos “reais” ocorridos há uma década.
Em um dia normal de trabalho na rede ferroviária da Pensilvânia um maquinista incompetente transforma o dia em um verdadeiro pesadelo. Por um “pequeno” descuido do maquinista e a ajuda de um fantasma camarada o trem #777 está desgovernado com chances de descarrilar na cidade de Stanton carregado com galões de combustível e produtos químicos que podem explodir a qualquer hora pondo milhares de vidas em risco. No outro lado da linha férrea o trem #1206 está indo direto ao encontro do #777 podendo causar uma colisão frontal perigosa. Agora cabe ao maquinista Frank e o condutor Will parar o trem descontrolado antes que custe suas vidas e de várias pessoas.
Descontroladamente superficial
O roteiro maçante de Mark Bomback tenta elevar o suspense falho do filme, afinal todo mundo sabe que o maldito trem vai parar, mas mesmo assim cria umas passagens ridículas como a do trem cheio de criançinhas que também vai dar de encontro com o Triple 7 – o único trem vermelho da ferrovia, típico exemplo de personificação do mal. Ele resolve todos os conflitos que cria com uma única válvula de escape: o desvio dos trilhos. Sempre quando alguma coisa vai explodir com outra, BAM! Um desvio aparece e salva o dia novamente, claro que existem algumas coisas que o trem vai atropelar no meio do caminho para elevar o entusiasmo do público. Fora isso ele tenta abordar algumas questões interessantes sobre os velhos que são despedidos para contratar novos trabalhadores porque são mais baratos, porém ele faz isso de maneira rasa e deixa a mensagem passar sem relevância. Também existem alguns dramas familiares igualmente chatos e desinteressantes, fora a justificativa da briguinha de casal de Will que beira o ridículo.
Ele também tem a mania de descrever o que se passa na tela a quase todo instante, duvidando da inteligência do publico. Ele a realiza inserindo os noticiários com a repórter mais irritante do mundo que sempre está comentando o óbvio: “Agora a companhia tenta resolver o problema do trem descontrolado…; A situação realmente é muito apavorante…”. Fora isso os planos para resolver o problema do trem são dignas de prêmios da estupidez do ano, mas claro que Denzel já arquitetou o melhor plano do filme e o mais óbvio também. Além disso, conta com as sempre presentes frases de efeito: “We’re gonna run this bitch down!”
Dever de casa
As atuações seguem o trio principal da trama: Denzel Washington, Tiberius Quirk, mais conhecido como Chris Pine e Rosario Dawson. Denzel Washington está salvando o mundo novamente, afinal ele é o melhor ator do filme e parece reprisar um papel que já explorou em “O Sequestro do Metrô 123”. Destaque para a seqüência “Homem – Aranha” do filme porque ver o dublê de Denzel saltar de vagão a vagão em um trem na velocidade de 90 km/h é impagável. Chris Pine se esforça para humanizar seu personagem com problemas amorosos, mas não chega nem perto. Rosario Dawson tem uma personagem chata e sem carisma, sempre fazendo uma cara de preocupação de que a comida queimou. Kevin Dunn também dá as caras no filme sem grandes destaques.
Movimentando as câmeras
A fotografia do filme se apóia numa repetição sem fim de planos e movimentos de câmera irritantes. Ela explorou todos os ângulos possíveis para filmar o trem desgovernado, porém a repetição mal dosada dos ângulos torna o filme uma coisa inalterável sempre mostrando uma coisa que já vimos há dois minutos antes. Existem três movimentos de câmera que sobressaem os níveis da racionalidade de tantas vezes que são usados. O primeiro é um plano frontal com o Triple 7 onde a câmera levanta e o filma passando por baixo dela. A segunda é a rotação em 360º que sempre acontece na central da ferrovia. A terceira e favorita do diretor Tony Scott é a aproximação da imagem em um zoom acelerado, esta última repete demasiadas vezes além de dar um efeito irritante que chega a incomodar os olhos do espectador.
Além disso, existem vários erros seqüenciais que qualquer leigo pode perceber sem fazer esforço. Uma hora o Triple 7 aparece com menos vagões que a cena anterior e depois os vagões retornam, outro erro a parte frontal do trem está destroçada e logo depois ela aparece toda brilhante e perfeita como se não tivesse destruído trocentas carretas no meio do caminho, de vez em quando o trem desacelera no meio da cena e logo depois está a todo vapor novamente. Porém o erro mais visível acontece quando dois helicópteros são usados para filmar o clímax, um helicóptero é o do noticiário e o outro é o da equipe de filmagem do longa, as imagens que ambos helicópteros filmam são utilizadas e de tempos em tempos o helicóptero do noticiário aparece de um lado do trem e depois aparece de outro fora que este é super irritante nas cenas que se passam na cabine onde ele sempre aparece na janela poluindo a imagem e o som graças ao barulho infernal das hélices.
Singular
A música do filme tende a repetir da mesma forma que os movimentos de câmera. Geralmente se escuta uma música igual e impulsiva o filme todo com raras exceções uma delas boa e outra ruim. A boa é o tema que conta com umas distorções proporcionadas pela guitarra, a ruim é a música que possui um ritmo irregular parecendo com aquelas que tocam em passeios sem graça nos brinquedos de trens fantasma. A música que certamente serviria para o filme seria o clássico “Crazy Train” de Ozzy Osbourne.
Eu já não vi isso antes?
Tony Scott não está em uma fase muito ousada ou está com uma tara por máquinas pesadas, compridas e de ferro maciço nos últimos tempos. Há alguns anos atrás ele dirigiu “O Sequestro do Metrô 123” com Washington e Travolta nas atuações e “Incontrolável” parece muito com sua obra passada, até mesmo nos cenários. Se for comparar repare que a central da empresa da ferrovia é o cenário reciclado do centro de controle dos metrôs onde Denzel dialogava com Travolta por um comunicador igualzinho ao que aparece no longa, até mesmo a frase: “Para falar apenas pressione o botão” é proferida nos dois filmes. Fora isso, parece que a maldição da previsibilidade cai em quase todos roteiros que seus filmes se baseiam. É chato dizer isso, mas Tony, não foi desta vez. Se ele ao menos tivesse editado o filme de forma variada, tirado a repetição sem fim dos ângulos desgastados que utiliza e sabido dosar o exagero do clímax (o trem faz uma manobra de skate de dedo no fim do longa) talvez o filme tivesse um resultado diferente.
Devo descarrilar meu carro até o cinema?
O filme diverte no meio de seus tantos exageros, mas é repetitivo e maçante em muitas cenas. Somente se você estiver super interessado em saber o final “surpreendente” do filme ou saber o que vai encarar na Sessão da Tarde daqui dois anos, mas fique ciente de uma coisa: desta vez não tem John Travolta para salvar o filme.
Crítica | Bruna Surfistinha
Lá estava eu, torto na poltrona do cinema esperando a sessão de algum filme começar. O habitual passava na tela, as publicidades ridículas do desodorante Axe, de bancos, adoçantes, margarinas, H2OHHHH, etc. Finalmente, os trailers começam a surgir na tela e, para meu espanto e sofrimento, me deparo com a prévia desta obra da sétima arte. A frase que saiu de minha boca foi “Por que, meu Senhor?!”. E havia jurado pela minha alma que não conferiria o filme sobre a ilustre prostituta “Bruna”. Mas esqueci do famoso provérbio do amigo “Justen” – “Never say never” e, com um pouco de curiosidade, acabei largando meu preconceito e fui conferir. E, pasmem, o filme não é tão ruim quanto eu pensava.
Raquel Pacheco é uma adolescente de 17 anos adotada por uma família de classe média alta. Cansada das provocações na escola e do meio-irmão, resolve fugir de casa e virar prostituta (?!). Após perder a inocência e começar a fazer sucesso no “privê”, Bruna cria um blog que atrai um status de fama mundial para a moça, atingindo o ápice de sua carreira.
De estudante a prostituta
Conhecem o ditado “duas cabeças pensam melhor do que uma”? Pois bem, o roteiro do filme foi escrito por três e não consegue surpreender ninguém – a menos que seja uma pessoa bem desinformada. Escrito por Antônia Pellegrino, Homero Olivetto e José Carvalho, o roteiro adapta, de forma interessante, o livro-diário da garota de programa. Entretanto, as alterações no meio da narrativa tornam Bruna mais uma vítima do que alguém doente, com sérios problemas psicológicos.
O maior absurdo é a fuga da menina sem a menor justificativa coerente – briga de irmãos e colegas imbecis, certamente não convencem uma pessoa a abandonar os pais e sair de casa para virar puta, quando a solução seria o psicólogo mais próximo. Ele também não dá ênfase no problema da cleptomania que a garota sofre. Em seu inicio, o roteiro parece ser trabalho de amador cheio de diálogos monótonos e alguns, ironicamente, dignos de filme pornô. Mas, felizmente, ele amadurece com o tempo entregando uma narrativa digna da atenção do espectador. E segue a seguinte fórmula: transformação da garota em prostituta, exploração do cotidiano das prostitutas e ascensão da carreira/blog, de prostituta a drogada e declínio da personagem/trabalho, com cada um dos arcos bem desenvolvidos, menos o já citado primeiro ato. Também ignora completamente a passagem da prostituta nos filmes pornôs. O mais decepcionante deste filme é que ele não conta com um clímax, além da infeliz escolha de inserir uma narração em off ,broxante.
“Tropa de Elite” influenciou muito os roteiristas nacionais a criarem bordões toscos do que manter um ritmo constante na narrativa sem perder o foco. Aqui temos vários, por exemplo, “seu projeto de piriguete!”; “feto de puta!” e “cadê a cinderela cocota?!” entre inúmeros outros. Como citei no inicio do paragrafo, o filme sofre, sim, com uma perda de ritmo inacreditável durante o terceiro ato onde Bruna está completamente tomada pelo vício, deixando o espectador ávido para que o filme termine de uma vez, graças ao melodrama exacerbado. Ele ainda tem o problema de inserir e retirar personagens do nada, nunca fechando satisfatoriamente o destino de cada um, exceto o da protagonista. Entretanto, ganha seu mérito por ser ousado em retratar uma profissão marcada pelo preconceito mesmo que ainda faça um tanto superficialmente.
Saindo da novela
Depois de tantos fiascos em interpretações, Deborah Secco retorna, talvez em sua melhor forma, encarnando Bruna Surfistinha. Sua atuação não é um trabalho dos deuses, mas também não chega nem perto àquelas coisas medonhas que fazia. Existe um trabalho de caracterização impressionante em sua personagem – enquanto menina era tímida, curvada, feia e mal vestida. Quando sua personagem se torna prostituta, Deborah corrige sua postura, adquire um ar sensual e sedutor e fica bem mais bonita do que era.
Secco não tem vergonha de mostrar diversas vezes um nu frontal, lateral, traseiro, etc. Ela também consegue desenvolver sua personagem assombrosamente em sua atuação, mudando de garota educada para prostituta descabida e ríspida em um timing muito bom. Mas nem tudo é um mar de rosas. O terceiro ato da fita é realmente ruim tanto no roteiro quanto na atuação. Secco interpretou sua Bruna drogada de uma forma muito caricata causando certa estranheza ao espectador. Ela também não trabalha muito com expressões faciais complexas, mas compensa com seus olhares perdidos e melancólicos. Fora que quando ela contracena com atores mais jovens fica perceptível a diferença de idade. A iluminação sempre tenta deixar Deborah com uma cara mais jovem, mas existe um plano que ela falha assustadoramente, envelhecendo a mulher – aquele que ela desce as escadas no “privê”.
Quem definitivamente rouba a cena é a sempre ótima Drica Moraes incorporando toda a cretinice da cafetina de uma só vez de uma maneira caricata, que encaixou perfeitamente em seu contexto. Outro que merece atenção é Cássio Gabus Mendes interpretando um dos personagens mais interessantes do filme, Huldson. Se não fosse seu carisma e esforço, o personagem teria passado batido sem abranger a devida importância conferida pela narrativa. Fabiula Nascimento também impressiona no meio de seus tantos barracos revelando uma comicidade interessante.
Inaugurando a Associação Brasileira de Cinematografia (ABC)
A fotografia assinada por Marcelo Corpanni tenta fugir de todas as maneiras do antigo padrão “novela” e, felizmente, consegue, ao contrário de “De Pernas pro Ar”. O trabalho com a iluminação é complexo para o nível nacional, sempre assumindo um tom bem sombrio contextualizando com os cenários porcos recriados pela direção de arte. Durante o primeiro ato da fita, ele balança a câmera compulsoriamente criando um incomodo visual pela ineficácia do efeito – não é uma coisa bem feita como em “Corra, Lola, Corra”. Ele tentou contextualizar o momento de instabilidade que a protagonista vive no momento, sendo que durante os outros atos a câmera volta a ficar estável para o bem de seus olhos.
Se um dia você, meu leitor, quiser tornar-se um cinegrafista consagrado basta criar uma coisa: a iluminação de casas noturnas. A fotografia se transforma completamente durante a cena da balada que Bruna visita, explorando vários planos interessantes com uma iluminação realmente bem feita. Corpanni também gosta de trabalhar com desfoques algumas vezes, mas esse efeito ficou completamente fora de lugar no filme além de que o plano em que aparece ser longo por demasiado.
De surfista não tem nada
A música de Tejo Damasceno e André Lucarelli composta especialmente para o filme não surpreende na maioria das vezes. Quase todas contam com uma distorção irritante, ficando ainda mais intensa no terceiro ato – e pior, elas não tem um aspecto jovem como o filme. Fora isso, o espaçamento entre uma música e outra é irregular – algumas vezes, elas demoram a voltar a aparecer, enquanto no fim do filme existe quase dez minutos de uma música atrás da outra sem interrupção, deixando transparecer a pressa em termina-lo na pós-produção. Fora isso, terminam com um tranco muito perceptível. Por exemplo, a música continua a tocar durante a cena, mas na hora do diálogo ela simplesmente desaparece sem, ao menos, um fade out para mascarar.
A única composição realmente boa e prazerosa de ouvir é a “They Don’t Make Mistakes” com uma batida eletrônica bem produzida. A trilha licenciada consegue salvar algumas partes do filme apostando em “Time of the Season” dos Zombies, banda popular nos anos 60. Outra prova da ineficiência da edição das musicas é a repetição desta durante o filme caindo no velho tabu da novela.
Exagerando no pôster
Marcus Baldini exibe orgulhosamente seu nome no cartaz do filme, mas para quê colocar letras do tamanho de um bonde sendo que sua direção é pouco criativa e muitas vezes, ausente?
Baldini repete o movimento da câmera durante as cenas de sexo – deslizando a câmera na horizontal, quase nunca mudando o plano enjoante. Além disso, também nas cenas de sexo, adora trabalhar com uma contra-luz em Secco que se faz presente a maioria do filme. Ele não é ousado em como filmar essas cenas, não chegando nem perto da nudez e sensualidade vista em “Amor & Outras Drogas”, não conseguindo criar um erotismo ou um tipo de pornografia.
Às vezes, alguma coisa consegue soar original em seu filme. Por exemplo, a cena que Secco desfila cheia de sacolas na pátio do Tribunal Regional Federal, vulgo edifício Torre Norte, onde há uma montagem com os comentários do blog de Bruna inseridos nas janelas dos prédios que rodeiam a protagonista. Ele também gosta de encaixar diversosslow motions em várias cenas, algumas realmente ficam boas com o efeito como a do ensaio fotográfico. Mas há outras em que ele simplesmente as estraga. Algumas vezes, acerta em cheio como enquadrar suas atrizes para a câmera, por exemplo, o rápido segmento de Bruna e suas colegas de trabalho indo para a boate.
O que soube explorar muitíssimo bem foram as reinterpretações das fantasias que os clientes Bruna demandavam, com exceção dos próprios clientes – um mais bizarro que o outro. Isso tudo aliado a uma edição eficiente (de vez em quando) resultou em uma coisa cômica e divertida de se assistir. Entretanto, boa parte da culpa do terceiro ato da fita ser tão desprezível é da responsabilidade dele que não soube manter o ritmo construído no longa.
Convite para o programa
“Bruna Surfistinha” é voltado para os fãs e leitores do livro de Raquel Pacheco. Aqueles que gostaram do livro, com certeza adorarão o filme sobre a garota. Se você não estiver muito interessado, não é uma boa pedida a menos que queira ver Deborah Secco nua em várias poses provocantes, porque este filme não tem muita coisa para adicionar em sua cabeça. Mas agora depois de Bruna Surfistinha, Restart 3D e Frank Aguiar, me pergunto quem será a próxima e ilustre personalidade que o cinema nacional está a procura para fazer uma cinebiografia. Belo? Quem sabe Calypso? Ou Rita Cadillac 2?
Crítica | Caça às Bruxas
As senhoras feias e magrelas da Idade Média que praticavam rituais ou cozinhavam sopas um tanto esquisitas, sempre foram mal vistas pela sociedade da época. A Santa Inquisição (aquela lá que você estudou no Ensino Médio e lembra com tanta “saudade”) infernizou a vida das bruxas entre os séculos XIV e XV, queimando-as em fogueiras ou afogando-as nos lagos podres dos feudos. E, como tudo que é praga ou desgraça, Hollywood precisa botar seu toque mágico na história e dar sua versão. E a prova disso é o novo filme de Nicolas Cage, que estreou na sexta passada.
Behmen é um cavaleiro cristão assassino de vários pagãos na Guerra Santa, mais conhecida como Cruzada. Um dia, cansado de tanta guerra, resolve desertar com seu amigo Felson e cair no mundo. Mas o lugar que Behmen escolheu para tirar férias não é nada agradável. Quando chega no local, descobre que a Peste Negra aterroriza a população e a existência de uma bruxa confessa trancafiada em um calabouço. Sob a ameaça de serem enforcados ou queimados vivos (pior medo de Felson), resolvem escoltar uma equipe em uma viagem até um monastério onde a bruxa será julgada ou absolvida.
Certamente medieval
O roteiro é escrito pelo principiante Bragi Schut concluindo seu primeiro projeto em um longa metragem. Infelizmente, o Sr. Schut não fez o dever de casa mais importante quando se escreve um maldito roteiro com bases históricas: a boa e velha pesquisa. As bruxas nunca chegaram a sentir o cheiro das Cruzadas, pois estas aconteceram entre os séculos XI e XIII e elas começaram a serem torradas (pra valer) pela Inquisição a partir do século XIV. Claro que existem exceções, mas eu não estava lá para saber. Ao menos consegue acertar e coincidir a queima das bruxas com a Peste Negra, aquela que dizimou 1/3 da Europa graças a bactéria que vivia na pulga dos ratos pretos. Também vale citar que os Flagelantes aparecem no meio do filme causando um retrato minimamente mais verossímil.
Desgraças e erros de datas históricas a parte, o roteiro não consegue livrar-se da monotonia e da previsibilidade. Não existem cenas ou diálogos memoráveis, apesar destes serem engraçados graças as diversas frases de efeito. Fica difícil de acreditar na epifania do protagonista após a sequência onde ele mata meio mundo e depois de “acidentalmente” cravar a espada na coluna de uma mulher se sentir culpado e resolver desertar. O filme é extremamente linear, não existe algum conflito secundário para ser resolvido, tudo se resume a levar a bruxa até o monastério sendo que de vez em quando aparecem alguns lobos famintos e uma ponte quebradiça que causa sono ao espectador. Até mesmo os sustos são falhos e o pior mesmo e que ele não cumpre nem o que o título do filme promete graças a bizarra reviravolta final. Para fechar com chave de ouro ele sempre duvida da inteligência do espectador se auto explicando ou indicando alguma mudança visível na cena, uma pena que ele não conseguiu explicar o porquê da existência da primeira cena do filme visto que esta não encaixa ou condiz com o resto dele.
As várias perucas de Cage
Nicolas Cage está sofrendo de autoestima, qualquer ator que pegasse um roteiro deste acabaria rindo na cara do produtor, mas Cage sempre aceita um bom desafio. Depois de papéis deploráveis em “Perigo em Bangcock” ou “O Vidente” e alguns acertos como “Kick-Ass” e “Vicio Frenético”, Nicolas Cage volta a por as mãos em suas perucas favoritas e em outro projeto duvidoso. Não existem novidades na atuação de Cage, sempre com as mesmas caras de dor e alegria que todos já viram. Seu personagem não tem carisma e muito menos profundidade, ele é apenas um cavaleiro cruzado que consegue arremessar seu inimigos até distancias olímpicas.
Definitivamente Ron Perlman é o cara mais bad-ass que toda a Peregrinação ou as bruxas já viram. Sabendo que seu personagem é apenas um brutamontes destruidor de vidas, soube aproveitar bem toda sua canastrice: espancando bruxas ou dando beijos pornográficos em prostitutas entre várias outras peripécias. Stephen Graham, Claire Foy, Ulrich Thomsen, Robert Sheeran e Stephen Campbell Moore completam o elenco do filme. Importante citar que Christopher Lee também marca uma breve aparição, mas sua atuação ficou limitada a ficar deitado numa cama.
De volta para a Idade Média
A direção de arte consegue completar o trabalho já explorado em diversos filmes que tratam o tema medieval. Todos cenários possuem um aspecto porco, sujo, doente e infectado, mas não existe algo que simplesmente surpreenda o espectador. A fotografia sempre busca ser sombria, porém erra muitas vezes graças ao figurino que simplesmente tira toda a sensação do ocultismo do filme, por exemplo, de vez em quando a roupa de Cage é muito branca para um cenário escuro. Este é um filme fotografado de uma maneira bem clássica sem nenhuma inovação, apenas merecem destaques os belos planos da floresta de Wormwood que fica no meio da jornada dos cruzados. A iluminação também tenta não parecer artificial quase sempre utilizando velas. De inicio ela funciona e obedece as leis naturais do universo, oscilando na cara dos personagens e no cenário, mas um pouco mais tarde na mesma cena ela torna-se estática novamente removendo a naturalidade do ambiente.
Outra coisa que realmente merece ser citada são os efeitos visuais, não por sua qualidade indubitável, mas sim pela sua tosquice exacerbada. O melhor exemplo disso são os lobos raivosos perseguidores de peregrinos. Todos eles possuem uma mesma animação ridícula que destaca a contração dos músculos faciais dos animais. Não obstante disto, também cria um efeito onde a movimentação de alguns monges é acelerada, o resultado de tudo isto são várias risadas, sem contar a animação do “chefão” do filme.
A maquiagem também merece um destaque por ser incrivelmente exagerada. Os rostos das pessoas doentes da Peste não possuem os tão falados gânglios azulados pequeninos, mas sim uma bola de futebol na testa cheia de líquidos viscosos e gangrenas prestes a explodir na sua cara.
Melodia compensatória
A música composta por Atli Örvarsson é bem trabalhada para um filme B como esse e não faz mal, mas já que a música realmente chama a atenção do espectador, o filme acaba prejudicado. Elas contextualizam as cenas de ação e de suspense na medida certa, uma coisa um pouco incomum atualmente. Atli apostou muitos nos grupos de coral no filme e resultou em uma atmosfera interessante em cenas que ocorrem em igrejas ou monastérios.
Mas você de novo?
Dominic Sena é um diretor de gosto duvidoso, prova disso é sua lista cinematográfica de poucos sucessos, podendo ressaltar “A Senha: Swordfish” e “60 Segundos” e com “Caça às Bruxas” volta com força total em outro projeto falido.
Sua direção é lenta com uma edição mais lenta ainda, por exemplo, a cena da ponte com a jaula onde a bruxa está presa. Nesta parte ele usa e abusa de vários planos para mostrar que a carroça não consegue passar para o outro lado de jeito nenhum e terminar passando por um milésimo de segundo antes que a corda da ponte se rompa. Essas coisas de acontecer tudo por um triz já são histórias do passado e não funcionam mais para prender a atenção do espectador, além disso, uma carroça passando por uma ponte de madeira podre já é um ideia bem maçante.
Fora isso, ele insere flashbacks de cenas já vistas no mesmo filme. Isso é uma blasfêmia de proporções cósmicas para o espectador. Duvido que na minha sessão alguém tivesse esquecido da cena que é repetida três vezes no filme.
Caçar às Bruxas?
O filme é muito divertido graças as falhas técnicas, as atuações cômicas e as piadinhas do roteiro que sempre dão certo. Como sempre Nic Cage está com a mesma cara de caçar mosca e sua peruca desgrenhada. Este é um típico filme para distrair a cabeça e relaxar depois de uma semana chata de trabalho. Apesar da nota baixa que darei, dê uma chance ao filme que no meio de seus tantos erros não compromete a diversão alheia.
Crítica | Deixe-me Entrar
Vampiros, simples vampiros. Nasceram no Antigo Egito com lendas bestiais. Mas ganharam destaque mesmo na Idade Média, junto aos lobisomens, bruxas, duendes e todos seres mitológicos que vocês possam imaginar. Estes seres sempre foram sinônimos de dinheiro e sucesso quase imediato na literatura, no cinema ou até mesmo nos vídeo games.
Os vampiros mais memoráveis e machões da história são “Nosferatu” de Werner Herzog, “Drácula” de Bram Stocker e “Lestat de Lioncourt” de Anne Rice, isto sem desmerecer todos escritores e diretores incríveis como Alexandre Dumas, H.G. Wells ou Lord Byron. Porém, com o passar dos anos, eles viraram seres afeminados, brilhantes e vegetarianos, graças a uma senhora despretensiosa chamada Stephanie Meyer, que nunca deveria ter aprendido a escrever. E, durante alguns anos, Edward começou a assombrar os cinemas até que o sueco “Deixe Ela Entrar” surgiu como um resgate para os vampiros da história envergonhados com tamanha desgraça.
Owen é um menino que sofre de bullying em sua escola, leva uma vida infeliz com uma mãe depressiva e um pai ausente. Até que um dia uma garota misteriosa aparece para morar em seu prédio. Coincidentemente, os dois acabam virando amigos e até mais que isso. Todavia, ele desconhece que a menina é uma vampira que pode colocar sua vida em risco.
Ctrl+C, Ctrl+V
Matt Reeves adaptou o roteiro do original sueco “Deixe Ela Entrar” e, certamente, ele soube fazer isto muito bem. O projeto é muito arriscado, visto que este filme é um remake de um filme que estreou em 2008 e isso significa que a memória do público está fresca. Não há absolutamente nenhuma diferença das passagens do roteiro deste filme para as do original, a não ser a parte que um carro capota – cena irrelevante do filme. Para quem não conhece a história do original, a trama se concentra em Owen e seu amor proibido por Abby e a sobrevivência da garota sedenta por sangue.
Existe também um jogo psicológico superinteressante entre o “pai” de Abby e a garota, que merecia ser aprofundado graças tamanha riqueza do personagem. É difícil dar méritos a um filme que não os merece porque é uma cópia quase igual, só que apenas falada em inglês e com a cor dos cabelos dos protagonistas trocados. O novo roteiro tentou explicar/esconder algumas coisas como o sexo da vampira, onde nunca deixa explícito, que, ela, na verdade, é um menino castrado (literalmente) – o livro deixa isto evidente. Seus personagens têm riqueza e carisma graças aos seus conflitos internos e externos e também entre suas relações com cada um.
Com um universo tão vasto como o dos vampiros, o roteiro ou o livro, falham ao explorar as várias possibilidades, por exemplo, as fraquezas dos vampiros. A única que existe é a aversão a luz do Sol enquanto alho, crucifixos, reflexos, água benta, etc., foram deixados para trás. Isto certamente deixa o tema mais moderno e atualizado, mas seria interessante se ao menos houvesse citações a respeito disto.
Baseado em atuações reais
Os pequenos Kodi Smit e Chloe Moretz mostraram seu valor e competência novamente neste filme. Kodi deixou seu personagem mais perturbador ainda e Chloe consegue entregar a impressão da inocência, malícia e crueldade da antiga vampira. É importante lembrar que os dois tiveram as atuações do original como referencia. A linguagem corporal dos dois personagens do remake é muito semelhante a do sueco, ou seja, como o filme inteiro, as atuações também não conseguem passar de meras cópias.
O único ator que realmente surpreende é Richard Jenkins apresentando um personagem incrível de riqueza e profundidade. Mesmo com poucas falas rouba o carisma do filme todo e puxa para si. Ele atua com um ar melancólico, fúnebre, triste e acovardado representando um personagem complexo que sai a noite assassinando inocentes para alimentar Abby.
A cópia majestosa
A fotografia é estonteante de tamanha beleza. Ela sempre utiliza desfoques e um jogo de luz e sombra muito significativo. Na maioria do filme prevalece um tom amarelado enjoativo, de vez em quando ela fica azulada ou totalmente branca. Esses tons são compostos de cores frias e pálidas casando com o rigoroso inverno estadunidense. Ela também gosta de contrastar tanto a face branca de Owen ou a neve com a vermelhidão viva do sangue.
A direção de arte também está de parabéns, conseguiu encontrar e montar locações praticamente iguais com as do filme sueco. Infelizmente nem tudo é lindo e perfeito no mundo artístico de “Deixe-me Entrar”. A maior falha técnica com toda a certeza são os efeitos visuais, enquanto a maquiagem foi competente, eles destroem toda a dramaticidade do filme graças a má qualidade – seja na movimentação vampiresca de Abby ou na enfermeira flamejante. Sempre quando você está começando a entrar na atmosfera criada pelo enredo e pela fotografia, um efeito visual aparece e te suga de volta para a sala de cinema.
Novamente formidável
Michael Giacchino é um dos maiores compositores da atualidade disto não há dúvida. As músicas dele, no caso, sempre dão um toque noir e elevam o suspense da cena. Algumas de suas músicas são tão geniais que conseguem ser boas apenas com um ritmo constante e inalterável de um tambor. Ele também não esquece que o tema é antigo e insere algumas canções formadas por coros. Por algum infortúnio do destino a edição resolveu repetir algumas composições, algo extremamente desnecessário visto que compôs mais de vinte músicas para o longa.
Desconhecido nunca mais
Matt Reeves viveu por dois anos na sombra de J.J. Abrams graças a ajuda na produção deste em “Cloverfield”. Agora Reeves finalmente tocou um projeto por conta própria e afirma suas características na direção. Ele é um diretor contemporâneo que surpreenderá muita gente no futuro.
Em “Deixe-me Entrar”, ele nunca explicita a violência apesar desta estar bem presente. Gosta de fazer mistérios e exercitar a imaginação do espectador, por exemplo, nunca mostrar o rosto da mãe de Owen ou prolongar o suspense no caso do pai de Abby. A escolha de não exibir a face da mãe do garoto e a ausência do pai é interessante e justifica o aparente abandono do menino que sempre anda sozinho. Fora isso, consegue prender a atenção do espectador durante o filme inteiro, especialmente no clímax do filme e no anticlímax de uma cena que se passa no apartamento sombrio de Abby.
Apesar de sua direção competente, uma pergunta não consegue sair da cabeça de muitos e da minha também: por que fazer uma refilmagem tão fiel ao filme original? Seria superinteressante se ele tivesse escrito uma reinterpretação do universo criado pelo livro, por exemplo, e se Owen fosse o vampiro ou que ocorresse um caso de perversão com a vizinha do andar de baixo?
Convite para entrar
“Deixe-me Entrar” é um filme que a única razão de sua existência foi a procura do lucro nas bilheterias mundiais. É um xerox praticamente perfeito do original, tanto no roteiro quanto visualmente. Se você já assistiu ao original sueco, dificilmente recomendaria aos senhores gastarem seu dinheiro novamente para ver um filme que vocês já viram. Caso nunca tenha ouvido falar de “Deixe Ela Entrar” e está com duvidas a respeito da refilmagem, não perca seu tempo pensando e vá direto ao cinema. Finalmente você terá assistido um filme sobre vampiros que leva o tema a sério onde lobisomens caipiras depilados não dão as caras.