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Crítica | Capitã Marvel – Relevância fica perdida em filme convencional demais

Em 11 anos desde sua concepção e mais de 20 filmes construindo um incomparável universo cinematográfico, a Marvel Studios nunca teve um filme protagonizado por uma mulher. Chegou perto com Homem-Formiga e a Vespa no ano passado, mas é só agora com o lançamento de Capitã Marvel que a bilionária produtora de Kevin Feige finalmente deposita o foco e atenção para uma mulher. Porém, diferente do que a DC fez com o bem-sucedido Mulher-Maravilha ou o que a própria Marvel fez com a representatividade da cultura negra em Pantera Negra, o filme protagonizado por Brie Larson fica longe de ser especial como merecia.

A trama nos apresenta à Vers (Brie Larson), guerreira de uma tropa espacial conhecida como Starforce, e que traz o rígido Yon-Rogg (Jude Law) como comandante. Após uma missão perigosa envolvendo a raça alienígena metamorfa conhecida como Skrulls dar errado, Vers acaba caindo na Terra, em plena década de 90. Através de flashbacks, ela descobre que teve uma vida ali como Carol Danvers, uma pilota da Força Aérea americana. Ao passo em que é investigada pelo jovem agente da SHIELD Nick Fury (Samuel L. Jackson), Carol precisa impedir uma invasão Skrull na Terra.

A Lanterna da Marvel

Ignorando a ordem de lançamento nos quadrinhos de ambos os materiais, é impossível não olhar e assistir Capitã Marvel e não remeter diretamente a Lanterna Verde; o fracassado filme da DC estrelado por Ryan Reynolds em 2011. Ambos são pilotos da Força Aérea que entram em contato com raças alienígenas e acabam recrutados para uma “polícia espacial”, precisando impedir uma invasão em seu planeta natal. O filme da Marvel muda essa estrutura ao iniciar a história com Carol já inserida entre os alienígenas, apresentando seu passado terrestre através de flashbacks, o que se revela um erro grave.

O roteiro assinado por Anna Boden, Ryan Fleck e Geneva Robertson-Dworet não se preocupa em oferecer um contexto ou apresentação apropriada para o universo cósmico habitado por Danvers. Não sabemos quem é a Starforce (nome que só fãs de quadrinhos ou quem leu informações extra-filme conhecem) ou seu propósito nesse universo, rendendo um primeiro ato extremamente genérico e difícil de se envolver; afinal, se não conhecemos a motivação ou propósito desses personagens, qual a relevância em acompanhá-los por tanto tempo? São momentos que parecem saídos de um episódio mal resolvido de Star Trek – daqueles em que a maquiagem dos alienígenas era muito ruim, algo que se mostra presente no péssimo visual dos Skrulls.

Quando Carol aterrissa na Terra, temos uma variação da proposta do primeiro filme de Thor, ao trazer a clássica situação do peixe fora da água. A diferença é que Carol não é tão tapada quanto o Deus do Trovão de Chris Hemsworth no filme de 2011, e todo o humor é norteado para piadas bestas sobre a década de 90: uma sucessão de “veja como as coisas eram velhas” sem fim, que passa por referências gratuitas e uma trilha sonora incidental mais óbvia do que o esperado. O texto ao menos acerta ao criar uma boa dinâmica entre Carol e o jovem Nick Fury, que conseguem se sobressair às diversas conveniências e clichês do roteiro.

Essa mesma dinâmica mostra-se remanescente do único bom uso da década de 90. A produção de Capitã Marvel é muito eficiente ao recriar o visual dos filme daquela época, principalmente através do design de produção discreto e da paleta de cores da fotografia de Ben Davis, e também pelo fato óbvio de estarmos vendo um Samuel L. Jackson rejuvenescido digitalmente (efeito impressionante) que parece saído diretamente de Duro de Matar: A Vingança. Tais detalhes, assim como a camiseta do Nine Inch Nails que a protagonista usa durante boa parte do tempo, são os melhores exemplares da recriação de época; sendo melhor do que qualquer piadinha descartável sobre o tempo de demora para ler um arquivo de CD em um computador antigo.

Despencando na Blockbuster

O grande problema, porém, encontra-se na direção do casal Anna Boden e Ryan Fleck. Em mais um atestado do modelo de produção extremamente equivocado da Marvel Studios (Jon Watts, estou olhando pra você), temos mais um caso de diretores do cinema indie americano que caem de paraquedas em grandes produções; algo que ironicamente é bem representado pela simbólica cena em que Brie Larson, uma própria estrela dos indies, cai dentro de uma locadora da rede Blockbuster. A direção da dupla é mal inspirada e problemática quando envolve cenas de ação, que sofrem pela decupagem confusa e o excesso de cortes na montagem, além de um irritante “chicote” de câmera que se manifesta toda vez que qualquer personagem golpeia com os braços ou pernas. 

O resultado é ainda mais problemático nas sequências que envolvem efeitos visuais, que só não são mais inverossímeis do que aqueles vistos em Pantera Negra. O brilho que circula o corpo de Carol ao ativar seus poderes destoa completamente dos outros elementos visuais, e as cenas de voo da personagem acabam se tornando tediosas por vermos nitidamente que Brie Larson se transformou em um bonecão digital digno do Neo de Matrix Reloaded. A diferença é que as irmãs Wachowski eram inventivas na condução virtual de suas cenas de ação, algo que falta para o casal Boden e Fleck, que falham ao trazer qualquer tipo de empolgação ou dinamismo para tais sequências. Não há nenhum momento que cause catarse ou inspiração, ou maravilhamento com as habilidades de Carol; algo que é essencial para um bom filme de super-heróis.

A Primeira Vingadora, de verdade

Representando o novo rosto do MCU, Brie Larson faz um bom trabalho ao assumir o papel principal de Carol Danvers. É uma pena que o roteiro ofereça tão pouco para sua personagem, que basicamente está presa em um arco de superação que flerta com o caricatural em suas tentativas de miltância feminista (algo sempre bem-vindo, quando bem trabalhado), mas Larson é capaz de brilhar tanto em momentos mais dramáticos como escapismos de humor. Samuel L. Jackson aparece carismático como sempre, e diverte ao revelar um lado mais juvenil e imaturo da figura que conhecemos por anos como imponente e ameaçadora, ao passo em que Lashana Lynch mostra-se uma boa surpresa.

Jude Law carece de um arco que faça sentido para seu Yon-Rogg, soando um pouco mais artificial do que o comum, e tenho certeza de que o talentoso Ben Mendelsohn está fazendo um bom trabalho como o vilão Talos, mas a péssima maquiagem acaba bloqueando boa parte de suas expressões; reparem em como sua boca movimenta-se com muita dificuldade durante as cenas de diálogo. Lee Pace e Djimon Hounsou também aparecem reprisando seus personagens de Guardiões da Galáxia, mas não trazem nada que agregue à trama.

Considerando que este é o primeiro grande veículo feminino da maior franquia da atualidade, Capitã Marvel merecia e deveria ter sido muito mais. Brie Larson mostra-se uma boa protagonista, mas está perdida em um filme convencional, formulaico e pouquíssimo inspirado. Nunca pensei que voltaria a sentir isso, mas é a sensação da primeira fase da Marvel Studios, onde parece que este filme existe apenas para introduzir uma nova personagem para o próximo filme dos Vingadores.

Capitã Marvel (Captain Marvel, EUA – 2019)

Direção: Anna Boden e Ryan Fleck
Roteiro: Anna Boden, Ryan Fleck e Geneva Robertson-Dworet, baseado nos personagens da Marvel
Elenco: Brie Larson, Samuel L. Jackson, Jude Law, Annette Bening, Ben Mendelsohn, Lashana Lynch, Lee Pace, Djimon Hounsou, Clark Gregg, Gemma Chan
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 128 min

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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