Vinte e dois anos se passaram desde o lançamento do icônico Jurassic Park: O Parque dos Dinossauros. Com a qualidade praticamente impecável do primeiro filme, a franquia passou a ser surrada pelos sucessores. O Mundo Perdido e Jurassic Park III não conseguiram manter o padrão. Agora, depois de quatorze anos longe dos cinemas, a Universal trouxe de volta os dinossauros mais fascinantes do cinema. Porém, mesmo com tanto tempo de preparação, Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros se atém a erros dos filmes anteriores, inova pouco e conta com a direção mais insossa já vista na franquia.
O sonho de John Hammand fracassou. Seu parque temático repleto de dinossauros colapsou e Isla Nublar ficou impregnada de répteis gigantescos durante os eventos da trilogia original. Entretanto, aqui no universo de Jurassic World, tudo isso é ignorado. Simon Masrani, outro milionário excêntrico, conseguiu concretizar o sonho de Hammond. Finalmente o parque está aberto.
Entretanto, já com alguns anos de funcionamento, Masrani quer oferecer mais para seus fiéis visitantes. Eis que surge a ideia de criar um dinossauro híbrido, o Indominus Rex. Graças aos avanços da manipulação genética, o híbrido vira uma realidade. Porém, após uma sucessão de erros, o Indominus escapa. Agora, cabe ao ex-militar da Marinha Owen Grady unir esforços com seus velociraptors treinados para caçar o perigoso animal que ameaça a segurança de todos os visitantes do resort.
Sempre fico abismado quando me deparo com esses filmes em que mais de duas pessoas assinam o roteiro. No caso de Jurassic World, são quatro: Rick Jaffa, Amanda Silver, Derek Connoly e o também diretor Colin Trevorrow. Praticamente um pesadelo.
Para quem ainda tinha dúvidas, esse filme é a prova cabal que quatro cabeças não pensam melhor que uma. Geralmente, isso resulta em um filme fragmentado, contraditório, por vezes estúpido, panfletário, que possui mudanças súbitas de atmosfera ou que conta com sumiços de personagens. Pois é justamente isso que acontece aqui. Absolutamente tudo.
Sem dúvidas há um excesso de núcleos narrativos graças a infinidade de personagens – o que prejudica o progresso da história. O primeiro ato se perde entre as atrações do parque, o didatismo panfletário, a construção de um romance ruim e a crescente ameaça do Indominus. Diversas vezes os diálogos abordam críticas a respeito dos direitos dos animais noção de propriedade, sentimentos dos dinossauros e a marcas capitalistas – algo completamente bizarro já que durante o filme existem inúmeros merchandisings o que evidencia a hipocrisia do texto/filme. Já não bastasse a chatice dos diálogos redundantes que abordam esses temas, tudo fica ainda mais grave ao notar que esses pontos já foram exaustivamente explorados nos filmes anteriores.
Após superar a militância, os roteiristas conseguem criar coisas realmente interessantes, porém sempre inseridas em diálogos deploráveis de tão ruins. A relação do aventureiro Owen Grady, vivido pelo divertido Chris Pratt, com uma das velociraptors domada é satisfatoriamente desenvolvida, tanto que é possível sentir empatia por Owen e Blue. A proposta em transformar um dos vilões do primeiro filme em aliados é algo inteligente e inédito – uma das poucas coisas que conseguem ser originais neste filme.
Outro acerto é a dimensão psicológica que o Indominus ganha graças às constantes explicações de Owen Grady – aliás, os roteiristas o usam para explicar o filme em diversas cenas. Com isso, o melhor personagem é o dinossauro híbrido. Uma pena que o quarteto não consegue explorar muito bem o dinossauro. Repare que as revelações de suas habilidades são deixadas de lado rapidamente.
Fora essas poucas coisas, o roteiro só segue ladeira abaixo. O restante dos personagens, quando não sabotados pelos estereótipos, são minados com atuações fracas. Alguns chegam até irritar como o alívio cômico Lowery ou o paquerador Zach. Aliás, aqui temos os personagens juvenis menos proativos da saga inteira.
Os roteiristas também não se dão ao trabalho de responder algumas questões pertinentes: como foi solucionado o problema de contenção dos dinossauros nas Islas Nublar e Sorna? Por que reabrir o parque no mesmo lugar? Quais filmes são canônicos ou não?
Eles não foram apenas preguiçosos para construir um backstory decente. A história em si não funciona sem que o espectador ignore as constantes burradas dos roteiristas. O texto é tão contraditório que chega até a alterar a própria essência de alguns personagens como Owen e Zach. Outros como Hoskins e Masrani são simplesmente abismais. Um profere diversas frases sem sentido em diálogos repetitivos e o outro se comporta como um guia de autoajuda de tão didático e moralista que é. Fora a origem para a linha narrativa completamente deplorável que a série seguirá nos próximos filmes – ou seja, esse péssimo filme provavelmente será sucedido por um pior.
Há também a incrível insistência dos roteiristas – isso na franquia inteira, em um arco que envolve algum personagem tentar retirar os dinossauros da ilha. No primeiro, Dennis Nedry tentou. No segundo, a InGen. No terceiro, Billy. Em Jurassic World acontece a mesmíssima coisa. Eles também tentam inserir pequenos dramas superficiais e um romance totalmente fora de contexto.
Não satisfeitos em comprometer apenas a história, os roteiristas conseguem colocar em cheque a própria qualidade do design de produção do filme. As atrações apresentadas são sim interessantes, principalmente a girosfera, porém outras como o aviário não são dotadas de lógica. Não é possível interpretar o funcionamento da atração com o que é mostrado no filme. As pessoas entram na gaiola assim como em borboletários? Como seria possível entrar se os pteranodontes são completamente violentos? Já que não é viável a entrada, por que os vidros não são translúcidos o suficiente para observar os bichos?
O texto também ataca outra passagem. Em um momento, Dr. Wu informa que o Indominus atingirá 15 metros de altura ou mais. Poucos minutos depois, Claire informa que os 12 metros das paredes que cercam a jaula do bicho são suficientes. Em outra cena, Claire e Masrani visitam o padoque de observação do Indominus. Assim que a câmera quebra o eixo e passa a mostrar o confinamento do bicho, é possível notar que o lugar repleto de mato, uma intensa floresta fechada. Ou seja, observar o dinossauro em meio a tantas árvores é quase um fator de sorte para o visitante. Isso se torna um problema porque o design do restante do parque evita justamente isso: esconder os animais. Seja com a proposta de contato visual intenso da girosfera, na jaula do Tiranossauro e no imenso lago do Mosassauro.
De resto, o design acerta em praticamente tudo. Seja na mobilidade e arquitetura do parque, no figurino e cabelo dos personagens e o design dos próprios bichos – alguns mais realistas como os velociraptor, outros mais cartunescos como o Tiranossauro. Porém o espetáculo visual fica por conta do Indominus Rex. O híbrido é assustador, tem forte presença em cena e possui um bom significado imagético – ele é albino, pálido, um ser completamente desprovido de misericórdia, mas racional e inteligente.
Porém, mesmo dotado do bom design de produção, é imperdoável o uso intenso de computação gráfica para dar vida aos animais. Todos os outros Jurassic Park – filmes realizados com orçamentos menores – usaram de diversas formas os incríveis animatrônicos idealizados e feitos por Stan Winston. Aqui, utilizam a técnica realista apenas na cabeça de um apatossauro em uma cena singela que só consegue emocionar graças ao uso da tecnologia antiga.
Porém a culpa de boa parte dessas decisões cai no trabalho insosso do diretor Colin Trevorrow. Ele utiliza diversos enquadramentos fechados que seria possível o uso de partes dos animatrônicos do mesmo modo que Spielberg fez em seus filmes. O resultado final do intenso uso de animação não poderia ser outro: os dinossauros do longa de 1993 são muito mais críveis e ameaçadores dos que os criados virtualmente em 2015.
Durante o filme inteiro senti que Trevorrow simplesmente não estava afim de trabalhar ou que não tem talento o suficiente para sustentar um filme desses. Sua direção não tem pegada, é frígida e trata o assunto com total frivolidade – algo cruel para um universo rico e fantástico como o de Jurassic Park.
Isso é evidente logo no começo do filme quando Gray e Zach chegam na Ilha. É impressionante como o diretor é preguiçoso ao montar os planos de apresentação do parque. Sempre com enquadramentos abertos, distantes, parados e com pouco apelo visual – isso acontece até mesmo com a saudosa imagem do portal de boas-vindas. Esse notório desinteresse e decupagem pobre persiste no primeiro ato inteiro. Porém o filme melhora um pouco quando a ação começa de fato. Mas ainda assim, o diretor não deslancha.
Muitas coreografias de cena são parecidíssimas com as de filmes anteriores, seja quando os personagens se escondem em troncos, carros ou com dinossauros espreitando e capotando veículos com a cabeça. Porém, sendo justo, o Indominus consegue fazer muito mais do que apenas morder e explodir coisas. Ele usa suas garras para pegar e arranhar, além de usar a cauda como nenhum dinossauro já mostrado antes. Infelizmente Trevorrow não empolga nem com o monstro. Resolve as cenas rapidamente com poucos planos, isso quando ele não pende para o brega como acontece nos momentos finais do clímax.
Além disso, ele não consegue nem copiar Spielberg – um cineasta com linguagem cinematográfica tão própria que é fácil de assimilar e copiar. O diretor não aprendeu nada sobre criação de expectativa e apresentação de personagem – coisas que Spielberg é mestre. É algo muito simples de comprovar: compare a atmosfera e tensão criada na sombria apresentação do Tiranossauro em Jurassic Park com a rápida cena em que o Indominus escapa de sua jaula.
É uma surra cinematográfica.
Nem mesmo o desfecho do filme é poupado da falta de empatia do diretor. Mas, por incrível que pareça, Trevorrow não consegue errar em tudo. Ele consegue criar a memorável cena de Owen partindo em sua motocicleta ao lado dos quatro velociraptor – excelente movimentação de câmera, e faz algumas boas homenagens ao filme original. Entretanto, até mesmo nisso, ele consegue ser bipolar. A primeira homenagem queJurassic World faz ao seu antecessor é estranhíssima – é inserida em um diálogo completamente estúpido que denota uma espécie de recalque com o filme original.
O Mundo Jurássico
Jurassic World falha assustadoramente em iniciar com qualidade acompanhada de uma história verdadeiramente original esta nova trilogia da franquia Jurassic Park nos cinemas. Seja no roteiro estúpido, na direção completamente desprovida de tesão com o filme, na atuação muito mal aproveitada de parte do elenco, nos efeitos sonoros dos dinossauros – boa parte deles são novos e pouco similares aos icônicos efeitos originais, na falta de uso de animatrônicos e até mesmo na trilha musical broxante de Michael Giacchino.
Céus! Trevorrow consegue errar até nos momentos corretos para inserir a inesquecível música tema de John Williams – repare que ele nunca usa para mostrar o deslumbramento dos visitantes com os dinossauros, mas sempre em cenas simplórias envolvendo helicópteros.
Me chateia muito ver tantas falhas, militância, piadas ruins, um texto sem lógica, ação pouco inspirada inserida em um filme que pertence a um universo cinematográfico que só é sustentado até hoje pelo brilhantismo do filme original. Jurassic Park é um dos meus filmes favoritos e tem uma importância muito grande na minha vida – quase um amigo de infância.
Porém não será a nostalgia que me fará dar valor para esse filme medíocre. Nunca vou conseguir entender porque esse longa foi concebido dessa forma após tanto tempo de pré-produção com praticamente nenhuma pressa para o seu lançamento. Assim como os meteoros acabaram com os dinossauros, os filmes sucessores de Jurassic Park estão conseguindo extinguir as esperanças de quem espera boas histórias baseadas nesse universo.
Eu já não espero mais.
Jurassic World: O Mundo dos Dinossauros (Jurassic World, EUA – 2015)
Direção: Colin Trevorrow
Roteiro: Amanda Silver, Rick Jaffa, Colin Trevorrow e Derek Connolly, baseado nos personagens de Michael Crichton
Elenco: Chris Pratt, Bryce Dallas Howard, Vincent D’Onofrio, Irrfan Khan, Ty Sympkins, Nick Robinson, Jake Johnson, Omar Sy, BD Wong, Judy Greer, Lauren Lapkus
Gênero: Aventura, Ficção Científica
Duração: 124 min