Ao pensarmos em exorcismo, se é que qualquer um pensa nisso quando não está diante de um filme do subgênero, é inevitável criarmos a imediata conexão com O Exorcista, de William Friedkin. É praticamente impensável não vir à mente a imagem de uma garota vomitando, se contorcendo e virando a cabeça quando nos pegamos no meio dessa temática, tamanho o impacto do longa-metragem de 1973, que basicamente definiu o caminho a ser seguido pelos outros filmes e séries que viriam a partir daí.
Naturalmente que o anúncio de O Diabo e o Padre Amorth, um documentário que tem como premissa mostrar um exorcismo na vida real, dirigido pelo próprio Friedkin, geraria, no mínimo, curiosidade em qualquer um que tenha apreciado seu clássico do terror.
O documentário, recentemente disponibilizado pela Netflix, no entanto, não poderia ser um melhor testamento de que alguns assuntos devem ser deixados de lado. Em sua aparente tentativa de mostrar o exorcismo de fato, tudo o que Friedkin gera é uma sucessão de risadas e incredulidade, com imagens e narrativa que ora são suspeitas, ora ingênuas demais.
De início, Friedkin que dirige e assina o roteiro, junto de Mark Kermode, já tira do caminho o seu passado envolvendo O Exorcista, mostrando o quanto essa sua obra-prima abriu caminho para o que veríamos nesse documentário. O estranhamento é imediato: o diretor é extremamente presente em praticamente todas as imagens, além da narração, é claro, tanto em off, quanto com ele aparecendo diante dos locais filmados, não muito diferente de Carl Sagan em Cosmos. O problema é que Sagan não parece querer nos convencer de algo que claramente foi forjado, como é deixado claro pela edição de som feita no documentário – mas chegaremos nisso em breve.
Depois de uma breve introdução, com um curto trecho de um dos entrevistados alertando Friedkin de não mergulhar nesse assunto, em uma clara tentativa de esboçar algum tipo de atmosfera de terror, pulamos para o que interessa: o exorcismo em si. Ao menos é o que achamos, primeiro somos apresentados ao padre, evidentemente como forma de atestar sua competência, em planos que percorrem certos locais de Roma, de tal forma que somos mais atraídos pela cidade como local turístico do que, de fato, palco de um ritual que está prestes a acontecer. Não ajuda, claro, no já mencionado estabelecimento de uma atmosfera, que praticamente todas as tomadas sejam diurnas, sem filtros, quebrando qualquer esperança de mergulharmos novamente naquele clássico visual de O Exorcista.
A tal ponto da narrativa, praticamente em sua metade, já deveríamos esperar o que veríamos no exorcismo em si – mas a esperança é a última que morre, claro. No fim, ganhamos dezessete minutos, filmados em uma câmera na mão, de uma mulher “possuída” se debatendo esporadicamente na cadeira (enquanto é segurada), com ocasionais ameaças verbais saindo dela em uma voz gutural muito claramente editada, do tipo que é simplesmente igual a qualquer outro filme de exorcismo já visto. Se ao menos tivessem ensinado à atriz amadora algumas palavras de outro idioma, um mínimo de veracidade poderia ter sido construído, mas nem isso. Como já dito antes, o resultado são risadas e puro tédio, visto que são 17 minutos ininterruptos, com direito à sabotagens do foco automático da câmera. Não ajuda, claro, que o dito exorcismo acaba da maneira mais anticlimática possível, em mais uma tentativa falha de fazer isso tudo soar como algo verdadeiro.
Não contente em ter falhado em entregar de maneira convincente o cerne de sua obra documental, Friedkin segue o ritual com entrevistas a médicos de diversas áreas e universidades, além de padres, a fim de corroborar a veracidade do que foi visto. O diretor teria apresentado a filmagem a esses profissionais que, a partir daí, oferecem cada um de seus pareceres. Acompanhada pela constante verborragia do apresentador/ diretor/ roteirista tudo acaba soando como um espetáculo de picaretagem, com Friedkin praticamente colocando as palavras nas bocas de cada um dos entrevistados. Naturalmente que toda obra, seja ficção ou não, invariavelmente apresenta o ponto de vista de seu realizador, mas, nesse caso, faltou um mínimo de discrição, para que tudo soasse um pouco menos forjado. O resultado não foge muito daqueles falsos documentários do Discovery Channel sobre dragões, fantasmas, OVNIs e afins.
O auge do inacreditável vem na forma do clímax do filme, que traz uma sequência claramente inventada e convenientemente não filmada, apenas narrada, que o diretor, embora carismático, não é capaz de nos vender, deixando-nos com um gosto não amargo, mas de algo completamente sem sal, que soa extremamente amador, o que não deveria estar atrelado à figura do homem que já nos trouxe Operação França e O Exorcista. Vem, portanto, a triste constatação, de que estamos diante de uma obra de alguém que apenas está tentando recapturar as glórias do passado, que tenta, mas não consegue criar qualquer tipo de aceitação por parte do espectador ou o mínimo de tensão. Ele tenta desesperadamente, como podemos ouvir através da dramática trilha, que ocasionalmente irrompe o silêncio do plano de fundo, mas não consegue sequer nos envolver com sua narrativa.
A percepção final que temos é de que testemunhamos uma experiência falha, uma tese incapaz de oferecer argumentos convincentes, que, no fim, falha até mesmo como fugaz entretenimento, já que o tédio toma conta de nós já na primeira metade da projeção.
O Diabo e o Padre Amorth não faz jus à sua premissa e começa a fugir de nossa memória assim que chegamos aos créditos finais. Seja recebido com risadas ou pura decepção, o filme é totalmente eclipsado pelo passado, outrora brilhante, de William Friedkin, que, ao menos, ainda tem O Exorcista como exemplar de filme sobre possessão demoníaca.
O Diabo e o Padre Amorth (The Devil and Father Amorth – EUA, 2017)
Direção: William Friedkin
Roteiro: William Friedkin, Mark Kermode
Elenco: Gabriele Amorth, Robert Barron, William Friedkin
Gênero: Documentário
Duração: 68 min.