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Crítica | Porta dos Fundos: Contrato Vitalício

O sucesso que o Porta dos Fundos estabeleceu na internet com suas esquetes no YouTube é impressionante. Provavelmente o grupo de humor mais bem sucedido do país nos últimos anos, inspirando toda uma onda de canais de comédia do portal, seja através de episódios curtos ou narrativas seriadas. A passagem para o cinema era inevitável, em uma era onde praticamente qualquer youtuber popular é capaz de ganhar uma produção cinematográfica – independente de sua qualidade. Por isso, o que encontramos em Contrato Vitalício é o canal em uma forma mediana de seu humor característico, mas que surpreende por um aspecto que curiosamente passa longe da comédia.

A trama inicia-se no Festival de Cannes, quando os amigos Rodrigo (Fábio Porchat) e Miguel (Gregorio Duvivier) são premiados com a Palma de Ouro após sua última colaboração, como ator e diretor, respectivamente. Embriagados durante o coquetel de celebração, Rodrigo assina em um guardanapo um contrato vitalício que garante sua participação em todos os filmes que Miguel for realizar no futuro. Na manhã seguinte, Miguel desaparece repentinamente, e fica sumido por cerca de 10 anos, quando retorna enlouquecido e paranóico, clamando ter sido raptado por alienígenas que habitam o centro da Terra. A fim de alertar o mundo de uma suposta invasão, Miguel começa a produção de um filme duvidoso para relatar sua experiência, e Rodrigo não terá escolha a não ser participar.

É uma premissa muito interessante e que podemos facilmente associar ao humor do Porta, que é consideravelmente mais elevado do que a maioria das produções de gênero do país (quando Até que a Sorte nos Separe e De Pernas pro Ar viraram trilogias, alguma coisa deu errado), e o roteiro de Porchat e do diretor Ian SBF é eficiente ao extrair o melhor da situação. É uma fórmula previsível e batida, da vida de glória do protagonista indo lentamente ao Sétimo Círculo do Inferno em situações que seguem a narrativa de forma constante e até no formato de esquete, dependendo da subtrama abordada – o torturador e a namorada insuportável de Rodrigo (vivida por Thati Lopes) são os principais exemplos.

Mas como toda comédia que aposta em estruturas diversas, muita coisa não vai funcionar, e é o caso de Contrato Vitalício. Ainda que a porção central da história seja cativante e algumas piadas acertem, outras são simplesmente monótonas e sem graça dependendo do seu tipo de humor, e diria que até abaixo do nível do canal. A presença de estereótipos batidos e cartunescos também torna a comédia desleixada e preguiçosa, especialmente com o agente afetado vivido por Luis Lobianco e a exagerada coach de elenco vivida por Julia Rabelo. Insistir em tomadas longas de uma piada também é perigoso, e mostra-se letal aqui quando somos forçados a engolir cenas em um “dialeto alienígena” que consiste simplesmente nos atores fazendo barulhos com a boca 

Porém, o aspecto que Contrato Vitalício é surpreendentemente efetivo – e que ninguém poderia esperar – passa longe da comédia, e sim o thriller psicológico. É isso mesmo, caro leitor, o filme do Porta dos Fundos consegue ser mais envolvente e intenso quando acompanhamos a vida de Rodrigo sendo destruída e devastada, com a performance de Porchat sendo hábil em garantir um afeto e identificação por parte do espectador, o que torna sua decaída tão… assustadora. A produção do filme sci-fi que mais parece uma produção B da Boca do Lixo é assombrosa, e o resultado final claramente será uma bomba desastrosa que acabará com a carreira de todos.

A maioria das situações enfrentadas pelo protagonista obviamente são postas para provocar o riso, mas em certo ponto só é possível sentir pena de Rodrigo e, quem diria, torcer para que a situação termine bem – quem diria que Serginho Mallandro poderia render uma cena quase assustadora. Vale mencionar também que o ato final do filme trilha por uma alternativa levemente sombria, bem explorada pela direção de Ian SBF. Não desmerecendo o valor técnico de comédias, mas é um fato de que é um gênero menos arriscado visualmente (com suas exceções, claro, fica o exemplo do brilhante Edgar Wright), e Ian SBF mostra-se competente em sua câmera criativa e no uso de elipses rápidas para marcar a passagem de tempo. Depois do excelente Entre Abelhas e da eficiência técnica em um gênero que exige pouco, fica a torcida para que SBF entre em projetos mais ambiciosos.

É possível dar algumas risadas em Contrato Vitalício, mesmo que seja um humor muito abaixo do que o canal Porta dos Fundos já tenha oferecido no YouTube. Porém, o que certamente é mais impressionante aqui, é a capacidade do grupo em criar uma história perturbadora.

Vindo de uma comédia escrachada com piadas escatológicas, é como achar petróleo no esgoto.

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Publicado por Lucas Nascimento

Estudante de audiovisual e apaixonado por cinema, usa este como grande professor e sonha em tornar seus sonhos realidade ou pelo menos se divertir na longa estrada da vida. De blockbusters a filmes de arte, aprecia o estilo e o trabalho de cineastas, atores e roteiristas, dos quais Stanley Kubrick e Alfred Hitchcock servem como maiores inspirações. Testemunhem, e nos encontramos em Valhalla.

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