Crítica | Graças a Deus - Confrontando o Passado
O cinema do cineasta francês François Ozon vai muito além das questões cotidianas de seus personagens. Suas histórias, geralmente, exploram o aspecto psicológico com situações que fogem do lugar comum do presenciado em algumas produções do gênero em Hollywood. O diretor gosta de trabalhar as mais diversas relações em seus longas, como em O Amor em 5 Tempos (2004) em que um casal é apresentado do divórcio até o dia que se conheceram e se apaixonaram, e também em O Amante Duplo (2017) em que há uma imersão na mente humana, mas com o foco no relacionamento do casal principal. Em Graças a Deus François Ozon continua trabalhando a trama a partir do ponto de vista das relações humanas, mas neste caso não amorosas.
Graças a Deus é inspirado em uma história real, em que um grupo de rapazes que foram abusados sexualmente por um padre ligado a diocese de Lyon, quando ainda eram crianças, buscam justiça investigando e conversando com várias outras vítimas. Fato resultou na prisão do cardeal francês Philippe Barbarin, assim como mostrado no filme e fez com que se tornasse um escândalo para a igreja Católica. A ideia do diretor francês é a de levar para a tela com o máximo de clareza o drama particular desses agora homens adultos e mostrar o sofrimento que tiveram quando criança.
Para isso o diretor escolhe contar a narrativa sob o ponto de vista de três protagonistas distintos, mas com o mesmo propósito em mente: o de buscar justiça contra os constantes atos de pedofilia praticados pelo padre da diocese no passado. A escolha dos personagens é feita de forma pontual, ao apresentar a vida de um homem (Alexandre) casado e que não consegue esquecer o que aconteceu com ele quando jovem, outro rapaz (François) que tenta esquecer o ocorrido vivendo apenas o presente, e outro (Emmanuel) com problemas de epilepsia possivelmente acarretados pelos sucessivos atos do padre.
A produção ia bem até metade do segundo ato, depois de um tempo acaba por se tornar cansativo e o filme fica chato, pois a dinâmica inicial, com o início das investigações feitas por Alexandre fazia o longa fluir bem, a trama era bem desenvolvida e não havia muita enrolação em contar os acontecimentos. A partir do momento que entram os dois novos protagonistas, François e Emmanuel, passa a ficar extremamente maçante, em alguns momentos a ponto de ser difícil de acompanhar seus traumas e suas histórias de vida.
A ideia é boa, de apresentar pelo olhar dos três protagonistas seus dramas e traumas mais íntimos. O diretor consegue botar para pensar o telespectador a respeito do terror que aquelas crianças vivenciaram. Alguns cortes rápidos na edição ajudariam a dar maior agilidade para uma história que já sofre pela falta de ação por si só. As cenas em que os personagens conversam entre si são frias e sem emoção. Ajudaria se Ozon parasse de dar voltas no roteiro e chegasse ao resultado final mais rapidamente. O que não era nada enrolativo de início se torna extremamente árduo de acompanhar após um tempo.
Não é um tema dos mais fáceis de se levar para a telona, mas Graças a Deus cumpre seu objetivo de chegar à discussão principal sobre os questionamentos da fé e religião, colocando seus personagens, por em muitos momentos, discutir essa relação da perda da fé após os atos cometidos. É uma discussão pertinente, pois a partir do momento em que as então crianças foram abusadas em um local em que deveria ser de amor e paz, é que vem o golpe de Ozon em tentar dar um tom de denúncia para os fatos abordados.
O tom usado para contar a trama é de uma frieza e de uma falta de emoção que faz sentido para o que é relatado, tratar a história de uma maneira mais suave não é a ideia de François Ozon. A emoção fica em segundo plano, mas até a metade do segundo ato, com a chegada de François e Emmanuel os sentimentos passam a ser mais bem discutidos ao entender o problema pelos quais passaram no passado. A linguagem é explícita em alguns momentos, não poupam de mencionar como eram feitos os atos sexuais pelo padre. Neste quesito lembra bastante o filme chileno O Clube (Pablo Larraín) em que um dos personagens fala abertamente e sem pudor algum como eram feitos os abusos sexuais pelos padres.
Graças a Deus não é dos melhores filmes de François Ozon, mas há uma beleza no jeito que o diretor prende a atenção do público, utilizando os traumas dos protagonistas para contar a história, mesmo que em alguns momentos se perca a atenção é por causa do jeito que o longa foi feito, e não por causa de sua trama, que segue o caminho árduo de apresentar a cada passo as angústias de cada um dos personagens. Ozon é um dos grandes nomes, atualmente, do cinema francês e novamente conta uma história pesada e sem alívios, mas que aqui serve mais como denúncia que propriamente como apenas uma reprodução dos fatos como aconteceram.
Graças a Deus (Grâce à Dieu, França – 2019)
Direção: François Ozon
Roteiro: François Ozon
Elenco: Melvil Poupaud, Denis Ménochet, Swann Arlaud, Éric Caravaca
Gênero: Drama
Duração: 147 min
https://www.youtube.com/watch?v=ZpCOr_mVNT4
Crítica | Stranger Things: 3ª Temporada – Série se reinventa com roteiro ágil e inteligente
Stranger Things se tornou, para a Netflix, em questão de popularidade, uma série tão importante quanto foi Game of Thrones para a HBO. A 1ª e 2ª temporada de Stranger Things, lançadas na plataforma de streaming, alavancaram uma audiência gigantesca em torno do grupo de crianças composto pelos personagens Mike (Finn Wolfhard), Eleven (Millie Bobby Brown), Dustin (Gaten Matarazzo), Steve (Joe Keery), Lucas (Caleb McLaughlin), Will (Noah Schnapp), Jim (David Harbour) e Joyce (Winona Ryder) e fez com que a produção se tornasse uma marca tão popular que se tornou difícil parar de fazer mais e mais episódios.
Na 3ª temporada a trama vai além do que havia sido feito nas duas temporadas anteriores. Por se passar no ano de 1985, época em que a União Soviética estava próxima da ruína e que existia uma paranoia coletiva nos EUA com a invasão de comunistas ao país, é interessante ver que o roteiro ousou e colocou os soviéticos com uma base científica nos EUA a fim de abrir um portal para o mundo invertido, ainda mais uma base comunista bem abaixo do centro do capitalismo americano, o shopping center. Há também o tão aguardado confronto com o Demogorgon que tanto aparecia na segunda temporada, e agora os roteiristas decidiram por não enrolar e desde o primeiro episódio já davam uma ideia de qual caminho iriam tomar.
O principal desta temporada é o roteiro escrito com participação dos criadores Matt Duffer e Ross Duffer que souberam trabalhar perfeitamente diversos elementos que haviam sido mal desenvolvidos na season 2. Uma das questões mais interessantes, dentre os novos episódios, foi em relação a agilidade com que a narrativa foi criada, definindo rapidamente o que os personagens iriam fazer, direcionando suas vidas e suas ações na busca de desvendar os mistérios. Os diálogos são muito bem escritos e não há uma enrolação ou voltas no roteiro que faz com que a história gire rapidamente e direcionando a trama para frente.
Uma artimanha interessante utilizada ao contar os fatos fica por conta de como o roteiro se utiliza de aspectos simples para desenvolver o enredo, com pequenos detalhes que fazem a diferença, como na cena em que o cientista soviético mostra para Jim e Joyce o plano de abrir um portal usando apenas um canudo e uma caixa de batata frita do Burger King. Outro momento hilário, mas importante e que embasa o argumento do roteiro bem escrito, acontece com a personagem de Winona Ryder quando fala com o professor de física da escola de Mike sobre os imãs que não se grudam mais em sua geladeira. Esses e outros momentos são idéias simples e brilhantes que enriquecem ainda mais esta 3ª temporada.
Desde que Stranger Things surgiu a amizade dos quatro amigos, Mike, Lucas, Will e Dustin, sempre teve um elo forte, mesmo tendo alguns contratempos, como os apresentados na 2ª temporada, não era algo que pudesse arranhar a afeição que o grupo tinha uns com os outros. Neste terceiro capítulo da série a amizade entre os amigos começa a mostrar sinais que está se desfragmentando com Dustin distante e tendo uma relação de companheirismo forte com Steve e com as novatas no grupo, Erica e Robin, enquanto Lucas e Mike estão namorando Max e Eleven, deixando assim Noah isolado e tendo, ao que parece, questões existenciais em relação a amizade e um certo ciúmes de Mike ter uma relação amorosa com Eleven. Os personagens estão crescendo, e nada mais inteligente por parte do roteiro em dar demonstrações de que todos os garotos e garotas estão crescendo em suas vidas pessoais e afetivas.Há também um trabalho em dar maior ênfase nessa fase que marca o fim da inocência dos personagens, já que estão adolescentes e caminham a passos largos para a vida adulta.
O drama também é muito bem explorado com o arco de cada personagem sendo apresentado a cada episódio. Entre desafios contra os soviéticos e contra o monstro há quase sempre alguma situação que leva a uma questão dramática, como a discussão entre Eleven e Mike e entre Jonathan e Nancy e também entre Nancy e os jornalistas, sendo esnobada e humilhada por todos da redação. Essa questão em relação ao drama abordado é algo que nos dá uma visão de como Stranger Things cresceu como produção, por tratar de temas do dia a dia sem ser piegas.
Com os personagens já desenvolvidos, desde a 1ª temporada, e com pequenos grupos se separando durante a trama, o roteiro e direção deram um jeito em criar um humor que não fosse forçado ou artificial. Talvez pelo fato do elenco já se conhecer há algum tempo há um jeito em como os diálogos e a mais simples situação consegue tirar o riso do telespectador de forma espontânea. A série se inicia com dois episódios bastante divertidos e depois vai ficando mais dark com o tempo em que a história vai se desenvolvendo. O grupo, liderado por Steve, e que é composto por Erica, Robin e Dustin é o mais engraçado e dá uma leveza muito bem acrescentada, não é algo jogado, pois desde o início esse arco dramático dos personagens já havia sido apresentado.
Uma ousadia a ser elogiada por parte do roteiro e da direção é referente as cenas violentas, feitas de um jeito não antes presenciado na franquia. São muitas as situações em que se utiliza da linguagem da violência para dar maior tensão no telespectador e para contar a história de um jeito mais sombrio. Duas destas cenas envolvem tortura, a primeira com o personagem do policial Jim ameaçando rançar um dedo do Prefeito e depois quando Steve é torturado e espancado por militares soviéticos, e outra próxima ao final em que a perna de Eleven é cortada com sangue jorrando por todo o lado. São momentos pesados, mas que fazem sentido para a trama e para os personagens que a estão vivendo. Há uma necessidade em se trabalhar essa violência, até porque as crianças de antes agora são adolescentes, e essa violência está na série porque o público que a acompanha cresceu e já não tem os mesmos gostos de antes. Provavelmente se fizessem algo mais bonitinho e fofinho não colaria e não surpreenderia a audiência.
O tão esperado embate da 2ª temporada de Stranger Things, contra o Demorgogon gigante enfim ocorre. A ideia de inseri-lo na história desde o início, mesmo estando escondido, é uma ideia fascinante. O vilão invade os corpos de ratos e de pessoas e assim as manipula para seu propósito, para depois aparecer destruindo tudo pelo caminho. Mas não é o único vilão da série, há o russo inspirado em O Exterminador do Futuro e que vai atrás de Jim e Joyce, criando cenas de ação bastante interessantes. O confronto contra o monstro do mundo invertido é bem dirigido e dá a impressão de que a qualquer momento os protagonistas seriam mortos. Não havia essa sensação de perda nas temporadas anteriores, quase sempre se tinha a noção que os Demorgogons iriam perder, algo que não ocorre na season 3, há sempre uma ideia de que algo de pior vai acontecer com os personagens.
É difícil encontrar um episódio que não tenha sido bem dirigido, algo raro de se encontrar em produções de TV e streaming, pois sempre há um episódio que destoa do restante. Em Stranger Things, os diretores Matt Duffer, Ross Duffer, Shawn Levy, Uta Briesewitz, são bastante competentes em dar uma ambientação mais pesada em algumas situações, enquanto em outros momentos dão um ar mais divertido e engraçado. Para não deixar a história cansativa utilizam de boas cenas de ação, e de diálogos bem construídos assimilados com cortes ágeis de edição. O Clímax, dos últimos dois episódios, é muito bem construído, fluindo de uma forma dinâmica. O principal foi a carga emocional colocada no último ato. Há uma dose grande de tristeza, algo que ainda não havia sido visto na produção da Netflix. O destaque fica com os diversos easter eggs inseridos a cada episódio: O Exterminador do Futuro, O Enigma do Outro Mundo, A Bolha e muitas outras referências a clássicos dos anos 80 que só engrandecem os acontecimentos que surgem na tela.
Todos os personagens estão excelentes, mantendo o nível e até sendo melhores que os de temporadas anteriores. Um exemplo é Dustin e Steve que ganharam um protagonismo maior, tendo desafios mais importantes e conflitos maiores. Eleven melhorou muito, já que na 2ª temporada sua função na trama havia sido bastante irrelevante. Eleven ganha um protagonismo importante, e é apresentada pelo roteiro não apenas como uma garota com super poderes, mas também uma garota humana, com fraquezas iguais a de todos. Eleven apanha, sangra, seus golpes não surtem efeitos, chora, tais elementos ajudam a dar maior dramaticidade para as cenas e faz com que a personagem cresça muito.
Ao término da 3ª temporada de Stranger Things ficou um ar de despedida pelo jeito que terminou. Para aqueles que acompanharam com carinho a saga dos amigos que se envolvem em diversas confusões é como se tivesse dando um tchau ou até logo para todos. Os roteiristas resolveram ir para frente com alguns personagens, assim como é a vida, indo adiante sem olhar para trás. É uma boa temporada e que deve ficar por muito tempo na cabeça dos fãs e do público.
Stranger Things – 3ª Temporada (Idem, EUA – 2019)
Criado por: Matt Duffer, Ross Duffer
Direção: Matt Duffer, Ross Duffer, Shawn Levy, Uta Briesewitz
Roteiro: Matt Duffer, Ross Duffer, Paul Dichter, Kate Trefry, William Bridges, Curtis Gwinn
Elenco: Winona Ryder, David Harbour, Finn Wolfhard, Millie Bobby Brown, Gaten Matarazzo, Caleb McLaughlin, Natalia Dyer, Charlie Heaton, Joe Keery, Cara Buono, Noah Schnapp, Sadie Sink, Dacre Montgomery, Priah Ferguson, Maya Hawke, Jake Busey
Emissora: Netflix
Episódios: 8
Gênero: Drama, Fantasia, Horror
Duração: 51 min. aprox.
https://www.youtube.com/watch?v=u34798okV80
Crítica | Pets: A Vida Secreta dos Bichos 2 - Animação perde o fôlego na sequência
Não é de hoje que o cinema aposta nos mais diversos animais, como cães, gatos e coelhos para contar histórias. Nos desenhos temos inúmeros exemplos de clássicos que se utilizaram destes bichinhos fofinhos, produções como A Dama e o Vagabundo (1955) e Oliver e Sua Turma (1988) os colocaram em destaque com cães e gatos participando de várias aventuras emocionantes. E o mercado de animação surpreende ao ter uma nova possível franquia com bichos de estimação, o longa Pets - A Vida Secreta dos Bichos 2 (Chris Renaud) que continua com a história de Max e seus amigos.
Pegando o gancho dado pelo primeiro filme, em que Max e seu amigo Duke foram apresentados se aventurando pela cidade. Em Pets 2 a ideia é dar maior ênfase para outros animais que se destacaram na animação de 2016. A começar pela cachorrinha Gigi que tem mais tempo, inferior ao arco de Max e Bola de Neve, o que a torna uma personagem secundária de luxo, mas muito mal aproveita. Sua personagem vive atrás do Max, e na sequência terá que cuidar de uma bola do personagem, colocando uma função banal e sem sentido para Gigi.
Há um trabalho em separar a narrativa em três diferentes caminhos. Além do já mencionado de Gigi que precisa enfrentar vários gatos e cuidar da bola de Max, há também as aventuras de Max contra um vilão, e o de Bola de Neve. Essa divisão do roteiro em três direções diferentes acaba deixando o desenho sem foco e bastante vazio em sua função de contar a história. Quando uma trama está se desenvolvendo bem há um corte para outra história e isso atrapalha bastante na hora de acompanhar os acontecimentos.
Os personagens que se destacam novamente são Max e Bola de neve, ambos haviam se sobressaído no primeiro longa com o coelho roubando a cena ao se mostrar malvadão de início, mas gentil em um segundo ponto. Desta vez, por causa do roteiro que acabou dividindo a trama entre os três protagonistas, Bola de Neve ficou mais apagado e perdeu um pouco de seu brilho por não ser mais aquele ser caótico e doido. Max, em contrapartida, manteve seu destaque tendo que lutar contra o vilão e salvando o dia novamente. Suas aparições perderam a graça em alguns momentos por ter praticamente o mesmo arco narrativo do anterior.
O vilão, um homem circense que tem como braço direito um macaco, e que comete crueldade contra os animais é o que faz com que a trama fique menos apática e tenha mais ação. Há um tigre que se junta a trupe de Max, mas que não acrescenta nada de novo para a história. Essa ação colocada com o surgimento do vilão serve para tentar deixar a animação menos chata, mas acontece o contrário, pois o filme se torna óbvio e nada original, pois acaba repetindo a estrutura narrativa do anterior, que faz com que os animais sejam desafiados por algo e que precisem até voltar a residência em que vivem. Este fato ocorre justamente nas histórias de Bola de Neve e Max que mesmo sendo personagens interessantes não conseguem segurar o público em, pelo menos, não dar uma cochilada.
Algo que se tornou a marca de Pets é a diversão causada pelos animais fofinhos e carismáticos. Difícil não dar pelo menos uma risada com bichinhos que se deparam com situações adversas. Ainda mais com Bola de Neve e Gigi, protagonistas fofinhos e que hora ou outra acabam por fazer uma piada espontânea. Algumas piadas são forçadas para causar o riso, pode funcionar com algumas pessoas que não percebem a obviedade dos acontecimentos, mas com outras pode cair no ridículo por meio que o longa já se antecipar em mostrar em como irá tentar fazer graça.
A direção ficou a cargo da dupla Chris Renaud e Jonathan del Val que tentam ser eficientes em criar uma trama que consiga colocar o máximo possível de personagens participando da história. O gatilho de todos os acontecimentos é o casamento da dona de Max e Duke em que um filho é gerado, algo que possivelmente possa ser usado em uma sequência, mas que neste longa não é aproveitado. Os humanos, até o momento, não tiveram nenhum aprofundamento dentro da franquia, a primeira aparição com mais tempo de tela foi a do vilão do circo. Há certo vazio no roteiro em relação a uma mensagem que agregue tudo o que é apresentado, tirando o fato de ser um filme sobre amizade, há uma mensagem evidenciada em relação ao mal trato aos animais, mas que não é algo muito bem debatido, algo que faz com que uma ideia boa seja enterrada rapidamente.
Em Pets: A Vida Secreta dos Bichos havia uma referência forte com a animação da Pixar Toy Story, nesta sequência fica claro que o longa foi mais para o lado de filmes ao estilo Madagascar, com animais se metendo em altas confusões. Pets 2 funciona como desenho para a garotada, mas erra ao tentar criar algo novo e que possa dar uma luz para uma futura continuação, pois muitos dos acertos do longa de 2016 foram esquecidos na continuação.
Pets: A Vida Secreta dos Bichos 2 (The Secret Life of Pets 2, EUA – 2019)
Direção: Jon Watts
Roteiro: Chris Renaud, Jonathan del Val
Elenco: Vozes: Patton Oswalt (Max), Kevin Hart (Bola de Neve), Harrison Ford (Rooster), Eric Stonestreet (Duke), Jenny Slate (Gigi), Tiffany Haddish (Daisy)
Gênero: Animação, Comédia, Aventura
Duração: 86 min
https://www.youtube.com/watch?v=9glhBZGHEiM
Crítica | Chernobyl - O retrato real de um dos maiores desastres da história
O acidente nuclear que ocorreu no dia 26 de abril de 1986 na usina nuclear de Chernobyl abriu os olhos da humanidade (mais uma vez) para os perigos que essa tecnologia pode trazer para todos, seres humanos, animais e meio ambiente. A minissérie Chernobyl, da HBO, é um relato magistral do horror que um acidente deste quilate pode causar, detalhado de um jeito pouco visto em outras produções do gênero sobre o assunto, analisando de forma didática os momentos que antecederam a explosão na usina nuclear, como foram feitos os preparativos de contenção da radiação, e da falta de estrutura da União Soviética para lidar com um problema dessas proporções.
Em cinco episódios a espetacular minissérie insere o telespectador em uma viagem ao passado, relembrando e visualizando de perto todos os acontecimentos que levaram a explosão do núcleo do reator nuclear. O roteirista Craig Mazin (Se Beber Não Case – Parte II) tem grande mérito na exposição dos fatos, na criação de personagens tão intrigantes e no jeito de contar a história, dando uma dinâmica pouco vista em minisséries, não enrola em nenhum momento e tudo que é apresentado é por algum motivo. Em sua carreira como roteirista é a primeira vez que trabalha com algo que tivesse uma narrativa tão verdadeira quanto Chernobyl, na maioria dos roteiros que criou trabalhou com comédias escrachadas e forçadas, e mesmo sem muita experiência nesse tipo de trama conseguiu abordar um tema com tamanha realidade de forma honesta e profunda.
Algo feito na minissérie da HBO e que ajudou a contar a história é o já mencionado toque de realidade vista nela. Produções sobre desastres costumam tentar ao máximo utilizar desta artimanha para fazer com que o público se emocione e acredite naquilo que é representado na tela. O foco da minissérie não está na explosão em si, e sim nos acontecimentos seguintes a liberação astronômica da radiação.
Os dois primeiros episódios são mais amenos em relação a cenas fortes, já a partir do terceiro capítulo até o quinto o que se vê são atos cruéis e cenas chocantes, como a dos bombeiros, que foram os primeiros a ter contato com a radiação sem saber com o que estavam lidando, e nessas cenas são mostradas o real poder da radiação em seus corpos. Depois no quarto episódio com uma parte pesadíssima em que animais, como cães e gatos, são abatidos sem dó com impiedosos tiros certeiros de rifles. Há uma necessidade em mostrar tudo isso, justamente para dar a dimensão do quão perigoso é um vazamento nuclear.
Tais cenas dão bastante força para o arco dramático dos personagens, não apenas dos que estão sofrendo com a radiação, mas também com os cientistas que estão trabalhando para cessar e descobrir as causas do acidente nuclear. É um belo trabalho de direção e roteiro que faz com que tenha uma comoção em tudo o que é apresentado, principalmente nas cenas em que os animais são abatidos. Há também um certo tom dramático em relação ao que irá acontecer, se mais pessoas irão morrer, ou se o plano de contenção dará certo. Mesmo sabendo o fim da história há sim motivos para deixar a todos na torcida para que as ações deem certo.
Johan Renck é o nome da produção, como diretor soube muito bem trabalhar a história contando seus principais pontos e os apresentando de forma sombria e inteligente, sabendo por quais caminhos que irá tocar a narrativa. É escolha do diretor em não se preocupar em focar no período econômico da União Soviética, mas sim na questão política, abordando a incompetência dos líderes em não pensar em um projeto de contenção, e no jeitinho em que queriam tratar da explosão, mantendo o assunto apenas localmente. Johan tem experiência suficiente para manter o foco da produção puramente na história, o diretor já dirigiu episódios de Bates Motel, Vikings e Breaking Bad, todas as séries sucesso de público e de crítica. São decisões de Johan Renck, somadas ao roteiro de Craig Mazin, que fazem com que Chernobyl se torne a obra-prima.
Como forma de dar a maior realidade possível para a história foi feito um trabalho de recriação perfeita de recriação do ambiente, desde a usina nuclear, até da cidade fantasma de Pripyat, na Ucrânia. O jeito com que todo o acidente foi retratado lembra a de um filme de terror, com um elemento impactante sendo apresentado a cada episódio dando e dando a dimensão exata do que pode acontecer caso a radiação não fosse contida, e caso não se tomassem medidas para que o núcleo fosse coberto.
Chernobyl é uma das melhores minisséries já produzidas por justamente contar uma história que aconteceu e que foi encoberta ao extremo pelo partido comunista da antiga URSS. Isso explica o sucesso monumental da produção da HBO. Ao relembrar um período que aconteceu, em que URSS e EUA viviam a Guerra Fria e uma situação real de conflito com armas nucleares, e que atualmente faz parte da vida de todos com a corrida armamentista de muitos países, é que a produção se sai bem e deixa uma mensagem fascinante: a de que nem sempre a ambição humana por mais poder é o caminho certo a se seguir.
Chernobyl (idem, EUA, Reino Unido - 2019)
Direção: Johan Renck
Roteiro: Craig Mazin
Elenco: Jared Harris, Stellan Skarsgård, Jessie Buckley, Emily Watson, Paul Ritter, Adam Nagaitis, Sam Troughton, Robert Emms, Con O'Neill, Adrian Rawlins
Gênero: Drama, História
Duração: 64 (por episódio)
Crítica | The Perfection - O horror feito para impressionar
Há momentos de nossa vida em que buscamos a perfeição em algo que fazemos, seja no trabalho, nos estudos ou no relacionamento. Em The Perfection (Richard Shepard) a perfeição em si só está mesmo no nome do longa, pois com uma proposta boa e um bom início, o filme logo se perde em seu roteiro e a proposta inicial acaba se tornando algo totalmente diferente daquilo que é apresentado na primeira meia-hora.
The Perfection conta a história de duas garotas, Charlotte (Allison Williams) e Lizzie (Logan Browning), que se reencontram após dez anos. Ambas são excelentes violinistas, porém Lizzie se tornou a preferida do mentor da escola de música Anton (Steven Weber), enquanto Charlotte ficou um tempo fora. Nisso o longa vai se desenvolvendo criando um novo vínculo entre as duas, e então o roteiro decide começar as suas inúmeras reviravoltas.
De primeiro momento esses plot twists são interessantes, pois realmente nos mostram sobre o que a produção fala, algo que ajuda o telespectador a se transportar para dentro da história e a acompanhar a trama das duas garotas. O problema está no jeito que essas viradas de roteiro acontecem, sendo feitas de forma freqüente e como ocorre no final feito de forma brusca, sem nenhum aviso de que a trama falava sobre aquele tema.

Há uma clara tentativa feita pelo diretor em tentar enganar o telespectador. Primeiro dão a entender que iremos acompanhar um filme sobre amizade, amor e provavelmente uma pandemia mundial. Mas tudo muda repetidamente, justamente para tentar enganar a todos e transformar o longa em um produto Cult com um final fantástico de tão surpreendente. Há realmente uma surpresa com o final, mas não pela construção montada acerca do que seria mostrado, e sim porque é algo bizarro e totalmente tosco, algo que fugiu totalmente do que havia sido apresentado até então.
Enganar o público é algo bastante comum e até interessante e já foi feito em diversos filmes, mas isso só se torna atraente se o roteiro foi construído desde o início para que isso aconteça, algo que não ocorre em The Perfection. O roteiro parece mais um remendo de idéias que foram colocadas ali apenas para surpreender. Talvez se o roteiro e a direção pensassem menos em dar reviravoltas e pensassem mais na história o filme não soasse tão falso quanto foi. A própria mensagem a respeito da perfeição é algo secundário e que se torna raso, sendo confrontado apenas no último ato.
Quanto ao horror que é presenciado na cena final e em alguns outros momentos durante o filme, eles realmente dão outra dinâmica para a trama, mas são tão jogados que só estão ali apenas para chocar o público. Não há uma construção no roteiro para que chegue o momento principal e então tenha a pesada surpresa. Algo do tipo, em relação ao horror e ao bizarro, pode ser presenciado no cinema de Pascal Laugier, com seus longas A Casa do Medo e Martyrs que conseguem fazer com que a crueldade imposta às personagens seja algo que realmente cause alguma comoção em quem assiste, algo que não acontece com The Perfection que em certo momento tenta transformar as protagonistas em heroínas, mas acaba por não convencer.

O mistério central do filme é guardado graças as boas atuações de Allison Williams (Girls) e Logan Browning (Lizzie) que passam o sentimento de realmente estarem perturbadas em relação aos acontecimentos, além de parecer que ambas estão envolvidas em um relacionamento mais profundo que a amizade, e isso ajuda a dar uma maquiada nas bizarrices que vão se sucedendo e que englobam as personagens com situações hediondas e escatológicas.
A criação do vilão é extremamente superficial. Dão várias idéias de quem realmente é o lado ruim da trama, atiram para todos os lados e aí, quase que do nada, ele aparece. E o motivo para o surgimento deste vilão é mais banal ainda, sem trabalhar os acontecimentos ou seus atos. O diretor apenas joga a informação de quem ele seria e o que teria feito unicamente pensando no final feito para horrorizar a todos.
A direção de Richard Shepard (Girls), em conjunto com o roteiro bagunçado, faz com que muito do que seria interessante em The Perfection se perca pelo caminho. O jeito com que a narrativa é desenvolvida lembra mais a de um grande novelão, cheio de extremos e com um final surpreendente para deixar o público de boca aberta. Se muitas das decisões tomadas por Richard Shepard fossem na direção de envolver o telespectador e aí, próximo ao final, entregar toda a reviravolta, possivelmente faria com que o longa fosse não apenas mais fácil de ser assimilado, mas também muito mais divertido de se assistir.
The Perfection (EUA – 2018)
Direção: Richard Shepard
Roteiro: Eric C. Charmelo, Richard Shepard, Nicole Snyder
Elenco: Allison Williams, Logan Browning, Alaina Huffman, Steven Weber, Molly Grace, Glynis Davies
Gênero: Drama, Horror, Thriller
Duração: 90 min
https://www.youtube.com/watch?v=q57D6kF5B1k
Crítica | A Juíza - Uma vida de luta pela igualdade
Já presenciamos nas mais diversas produções americanas um tema que se tornou quase que rotineiro em séries e filmes de vários gêneros. O cinema e a TV gostam de criar narrativas em que o tribunal e o julgamento sejam questões cruciais para a história. Já vimos tramas sobre julgamentos em que alguém luta ou contra um governo, ou quando uma pessoa é processada por cometer algum crime. Os filmes de julgamento estão na essência do cinema americano, no clássico 12 Homens e uma Sentença (1957) encontramos uma das mais célebres e fascinantes narrativas sobre o assunto. No centro destas produções estão ou advogados ou juízes, muitos são inspirados em pessoas que existiram e outros são apenas inspirados em personagens fictícios.
No documentário A Juíza (Betsy West e Julie Cohen) presenciamos toda a trajetória da inicialmente advogada Ruth Bader Ginsburg até chegar ao mais alto patamar nos EUA em sua área, que é a Suprema Corte Americana. Uma história real que deixa todo o meio jurídico americano orgulhoso de ter a figura de Ruth Bader em um cargo tão importante. Por ser um documentário é provável que se encontre um vasto material de arquivo a respeito desta personagem.
RBG (nome do documentário em inglês) vai muito além das cenas de arquivo, que incluem fotos, vídeos e arquivos de áudio dos julgamentos importantes nos quais Ruth Bader esteve envolvida. Essa riqueza de documentos históricos é o mais interessante do documentário, pois ajuda não apenas a construir a imagem de Ruth em uma mulher que busca a igualdade entre homens e mulheres, mas também ajuda a mostrar seus métodos de argumentação e como foi árduo seu trabalho em lutar contra um sistema.

Há uma mescla entre as imagens de arquivo e cenas da juíza comparecendo a eventos nos dias de hoje, indo à ópera ou a programas de TV, e claro que há a conversa entre a juíza e os diretoras do documentário, em que Ruth comentava todos os acontecimentos do passado e seus desdobramentos para a sociedade. Como suas defesas eram tratadas na época e qual a sua motivação em realizar suas defesas. Essa conversa tête-à-tête com as diretoras é um artifício importante para dar maior margem a muitas questões que eram discutidas. Sem esses diálogos se tornaria mais uma reportagem que propriamente um documentário.
O mais importante desta produção tem relação com sua mensagem. Ruth Bader Ginsburg direcionou, ao longo de toda a sua carreira, uma linha de trabalho em prol da sociedade e da luta pela igualdade entre homens e mulheres. Antes de entrar para a Suprema Corte trabalhou muitos anos como advogada, e realizava belos textos que defendiam casos ardilosos em que mulheres eram tratadas como cidadãs de segunda classe, sem direitos e tendo um abismo em relação a muitas condições oferecidas aos homens. Depois que Ruth vai para a Suprema Corte há outros trabalhos que realizou e o documentário separa seu trabalho em épocas, antes de George Bush fazer novas indicações para o tribunal e uma linha que mostra como era a Suprema Corte antes de Bush, quando foi colocada no poder por Bill Clinton.
Há uma diferença entre A Juíza em relação ao documentário Free Solo (vencedor do Oscar 2019) que é justamente em sua mensagem, pois Free Solo se propõe a mostrar o feito de um homem frente a morte, enquanto A Juíza apresenta uma mulher que lutou pelo coletivo e por questões que mudaram não apenas os EUA, mas também o mundo, e essa é a importância desta produção dirigida por Julie Cohen e Betsy West. Documentários geralmente tem como propostas dialogar com algo pertinente e relevante para a população e isso é algo feito de forma competente.

Ruth Bader é a protagonista de RBG, mas não a única com importância para a história. Um personagem real surge com destaque que é de seu marido Martin D. Ginsburg. Um homem que é apresentado como parte importante para que Ruth se tornasse a pessoa que se tornou. Martin era um bom marido, a apoiou a estudar em um período em que não era algo comum para as mulheres. Esse fator de o colocar com certa importância é algo interessante porque dá uma contrabalanceada no que é mostrado e por dar a devida importância a relação dos dois e como isso fez com que, no futuro, Ruth Bader subisse na carreira, e que sempre teve apoio nessa empreitada.
Um problema, que fica bem claro próximo ao final, é no quesito de correr com temas interessantes. Os últimos vinte minutos são bastante atropelados, entra no período Bush, corre para a época de Obama e passa correndo pela presidência de Trump. Outro fator que poderia ter sido melhor trabalhado é o do aprofundamento de questões que foram apresentadas ao longo do tempo, mas que ficaram apenas no superficial, e isso tira bastante o peso do assunto que está sendo discutido. Nos vários relatos de Ginsburg sobre acontecimentos que julgou no passado, há uma falta em discutir aquele tema mais afundo, de uma forma que pudesse ser mais didático para o telespectador.
Mitos pops não aparecem da noite para o dia, são trabalhados e desenvolvidos ao longo do tempo até chegar em seu auge. Foi assim com a vida de Ruth Bader Ginsburg e a produção deixa claro isso ao mostrar todos os percalços pelo qual passou. Não a toa a juíza hoje é vista como uma lenda não apenas para os americanos, mas também pelo mundo. RBG é um documentário que procura trabalhar esse mito e mostrar quem é a mulher por trás daquela toga.
A Juíza (RBG EUA), 2018
Direção: Julie Cohen, Betsy West
Elenco: Ruth Bader Ginsburg, Ann Kittner, Nina Totenberg,Martin D. Ginsburg
Gênero: Documentário, Biografia
Duração: 98 min
Crítica | Tolkien - Um filme que peca na falta de ambição
A Literatura de J. R. R. Tolkien vai muito além de O Senhor dos Anéis. O autor escreveu diversos livros em vida, muitos deles só foram lançados anos após sua morte. Em sua vasta biografia ficaram obras memoráveis como O Hobbit, O Silmarillion e Contos Inacabados. Mas Tolkien vai muito além de seus livros, atrás de todas aquelas palavras havia um linguista extremamente competente e sábio, e é exatamente isso que o longa Tolkien (Dome Karukoski) quer nos mostrar.
Quem gosta de seguir a vida de uma personalidade importante e assistir a cinebiografias provavelmente irá se frustrar com Tolkien em um primeiro momento, pois o longa não se propõe a mostrar o que os fãs julgam ser o principal para levar alguém a assisti-lo que é a criação de suas histórias, como pensou nos personagens, de onde tirou inspiração para criar a Terra Média, em quem se influenciou para a elaboração de Sauron e Gandalf, de O Senhor dos Anéis e muitas outras questões que não apresentadas no filme
Só que essa não era a proposta do diretor Dome Karukoski (Fruto Proibido). O que Dome quis mostrar foi antes do escritor genial vinha o homem Tolkien. Para isso somos levados a conhecer a infância do autor, sua adolescência em que conhece três amigos que os segue no dia a dia no colégio e depois indo junto com ambos para a mesma faculdade, de Oxford no caso. Na fase adulta há o encontro com o que seria posteriormente seu grande amor, Edith Mary Tolkien, que serviu de inspiração para muitos personagens de suas obras como as elfas Arwen e Lúthien.

Uma parte de sua vida, que é apresentada de forma rápida, mas que tem muita importância para Tolkien é em relação a sua participação na Primeira Guerra Mundial, em que perdeu dois de seus amigos mais chegados. O filme não faz uma ligação com os acontecimentos da Primeira Guerra Mundial com o que o autor viria a escrever no futuro, nem que a perda dos amigos seria algo que o emocionou a ponto de criar a Sociedade do Anel com os quatro Hobbits unidos em uma jornada de perigos e amizade. A ideia foi a de que Tolkien, por meio de suas experiências, foi criando internamente suas histórias.
Sua infância com a mãe é mostrada de um jeito também rápido, para contar como Tolkien perdeu sua mãe e logo já corta para a sua adolescência e depois para a fase adulta. Nas duas primeiras fases o foco é a criação de laços e para nos mostrar o potencial do então garoto jovem e quão dedicado a linguagem Tolkien era. Não há muito interesse do diretor em nos mostrar Tolkien lendo livros ou escrevendo seus textos, são raras as cenas assim
O longa fica muito focado em apenas uma fase de sua vida, algo que o torna bastante genérico por não tratar os temas mais interessantes de sua carreira sem se aprofundar em muita coisa, e também por apenas dar uma pincelada rápida em questões bastante relevantes, como foi o caso de sua participação na Guerra. Dava para contar a vida do autor de forma mais abrangente até chegar na criação dos personagens de seus livros e todo o resto que se espera de uma produção desse. Algo parecido foi feito em muitas outras cinebiografias, como ocorreu em Uma Mente Brilhante, em que é contada a história quebrando o tempo sem precisar se aprofundar em questões menos irrelevantes para a trama e assim contando toda a trajetória do protagonista. Em Tolkien, perde-se muito tempo falando dos amigos e de sua futura esposa e sobra pouco tempo para falar de suas inspirações e de suas criações.

Nicholas Hoult (X-Men: Fênix Negra) é um ator bastante competente e de grande futuro pela frente, tanto que foi cotado para interpretar o Batman de Matt Reeves. Sua interpretação em Tolkien é contida e em alguns momentos sem emoção, até porque a história não se abria para isso, mas quando se pede esse sentimento ele não convence. Agora nos momentos mais cruciais em que se desenvolvia toda a vida estudiosa do escritor e em seu romance, Nicholas Hoult se sai bem melhor e cativa o público com sua simpatia.
Mesmo tendo poucos filmes relevantes em sua carreira cinematográfica Dome Karukoski não decepciona, pois consegue desenvolver a narrativa da forma com que o espectador não conhecedor da vida de Tolkien conseguisse assimilar quem ele era e quais as suas ambições profissionais. Há um desenvolvimento bem realizado do roteiro que sempre se comprometeu em apenas mostrar a genialidade do autor e nada mais que isso. Como havia muito assunto a se tratar é até compreensível que o diretor não quisesse ter entrado em um caminho que possivelmente iria deixar o filme superficial em sua mensagem e nos acontecimentos que o cercaram.
Tolkien não é uma produção para aqueles que gostariam de se aprofundar em suas obras, deixa de lado sua inclinação católica e não entra em suas relações com outras personalidades da literatura ou da arte da época, como sua amizade com C. S. Lewis (Crônicas de Nárnia), e muito menos o já mencionado interesse em abordar a vida do autor até um certo momento, sem focar nos seus ensinamentos como professor em Oxford. nem na criação de seus escritos Se o filme fosse um livro ficaria apenas no primeiro volume e faltaria muito para compor a vida de uma personalidade tão importante quanto foi J. R. R. Tolkien.
Tolkien (EUA), 2019
Direção: Dome Karukoski
Roteiro: David Gleeson, Stephen Beresford
Elenco: Nicholas Hoult, Harry Gilby, Laura Donnelly, Guillermo Bedward
Gênero: Biografia, Drama, Guerra
Duração: 100 min
https://www.youtube.com/watch?v=I60-KNyabNg&t=12s
Crítica | O Silêncio - A Falta de originalidade da Netflix
A Netflix já se notabilizou pela qualidade de algumas de suas produções, não apenas em relação à narrativa ou a estética de seus filmes e séries, mas também no sentido de conseguir angariar uma audiência surpreendente para frente da tela. Depois do sucesso estrondoso de Bird Box (Susanne Bier) começou uma busca, pela plataforma de streaming, em conseguir um produto que conseguisse repetir tal feito, e é aí que entra a tentativa frustrada de transformar O Silêncio em um possível sucesso.
Há muitos elementos de produções recentes do gênero de terror que foram empregados de forma equivocada no filme. A começar pelo próprio apocalipse no qual o longa quer trabalhar a ideia da raça humana estar à beira da extinção por causa de criaturas cegas que atacam quando ouvem algum tipo de barulho. A ideia da trama é boa, mas nada original, pois já vimos isso em Um Lugar Silencioso (John Krasinski) e até mesmo no já mencionado Bird Box. Ou seja, O Silêncio pegou a ideia de dois filmes de sucesso e os colocou ali de forma atropelada.
É possível pegar referências de outros longas sem precisar copiá-los na cara dura, algo que John R. Leonetti (Annabelle) não fez. O Silêncio está mais para um amontoado de referências no qual a trama se prende para criar sua história. Por ser uma adaptação de um livro (não lançado no Brasil), isso seria um fato que poderia ajudar o diretor dando uma vantagem para trabalhar em cima de algo já criado e assim ir mudando a narrativa do livro com o que achasse que seria mais relevante para o público.

O diretor se perdeu totalmente no conceito que quis criar quanto a atmosfera de terror e caos. O terror praticamente inexiste, primeiro por ser óbvio, segundo por abusar demais nos clichês. A obviedade em conjunto com o show de clichês acaba matando o terror que poderia vir a dar certo. O diretor toma medidas tão preguiçosas em relação a algumas cenas que o telespectador consegue antever o que irá acontecer e em vez de John Leonetti tentar os surpreender acaba fazendo exatamente o que o público imaginava que iria acontecer.
Não há momentos de tensão, justamente por causa da obviedade e da tentativa frustrada em se fazer terror. A tensão está muito ligada as cenas de suspense, mas pelos motivos acima listados também acaba por matar algo que possivelmente iria funcionar. Em duas situações, na cena do carro e quando estão entrando na residência é que há uma tentativa em se criar uma atmosfera de pânico que não funciona por serem pessimamente trabalhadas e por ter um desfecho que cai exatamente naquilo que vem sido dito aqui, que é a obviedade das cenas.
Além de ter uma história extremamente fraca e batida e com situações incrivelmente abomináveis, há ainda um outro elemento na produção que ajuda bastante a deixar o telespectador com antipatia a tudo o que é apresentado. Os personagens são rasos, sem um trabalho de desenvolvimento em relação a suas vidas particulares e também na relação deles como uma família, algo que pode ser visto em Um Lugar Silencioso e que em O Silêncio não é bem aproveitado. Há uma relação de pai e filha ali que daria muito assunto para a trama, mas que é totalmente mal trabalhado.
O elenco puxado por Stanley Tucci (Jogos Vorazes) e Kiernan Shipka (O Mundo Sombrio de Sabrina) tem atuações contidas em grande parte do tempo e em alguns momentos ficam bastante abaixo do pedido para a trama. Nas horas de tensão e pânico Stanley Tucci parece estar participando de um drama familiar e não de um thriller, sua atuação é bastante decepcionante e não convence. Kiernan Shipka está melhor e apesar de estar apática se sobressai ao restante do elenco, sua simpatia ajuda bastante em deixar a personagem mais amável e menos sem graça.

Diferente com o que ocorreu em Bird Box em que as criaturas não apareceram de forma física (algo que foi muito criticado pelo público da Netflix) em O Silêncio elas surgem aos montes para matar qualquer pessoa barulhenta. Claro que as criaturas ajudam na tentativa de se criar uma atmosfera de terror, algo que não funciona pelo simples fato dessas criaturas serem enganadas facilmente. Sua forma física também não põe medo, algo que não acontece, por exemplo, com os monstros da franquia Criaturas, em que todos os monstros colocam em pânico com facilidade o telespectador.
John R. Leonetti não foi a escolha certa para liderar este filme. Em seu currículo há mais fracassos e decepções que acertos. Foi John R. Leonetti o responsável por dirigir longas fraquíssimos como 7 Desejos e Efeito Borboleta 2, possivelmente Annabelle foi sua melhor direção até o momento. Chamar um diretor com tantos longas ruins na carreira é um equívoco porque a chance dele acertar é muito baixa em relação as altas expectativas que o público da Netflix vem demandando ultimamente em relação ao conteúdo de suas produções.
O Silêncio foi claramente uma tentativa frustrada de conseguir um viral instantâneo e viu as críticas negativas serem superiores as positivas para o longa, algo que provavelmente frustrou as intenções de uma futura continuação. É um filme cheio de boas intenções, mas que naufraga quando a história parecia que ia caminhar. Netflix precisa pensar rápido em criar conteúdo de mais qualidade, já que vários serviços concorrentes de streaming estão surgindo e logo poderão bater de frente com o conteúdo original da empresa.
The Silence (O Silêncio – EUA, 2019)
Direção: John R. Leonetti
Roteiro:Carey Van Dyke, Shane Van Dyke, Tim Lebbon (Livro)
Elenco: Stanley Tucci, Kiernan Shipka, Miranda Otto, Kate Trotter, John Corbett, Kyle Breitkopf, Dempsey Bryk
Gênero: Horror, Thriller
Duração: 90 min.
Crítica | After - Amor e Mediocridade
É comum que adaptações de livros para o cinema tenham diferença em relação a história abordada na literatura, mudando alguns elementos na trama original e tentando ficar o mais próximo possível do que os fãs queriam da obra no filme. After (Jenny Gage) é destas produções adaptadas que se tornaram filmes e que é inspirado no livro escrito por Anna Todd e que se tornou sucesso mundial por falar sobre um assunto já abordado em diversos livros, mas sob uma ótica diferente, algo que o longa tentou fazer, mas não conseguiu.
Por se tratar de um romance logo se vem a comparação com outras duas franquias bem sucedidas nas livrarias e também nos cinemas, caso de Crepúsculo que teve quatro filmes e a franquia Cinquenta Tons de Cinza com três longas. After vem nessa pegada, mas tentando dialogar com o público adolescente e adulto. A ideia da era a de criar um romance teen entre o protagonista rebelde Hardin Scott (Hero Fiennes-Tiffin) e a aparentemente garota ingênua Tessa Young (Josephine Langford), ao contar como pano de fundo a relação com a mãe de Tessa, sua rotina na faculdade e na criação de novos amigos.
O que torna o longa de Jenny Gage uma produção terrível é o fraco roteiro adaptado assimilado com a péssima direção que aliados o transformam em um dos piores romances já feitos. O roteiro é extremamente óbvio no jeito que trabalha as situações, desde como os protagonistas se encontram, até as relações amorosas e familiares de Tessa Young. Essa obviedade é algo tão gritante que se você imaginar que algo irá acontecer em alguma cena ela realmente acontece, não há um mínimo trabalho em tentar surpreender o telespectador. Há um plot twist próximo ao final que tem essa missão de tentar causar uma surpresa no público, mas do jeito que foi trabalhado e de feito de forma tão preguiçosa que causa um efeito contrário. A ideia era a de criar uma empolgação no telespectador com uma trama tão piegas que chega a dar sono.

Romances têm como proposta apresentar personagens apaixonados e que vivam um amor incondicional, algo que acontece em After. Mas esse romance é tão mal estruturado e construído que o relacionamento mais parecia um entusiasmo entre dois jovens que uma paixão ardente propriamente dita. Não havia sentimento nas cenas em que os dois protagonistas estão juntos, nem as cenas mais quentes empolgavam de tão mal elaboradas que foram. A proposta era a de fazer um romance, mas as cenas de amor são tão toscas que é inevitável não causar um humor não intencional em quem assiste, é difícil não rir nas cenas apaixonadas que eram para ser sérias. Esse relacionamento entre Tessa e Hardin é apresentado desde o início da história, mas perde-se uma grande parte do tempo do filme mostrando os dois juntos, algo que acaba tornando a trama extremamente maçante e repetitiva. Mostram os dois juntos, então corta para uma outra cena em que estão juntos e depois para outra cena juntos, nada acontece nessas partes a não ser beijos e cenas vazias dos dois juntos.
Há outra relação em After que poderia ter dado uma grande sacudida na história. Os momentos em que Tessa está com sua mãe Carol Young (Selma Blair) são os mais interessantes e é bastante triste que elas sejam curtas e rápidas. Tais cenas dão uma levantada nos acontecimentos que a protagonista vive e dão maior empolgação para o público que busca uma subtrama que seja mais empolgante que o relacionamento principal entre o casal. A mãe, queira ou não, é não apenas o sinal de alerta de Tessa para o perigo que o relacionamento possa ser, mas também uma espécie de consciência da garota que poderia ter sido muito melhor aproveitada do que foi.
Os personagens são extremamente mal concebidos e mal trabalhados. Em um primeiro momento parece que há algo de interessante em Hardin, sua relação com a mãe e com seu novo padrasto e seu novo meio irmão filho do padrasto. Há uma rebeldia nele que não é desenvolvida e deixa um grande vácuo em seu personagem, pois não se entende de onde vem tanta raiva e até mesmo esse sentimento de ódio é algo mal explorado. Já Tessa é a mesma coisa, há uma relação amistosa com a mãe que depois passa a ser conflituosa e nada mais que isso. Não há um trabalho em dizer por que ela não tem muitos amigos ou até mesmo o seu relacionamento com seu namoro antes de conhecer Hardin. A principal personagem e a mais interessante é Carol Young, têm bons momentos e é feita na medida certa.

Se há um acerto em After é em relação a escalação de Selma Blair para viver a mãe de Tessa, a atriz foi diagnosticada com Esclerose Múltipla e muitos achavam que ela poderia parar de atuar. Selma Blair está ótima e há uma grande diferença em sua atuação em relação ao dos personagens principais. Josephine Lagnford apesar de inexperiente é bastante esforçada e quando está sozinha até que se sai bem, o problema é quando está atuando junto com Hero Fiennes que pode até não ser um péssimo ator, mas no longa ele está tão ruim que é difícil não rir de sua interpretação.
Colocar diretores inexperientes em produções de que podem gerar uma grande bilheteria é algo bastante comum e a escolha de Jenny Gage é uma surpresa e um grande erro, pois não é uma diretora com uma vasta cinematografia,. algo que ajudou bastante em transformar um filme que tinha tudo para ser interessante em uma grande bizarrice de gênero, pois sua inexperiência pesou em alguns momentos. Os caminhos escolhidos para levar alguns personagens e algumas situações mostradas são tão mal feitas que é de se espantar que uma produção de Hollywood tenha caído em tais erros que mais beiram o amadorismo. O trabalho com os atores foi péssimo, tanto que a cena que os dois estão juntos são extremamente decepcionantes. Há muitas outras cenas mal filmadas, câmeras colocadas em locais errados, enquadramentos péssimos, fatos que nem YouTubers errariam Jenny consegue errar.
Possivelmente After foi feito mais pensando nos fãs que no público em geral, o que é um grande erro, já que há muitos telespectadores ávidos por esse tipo de produção, ainda mais os que ficaram órfãos de franquias recentes como Cinquenta Tons de Cinza. Por ser uma franquia literária é possível que novos filmes sejam feitos, mas há de se fazer um grande trabalho de recuperação para futuras continuações, uma mudança no tratamento da história e uma busca em melhorar a imagem do filme frente ao público. Somente o tempo irá dizer se haverá novas sequências e caso aconteçam que os fãs rezem para que não seja tão ruim quanto este.
After (idem – EUA, 2019)
Direção: Jenny Gage
Roteiro: Susan McMartin, Anna Todd (livro)
Elenco: Josephine Langford, Hero Fiennes Tiffin, Selma Blair, Jennifer Beals, Peter Gallagher, Meadow Williams, Samuel Larsen, Inanna Sarkis
Gênero: Drama, Romance
Duração: 106 min.
Crítica | De Pernas Pro Ar 3 - Uma comédia que sai do básico
De Pernas Pro Ar é uma das franquias nacionais de maior sucesso entre as produções do gênero de comédia, tal fato fez com que o longa recebesse uma terceira continuação. Os dois primeiros filmes arrecadaram juntos mais de 7 milhões de bilheteria. Logo se imaginava que uma continuação viria rapidamente, mas isso não aconteceu facilmente. Foram mais de cinco anos até que De Pernas Pro Ar 3 realmente saísse do papel.
O terceiro filme da franquia mantém a pegada dos dois anteriores e tenta ir além, tentando levar uma mensagem para o público, além apenas de entreter e fazer o telespectador rir. Se no primeiro filme a personagem de Ingrid Guimarães criava seu império de Sex Shop e no segundo longa precisava conviver com os conflitos entre excesso de trabalho e família, agora, na terceira parte parece que a tentativa de fazer algo diferente dá certo, mas apenas em uma parte da história.
Na trama, Alice Segretto (Ingrid Guimarães) continua convivendo com novos dramas envolvendo a família e ainda precisa pensar em reinventar como empresária e precisar tocar a empresa com novos produtos. Nisso há uma disputa paralela com uma nova personagem chamada Leona e interpretada por Samya Pascotto. O que se imaginava ser uma história diferente acabou se tornando, na realidade, algo que já havíamos visto no segundo filme.

Levar para o público algo de novo em uma produção que faz parte de uma franquia é uma tarefa bastante complicada, pois é necessário criar uma narrativa que além de ser original precise trazer algo de novo para os telespectadores que já acompanharam os filmes anteriores e ainda pensar em algo que prenda a atenção das pessoas que ainda não assistiram a nenhum dos filmes anteriores. Foi, possivelmente, pensando nesse aspecto que De Pernas Pro Ar 3 erra no jeito que elabora o roteiro e também no jeito como foi montado na hora da edição final.
Há um problema sério no jeito como a história é contada. Começa falando do mesmo assunto que de De Pernas Pro Ar 2 tratou, sobre a família, a relação de Alice com o filho e com a filha e tudo leva a crer que seria uma abordagem repetitiva em relação ao anterior. Mas quase que do nada há uma mudança na trama e começam a tratar de outros assuntos. Primeiro mostrando a competição de Alice com Leona, tratando claramente sobre a diferença de idade das duas personagens e como cada uma, em sua faixa etária de idade, pensa sobre o sexo. Leona por ser mais nova pensa mais no lado digital e Ingrid no real, tanto que investe em uma boneca, enquanto Leona foca em um óculos de realidade virtual.
Tratar de um só assunto em um longa não é algo incomum e também não é errado, mas do jeito que é feito em De Pernas Pro Ar 3 fica evidente que houve sim um erro na construção do roteiro, porque esses temas são tocados quase que do nada e sem um trabalho que desse um motivo desses temas aparecerem. Por exemplo, no primeiro ato fica muito evidente que a relação de Alice com o filho mudou, mas do anda essa relação fica de lado e não se toca mais nela, o mesmo acontece com a sua filha mais nova e que também é deixada de lado. Da família vão para a competição de Alice com Leona na disputa de quem é melhor, essa disputa entre as duas é interessante e desenvolve algo que dá uma segurada na história, e depois esse lado digital e empresarial da protagonista se torna o foco central, além de ter uma cena em que ela tem que lidar com o marido.
As situações envolvendo a personagem de Ingrid Guimarães de início funcionam, ainda mais quando ela descobre o novo óculos de realidade virtual e tem em seu auge a cena de humor envolvendo Cauã Reymond, mas não vai além disso. De Pernas Pro Ar 3 é muito parecido aos anteriores no tipo do humor feito, tentando fazer rir com situações engraçadas, mas inferior em relação ao tipo de humor feito. As situações parecem ter sido colocadas ali apenas para tentar fazer humor e fica um amontoado de cenas inusitadas que tentam a todo o instante fazer rir, algo que não ocorreu em De Pernas Pro Ar 2 que tudo foi pensado para fazer rir de forma instantânea e com situações que faziam sentido para a trama. Há uma forçação de barra para que isso ocorra. O roteiro não ajuda muito, pois a partir do segundo ato quando Alice começa a querer confrontar Leona acaba por perder a graça e a história se torna mais séria.

O que ajuda bastante a tirar a força do humor na produção dirigida por Julia Rezende é o fato de ter uma obrigação em colocar uma mensagem no filme, e elas são muitas. Primeiro a relação de Alice com o filho em não entender que ele cresceu e é um homem agora, depois, mais para a frente, com o marido interpretado por Bruno Garcia. E ainda a já mencionada relação com a nova namorada do filho e sua disputa com Leona, além da tentativa de se reinventar como empresária. São muitos temas a serem abordados em tão pouco tempo, e assuntos que trazem uma mensagem que dependendo do jeito que são tratados podem tirar a força do humor, e é exatamente isso que acontece no último ato em que todas as pontas soltas são amarradas.
Não há o que criticar em relação a atuação do elenco que se sai bem quando tem que fazer humor e quando precisam ser mais sérios. Ingrid Guimarães mesmo com caras e bocas consegue se manter no papel e prender a atenção do público, o mesmo acontece com o resto do elenco. O problema mesmo está nos personagens, principalmente o de Bruno Garcia. Estava escanteado e do nada houve uma necessidade em ter que colocá-lo mais na trama, isso foi feito para mostrar uma visão masculina para uma história que estava bastante feminina e possivelmente mostrar para o público masculino que eles também são representados no filme, mas seu personagem é tão jogado e tão mal utilizado que nem faz sentido o colocar na trama do jeito que foi utilizado.
Julia Rezende (Coisa Mais Linda) é uma diretora de grande futuro no cinema nacional e tem uma boa visão para dramas humanos e para o universo feminino. Em De Pernas Pro Ar 3 sua direção é competente, mas não sai muito do óbvio e não tenta criar algo mais original. Há uma tentativa em criar algo mais sério e tentar sair um pouco do humor, algo que funciona até certo ponto e é algo a ser elogiado, já que foge do que as produções recentes de humor nacionais tentam fazer. De Pernas Pro Ar 3 é uma produção para a família - mesmo tratando de um tema considerado para adultos como é o sexo - e que deve ser visto por aqueles que gostam de cinema nacional e também para aqueles que acompanham a franquia desde a sua concepção em 2010.
De Pernas Pro Ar 3 (idem – Brasil, 2019)
Direção: Julia Rezende
Roteiro: Rene Belmonte, Paulo Cursino, Ingrid Guimarães, Marcelo Saback
Elenco: Ingrid Guimarães, Eduardo Melo, Samya Pascotto, Cristina Pereira, Bruno Garcia, Denise Weinberg, Maria Paula, Stepan Nercessian
Gênero: Comédia
Duração: 90 min.
