O Fantasma da Ópera conquista São Paulo novamente após 14 anos fora de cartaz
Não é a primeira vez que a clássica peça do consagrado Andrew Lloyd Webber visita São Paulo em grande temporada com seu atemporal O Fantasma da Ópera. Em 2005, na época o então Teatro Abril abraçou a produção mais longeva e popular da Broadway em adaptação excepcional com o trio de atores Sara Sarres, Saulo Vasconcelos e Nando Pradho.
Apesar de não ter sido a minha primeira visita ao fabuloso teatro que é basicamente uma parada obrigatória a qualquer turista na cidade, simplesmente há um quê muito especial em O Fantasma da Ópera que é capaz de tocar o coração do público de diversas idades, afinal não é à toa que a peça simplesmente nunca saiu de cartaz da Broadway desde sua estreia em 1988.
Agora, depois de mais de uma década fora da programação do teatro que de Abril, virou Pegeout e agora é Renault, O Fantasma da Ópera está novamente em cartaz já conseguindo ter sua temporada prorrogada diversas vezes em uma produção praticamente tão boa quanto a de 2005. Trazendo o trio Lina Mendes, Thiago Arancam e Fred Silveira como os personagens Christine, Fantasma e Raoul, respectivamente, a obra ainda comove a plateia com eficácia.
Assombrações na Ópera de Paris
É evidente que a história de O Fantasma da Ópera se trata de uma das maiores tragédias épicas realizadas pela escrita de Lloyd Weber, que adaptou o romance homônimo de Gaston Leroux.
Aos que desconhecem, a história é centrada em 1881 na Ópera de Paris que é constantemente atacada por um ser conhecido como o Fantasma da Ópera. Com a nova direção dos bonachões ricaços Firmin (Sandro Christopher) e André (Marcus Lanza), o impiedoso Fantasma demanda que Christine Daaé, uma das bailarinas do ensemble da Ópera seja a protagonista da peça Hannibal substituindo Carlotta (Joyce Martins), a prima donna da peça.
Através de atentados que possuem escaladas crescentes de advertência e perigo, o Fantasma finalmente consegue emplacar Christine como o maior destaque da peça. Felizmente, Christine consegue dar conta do papel e impressiona a crítica com o teatro lotado. Festejando a conquista de sua amiga de infância, Raoul Chagny, o visconde, a felicita já deixando claro sua grande paixão latente pela moça.
Porém, enquanto a atriz se arruma em seu camarim, seu tutor, o “Anjo da Música” se revela e a congratula, a seduzindo e a encantando para as câmaras subterrâneas da Ópera onde vive e revela quem realmente é: o violento e deformado Fantasma da Ópera. A partir disso, um jogo perigoso de sedução e poder toma conta do lugar com Raoul e o Fantasma disputando pelo coração de Christine.
A maior mudança, para quem já conferiu a produção de 2005, certamente se trata do elenco extremamente talentoso entre as duas edições. Embora eu possua um certo saudosismo pelo elenco original, o de 2019 não deixa nada a dever apesar de estranhamente nunca um ator específico se destaca dentre os demais como já acontecia em outras produções como Os Miseráveis, A Bela e a Fera, A Família Addams e Miss Saigon.
Entretanto, quando todo o elenco se reúne no palco, em cenários majestosos (absolutamente iguais aos de 2005, seguindo o padrão rigoroso da Broadway) principalmente durante a música Carnaval/Masquerade, há uma explosão de energia que possui tamanha força a ponto de contagiar a plateia.
Na apresentação que fui, do dia 27 de outubro, o único ponto de fraqueza da obra foi justamente o grande tenor Thiago Arancam que estava, aparentemente, um tanto cansado no dia. Obviamente não é nada razoável condenar a peça e nem mesmo o ator por conta de algo tão humano, afinal interpretar o mesmo personagem ao menos cinco vezes por semana ao longo de vários meses de uma longa temporada não deve ser nada fácil.
Problemas superficiais, mas notáveis na dicção de Arancam tornaram um tanto difícil compreender suas falas, bastante importantes, para compreender a narrativa em plenitude. Talvez seja por conta do sotaque rebuscado que o papel exige, em uma mistura de francês com português, isso também colabore para deixar a situação um tanto mais grave.
Arancam também traz um retrato mais violento do Fantasma. Na versão de 2005, eu, com apenas 11 anos, achava que a versão do Fantasma de Saulo Vasconcelos possuía mais humanidade, digno de maior compaixão da plateia. Essa memória se ateve até hoje para realizar essa comparação. Arancam consegue, sim, nos momentos finais do personagem na peça, trazer toda a vulnerabilidade, melancolia e tristeza que acomete o infeliz personagem.
Porém, para chegar a isso, em todo o restante do musical, seu Fantasma simplesmente é extremamente irritado, dominante, presunçoso e vingativo. Há mais ódio por Raoul e as vaciladas de Christine em sua versão, deixando seus atos violentos realmente detestáveis. É a essência do personagem, esse equilíbrio de violência e carinho, amor e fúria, sedução e vulnerabilidade, que torna o papel tão difícil de realizar. Infelizmente, na apresentação que fui, Arancam não alcança o equilíbrio, mas certamente merece todos os aplausos acalorados da plateia.
2005 outra vez
Todavia, nada disso se torna um desafio para o restante do elenco composto por 39 atores e bailarinos que realizam com precisão cirúrgica as coreografias feitas por Gillian Lynne e replicadas ao redor do mundo inteiro. Se você viu a versão de 2005, então com certeza verá algo praticamente idêntico a de 2019.
Logo, a qualidade dos espetáculos é, em teoria, totalmente equivalentes. A orquestra ainda enche o salão com os crescentes poderosos que diversas canções possuem como Carnaval, O Fantasma da Ópera, A Música da Escuridão, Já Não Há Retorno Mais e Preciso Ouvir de Ti. É simplesmente majestoso e feito com uma paixão invejável levando ainda mais em conta o trabalho árduo do elenco e dos músicos em suas sete apresentações semanais de quase 160 minutos.
As trocas de figurinos, 230 no total, acontecem em um piscar de olhos, assim como as dos cenários complexos e dos efeitos visuais impressionantes - com destaque, obviamente, para a queda do candelabro maravilhoso que fecha o primeiro ato em grande impacto. É um adorno de cenário tão bonito que é simplesmente impossível não admirá-lo em cima de muitas cabeças que o procuram entre alguns momentos mais sossegados do musical - como as cenas de Firmin e André.
Enfim, O Fantasma da Ópera continua uma força simplesmente atemporal. É sem dúvidas o maior musical de todos os tempos e com certeza deve ser visto por todos. A produção brasileira se empenha ao máximo para conseguir realizar um espetáculo tão bom quanto o da Broadway e de West End. E realmente conseguem.
A emoção musical de O Fantasma da Ópera é, creio eu, infálivel. É simplesmente impossível não sair minimamente transformado depois do testemunho de uma história de essência tão humana. A história da tragédia do amor impossível.
Que não leve novamente mais 14 anos para a peça retornar ao Brasil quando sua atual temporada acabar.
Serviço:
Teatro Renault
Avenida Brigadeiro Luís Antônio, 411 - Bela Vista - São Paulo - SP, 01317000
Quinta e sexta, 21h; sábado, 16h e 21h; domingo, 15h e 20h.
Ingressos de R$ 40,00 a R$ 250,00.
Análise | The Dark Pictures Anthology: Man of Medan - Na sombra do passado
Quando a Supermassive Games fez seu grande debut com Until Dawn, um dos games de terror exclusivos do PS4, parecia para muitos jogadores que estávamos testemunhando o nascimento de uma produtora do calibre da Quantic Dream de David Cage.
O game de narrativa interativa contava com diversos clichês possíveis de filmes de terror e ainda assim cativou bastante pelo entroncamento de eventos mínimos resultando em grandes reviravoltas no terço final da experiência. A brincadeira era simples: tentar manter todos os jovens adultos vivos até o raiar do sol.
Mais fácil escrever do que fazer, com toda a certeza, afinal havia diversos personagens com personalidades bastante irritantes, flertando com o lado mais sádico do jogador em se livrar logo os que desagradavam.
Agora, quatro anos depois, a Supermassive retorna com outro game de terror de narrativa interativa com The Dark Pictures Anthology: Man of Medan. Lançado há pouco tempo e por um preço mais baixo, o game preserva as ramificações narrativas vistas no trabalho anterior da produtora, porém com uma qualidade muito menos esperada do que os jogadores esperavam.
Tempestade Imperfeita
O propósito da Supermassive é bastante simples: lançar oito jogos independentes com histórias de terror distintas pertencendo à dita cuja antologia. Separados apenas por seis meses de hiato, é um tanto alarmante que Man of Medan tenha sido lançado praticamente às pressas.
A história é bastante simples: um grupo de jovens mergulhadores querem explorar pontos de mergulho ainda não descobertos oficialmente. Por um infeliz acaso do destino, os jovens acabam atrapalhando os planos de pescadores locais super mal-encarados. Na mesma noite, os pescadores invadem o pequeno iate e sequestram os jovens querendo saber do que se tratava o “Ouro da Manchúria”, aparentemente um tesouro não descoberto.
No meio da noite, uma tempestade irrompe e joga todos os tripulantes diretamente para um cargueiro da Segunda Guerra Mundial chamado SS Ourang Medan. Subindo a bordo do navio-fantasma, o grupo acaba descobrindo segredos horrorosos que deviam permanecer esquecidos por todo o tempo que o Medan flutue.
Infelizmente, narrativa não é o forte de Man of Medan que praticamente é um título medíocre em diversos aspectos. Os diálogos, matéria-prima para sustentar um game de quase quatro horas, oscilam em extremos de qualidade. Por si, os personagens são bastante insossos, partindo de estereótipos típicos a la Scooby-Doo, um trabalho ainda mais rudimentar do que o realizado com os personagens de Until Dawn.
Algumas características tornam Alex e Julia os protagonistas mais interessantes enquanto Conrad, Fliss e Brad praticamente desmoronam com grandes ausências em porções da história – muito embora isso possa mudar completamente dependendo das escolhas do jogador. Alex e Julia são recém-noivos e, graças a isso, a interação entre os dois é bastante funcional.
Devido a circunstâncias ambientais dos cenários enferrujados do Medan, o casal pouco a pouco caminha em direção à loucura completa. Embora a ideia seja boa, a execução não é. Man of Medan passa constantemente a impressão de ser um game terrivelmente picotado, com a inserção de cliffhangers eficientes, mas que logo depois se tornam irrelevantes já que o acontecimento acaba esquecido em questão de poucos minutos.
Das trivialidades do game, parece apenas que a aliança de noivado de Julia se torna algo recorrente com poder emocional. Do contrário, o restante dos itens serve como macguffins nada elaborados para prolongar a narrativa – o grupo protagonista tenta resgatar uma bugiganga do iate que está com os pescadores malvados para conseguir ligar o barco e se mandar do Medan.
Obviamente, de pano de fundo para arrancar diversos sustos movidos apenas a jump scares, há todo o histórico conturbado que acometeu a tripulação totalmente devastada do navio-fantasma. Infelizmente, todo o mistério é facilmente decifrado horas antes da resolução surgir na história de tão previsível que é.
Parte de clichês bastante conhecidos por qualquer pessoa que esteja familiarizada com quadrinhos de um certo vigilante mascarado. Logo, por conta do mistério ser ruim e, ainda por cima, totalmente sem regras definidas já que as “assombrações” interagem com o jogador sempre de modo contraditório, há muito pouco que realmente salva a experiência desse game.
O que com certeza merece muitos elogios é a dedicação dos profissionais de level design, iluminação e também da direção artística envolvendo toda a atmosfera claustrofóbica do navio. Com muitos jogos de contraluz e alguns pontos de iluminação bem definidos, a atmosfera do game é bastante funcional e, com efeitos de sonoplastia, se torna uma experiência, no mínimo, tensa.
Os sustos realmente funcionam e a adrenalina percorre o seu corpo. Porém, não diria que é um jogo que consegue te paralisar de medo como certas sequências de The Last of Us ou de Resident Evil 7 que atingiram esse ápice de atmosfera.
O maior inimigo de Man of Medan é sua completa falta de polimento. O jogo precisava de mais alguns meses no forno para estar à altura da qualidade que uma produtora como a Supermassive promete. Os problemas são diversos: sincronia labial descompassada, problemas de colisão para movimentar os personagens em cenários apertados e, o pior deles, a péssima expressividade facial dos protagonistas.
Julia é a mais afetada pelo problema conseguindo momentos tão bizarros que seriam dignos de Mass Effect: Andromeda. É um trabalho tão cru e rudimentar que acaba te removendo da atmosfera do game. De resto, a interatividade continua morna assim como era em Until Dawn com itens servindo para complementar a investigação. Outros QTEs são usados nos raros momentos tensos nos quais os personagens precisam correr ou superar alguma adversidade física.
Mau Começo
Logo, não é exagero dizer que Man of Medan é uma experiência bastante entediante. O jogo custa menos que um game tradicional lançado no mercado, porém há de se considerar sua curta duração, embora o fator replay seja encorajado pelo próprio formato do jogo que possui 14 finais diferentes à disposição do jogador.
Entretanto, sempre achei um tanto exaustivo conhecer a mesma história apenas com alguns detalhes distintos. Porém, isso com certeza varia a cada jogador. Contando uma história fraca baseada em um mistério real intrigante, Man of Medan consegue apresentar uma atmosfera bacana que constantemente é quebrada pela pobreza gráfica e de animação facial nos personagens, além da dublagem ser medíocre. Talvez, valha mais a pena aguardar pelos próximos capítulos de The Dark Pictures Anthology.
The Dark Pictures Anthology: Man of Medan
Gênero: Narrativa visual, terror
Plataformas: Xbox One, PS4, PC
Estúdio: Bandain Namco
https://www.youtube.com/watch?v=OQvo4-Ly-sA
Filmes que viraram séries existem! Confira
Há filmes com histórias tão cativantes que não queremos que acabem. Alguns são tão aclamados pelo público, que acabaram sendo transformados em séries de TV.
Seja como reboot, continuação, ou levemente baseada, as séries adaptadas fazem muito sucesso entre os fãs dos cinema, rendendo indicações e prêmios renomados.
Pensando nisso, a equipe telefone net listou no infográfico abaixo algumas séries de sucesso que saíram de um longa-metragem para capítulos memoráveis.
Confira e não perca a chance de assistir!
Era Uma Vez em Hollywood | O que de fato aconteceu com o caso Sharon Tate-LaBianca?
Com Era Uma Vez em Hollywood, novo filme de Quentin Tarantino, chegando aos cinemas, muita gente ficará interessada sobre o fato histórico monstruoso que o filme usa como justificativa de sua narrativa.
Inspirado no assassinato cruel da atriz Sharon Tate, esposa grávida do diretor Roman Polanski, pelas mãos da “família Manson”, o longa não foca muito sobre o acontecimento e nem esclarece os fatos durante seus créditos finais.
Então, para entender o que realmente aconteceu, um pequeno resumo vem a calhar. Conhecido como o caso Tate-LaBianca, os fatos são bastante chocantes. Além do assassinato de Sharon Tate, quatro de seus amigos que estavam em sua residência foram brutalmente assassinados. No dia seguinte, a trupe de Manson também ceifou as vidas do casal LaBianca.
Já aviso que esse artigo é pesado e pode ativar gatilhos em leitores mais sensíveis.
Era uma vez em Cielo Drive...
A história dos assassinatos de Sharon Tate e seus hóspedes na madrugada de 9 de agosto de 1969 começa na primavera de 1968, quando Charles Manson, um ex-presidiário aspirante a músico e cantor vivendo como hippie e líder de uma seita de jovens que viviam de pequenos golpes nas ruas de Los Angeles, fez amizade com o cantor Dennis Wilson, dos Beach Boys.
Ele e alguns membros de sua 'Família', como se chamavam, passam a viver numa das casas de Wilson, em Sunset Boulevard, que apresenta Manson a Terry Melcher, produtor de discos de sucesso e filho da atriz Doris Day.
Por algum tempo Melcher ficou interessado em conhecer as músicas de Manson, assim como à "Família', de quem teve a ideia de fazer um documentário sobre a comuna hippie em que viviam.
Ele chegou a ouvir as músicas de Manson numa apresentação particular na mansão alugada em que morava no momento, em 10050 Cielo Drive, Bel Air (guarde o endereço, esse é um fato importante), com a namorada, a atriz Candice Bergen, mas declinou de assinar um contrato com o hippie.
A idéia do documentário acabou rejeitada depois que Melcher presenciou uma briga entre Manson e um dublê bêbado em Spahn Ranch, o local onde a 'Família' agora vivia, de maneira quase indigente, nos subúrbios de Los Angeles – curiosamente esse fato foi adaptado no filme de Tarantino rendendo uma das cenas mais interessantes do filme.
O fato provocou um afastamento de Melcher e Wilson de Manson, que ficou raivoso e amargurado.
Pouco tempo depois, Melcher e Bergen mudaram-se de Cielo Drive e o dono do imóvel, Rudi Altobelli, alugou a mansão para o casal Roman Polanski e Sharon Tate, que passou a morar ali em 15 de fevereiro de 1969.
Manson visitou a casa em março à procura de Melcher mas foi mandado embora por um amigo de Tate, o fotógrafo Shahrokh Hatami, que lhe disse que o produtor havia se mudado. Manson voltou novamente à casa na mesma tarde e se dirigiu à casa de hóspedes, onde o proprietário, Altobelli, estava saindo do banho. Os dois conversaram e Rudi informou a Mason que Melcher havia se mudado para Malibu e que ele mesmo estava saindo do país no dia seguinte, em viagem para Roma.
Perguntado como foi parar ali, Manson respondeu que havia sido mandando até a casa auxiliar pelas pessoas da casa principal e Altobelli pediu que ele não incomodasse mais os inquilinos. Quando Rudi e Sharon Tate viajaram para a Itália no dia seguinte, a atriz lhe perguntou quem era aquele sujeito de aparência assustadora que havia aparecido na casa no dia anterior. Esse fato também é adaptado no filme.
Uma Noite Quente
A fúria de Manson contra Melcher, que ele acreditava ainda morar em Cielo Drive, transbordou em 8 de agosto, quando, reunido com seus seguidores em Spahn Ranch, ele decretou que era a hora de Helter Skelter, nome de uma música do último álbum dos Beatles e uma denominação que ele dava a uma série de acontecimentos catastróficos que acreditava provocaria uma guerra racial nos Estados Unidos, do qual ele emergiria como um líder natural.
Na noite de 8 para 9 de agosto, uma noite quente e abafada do verão californiano, Manson enviou seus pupilos Tex Watson (23), Susan Atkins (21), Linda Kasabian (20) e Patricia Krenwinkel (21) para "aquela casa onde Melcher costumava viver" e "destruir totalmente quem estiver lá, da maneira mais cruel que puderem", e orientou as mulheres a seguirem as instruções de Tex.
Krenwinkel era uma das mais antigas integrantes da 'Família' e uma das que haviam pego carona tempos atrás com Brian Wilson, o que levou o músico a conhecer Manson e todo seu grupo. Os atuais ocupantes da casa naquela noite, eram a atriz Sharon Tate, grávida de oito meses - seu marido, o diretor de cinema Roman Polanski encontrava-se na Europa - o cabeleireiro de celebridades, amigo e ex-namorado dela Jay Sebring, a milionária socialite Abigail Folger e seu namorado, o polonês Wojciech Frykowski.
Quando o grupo chegou à porta da mansão de Cielo Drive passava de meia noite. Watson, que já havia estado na casa uma vez com Manson, subiu num poste telefônico próximo ao portão e cortou as linhas da residência. Estacionando o seu carro no início da subida que dava na residência, o grupo o deixou ali e retornou à casa.
Imaginando que o portão fosse eletrificado ou tivesse um alarme, eles escalaram um pequeno barranco coberto de mato do lado direito e desceram no gramado da mansão. Naquele momento, luzes do farol de um carro vieram do caminho que saía da propriedade e 'Tex' mandou que as meninas se escondessem nos arbustos.
Ele então saiu do esconderijo e ordenou ao motorista, o estudante Steven Parent, de 18 anos, amigo do caseiro, que parasse. Quando Watson colocou o revólver calibre 22 na cabeça de Parent, o amedrontado adolescente começou a tremer e pediu ao assassino que não o machucasse, que ele não diria nada. A resposta de Watson foi uma facada na mão do jovem, cortando tendões e arrancando o relógio do pulso, e atirou nele quatro vezes, atingindo o peito e o abdômen.
Horas decisivas
Após cruzarem o gramado e mandar Kasabian procurar por uma janela aberta, Watson cortou a tela de uma delas e ordenou a ela que ficasse vigiando o portão. Ele então removeu a tela, entrou na casa pela janela e abriu a porta da frente para Atkins e Krenwinkel.
Quando Watson sussurrou por Atkins, Frykowski, que dormia no sofá da sala de estar acordou e levou um chute na cara de Watson. Quando o polonês lhe perguntou quem era e o que queria ali, Watson respondeu: "Eu sou o diabo e vim aqui fazer coisas do demônio". Atkins explorou a casa, descobriu os outros três ocupantes e, com a ajuda de Krenwinkel, levou todos para a sala. Watson começou a amarrar Tate e Sebring pelo pescoço com uma corda que trouxeram a atirou-a por sobre uma viga da sala. Sebring protestou contra o tratamento a Tate, dizendo que ela estava grávida, e levou um tiro e sete facadas do psicopata.
As mãos de Frykowski tinham sido amarradas com uma toalha. Libertando-se, ele começou a lutar com Susan Atkins, que o esfaqueou nas pernas com a faca que carregava. Quando ele tentou fugir pela porta em direção à varanda, Watson juntou-se a Atkins e bateu-lhe na cabeça com a arma várias vezes - quebrando a alça do gatilho do revólver na ação - antes de esfaqueá-lo repetidamente e finalmente matá-lo com dois tiros. O polonês levou um total de 51 facadas.
Kasabian, que vigiava do lado de fora, perturbada pelos "horríveis sons" que ouvia, correu até a porta da frente e, numa tentativa de parar o massacre, disse a Atkins, falsamente, que estava vindo gente, mas isso não parou os assassinos.
Em outra parte da casa, Abigail Folger tentava escapar de Patricia Krenwinkel e fugiu do quarto de dormir em direção à piscina. Ela foi perseguida pela assassina que a derrubou e a esfaqueou. Watson juntou-se a ela e os dois esfaquearam a mulher 28 vezes.
Na sala da mansão, Sharon Tate implorava para ser deixada viva para ter seu bebê e ofereceu-se como refém ao grupo em troca da vida da criança. Atkins e Watson não lhe deram ouvidos e a esfaquearam 16 vezes, várias das facadas na barriga. Anos depois, na prisão, 'Tex' Watson escreveu que Tate gritava "Mãe..mãe...!", à medida que ia sendo assassinada.
Mais cedo, quando o grupo ainda estava no Spahn Ranch, Charles Manson havia dito às mulheres que deixassem um sinal de sua passagem pela casa após os crimes, algo ligado "à bruxaria". Usando a toalha com que tinha amarrado as mãos de Frykowski, Susan Atkins escreveu com o sangue de Tate a palavra "PIG" (porco) na porta da frente da casa. Depois dos assassinatos e voltando para o rancho, o grupo trocou as roupas ensanguentadas e as jogou fora junto com as armas nas colinas pelo caminho.
Os LaBianca
No início da madrugada seguinte, 10 de agosto, seis membros da 'família', os quatro da noite anterior mais a jovem Leslie Van Houten, de 19 anos e Steve Grogan, liderados por Manson, rodaram a esmo pelos subúrbios de Los Angeles.
Exasperado pelo relatado pânico das vítimas de Cielo Drive, ele resolveu liderar o grupo em mais uma incursão letal do "Helter Skelter" para "mostrá-los como se devia fazer".
Depois de rodarem por horas, em que consideraram alguns crimes, o grupo chegou a 3301 Waverly Drive, no subúrbio de Los Feliz. O endereço, pertencente ao dono de supermercado Leno LaBianca e sua mulher Rosemary, sócia de uma boutique, era vizinho a uma casa onde Manson e sua trupe tinham ido a uma festa no ano anterior.
Manson desapareceu pela entrada e voltou logo depois chamando Watson. Os dois entraram na casa, que tinha as portas destrancadas, e com uma arma renderam o homem que dormia na sala. Watson o amarrou com uma tira de couro. A mulher que ali se encontrava foi levada rapidamente da sala para o quarto e Watson seguiu as orientações de Manson de cobrir a cabeça dos dois com travesseiros.
Manson então saiu da casa e mandou Krenwinkel e Van Houten entrarem, com ordens para matar o casal. Mandando as duas mulheres para o quarto onde estava Rosemary, Tex Watson, portando nesta noite uma baioneta, começou a esfaquear Leno LaBianca, dando a primeira facada direto na garganta do homem.
Depois de matá-lo, ele escreveu "War" (guerra) no peito nu do homem com a baioneta. Voltando ao quarto, ele viu Krenwinkel esfaqueando Rosemary com uma faca apanhada na cozinha da casa. Seguindo as instruções de Manson de fazer com que cada mulher fizesse uma parte, Watson disse a Van Houten para esfaquear Rosemary também, o que ela fez, terminado de esfaquear a mulher por 16 vezes nas costas e nas nádegas.
Em seu julgamento, Van Houten clamaria que Rosemary LaBianca já estava morta quando a esfaqueou. A perícia confirmou que muitas das 41 facadas levadas pela mulher foram dadas post mortem.
Enquanto Watson limpava a baioneta e tomava banho para limpar o sangue, Patricia Krenwinkel escrevia, com o sangue de Leno, "Rise" (Nascer), "Death to Pigs" (Morte aos porcos) nas paredes da sala e "Healter Skelter" na porta da geladeira da cozinha do casal. Com um garfo com cabo de marfim, ela continuou a esfaquear o homem por 14 vezes e deixou uma faca de churrasco enfiada em sua garganta.
Depois de um tempo, em uma condução bastante atrapalhada na investigação dos assassinatos que inclusive o pai de Sharon Tate participou, já suspeitando de grupos hippies, a polícia chegou nos culpados por mero acidente, envolvendo a apreensão de diversos fuscas roubados nos arredores de onde a família Manson morava. Ali, os assassinos foram presos e denunciados por Linda Kasabian, a única integrante do grupo que não cometeu os assassinatos, ficando de vigia e que se arrependeu de toda a monstruosidade que fizeram.
Com exceção de Kasabian, todos os outros integrantes foram condenados à prisões perpétuas sem a chance de condicional. Charles Manson morreu no cárcere no final de 2017 ainda acreditando ser algo “enviado” do demônio e teve todos os pedidos de condicional negados. Ele morreu por causas naturais.
Crítica | Neon Genesis Evangelion - Ressoando sentimentos humanos antes e agora
Desde a minha infância, ouvi falar incessantemente sobre Neon Genesis Evangelion. Como na época era muito novo e adorava acompanhar animes mais “convencionais” como Dragon Ball Z, Samurai X e Yu Yu Hakusho, não dediquei qualquer parcela de atenção para a obra.
Na época, era o advento da pirataria na Internet e muito provavelmente eu teria que fazer algum esforço para encontrar o anime nos rincões da web então simplesmente deixei para lá. Via os produtos em todo o canto e nem sabia quem eram os personagens e muito menos sobre o que era a história.
Entretanto, aqui estamos em 2019, eu com 25 anos e em férias. Logo, nada melhor do que dar uma chance para ver o tão polêmico Neon Genesis Evangelion, afinal a facilidade da Netflix realmente foi um diferencial. Hoje, tendo completado o anime e o filme que encerra a saga, só agradeço por não ter assistido na época de seu ápice de popularidade entre a virada do milênio, pois certamente não teria entendido metade da obra – e isso, em grande parte, é culpa sim do produto.
Quem eu sou?
Em Evangelion acompanhamos a vida do pacato Shinji Ikari, um garoto de 14 anos que visita Neo Tokyo 3 para encontrar seu pai, Gendo Ikari, um homem reservado e afastado que controla a sede da NERV, uma divisão militar especializada em combater os chamados Anjos, criaturas alienígenas que atacam a cidade ceifando milhares de vidas dos seletos sobreviventes do Segundo Impacto, um evento catastrófico que eliminou metade da vida no planeta.
Ao chegar na incrivelmente tecnológica base da NERV, Shinji descobre que seu pai quer que ele pilote a Unidade 01 de um mecha chamado EVA, a única arma que a humanidade conta para conseguir se proteger das ameaças constantes dos Anjos que aparecem com uma frequência crescente. Por diversos motivos, Shinji recusa, até conhecer Rei, a outra adolescente designada para pilotar o mecha.
Shinji muda de ideia ao ver o estado frágil que a garota se encontra, recuperando dos ferimentos graves da última batalha. Ao assumir o comando do EVA, Shinji encontra um propósito em sua vida para ser melhor aceito pelos outros e principalmente por seu pai enquanto lida com um quadro depressivo extremamente impiedoso.
Em primeiro contato, Neon Genesis Evangelion pode parecer apenas mais uma besteirada para colocar robôs gigantes lutando contra monstros orgânicos em coreografias repletas de ação e violência gráfica extrema – sim, o anime é superviolento e isso se tornou um problema até mesmo para a emissora na época.
É nítido que na série existe um ponto de ruptura que praticamente transforma toda a narrativa após o episódio 13 – a exata metade do seriado, com os episódios de 10 a 12 servindo como transição.
No começo, o anime é relativamente denso, aprofundando bastante na psique de Shinji, o protagonista, já que a maioria dos episódios são centrados em seu ponto de vista. O personagem sofre constantemente com um conflito schopenhaueriano sobre o Dilema do Porco-Espinho que basicamente fundamenta o estado de solidão auto imposta que Shinji sofre, de sua completa incompetência social de se aproximar com diversos outros personagens por medo de ferir e ser ferido.
Logo, o comportamento retroalimenta sua solidão reforçando ainda mais a depressão com pensamentos cada vez mais duros e cruéis em sua cabeça. Sim, isso ainda se trata de um anime sobre monstros gigantes e a salvação do mundo. Aliás, muito do gênero shonen como Naruto deve muito aos primeiros passos que Hideaki Anno, diretor e criador do anime, ousou em dar em 1995, pois não era comum na época ter personagens tão complexos a esse ponto em uma série televisiva.
Aliás, é justamente pelo fato de ser incomum que Neon Genesis Evangelion acaba sofrendo severamente: sua constante autoexplicação. Não são raras as vezes que os personagens acabam em monólogos gigantescos se auto questionando e fazendo uma autoanálise gigantesca em sequências surrealistas e abstratas dentro dos episódios do terço final do anime – principalmente nos dois últimos capítulos.
Enquanto Anno gasta minutos muito consideráveis para aplicar sentimentos e conflitos muito densos em diversos dos personagens coadjuvantes como Rei em sua autodescoberta do eu, de Asuka e sua necessidade de atenção exagerada para finalmente ser aceita e se autoafirmar, ou com a sexualidade de Misato Katsuragi que é toda embaralhada com assuntos mal resolvidos com seu pai, muito do lore, da história dos “quando” e “por que” acabam totalmente deslocadas.
Sem consultar qualquer obra adicional, é muito provável que fique frustrado com a experiência que o anime proporciona e acabe se sentindo traído por não entender completamente o que são os Anjos, as EVAs, a SEELE, o Terceiro Impacto, o projeto de Instrumentalização Humana e diversos outros tópicos igualmente muito interessantes. Originalidade é o que não falta aqui.
O que importa para Anno são seus personagens e o trabalho dedicado a torna-los os mais humanos possíveis ainda que, em alguns momentos, se tornem caricaturas de si mesmos. A depressão e a falta de conexão, nunca permitindo que eles vivam em plenitude, são de fato muito bem escritas, ainda que o diretor abuse bastante dessas sequências que chegam a ser repetitivas na segunda metade do anime.
Magistralmente confuso
Existem diversos adjetivos generosos para atribuir para Evangelion e todos são merecidíssimos. Uma das qualidades que mais me deixou espantado com o anime é trabalho muito cerebral a cada nova batalha contra os Anjos. Apesar de existir sim deus ex machina que ativam um modo berserk da EVA-01, esses momentos são raros e muito impactantes mesmo, a grande maioria das batalhas é vencida por mérito próprio dos personagens.
Inclusive, ainda que feito em 1995, é muito relevante notar como as personagens femininas assumem responsabilidades que exigem força e preparo psicológico intenso. Anno mostra a fragilidade do íntimo do ser delas com Misato, Ritsuko, Rei e Asuka em contraste com a ferocidade absoluta que lidam em momentos de grande estresse afinal existe uma razão muito pertinente pela qual os Anjos atacam somente Neo Tokyo 3, definindo o destino de toda a humanidade.
Ao contrário de diversas obras parecidas, Evangelion sempre apresenta reviravoltas intensas em seus episódios mais agitados, nunca duvidando da inteligência do espectador e conseguindo conquistar momentos verdadeiramente catárticos como a icônica batalha sincronizada de 62 segundos acompanhada da trilha musical de Shiro Sagisu – literalmente inspirado por anjos para conseguir um resultado sonoro tão marcante.
A trilha é destacada pelo fato de Anno saber como valorizar toda a encenação a favor das músicas instrumentais poderosas. Isso envolve tanto as batalhas, a preparação para elas e também para as mais introspectivas, repletas de vazios e espaços brancos.
As metáforas visuais são igualmente importantes para o diretor que valoriza bastante o trabalho dos animadores já que ele próprio também um animador. Iconografias religiosas cristãs e judaicas permeiam o seriado, inserindo um elemento místico fantasioso em universo high tech de ficção científica. Simplesmente funciona com perfeição.
Se há um espaço correto para criticar Anno este está concentrado nos dois últimos episódios. Para quem não sabe, a série esgotou seu ritmo por conta do orçamento que praticamente havia se desmantelado. Não havia como pagar o trabalho necessário para terminar os episódios situando o aspecto gigantesco que requisitavam para encerrar a história no modo explosivo como queriam fazer (e fizeram com The End of Evangelion).
Logo, os dois capítulos finais se passam na psique dos personagens que expõem seus sentimentos, medos, prazeres, vontades, expõem seu eu do modo mais literal possível. Infelizmente, as sequências esgotam pela cacofonia visual que Anno realiza deixando um vestígio autoral super válido, mas incrivelmente cansativo. Não é exagero dizer que esses episódios se arrastam mais do que outros episódios mais densos focados somente nos personagens.
O fato é que Anno precisava entregar dois capítulos de 23 minutos para a emissora e assim fez. Ignorando completamente diversas questões em aberto na narrativa, o diretor focou em concluir o arco de Shinji que finalmente reconhece que tem o poder de mudar e poder tocar a vida dos outros do modo mais amoroso possível. O final icônico dos “parabéns” que rendeu até mesmo memes na Internet é apoteótico. Simples e genial ao mesmo tempo, mas que deixou muita gente insatisfeita.
Obra-prima Imperfeita
Neon Genesis Evangelion deveria ganhar a chance de ter a atenção de muitas pessoas. Pela facilidade de agora, oferecida na Netflix, não vejo a menor condição de qualquer espectador recusar essa experiência. Mesmo que muito difícil e, por vezes, parecer que se trata apenas de uma viagem astral filosófica e psicológica de Hideaki Anno, existem motivos muito claros para essa obra ressoar tanto até hoje entre inúmeras pessoas.
O conflito de se conectar com o próximo, de amar e ser amado, do preenchimento do vazio existencial, está agora mais presente do que nunca. Muitos viraram ilhas quando mais precisavam criar pontes entre todos.
Mesmo que falha e incompleta, há alma nesse trabalho. Se trata do perfeito exemplo da obra-prima imperfeita tão humana quanto nós mesmos.
Neon Genesis Evangelion (Shin Seiki Evangerion, Japão – 1995 a 1996)
Direção: Hideaki Anno, Kazuya Tsurumaki
Roteiro: Hideaki Anno, Oscar Garcia
Elenco: Fumihiko Tachiki, Megumi Ogata, Yuriko Yamaguchi, Kotono Mitshuishi
Gênero: Mecha, Pós-Apocalíptico
Duração: 26 minutos por episódio (26)
Toy Story 4 | Entenda como Garfinho representa deprimidos e ansiosos na arte
Há spoilers no texto!
Não é de hoje que a Pixar aborda temáticas complexas sobre transtornos psicológicos em suas obras incrivelmente criativas. De certo modo, a paranoia, crise de identidade e obsessão já estavam presentes em Toy Story de 1995, para então partirmos a diversas abordagens sobre abandono e depressão. Pode-se afirmar com muita precisão que Procurando Dory era um dos longas mais carregados sobre esses temas difíceis.
Agora, em Toy Story 4, último filme da consagrada produtora, há uma abordagem bastante adulta sobre depressão e ansiedade, além da busca constante por propósito na vida. Essas temáticas afetam ao menos três personagens com toda a certeza: Woody e os novos brinquedos da casa, a “vilã” Gabby Gabby, Duke Kaboom e Garfinho.
Conversando com amigos e pelas opiniões expressadas na internet sobre o filme, percebi que muita gente se identifica com os dilemas existenciais que Garfinho lida ao longo da vida, descobrindo que ele não é “lixo”, mas sim algo diferente, algo bom, algo transformador.
Mesmo que o arco dramático de Garfinho seja concluído com certa pressa, digo o desenvolvimento é nada menos que brilhante, apesar de simples. Se torna brilhante por ser real. Me vendo em alguns momentos regressos da minha vida no personagem, passei a ficar totalmente fascinado pelo trabalho da Pixar em tratar esse tema com delicadeza exemplar.
Através dos questionamentos de Garfinho para Woody que a depressão começa a ser abordada de modo significativo e bastante leve, cheio de humor e piadas fofas. A obsessão de Garfinho pelo lixo envolve a projeção da percepção que tem sobre si mesmo, afinal ele é feito de materiais recicláveis.
Porém, mesmo assim, a busca de Woody em tentar fazê-lo ver um novo propósito de sua existência, Garfinho ignora em sua maioria, já que o lixo representa sua completa zona de conforto, se recusando a traçar uma revolução na sua vida. Infelizmente, o retrato da depressão é assim, mas muito pior.
A doença te desmotiva ao máximo, blinda as coisas boas da vida e te faz ficar preso em um confinamento solitário no qual a depressão ilustra como se fosse a melhor coisa do mundo, quando na verdade isso só te puxa para o buraco. A dimensão do arco do Garfinho se dá também pelo clímax de Toy Story 3, no qual todos os brinquedos acabam caindo em um lixão que parece também ser uma usina de compostagem.
Logo, caso garfinho seguisse no caminho que optava por ser o melhor para si, acabaria encontrando um final bastante trágico, ignorando o valor que sua vida tem para todos e também para si. Entretanto, outro lado da depressão é abordado aqui e dessa vez digo por minha experiência e sei que isso talvez não reflita a maioria dos espectadores que se identificaram com Garfinho.
No caso, com a obsessão de Gabby Gabby em conseguir de todas as formas a caixa de voz de Woody, temos o arquétipo de uma personagem disposta a todos os métodos para atingir seus objetivos. Porém, quando Garfinho fica sozinho com a vilã repleta de tons de cinza em sua moralidade, vemos que não há quaisquer julgamentos sobre as ações da personagem ou de seu passado. Como ajudado e “curado”, de certa forma, Garfinho se sente confortável em tentar ajudar sua nova amiga e mostrar o lado bom da vida com a história de Woody e Andy.
Com a melhor das intenções, por sua ingenuidade, Garfinho acaba alimentando a obsessão de Gabby Gabby como dentro da mania de conseguir ser a mais perfeita imagem idealizada para a menina/pessoa que ela desejava, aprende brutalmente que todo seu esforço não foi para nada. Sendo brutalmente descartada e logo decidindo ficar abandonada e solitária na primeira rejeição que encontra na vida. Isso até Woody retornar.
Em poucas cenas, a Pixar mostra o fato e consequência com tonalidades diferentes. Infelizmente, o caso de Garfinho para por aí, afinal o personagem está resolvido e suas crises depressivas e de ansiedade são solucionadas – até mesmo sua tentativa de suicídio frustrada.
Já com Duke Kaboom, a abordagem é muito mais direta, afinal o personagem possui menor tempo de tela. Aqui há o transtorno de ansiedade da forma mais bruta possível, trazendo um personagem confiante que consegue levar um cotidiano normal, mas que quando precisa realizar tal ação – no caso, uma manobra de dublê, acaba totalmente congelado e apavorado, sentindo-se impotente. A cabeça e seu trauma com o antigo dono simplesmente desarmam Duke a quase todo momento.
E a solução para todos os casos é a mesma: amparo, compreensão e perdão. Isso tudo vem através de Woody e por isso esse filme se trata tanto sobre a evolução do personagem ao decorrer dos longas.
Woody em Toy Story 4 também pode ser considerado um deprimido bastante frustrado. Já não é mais o brinquedo favorito, não possui Andy e está desesperado para encontrar um propósito por sua existência. Em essência, o personagem está completamente perdido. Colocando Toy Story em contraste com Toy Story 4, vemos o quanto Woody amadureceu, agora abandonando de vez seu egocentrismo quase assassino para finalmente ajudar a manter as melhores coisas possíveis para Bonnie.
Tanto que é ele quem oferece os materiais necessários para que Garfinho seja criado. De certa forma, Woody criou, literalmente, um propósito para continuar existindo. Ele se prende nisso e torna o objetivo de sua vida por um tempo tanto que está disposto a tudo para garantir a segurança de Garfinho ainda que arrisque até mesmo a vida de amigos preciosos.
A compulsão de Woody serve mais para salvá-lo do que garantir o melhor para Garfinho, afinal o personagem não é tratado com crueldade por Gabby Gabby em todo o tempo de “cativeiro”.
No fim, já conseguindo ajudar plenamente Gabby Gabby e Garfinho, garantindo um futuro melhor para ambos, Woody tem a chance de voltar para Bonnie e seus amigos, mas enfrentar novamente uma realidade desgostosa e talvez vazia, ou ficar com Betty, o amor de sua vida, em uma nova jornada recompensadora.
Mesmo com um doloroso adeus, a catarse de Woody acontece. Se enxerga e opta pela cura do seu mal, agora finalmente replicando o bem para diversos outros brinquedos que estavam perdidos assim como ele estava. Isso acontece no filme e acontece na vida. No estado de cura, estendemos a mão para ajudar aqueles que precisam. Um novo propósito é criado e a existência passa a ser um prazer e não uma condenação.
Em apenas poucos minutos, Toy Story 4 traz a doença e a cura. Solidão e companhia. Aprisionamento e liberdade. Então, quando assistir a esse filme ou se já assistiu, espero que aprenda algo com sua mensagem tão dignificante que conclui uma saga com sagacidade ímpar. Aplique seu aprendizado, pois isso pode salvar vidas.
Crítica | Nightflyers: 1ª Temporada - O flop de George R.R. Martin
O que poderia dar errado ao adquirir os direitos de uma obra escrita pelo lendário George R.R. Martin, responsável pelo maior fenômeno de fantasia nerd desse século: Game of Thrones? Bom, aparentemente, muitas coisas. Antes de se tornar série, Nightflyers já havia virado filme em 1987, pouquíssimos anos depois da publicação do conto em 1980 dentro de uma coletânea de curtas histórias.
Com o sucesso provocado por Game of Thrones, era evidente que muitos produtores iriam olhar pelo baú de vastas obras de Martin para encontrar um novo potencial sucesso que simplesmente estourasse picos de audiência se tornando um grande fenômeno. Mas, felizmente, não foi isso o que aconteceu com a série do SyFy/Netflix que readapta Nightflyers, modernizando seus conceitos para o novo milênio.
Samba do Sci-Fi Doido
Contando com dez episódios de duração média (40 a 50 minutos), a primeira temporada, escrita por Jeff Buhler, traz a inchada história dos tripulantes da nave Nightflyer. Em uma missão para salvar a Terra de um vírus mortal, diversos cientistas e notáveis se reúnem nessa nave em busca de uma cura que somente, na hipótese, os alienígenas Vulcryns podem oferecer.
As criaturas surgiram no vazio em meio a Via Láctea, mas não respondem nenhuma tentativa de comunicação dos humanos. Por conta disso, a missão foi ordenada como último recurso para o pedido de socorro. Reconhecendo que as criaturas se comunicam através da energia Teke, o principal cientista da missão, Karl D’Branin (Eoin Macken), traz um poderoso e imprevisível telepata para conseguir criar uma ponte de comunicação com as criaturas.
Porém, quando a nave começa a ter diversos problemas técnicos que colocam a missão em risco, assim como a vida da tripulação, suspeitas começam a recair em Branin, a psiquiatra Agatha (Gretchen Mol) que controla a medicação inibidora do telepata e, obviamente, no mutante poderoso: Thale (Sam Strike).
Acredite, apesar de ser inspirado na obra homônima de Martin, essa versão de Nightflyers opta em usar somente o cenário original como inspiração trazendo uma história diferente e mais “audaciosa”. Infelizmente, na teoria, tudo pode ser perfeito, mas na prática, a maioria das ideias é um verdadeiro desastre.
A começar, temos um problema crônico de identidade com a série, já que ela tenta misturar, sem sucesso, uma miríade inacreditável de tópicos ou conflitos explorados em uma infinidade de obras de ficção científica consagradas já realizadas há tempos. Como não li o conto original, não posso me basear com plena certeza sobre as alterações que o roteirista inseriu aqui.
Listando algumas que consigo me lembrar temos pontos muito similares a Mass Effect 2, 2001: Uma Odisseia no Espaço, O Enigma do Horizonte, Matrix, A Origem, Alien, Interestelar, Vingador do Futuro etc. São muitas e muitas obras que conseguem ser superiores a Nightflyers com facilidade. Entretanto, na maioria da temporada, os temas que conversam com 2001 e O Enigma do Horizonte são os mais presentes.
Pela familiaridade do espectador com os temas – e, para o azar da série, eu tenho considerável familiaridade com essas narrativas, é extremamente fácil adivinhar as “grandes” reviravoltas que os espectadores começam a encontrar a partir do terceiro episódio. Porém, o maior desafio é justamente chegar até esse ponto da história.
Nightflyers sofre bastante com situações muito apelativas e bizarras, com personagens caricatos que constantemente se comportam como bestas quadradas ao invés de cientistas renomados, os melhores da humanidade, buscando a última esperança para evitar a extinção – aliás, esse ponto da epidemia é porcamente explorado sem oferecer qualquer senso de gravidade para o espectador.
Aliás, o formato do roteiro já é péssimo por mostrar, nos minutos iniciais da série, que o caos toma conta da Nightflyer com alguns tripulantes malucos matando personagens do elenco principal. Ou seja, quando isso enfim ocorre, no episódio nove, não há o menor impacto, pois o espectador raramente irá simpatizar com um personagem cujo destino já foi testemunhado.
Isso seria driblado, obviamente, caso houvesse genuíno interesse no arco desses personagens, mas isso não ocorre, pois, a grande maioria sofre com uma péssima escrita. Começando pelo protagonista, o espectador perceberá que D’Branin sofre do clássico conflito do astronauta que se afasta da Terra por tragédias pessoais. Ele foge de uma responsabilidade do passado, mas fingindo ser altruísta, afinal sua missão de ir para o Espaço encontrar os Volkryns e salvar a humanidade não passa de um subtexto, uma desculpa, para ele encontrar uma afirmação de que é alguém especial.
Logo, se o protagonista já é problemático em níveis de sanidade, o resto deles acompanham o ritmo insano. Acredite se quiser, a única sensata do grupo inteiro é Melantha, uma mulher criada através da bioengenharia para ser mais apta em todas as capacidades humanas. Apesar dessa construção muito interessante da sua biologia e perfeição de código genético, a personagem se limita a dizer o óbvio durante a série inteira, forçando os personagens a agirem como eles deveriam agir em primeiro lugar.
Como temos ao menos seis personagens principais, não vale a pena detalhar todos, pois a série não merece um tratamento tão especial assim no texto, afinal ela trata o espectador como um completo pateta através de uma história fraca, autoexplicativa e muitas vezes absurda, quebrando as próprias regras que previamente foram estabelecidas.
O personagem que mais chama a atenção, certamente, é o telepata Thale. Com a atuação acima da média de Sam Strike, o personagem cativa ainda mais pelo seu conflito ser interessante trazendo a marginalização de suas relações sociais por conta do pavor que os outros tripulantes sentem por ele.
Entretanto, muito tempo é perdido com um conflito bem superficial do caso das panes eletrônicas da nave com os tripulantes jogando a culpa no telepata. Nesses momentos, a história não avança e se torna uma novela de tanta discussão sem fim que o espectador atura. Felizmente, o arco dele avança, mas não cumpre um papel muito significativo no final já que a temporada termina em um cliffhanger barato, criando um mistério mindfuck no qual pode funcionar em alguns espectadores.
O que complica muito são as encheções de linguiça que atingem ao menos quatro dos dez episódios da série. Nightflyers é repleta de fillers, desvios absurdos da trama que raramente contribuem para a progressão da narrativa. Há ideias jogadas, como se funcionassem como “casos da semana”, onde coisas mirabolantes ocorrem para serem abandonadas completamente no episódio seguinte.
Um dos exemplos mais absurdos da narrativa ocorre quando um fungo letal começa a se espalhar na nave, forçando a quarentena de personagens importantes que possuem relações e vínculos amorosos com outros dos protagonistas. Isso gera um arco razoavelmente interessante, um flerte com Alien, mas nada faz sentido: a origem da doença, do agente infectante e até mesmo da luta dos personagens pela cura.
O pior disso tudo é o resultado que o evento gera no exobiólogo Rowan (Angus Sampson). O personagem se torna excessivo, um biruta completo, como se fosse uma paródia de mau gosto de Jack Nicholson em O Iluminado. O negócio fica tão bizarro que o espectador é obrigado a aturar uma cena na qual Sampson come favos de mel enquanto ameaça outra personagem. Apésar de haver um contexto, é ridículo.
Mirando o Inalcançável
Se ao menos houvesse elegância e refinamento técnico na série, muitas das coisas exageradas e absurdas seriam facilmente ignoradas, afinal o diretor saberia o que está fazendo. Porém, infelizmente, não é o que acontece.
A todo momento, há a incômoda sensação de ver uma produção B, algo que não se leva a série, um sci-fi trash dos anos 1960. Porém, não é isso que a série quer passar, pois ela se leva a sério o suficiente para lançar questionamentos filosóficos, de poder, existência e todo o resto da filosofia de araque que costuma acompanhar ficções científicas não muito inspiradas.
Os diretores utilizam muito da banal linguagem televisionada, aproveitando pouco do refinamento cinematográfico que diversas outras séries trazem para o mercado atual. Sucessões de cortes rápidos, planos em close abundantes, ação genérica e um design, em maioria, muito batido.
Isso por si, é algo impressionante, já que as ficções científicas permitem explorar visuais interessantíssimos. Infelizmente, Nightflyers aposta em cores monocromáticas com variações de cinza em diferentes tons em praticamente todos os episódios – vez ou outra surge uma iluminação vermelha.
O pior que isso está totalmente acoplado à construção dos cenários físicos que tornam o design da nave menos interessante. Apenas nas domas repletas de vida vegetal que existe o vislumbre de algo mais original. Verdade seja dita, os Volcryns, ao menos, são mais originais com um design curioso e colorido. O mesmo pode ser visto na cabine do capitão Eris, totalmente anacrônica com suas decorações e móveis de madeira maciça.
De modo geral, Nightflyers é uma tremenda decepção. Dedicar ao menos oito horas para conferir uma narrativa fraca e caricata, repleta de ideias medíocres que já foram exploradas com mais competência em outras obras, além de trazer atores longe do nível aceitável, é uma bela perda de tempo.
Não foi dessa vez que conseguiram emplacar outra obra de George R.R. Martin na TV. Acredito que seja para o melhor. A série ainda não foi renovada e pela recepção do público, é muito provável que fique no limbo para sempre.
Nightflyers (Idem, EUA – 2018)
Showrunner: Daniel Cerone
Direção: Mike Cahill, Andrew McCarthy, Nick Murphy, Maggie Kiley, M. J. Bassett, Damon Thomas, Mark Tonderai, Stefan Schwartz
Roteiro: Jeff Buhler, Daniel Cerone, Lindsay Sturman, Brian Nelson, Terry Matalas, Christopher Monfette, David Schneiderman, Michael Golamco, Amy Louise Johnson (baseado em obra de George R. R. Martin)
Elenco: Eoin Macken, David Ajala, Jodie Turner-Smith, Angus Sampson, Sam Strike, Maya Eshet, Brían F. O’Byrne, Gretchen Mol, Phillip Rhys, Gwynne McElveen, Zoe Tapper, Miranda Raison
Duração: 42 a 44 min. por episódio (10 episódios no total)
Análise | Kingdom Hearts III - 13 Anos para Isso?
Poucos games trazem um enorme sentimento de nostalgia em mim do que Kingdom Hearts. Apesar de eu ter iniciado minha jornada justamente no confuso Kingdom Hearts II, a Square Enix, Totsuya Nomura e a Disney conseguiram capturar a atenção de um moleque de doze anos de idade.
Mesmo que eu não tivesse entendido praticamente nada da história na época, ter a oportunidade de visitar os mundos de diversas animações favoritas da Disney foi um sonho realizado. Apesar de muitos fãs da franquia se aprofundarem na questão da mitologia original da série, esse nunca foi mesmo o meu intuito na época. Eu só queria passar um ótimo tempo me divertindo nos mapas inspirados em Hércules, Aladdin, O Estranho Mundo de Jack, Piratas do Caribe, entre diversos outros.
Enquanto eu me divertia com o 2º título em 2006, a Square Enix optou por um modelo bastante infeliz para o seguimento da franquia. Todos os outros títulos restantes foram lançados para plataformas distintas como o PSP, GameBoy, DS, etc. Isso não ajudou em nada para grande parte dos consumidores compreenderem que esses títulos não numerados eram parte da história principal. Imagino que exista gente que só esteja descobrindo agora que Kingdom Hearts III não seja sequência direta do 2º game, mas sim de Dream Drop Distance.
Eventualmente, durante o longo período de produção de Kingdom Hearts III (5 anos), a Square foi remasterizando toda a jornada para as plataformas atuais, mas creio que a idade e o diferencial gráfico retirem um pouco o gás de cada um desses jogos gigantescos – são mais de 100 horas obrigatórias para entender tudo.
Logo, após treze anos esperando por essa bendita sequência numerada, mais de uma década para ver como a jornada de Sora termina, valeu tanto a pena preservar a paciência e as esperanças? Não. Para mim, não, mas temos um bom jogo em alguns momentos de lampejo criativo do diretor Tetsuya Nomura.
Corações, Sombras e Disney
Sendo muito honesto, Kingdom Hearts III é um game intrinsicamente bizarro. Nesse terceiro capítulo, finalmente vemos a conclusão da saga Xehanort que gerou praticamente nove games inteiros focados em trazer essa narrativa e toda a história do passado que gerou tudo isso. Aqui, vemos Sora, Donald e Pateta seguindo sua missão de encontrar o “poder do despertar” enquanto a Organização XIII segue seus planos em encontrar as peças necessárias para abrir novamente Kingdom Hearts e remodelar todo o universo.
Sem spoiler algum, essa é a sinopse do terceiro game. Porém, apesar dos esforços atabalhoados de Tetsuya Nomura de tentar explicar todo o lore massivo para todos os jogadores que não se aventuraram em nenhum dos outros títulos, além dos numéricos, ainda temos uma história confusa e repleta de pontas soltas, participações inexplicáveis e traições sem peso para a maioria dos jogadores.
Nem mesmo o melhor vídeo de resumo disponível no Youtube conseguirá abranger a miríade densa e complexa de personagens, suas relações e suas histórias. Logo, o único jeito de compreender 100% da narrativa é jogar os outros games em sua ordem cronológica – atente, não a de lançamento, pois há prequels no meio disso tudo com histórias totalmente distintas, mas que explicam suas presenças aqui no “terceiro” game da saga.
Justamente por conta dessa complexidade que supera facilmente a da saga Final Fantasy, afinal temos aqui uma história gigantesca que praticamente nunca se fecha, é muito bizarro notar como a escrita de Nomura é irregular ao longo de todo o game. Trazendo oito mundos inspirados nas obras da Disney: Enrolados, Toy Story, Ursinho Pooh, Piratas do Caribe, Big Hero 6, Hércules, Monstros S.A. e Frozen, Nomura faz de todo o possível para não prejudicar a marca, afinal a Disney tem se tornado muito rígida com os direitos de suas obras.
É simples notar isso. Basta ver a diferença entre os chefes do II com o do III. Praticamente nenhum personagem da empresa se torna alvo do trio protagonista. Os chefes geralmente assumem formas pouco inspiradas de Heartless gigantescos. O controle para a interação de Sora, Donald e Pateta com os novos personagens também é monumental, já que em alguns casos, praticamente não há momentos significativos entre os personagens – isso é muito mais notável em Enrolados e Frozen.
De modo geral, as histórias dos mundos Disney são decepcionantes ou fracas. Simplesmente não há muita maleabilidade para que Sora, Donald e Pateta estejam em situações mais criativas e interessantes que tornem os filmes mais distintos de suas versões originais – diversos mundos são apenas adaptações dos filmes originais.
Apenas nos mundos relativamente menores de Toy Story, Big Hero 6, Monstros S.A. e de Hércules que temos diálogos verdadeiramente originais já que alguns desses mundos se comporta muito bem como sequências dos filmes, resolvendo algumas pontas soltas deixadas em suas histórias originais.
De todos, o melhor escrito é de Toy Story, já que os personagens entram em conflitos bastante dignos e descobrem o valor da amizade juntos. Logo, sendo honesto, justamente o principal atrativo desses games foi uma decepção forte, mas compreendo totalmente os recém-chegados que devem se encantar pela proposta do game – apenas tenha em mente que existem outros game da franquia que são superiores.
O Padrão do Xadrez
O diretor/roteirista do game, Nomura, faz questão de que o jogador perceba que estamos em uma situação de Xadrez. Não só pelo jogo em si que surge como peça fundamental de uma importante cutscene ou dos figurinos de praticamente todos os personagens do bem do elenco original.
Com esses padrões quadriculados por diversos lugares, é fácil também notar como o game é repleto de padrões. Ou seja, ele é repetitivo ao extremo. Mesmo que o jogador visite oito mundos distintos, com estilos artísticos bem realizados e diferentes, os objetivos nunca variam de fato. Sora, Donald e Pateta sempre estarão em uma missão de escolta ou de busca/resgate.
Não existe variedade ou um gameplay mais distinto para cada mundo, além de alguns especiais oferecidos em abundância durante os combates nos quais vemos uma integração mais íntima entre os personagens lutando juntos contra os heartless. De resto, nada de diferente ocorre.
Estranhamente, não há o menor senso de urgência para esse game que, em tese, encerra a jornada do grupo conta Xehanort. Simplesmente não faz o menor sentido em qualquer narrativa que se aventure em uma “trilogia” – sei que não é o caso aqui, mas é algo que só torna isso mais grave – não possuir essa pressa, o perigo iminente que pode pegar os heróis desprevenidos.
Na verdade, Sora e seus amigos se encontram diversas vezes com os membros da malévola Organização XIII. Eles aparecem em quase todos mundos Disney, falam algumas besteiras sobre maldade e escuridão, além de afirmar o clássico: que o herói vai perder. Então, sumonam alguma criatura forte, um sub-chefe, e somem. É algo tão fácil e tão pedestre que até mesmo para o nível da escrita de Nomura, surpreende negativamente.
Por conta disso, os dois primeiros atos recheados com os mundos Disney possuem um problema exorbitante de ritmo. Acredite, há níveis simplesmente tediosos. E como temos menos mundos em relação a outros games da franquia, eles se tornam inchados com atividades extras obrigatórias insuportáveis.
Isso é muito evidente no caso de Piratas do Caribe. Adaptando porcamente a história de No Fim do Mundo, somente quem viu o filme conseguirá entender a situação que ocorre com Jack Sparrow. Embora traga os elementos mais diversos como o divertido combate subaquático e também o nem tão bom combate naval, atividades despropositadas como coletar 300 caranguejos simplesmente tiram qualquer um do sério. É evidente que esse tipo de missão foi concebida apenas para inchar a experiência do jogador.
Em vez de mundos maiores, teria sido mais interessante contar com um gameplay variado com mais mundos das animações Disney. Felizmente, os dois filmes Pixar que entram no rol, fogem disso pela graça da exploração dos mapas bastante criativos e interessantes. Já Enrolados, Frozen e Big Hero 6 sofrem bastante com mapas gigantescos, mas que não despertam muito interesse.
Para resolver a questão do ritmo desajustado dessa aventura, bastaria colocar alguns acontecimentos importantes que estão acumulados no terceiro ato no meio dessas aventuras, exatamente como acontece em outros games da saga. Para criar um épico grand finale, Nomura acaba cortando o potencial da maioria do jogo.
Obviamente que a questão do roteiro não ajuda em nada. Os diálogos de Kingdom Hearts nunca foram incríveis ou até mesmo ótimos, sofrendo com as presepadas mais clássicas de animes shonen com discursos infindáveis sobre o bem, o mal, o poder da amizade, do amor, etc. Entretanto, por conta da falta de acontecimentos relevantes na grande maioria, a troca desses diálogos, extremamente lentos por sinal, se torna repetitiva. Uma enrolação sem fim para não permitir que a história avance.
Aliás, Nomura injeta tantas pausas estranhas nos diálogos, seja com os personagens se encarando, grunhindo em afirmação para os outros, parando para pensar (sempre com a mesma animação) ou até mesmo para rirem de uma piada sem graça, que até mesmo a maioria das cutscenes se torna um fardo de assistir.
Ao menos, felizmente, ainda com diálogos péssimos, existe melhor detalhamento para Sora que não precisa ficar comentando que vai resgatar Kairi ou Riku a todo momento. O protagonista recebe mais detalhamento e aprende algumas lições valiosas nos mundos que visita. O mesmo ocorre com Pateta e Donald que mostram mais do valor de sua amizade para o protagonista.
Infelizmente, já para os vilões, a história não melhora em nada. Continuam sendo superficiais como sempre foram, incluindo Xehanort que recebe um desfecho, no mínimo, questionável. Nos duelos finais contra os membros da Organização XIII, Nomura revela algumas das motivações de alguns antagonistas, mas, sinceramente, seria melhor não ter nem apresentado isso aos jogadores. Os motivos são patéticos para se aliar a um algoz que deseja aniquilar o universo.
Aperte X para prosseguir
Quem conhece o gameplay de Kingdom Hearts sabe que se trata de um RPG de ação com a maioria das ações centradas apenas em um único botão X ou A (no caso do Xbox). Assim sendo, com mais de trinta horas de duração, prepare-se para apertar muito X com a montanha de inimigos que Kingdom Hearts III traz em seus combates.
Mesmo que seja um combate repetitivo, afinal se trata apenas de apertar um único botão, é uma experiência divertida já que o game possui coreografias de combate excelentes com grande favorecimento ao combate aéreo. O que torna as coisas mais fluídas, além do ótimo sistema de movimentação, são os especiais das keyblades permitindo que elas troquem de forma a depender do seu combo.
Apesar de alguns especiais serem muito parecidos, existe diversidade o suficiente para satisfazer o jogador mais exigente. Além dessas trocas de formas que substituem os especiais clássicos vistos em Kingdom Hearts II, temos algumas magias que se tornam atrações dos parques temáticos da Disney. Extremamente poderosas, conseguem eliminar rapidamente a massa de oponentes. Uma pena que esses especiais não sejam tão diversificados para um jogo tão longo.
Aliás, é notável sim que Kingdom Hearts III tenha uma escala de dificuldade bem menor se comparada a outros games da franquia. Em grande parte dos chefes, não é preciso traçar estratégia alguma. Basta sair apertando X e se curar algumas vezes que já é o suficiente para vencer diversos combates – com exceção dos chefes finais nos quais é preciso se esquivar.
Além do gameplay ser funcional e agradável em doses controladas, o game é um verdadeiro festim para os olhos. Os gráficos são incríveis trazendo diferentes detalhes a depender do estilo artístico predominante em certos níveis. Como temos um filme live action e outras animações tridimensionais como inspiração para adaptação, há um capricho incrível na recriação de personagens e cenas dos filmes.
Obviamente que não chega no nível dos longas já renderizados e reproduzidos, mas como se trata de algo que é renderizado em tempo real, é incrível o resultado obtido. Na próxima geração de consoles, já será realidade jogar games que possuem qualidade visual similar a de lançamentos nos cinemas. Destaque para as animações faciais de Jack Sparrow que incorporam os tiques de Johnny Depp para o personagem.
As cutscenes evidenciam esse trabalho feito com muito esmero então é uma pena que a qualidade delas variem bastante em qualidade ao longo do game. Algumas são frígidas e insípidas, porém outras ressoam positivamente com muita emoção. É algo que envolve direção e maior empenho em animação para o trio principal – é possível notar diversas animações recicladas ao longo do jogo.
Entretanto, apesar de termos esses avanços espetaculares nos gráficos, isso vem a um custo alto. O game sofre bastante com quedas de frames nos consoles tradicionais como o PS4 e Xbox One S. Além desse problema que atrapalha sim a jogatina, a câmera não funciona muito bem durante os especiais mágicos que Sora lança. O mais problemático deles com certeza se trata do trenzinho colorido que ele conduz em momentos-chaves do game.
O Terceiro Capítulo é sempre o mais fraco
Então, após todos esses anos, o que há com Kingdom Hearts III? Tetsuya Nomura certamente queria fazer algo especial aqui, mas por vezes, as melhores intenções não são o suficiente. Quando o jogo enfim começa a seguir seu próprio caminho no terceiro ato, fica a sensação incomoda de pressa.
Pressa para trazer os embates contra os nêmesis da Organização XIII, pressa em resgatar heróis perdidos há muito tempo, pressa em resolver interesses românticos, pressa em terminar essa história com Xehanort. Tanto que Nomura encontra problemas e recorre incessantemente a deus ex machina, soluções implausíveis do roteiro, para conseguir dar alguma sustância nas reviravoltas bizarras que a história apresenta.
Por conta disso, diversos desses momentos cheios de fan service se tornam falhos ou simplesmente vazios. As coisas acontecem, mas não de modo inspirado que finalmente ofereça um payoff, a recompensa que os fãs tanto aguardavam. Evidentemente que falo por parcela dos gamers então diversas pessoas também podem aprovar o que acontece aqui.
Para complementar essa análise, também é preciso salientar a existência de mini games criados para o celular de Sora chamado de Gummiphone que se tornam um bom passatempo em algumas ocasiões. O mesmo ocorre com o mini game envolvendo Remi e seus talentos culinários apesar de serem muito simples. Os segmentos com a Gummiship também foram aprimorados, apesar de ainda servirem como um inchamento artificial da duração do game.
Fica o lamento de não vermos praticamente nenhum personagem da saga Final Fantasy, além das presenças de mero luxo com Pete e Malévola. Ao menos a trilha musical continua firme e forte mesmo que reutilize ótimos temas antigos para conseguir emplacar a emoção. Em termos de trilha de combate, temos um trabalho bem mais fraco.
No fim, é difícil recomendar Kingdom Hearts III para qualquer um que nunca jogou a franquia. Apesar de Nomura se esforçar com muito diálogo expositivo maçante, acho simplesmente impossível compreender direito o que ocorre nesse game ainda que ele seja pensado como um título de convite a novos jogadores.
Quem já acompanha a saga há tempos, obviamente já terá adquirido o game, mesmo que tenham crescido e amadurecido bastante entre um lançamento e outro, afinal faz cinco anos que não vemos um novo título da franquia. Portanto, com essa história complexa repleta de diálogos bastante bobos, é quase impossível compreender para quem Nomura tenta contar sua narrativa mirabolante.
Admito que passei longe de gostar ou odiar esse título. Fiquei exatamente no pior dos termos: totalmente indiferente. Há esse incrível desequilíbrio no título que simplesmente não ajuda a compensar toda a espera que tantos aguardaram para finalmente se reunir com Sora, Donald e Pateta.
Realmente, é difícil fugir desse senso-comum: o terceiro capítulo é sempre o mais fraco.
Kingdom Hearts III (Japão – 2019)
Desenvolvedora: Square Enix
Estúdio: Square Enix
Gênero: RPG de Ação, Aventura
Plataformas: Xbox One, PS4
Crítica | Uma Aventura LEGO 2 - Dois é Bom
Lego Movie 2
Uma das grandes surpresas de 2014 foi o sucesso de Uma Aventura LEGO tanto de crítica quanto de público. Mostrando novamente o brilho da dupla de sucesso Chris Miller e Phil Lord, o longa conseguia conquistar facilmente pela sua história repleta de clichês bem trabalhados, além da inserção de personagens marcantes como o protagonista Emmet, um herói feito justamente para subverter a jornada do herói.
Com o sucesso comercial, abriu-se uma caixa repleta de potencial para a Warner Animation e também para a LEGO em trazer diversos longas-metragens de alto orçamento com narrativas únicas que permitissem os crossovers mais inesperados possíveis. Isso rendeu dois novos filmes derivados com LEGO Batman: O Filme – excelente, e LEGO Ninjago: O Filme – medíocre.
Apostando primeiramente nos derivados, é curiosa a abordagem do estúdio em somente trazer uma sequência para o original praticamente cinco anos depois. Entretanto, Uma Aventura LEGO 2, infelizmente, não justifica seu enorme tempo de produção sendo uma das iterações mais fracas da franquia não conseguindo chegar perto da qualidade do original, mesmo sendo um bom filme.
Tudo é Cansativo
Não há meias-palavras no roteiro da dupla Miller e Lord em Uma Aventura LEGO 2. O filme se inicia imediatamente após as novas criaturas invadirem o mundo de Emmet e Lucy criando uma guerra sem precedentes que deixa todo o universo em um estado de completo apocalipse. Vivendo cinco anos em uma realidade onde nada mais é incrível, Emmet e Lucy se esforçam para viver em paz com os invasores que surgem esporadicamente em seu mundo.
Porém, em uma visita inesperada, uma nova criatura aparece e sequestra Lucy, Unigata, Benny, Barba de Ferro e Batman para um novo planeta. Lá, o grupo é forçado a se encontrar a suspeita Rainha Tuduki Eukiser’ser. A estranha figura avisa que eles são os convidados especiais de seu casamento, um evento que promete mudar toda a ordem existente no universo LEGO.
Enquanto isso, Emmet constrói uma nave espacial para resgatar seus amigos, porém acaba encontrando Rex Dangervest, um mestre destruidor/construtor que o ajudará a resgatar seus amigos.
Funcionando exatamente como uma sequência conectada aos eventos do primeiro filme, é bastante importante que o espectador já o tenha visto para entender o papel desses personagens na história. Sendo um longa bastante apressado e atropelado na sucessão de seus eventos, Uma Aventura LEGO 2 tenta abordar questões envolvendo a maturidade, o crescimento dos personagens diante das decisões mais difíceis – isso também dialoga com os personagens do mundo real que agora tem uma importância ainda maior sendo encaixado de modo bastante orgânico.
Enquanto a narrativa do mundo real funciona e oferece bastante lógica para os devaneios da dupla de roteiristas, a história em si é bastante fraca com a insistência em elementos que simplesmente não funcionam, principalmente envolvendo a vilã Rainha Tuduki Eukiser’ser. Tanto ela quanto a sua general constantemente se repetem em ações e diálogos fracos.
O número inchado de sequências musicais também comprova que o filme não tem muito o que contar de novo, já que as canções longas, em tom paródico, são repetitivas visando fazer piada com letras fáceis de artistas pop contemporâneas. Não sabendo dosar esses momentos, o longa sofre bastante se tornando uma experiência cansativa.
O curioso é que mesmo se tratando de um filme sobre maturidade e crescimento, este Uma Aventura LEGO 2 é um bocado mais infantil que o original que conseguia divertir tanto crianças quanto adultos. Aqui, já temos o contrário, apelando para diálogos maçantes, piadas que não funcionam, uma localização de dublagem nada inspirada e desenvolvimento bastante banal dos personagens que, apesar de fracos, cumprem a função de se transformarem ao longo da jornada.
Apesar de tantos aspectos medíocres na narrativa, há bons momentos em Uma Aventura LEGO 2. Dois personagens funcionam muitíssimo bem com o humor paródico envolvendo o Batman e também o novo personagem Rex Dangervest. Os dois conquistam arcos que acabam salvando o longa no terceiro ato com reviravoltas pouco previsíveis que injetam mais energia ao filme que até então encarava um grande marasmo em seu ritmo. Destaque para as diversas piadas envolvendo Rex e os raptores de Jurassic World.
Um Novo Marketing
O filme também decepciona pelo seu visual consideravelmente menos imaginativo que os vistos nos outros três filmes da franquia. Apostando em primeiro momento em um visual tirado de Mad Max: Estrada Da Fúria, os espectadores são presenteados com cenários mais interessantes e veículos criativos. Porém, não demora nada para os cenários se tornarem mais “originais”, evitando os temas que fizeram de Uma Aventura LEGO uma obra tão divertida.
Aqui, todo o resto do filme se concentra na vertente LEGO Duplo, o segmento mais infantilizado da empresa de blocos de montar. Trazendo formatos mais arredondados e criações coloridas convencionais. Há muita exploração em formas abstratas que, apesar de trazerem um conceito interessante para o longa sobre como a imaginação infantil funciona, torna a experiência visual bastante irregular.
Também, por conta disso, há essa cadência excessiva de músicas cansativas com shows histéricos de luzes e formas. Pode atrair sim o olhar de crianças muito mais jovens, mas irá entediar espectadores mais adultos. Simplesmente falta um toque a mais de originalidade nos mundos que o diretor Mike Mitchell nos convida a explorar.
Em termos de direção, enquanto sustenta com folga uma linguagem cinematográfica padrão, apenas apostando em pequenas piadas visuais que mais falham do que funcionam, há bastante competência para a tornar a ação desenfreada da obra em algo compreensível e divertido. Talvez, se Miller e Lord tivesse retornado à direção da sequência, boa parte das ideias investidas no roteiro seriam melhor aproveitadas, pois há uma deficiência grave em timing cômico nas cenas.
A animação continua de grande requinte. Usando efeitos visuais que simulam o stop motion, há movimentações fluídas, destruição em massa e também diversas transformações curiosas da Rainha Tuduki Eukiser’ser em apenas um piscar de olhos. Efeitos mais complexos, entretanto, acabaram deixados de fora convenientemente já que, como havia dito, boa parte dos cenários do filme são visualmente mais modestos que os do anterior.
Nem tão incrível
Uma Aventura Lego 2 é apenas um bom filme e, acredite, é decepcionante escrever isso. Ainda mais por eu ser um fã declarado do primeiro longa e também do spin-off do Batman. Em erros que seriam resolvidos apenas por pequenos ajustes de melhor planejamento de história e das cenas, seria possível tirar uma animação fantástica dessa história, mas o nível decai apenas para a margem do satisfatório.
Por vezes, nem mesmo as mentes mais brilhantes conseguem tirar histórias épicas envolvendo as pecinhas LEGO. Ao menos, há uma sequência de créditos finais que é genial.
Uma Aventura LEGO 2 (The LEGO Movie 2: The Second Part, EUA – 2019)
Direção: Mike Mitchell
Roteiro: Christopher Miller, Phil Lord
Elenco: Chris Pratt, Elizabeth Banks, Will Arnett, Tiffany Haddish, Alison Brie, Maya Rudolph, Charlie Day, Will Ferrell
Gênero: Comédia, Infantil
Duração: 106 minutos
Fato ou Ficção? | A Verdade em Vice - Reescrevendo a História
O novo filme de Adam Mckay, Vice, indicado a 8 Oscar, finalmente chegou aos cinemas brasileiros. Trazendo a história de Dick Cheney, vice-presidente durante o governo Bush de 2001 a 2009 nos EUA, o longa pretende trazer um arquivo de “verdade inconvenientes” culpando Cheney por toda a maldade do mundo, além de ter mudado o curso da história do mundo ocidental.
Certamente uma proposta bastante ousada ao acusar Cheney de ser o próprio Diabo na Terra. Porém, existe verdade nessa história trazida por McKay? Ou é apenas uma perseguição política de um diretor que com certeza é inimigo declarado dos Republicanos? É o que iremos descobrir nesse artigo que aborda os principais pontos do filme.
Dick Cheney foi expulso de Yale duas vezes?
Sim. Segundo o próprio Cheney em sua autobiografia, ele acabou fazendo amizades errôneas que o incentivavam a beber, já que a cerveja era basicamente uma das melhores coisas da vida. Por conta dos efeitos da bebedeira, Cheney acabou expulso da universidade já que não correspondia as expectativas da instituição. Entretanto, não existe evidência alguma sobre a cena na qual Cheney se mete em uma briga física após ser chamado de “lixo” por outro indivíduo.
Depois de um ano, tentando regressar para a universidade, acabou recusado.
Após a expulsão, Cheney trabalhou na companhia elétrica realizando reparos. Porém, ele não trabalhava com as linhas de transmissão como o filme infere. O político na verdade cavava os buracos nos quais os postes são instalados e ajudava os instaladores das fiações que estavam pendurados nos postes.
Cheney foi autuado por dirigir embriagado?
Dessa vez, o filme é bastante fiel aos fatos. Registros policiais comprovam que Dick Cheney foi pego em flagrante duas vezes em um espaço de oito meses nos anos 1960 dirigindo embriagado. O homem foi autuado e preso quando tinha 21 e 22 anos. Ele perdeu sua licença e teve que pagar uma multa. Segundo Cheney, as prisões o fizeram pensar no caminho que estava trilhando, temendo pelo futuro.
Lynne Cheney realmente deu um ultimato a respeito da bebedeira?
Sim. Quando próximo ao fundo do poço, Cheney recebeu um ultimato de sua esposa Lynne mandando ele encontrar seu rumo e abandonar a bebedeira, pois seria a última vez que suportaria situações desse tipo. Em entrevista ao Business Insider, o político revelou que aquela conversa foi definitiva em sua vida e ajudou ele a manter o casamento e endireitar seus planos.
O pai de Lynne Cheney realmente matou sua esposa em um afogamento?
Uma das acusações mais graves de Vice e Adam McKay é afirmar que o sogro de Dick Cheney matou sua esposa em um afogamento planejado. No filme, durante o velório da sogra, Dick avisa para seu sogro Edwin Vincent nunca mais retomar contato com ele, Lynne e suas filhas, já que todos tem a certeza de que Edwin é um assassino. Isso nunca mais é explorado no filme como se nunca tivesse acontecido.
Entretanto, na vida real, os Cheney não acreditam nessa teoria da conspiração. Edna, mãe de Lynne, realmente morreu afogada na tarde de 24 de maio de 1973 com 54 anos. De acordo com uma publicação de um jornal local, Edna estava andando com seus cachorros na beirada do lago Yesness. Escorregando, acabou caindo diretamente na água de grande profundidade. Como não sabia nadar, acabou morrendo. Seu corpo foi encontrado quando Edwin a declarou como desaparecida um dia depois.
Tanto o xerife quanto o legista indicaram que não havia nenhum sinal de afogamento forçado: havia sido um acidente. As investigações pararam aí. Na autobiografia de Lynne Cheney, ela levante algumas questões sobre a possibilidade da mãe ter sido assassinada através da mistura de álcool e medicamentos controlados, resultando em tonturas inesperadas. Mas no fim, conclui que deve ter sido um acidente.
O pay de Lynne ficou tão deprimido e traumatizado que acabou morrendo dois anos depois por conta da bebedeira excessiva para atenuar a depressão.
É baseado apenas nessa incerteza que Adam McKay infere que o sogro foi o verdadeiramente responsável pela morte de Edna. Uma afirmação sem qualquer prova para ser sustentada e bastante irresponsável de se colocar em uma biografia.
Dick Cheney realmente não sabia para qual partido se afiliar?
No filme, Cheney chega em Washington como um enorme ignorante não sabendo a menor diferença entre os partidos. Ele só decide se tornar um republicano depois de Donal Rumsfeld, um deputado republicano, fazer um discurso repleto de palavrões e preconceitos. A partir disso, Cheney decide ingressar no Partido.
Porém, não é isso o que aconteceu na vida real. Cheney já tinha moldado sua esfera política naquele ponto, reconhecendo que havia sido conservador em grande parte de sua vida. Na faculdade, se destacou pelo modo que falava sobre a política estrangeira, um de seus campos favoritos na carreira. Logo, é bem leviano afirmar que Cheney nem fazia ideia do que era política até se encontrar com Rumsfeld.
O jovem Antonin Scalia disse que o Artigo Segundo da Constituição americana permite que o chefe do executivo exerça o poder absoluto?
No filme, Cheney é aconselhado pelo futuro juiz da Suprema Corte americana, Antonin Scalia, compartilhando a mesma opinião interpretativa sobre o Artigo Segundo da Constituição, permitindo que o chefe do executivo tenha plenos poderes absolutos.
Os ataques do filme para com Scalia são simplesmente absurdos. O juíz foi um dos mais leais à Constituição Americana. Todas suas decisões foram pautadas pela Constituição e nunca ousou se desviar do sentido original das leis. Scalia também nunca teria dito isso para Cheney simplesmente por que o Artigo Segundo não afirma que o presidente possa fazer absolutamente qualquer coisa que lhe der na telha.
Adam Mckay admitiu ter criados diversos diálogos do nada e com certeza esse foi um deles.
Lynne Cheney conquistou o cargo no congresso para Dick?
Essa é uma das muitas afirmações que o filme traz sem muita cerimônia. Na verdade, é impossível afirmar nem que sim e nem que não sobre as ações de Lynne em conquistar votos para seu marido quando ele estava acamado por conta de um ataque cardíaco. Após ganhar a eleição, o filme mostra Cheney votando contra todas as pautas que seriam progressistas, mesmo que seja benéficas à Nação. Porém, não foi isso o que ocorreu, já que Cheney votou a favor do feriado de Martin Luther King enquanto no filme o político dá um voto contrário.
Dick Cheney realmente convenceu o Congresso a preservar o veto de Reagan sobre a Doutrina de Justiça?
Na cena na qual Bush filho é apresentado, totalmente bêbado e folgado, o pai do futuro presidente, George W. Bush, agradece Cheney por ter conseguido conquistar o Congresso para não votarem contra o veto de Reagan sobre a Doutrina de Justiça, uma lei de 1949 que obrigava rádio e televisão a mostrar igualmente os dois lados de uma história.
Em fatos, isso é muito provavelmente falso, já que Cheney não era o principal articulador republicano no Congresso em 1987. O filme culpa Cheney pela ascensão de canais de notícias opinativas como a Fox News, uma emissora declaradamente de direita. Porém, Adam McKay comete um erro embaraçoso aqui. Além de erroneamente associar a Fox News com Cheney, ele não soube interpretar que a Lei na verdade se trata apenas de emissoras públicas. Como a Fox News é um canal pago, a Lei nunca teria atingido o canal.
O mais curioso é que o filme acusa a Fox News de algo que ele mesmo faz: só mostrar um lado.
Dick Cheney aceitou o cargo de Vice-Presidente apenas com a intenção de ampliar os poderes do executivo?
Novamente, Vice faz afirmações impossíveis de provar. Somente Cheney sabe verdadeiramente de suas intenções, porém suas ações até o 11 de setembro não condizem com seu plano de dominar o mundo como o McKay pinta no filme. Após os eventos trágicos de 2001, os EUA declaram a guerra ao terror, entrando em estado de guerra, diversas atitudes controversas foram feitas pelo executivo como a prática da tortura, a lei do Ato Patriota que permitiu a espionagem de diversos cidadãos e negação de julgamentos para terroristas.
Em sua defesa, Cheney declarou “Em uma guerra, você captura o inimigo até o fim do conflito. Você não captura um nazista e o coloca em julgamento em plena Segunda Guerra Mundial.”.
Dick Cheney realmente ordenou que as aeronaves sequestradas fossem abatidas no ar no 11/9?
Não. O filme faz outra afirmação perigosa que não consegue provar com documentos oficiais. A investigação sobre a polêmica ligação de Cheney foi inconclusiva pela falta de provas. Bush e Cheney negaram veementemente que isso tenha acontecido. Uma das testemunhas mais importantes do caso foi Condoleezza Rice que, no filme, sugere que Cheney espere a aprovação do presente.
Na realidade, em suas memórias Rice afirma que Cheney estava em contato com o presidente o tempo todo, debatendo sobre as questões necessárias de retaliação em momentos desesperadores.
Dick Cheney incentivou à invasão ao Iraque por conta de suas ligações com a empresa Halliburton?
O filme infere que sim, apesar de ser um mais um palpite do que realmente aconteceu. Não há como provar que essa foi ou não a intenção de Cheney ao incentivar a invasão ao Iraque, afinal ele mesmo lucrou 26 milhões de dólares ou até mais por conta da Halliburton na época.
Dessa vez, é bem possível que o filme esteja correto. Durante o governo Bush em 1990, na Guerra do Golfo, Cheney era Secretário de Defesa. Nessa época, ele se opunha firmemente a invadir o Iraque, pois criaria uma enorme instabilidade na região ao remover Saddam Hussein no poder.
Essa opinião mudou depois do 11/9 e também depois de ter trabalhado na Halliburton. Ele acreditava fielmente que Hussein tinha armas de destruição em massa e que estava conectado a al-Qaeda.
Porém, o filme falha em mencionar que muitos envolvidos no governo apoiavam a decisão de invadir o Iraque, incluindo 29 senadores democratas e todos, com exceção de um, senador republicado. A própria Hillary Clinton defendou a Guerra do Iraque – ela, por algum motivo, é relembrada pela montagem do filme.
O Iraque de Saddam Hussein realmente investiu pesado na pesquisa e desenvolvimento de armas de destruição em massa no passado, porém há pouca evidência que isso havia continuado depois da Guerra do Golfo em 1991, quando as Nações Unidas destruíram diversas armas com esse poderio. Porém, em 2004, a comissão do 11/9 descobriu que havia sim uma relação de colaboração entre o Iraque e a al-Quaeda. Desse modo, por conta da omissão do governo de Hussein e suas falhas com as Nações Unidas, diversos países passaram a suspeitar que ele estava novamente pesquisando armas de destruição em massa, resultando na coalização contra o Iraque.
Dick Cheney é o culpado pela criação do ISIS?
Vice infere que sim através de sua nada agradável narração, já que o próprio político mencionou o nome do terrorista Abu Musab al-Zarqawi. O nome do terrorista foi divulgado para que a população dos EUA aprovasse a Guerra do Iraque, porém, ao mesmo tempo, mencionar al-Zarqawi o tornou uma celebridade local que fez com que resultasse na origem do Estado Islâmico.
McKay ainda vai além e infere que al-Zarqawi foi a mente criminosa dos ataques em Londres em 2005, além de que, por conta de sua morte em 2006 acabou resultando em todos os desastres violentos enfrentados pelo mundo durante a administração Obama. O culpado de tudo isso? Sim, ele mesmo. Dick Cheney.
Porém, a verdade não é tão simples como Adam McKay acredita que é. Até mesmo para os críticos mais ferrenhos de Cheney essa declaração é absolutamente absurda. A crítica de McKay sobre Cheney não ter prestado muita atenção sobre Zarqawi é válida, porém a administração Bush estava empenhada contra diversos terroristas – algo que o filme não faz muita questão de mencionar.
Dick Cheney e Bush são os responsáveis pelo afogamento simulado na Baía de Guantanamo?
Sim. O campo de detenção da Baía de Guantanamo foi criado durante a administração Bush/Cheney. Lá, diversas violações de direitos humanos ocorreram para extrair informações de terroristas, incluindo a tortura do afogamento simulado. Enquanto o filme claramente toma posições anti-republicanas, ele blinda o lado democrata. A administração Obama preservou o campo em seus mandatos. Ele diminuiu o número de presos, mas continuou prática do “interrogatório avançado”.
Além disso, ampliou o programa de guerra ao terror com o uso de drones que matou milhares de civis inocentes. Nunca houve qualquer escrutínio por parte da imprensa e Hillary Clinton defendeu o programa diversas vezes, de acordo com o Washington Post.
Dick Cheney apoiou sua filha lésbica para então, depois, decepcioná-la?
Uma das poucas vezes que o filme se aprofunda no lado mais humano de Cheney é quando ele apoia a revelação de sua filha como mulher homossexual. Porém, quando sua outra filha, Liz, se opõe ao casamento gay para conseguir vencer sua campanha para o Congresso, Cheney a apoiou em sua decisão.
Para Adam McKay, Cheney fez isso porque é um maníaco por poder e um traidor da confiança da filha Mary. Porém, na verdade, as coisas são mais complexas. Cheney apoiou os dois pontos de vista de ambas as filhas, mesmo que conflitantes. Cheney declarou que Liz nunca havia apoiado o casamento gay mesmo com sua irmã sendo parte da comunidade.
Durante anos, Cheney apoiou o casamento gay, incluindo no debate de vices em 2000. Ele conquistou diversas críticas de conservadores em 2009 por declarar que as pessoas devem ser livres para se casarem com quem quiserem. Ainda hoje, tanto Liz quanto Mary são conservadoras.
O Homem que Cheney atirou realmente pediu desculpas a ele?
Sim. Um dos casos mais bizarros da vida de Cheney, acabou em Vice e que surpreendentemente é verídico. O filme até mesmo mostra imagens reais de Harry Whittington pedindo desculpas por ter sido baleado por Cheney durante uma caça a patos. O texano de 78 anos foi atingido acidentalmente por Cheney sofrendo ferimentos no pescoço e parte do peito.
Três dias depois do pedido de desculpa, teve um ataque cardíaco não fatal em decorrência dos ferimentos. Isso feriu e muito a reputação de Cheney, se tornando motivo de piada. Ele demorou a tornar o incidente algo público e admitir a culpa. Porém, no filme, é entendido que ele pouco se lixa para o incidente, achando mais um aborrecimento na sua vida.
Porém, não é preciso pesquisar muito para ver que isso não é verdade. Em entrevista na Fox News, Cheney declarou que era o “cara que puxou gatilho, que atirou a bala que machucou Harry. Posso falar de todas as condições no dia, mas no fim é tudo culpa minha. Não é culpa do Harry. Eu machuquei meu amigo e vê-lo cair é uma memória muito dolorosa. Foi um dos piores dias da minha vida.”.
Dick Cheney realmente é um gênio do mal?
Apesar de Adam McKay acreditar que ele um planejador estratégico e inteligentíssimo, apesar de pintá-lo como ignorante diversas vezes, Cheney parece não ser o culpado por todas as mazelas do mundo.
O fato que ofereceu grandes poderes do executivo foi mesmo o acontecimento do 11/9 permitindo as expansões vistas naqueles anos que foram aprovadas pelo Senado e Congresso com base na Guerra. Ainda assim, Cheney auxiliou o governo Bush e não foi o governo Bush como o filme dá entender. Bush buscou seus conselhos, mas ao mesmo tempo estava assessorado por diversos profissionais da West Wing.
Adam McKay afirma que tudo é verdade em seu filme?
Não. McKay diz que seu filme não é 100% fiel aos fatos. Ele avisa que é uma história real, mas também informa que, por conta de Cheney ser tão reservado, é difícil saber o que aconteceu. É uma situação tão bizarra que deve ser a primeira vez que um filme biográfico culpa o objeto de seu estudo para justificar suas diversas mentiras extrapoladas.
Personalidades foram alteradas, diálogos foram criados do nada envolvendo pessoas reais. Então fica a total impressão que McKay quis reescrever a história, já que é muito fácil as pessoas encararem filmes biográficos como a verdade absoluta. Porém, com Vice, é melhor se manter longe tanto de suas informações tortas, de seu assassinato de reputação pedante e também de um entretenimento completamente fracassado.
Não existe graça na mentira.