Review | Avatar: Frontiers of Pandora traz uma imersão inigualável

Review | Avatar: Frontiers of Pandora traz uma imersão inigualável

James Cameron tinha uma visão e um enorme orçamento ao criar a então inédita franquia Avatar em 2009. Com um longo período de desenvolvimento devido à complexidade de seus efeitos visuais, a saga só veio a receber um novo filme no final de 2022. Logo, sendo um sinônimo de “manjar para os olhos”, não é surpresa alguma que a franquia também viesse a ter seus próprios jogos. 

Poucos devem lembrar, mas Avatar fez sua estreia nos games ainda em 2009, em um lançamento simultâneo ao primeiro filme chegando para Xbox 360 e PlayStation 3. Embora o jogo não tenha sido alçado como um dos melhores já feitos, era bastante satisfatório para o hardware da época, além de trazer uma narrativa inédita caso o jogador encarasse a campanha sob o prisma da RDA - a facção humana que explora os recursos naturais de Pandora. 

Mais de uma década depois, enfim chega o também anunciado (há dois anos) Avatar: Frontiers of Pandora, totalmente desenvolvido pela Massive Entertainment com o apoio da Ubisoft e supervisão da Lightstorm Entertainment - a própria produtora de James Cameron. A ambição do projeto era sem igual, servindo para expandir tremendamente toda a mitologia da saga, além de cravar sua própria identidade. Felizmente, boa parte do que o time almejou foi conquistado.

Eu sou Na’vi

Avatar: Frontiers of Pandora nos coloca na pele de um na’vi sequestrado ainda criança pela RDA. Os últimos do clã Sarentu foram aprisionados ainda jovens para aprenderem os caminhos dos humanos, história, ciência e cultura, para então conseguirem fazer uma ponte entre os nativos de Pandora e os invasores alienígenas - os homens. Entretanto, ao longo dos 15 anos de cativeiro, os na’vi acabam surpreendidos pela incursão de Jake Sully e Neytiri contra a RDA, destruindo a base onde ficavam.

Libertos pela primeira vez, os já adultos na’vi sarentu terão que aprender a se reconectar com Eywa, além de integrarem à resistência contra a RDA que continua bastante presente em Pandora, subjugando sua fauna e flora aos extremos da perversão em uma exploração predatória. Sob o comando da RDA do fronte oeste, está John Mercer, líder da facção nessa região, e a implacável coronel Angela Harding que possui seus próprios planos de exploração ao bioma da lua. 

Em geral, a história de Frontiers of Pandora está no nível dos dois filmes já criados por Cameron, embora careça bastante de carisma para seu rol de personagens - isso inclui o/a protagonista (aliás, recomendo a protagonista feminina já que a atriz original tem um maior empenho no papel do que sua contraparte masculina). Em si, a proposta já é bastante única e original, fazendo total sentido para a elaboração do projeto. 

Afinal, assim como a protagonista, o jogador nunca vivenciou Pandora como ocorre aqui. Logo, toda a narrativa é atenta em apresentar mais da lua, da fauna extremamente variada e da flora que preenche em exuberância o massivo mapa de mundo aberto. Nisso, a história segue em três atos distintos, mas todos unidos com o objetivo de derrotar os avanços da RDA e se vingar do massacre do seu povo. 

A estrutura é funcional, apresentando novos biomas do mapa, bastante distintos, assim como traz novas tribos para a protagonista interagir. Na vasta Floresta Kinglor, temos os sofisticados Aranahe, amantes de música, arte, culinária e tecidos. Já no Prado Alto, os poderosos Zeswa apresentam a força da guerra em sincronia com seus costumes nômades motivados pelos gigantes dóceis zekru. Por fim, há a Floresta Nebulosa onde vivem os reclusos Kame’tire, curandeiros de extrema habilidade, mas que possuem um vínculo sombrio com os Sarentu. 

Cada clã traz consigo diversas missões secundárias. Embora nitidamente haja um esforço em criar narrativas mais interessantes, é triste reconhecer que são histórias relativamente fracas e, quando interessantes, sofrem com uma repetição maçante de design de missões - geralmente, muitas envolvem coletas de frutos ou recursos animais em condições impecáveis e te garanto que ficar esperando chover por algumas horas para então poder colher a bendita fruta que só está “ideal” quando molhada não é nada divertido. 

Somente na metade do jogo que os roteiristas começam a empenhar maiores esforços em denotar mais drama e personalidade para os amigos sarentu da protagonista. Teylan se mostra o mais interessante, por ter um vínculo afetivo com a RDA nos moldes de uma síndrome de Estocolmo, enquanto Nor começa a se tornar problemático em generalizar todos os humanos como inimigos. Já Ri’nela ganha mais espaço no terceiro ato, conquistando mais responsabilidades. 

Os antagonistas, porém, são bastante fracos, apelando para algumas cenas “chocantes”, mas em si, a interação com o protagonista é bastante rasa e pontual. Um problema crônico dos moldes de narrativa da Ubisoft há tempos - desde Far Cry 4. Em geral, a história satisfaz, mas a maior riqueza de informações está mesmo no compêndio dos jogadores mais interessados em Pandora e nos na’vi como um todo. 

Imersão sem igual

Uma das decisões artísticas e de jogabilidade de Avatar: Frontiers of Pandora que realmente me deixou encabulado antes de ter a chance de jogar o game foi o fato do título ser em primeira pessoa, se portando como um FPS. Em geral, a comunidade gamer suspeitou bastante da decisão, afinal a graça é ver o modelo do personagem interagindo com o ambiente, assim como em Hogwarts Legacy, por exemplo. 

Injustamente, o game então ganhou um rótulo injusto de Far Cry de ET quando na verdade é um jogo bastante distinto da outra célebre saga da Ubisoft. Embora existam sim mecânicas compartilhadas como de coleta e caça, além do sistema de criação de itens, armas e armaduras, o jogo possui diferenciais para cada uma delas, trazendo até minigames - para coletar frutas, por exemplo, é preciso saber colher através da união de uma direção do analógico e combinação com a sensibilidade dos gatilhos do controle.

Tendo a supervisão da Lightstorm, a Massive teve a oportunidade de criar uma Pandora como nunca vista antes, somente vislumbrada na primeira aventura de Jake Sully. Logo, a prioridade máxima do time é a imersão: tanto visual quanto sonora. O jogo é simplesmente maravilhoso e apresenta de fato o poderio da nova geração com a exuberância insana de elementos de vegetação em tela. São inúmeras árvores massivas, flores, plantas exóticas com insetos e fauna permeando o mapa, além de corpos aquáticos por todos os lugares entre rios e cachoeiras. 

Quando tudo orna de modo mágico, existe aquela rara sensação de estar jogando algo especial e isso ocorreu comigo algumas vezes enquanto me maravilhava pelo belíssimo mundo que a Massive conseguiu construir. Um deles, extremamente especial, é a missão que envolve se conectar com a Ikran, o dinossauro alado que já vimos nos filmes. 

Já nessa missão que ajuda a melhorar muito a nossa mobilidade pelo mapa imenso, vemos as maiores forças do jogo com seu design artístico muito competente e único, os efeitos de física sensacionais que movimentam todas as plantas conforme o vento fica mais forte, e a exploração vertical dos mapas densos - no caso, nas montanhas flutuantes de Pandora. 

Há puzzles ambientais também, mas nada de extremamente complexo. Aqui, também é notável o capricho do time em modelar o personagem por inteiro - podemos ver os adornos da armadura no peitoral, os detalhes das tornozeleiras e tudo mais - além de, obviamente, trazer uma maior distância da câmera do chão pelo fato dos na’vi serem muito altos.

Na verdade, a proposta da imersão é tão radical que o jogo sofre por não trazer um sistema de navegação ideal. Para ver os objetivos que devemos ir, é preciso ativar um “sentido na’vi”, assim como o sentido bruxo de Geralt, para notar uma porção brilhante no horizonte e seguir para lá. 

Tudo para não poluir a interface do usuário. Embora seja difícil ficar perdido por causa da mecânica, se torna um hábito frequente para o jogador manter essa visão ligada o tempo inteiro, o que acaba destoando bastante. Logo é uma faca de dois gumes. Em momentos de investigação em que é preciso ligar algumas pistas às outras, torna-se ainda mais complicado, pois mesmo com a visão alternativa ativada, é difícil distinguir todas as pistas na porção do território da missão. Esses problemas de navegação poderiam ser corrigidos com um patch futuro, mas acho bastante improvável. 

Já o mapa que podemos colocar indicadores, é bastante detalhado, miniaturizando todo o terreno em 3D. Ele também possui um overlay muito bem-vindo para mostrar onde se encontram determinadas criaturas e plantas essenciais para coletas. 

Embora o jogo tenha um bom ritmo, ainda há um hábito muito desagradável do game design da Ubisoft desde Assassin’s Creed Origins, mas no caso, ainda pior. O jogo não oferece experiência em troca das missões e atividades secundárias. O personagem ganha pontos de habilidades como recompensa, mas isso não necessariamente o torna mais poderoso.

Logo, em missões principais, existem saltos brutais em níveis de dificuldade como uma missão de nível 8 ser seguida por uma missão de nível 12. E acredite, esse jogo não é moleza como os Far Cry costumam ser. Caso pegue uma missão muito acima do seu nível, prepare-se para sofrer já que poucos tiros são suficientes para matar o protagonista. Logo, tudo é balanceado através de níveis de poder - assim como em God of War e Hogwarts Legacy. 

Para aprimorar esses níveis de poder, é preciso achar melhores equipamentos e explorar significativamente outras mecânicas do jogo. Ainda assim, te garanto que demora bastante para conseguir elevar a sobrevivência do personagem e enfrentar os desafios necessários para progredir. Então, se é um jogador impaciente, é melhor se preparar psicologicamente antes de encarar o game. 

As missões secundárias são ótimas para garantir melhor influência nos clãs que as dispõe e, através disso, podemos conseguir itens melhores com os mercadores, além de projetos para a criação de itens únicos. Como as tribos não usam dinheiro, o sistema de trocas é baseado em reputação. É uma mecânica bem inteligente e única para o game que poderia ser transportada para outros jogos. 

Todos os biomas apresentados no jogo são riquíssimos e contam com diferenças notórias para tornarem-se distintos. As Florestas Kinglor são basicamente a região próxima a que ocorre o primeiro filme da saga. Aqui, a exuberância de florestas densas escondem cavernas gigantes que trazem atributos únicos. Espalhados por todo o mapa, estão alguns pontos de habilidade consagrados via conexão com os sarentu do passado, em câmaras escondidas, mas apontadas no mapa para exploração. 

Os Prados Altos trazem ventanias fortes cuja vegetação se adaptou aos ventos em formações únicas. São planícies imensas e ideais para navegar montado em um equimível. A Floresta Nebulosa também é densa, mas permeada por uma neblina misteriosa que traz uma narrativa por si só. Aqui, os musgos são mais presentes, assim como fungos gigantes, além de trazer criaturas mais perigosas como o Thanator. 

Diversidade é o que não falta. A Massive se empenhou ao máximo para realizar um mundo único, extremamente vivo e exuberante com os mapas abertos de Pandora. Por sinal, como já esperado, o ciclo de dia e noite também revela coisas muito pontuais. Por exemplo, o cenário se transforma com a bioluminescência do solo e das plantas, dando um show de cores neon e luzes belíssimas - os efeitos HDR e ray tracing só ajudam a realçar ainda mais o belo trabalho.

Também é notável que cada parte do mapa traga consigo uma geografia peculiar com formações rochosas tão poderosas que se tornam pontos de referência para o jogador se localizar nas jornadas. Entre as atividades secundárias, além da coleta e caça, como já apontadas antes, existem as bases poluídoras da RDA. 

Essas, funcionam como campos militares de Far Cry, mas alteram todo o bioma pela poluição. Acinzentado em tons pastéis, o cenário se torna imprestável em recursos, dificultando ainda mais a vida do jogador que enfrentar os desafios de derrotar a RDA na região. Depois, uma cinemática mostra o bioma se recuperando. É algo um efeito bonito. 

Para auxiliar nesses combates intensos contra a RDA, o jogo oferece a mecânica de comidas. Sim, assim como em Monster Hunter, diversas receitas estão disponíveis para o jogador descobrir, trazendo efeitos passivos de status que farão muita diferença para derrotar inimigos humanos ou selvagens. Por isso, é importante ao máximo não negligenciar essa função que facilita bastante a vida, além de permitir que o protagonista restaure sua saúde após um tempo sem receber dano - há um indicador de fome sempre presente na interface.

Como também é esperado, após tanto cuidado com o visual do jogo, a trilha musical e trabalho sonoro não ficam atrás. Temos faixas dignas das telonas que tornam alguns dos momentos do jogo bastante intensos e até emocionantes - escutar corais e tambores rufarem enquanto voamos com a ikran pelos céus em uma altitude insana é algo que nunca deixa de ser incrível - por sinal, aqui a câmera, adequadamente se torna em terceira pessoa, facilitando bastante os controles.

As únicas partes técnicas que realmente deixam a desejar estão logo no começo do jogo, com a personalização do seu na’vi e também nas cinemáticas secundárias. Com poucas opções de rostos e customização do corpo, é difícil fazer um personagem realmente único, pouco genérico. Entretanto, como o jogo é em primeira pessoa, esse detalhe acaba tendo pouca importância na totalidade da experiência. Já nas cinemáticas, aquelas que permitem pular os diálogos, é notória a queda da qualidade visual e das animações faciais dos NPCs que interagimos.

As fronteiras de Pandora acabaram de começar

É difícil não ficar impressionado com o trabalho técnico e artístico que a Massive empenhou por tantos anos em Avatar: Frontiers of Pandora. Trata-se sim de um dos melhores jogos do ano - e olha que 2023 foi um ano abençoado de lançamentos para os games. Aqui, fica provado que a paixão de um time pelo material de trabalho se torna um enorme diferencial para o resultado final do projeto. 

Cada detalhe do jogo exala essa paixão em enriquecer o universo idealizado por James Cameron, o tornando mais convidativo e imersivo do que nunca. Após umas horas de jogatina, é possível ser um perito em fauna e flora de Pandora, sem ficar atrás dos fãs que consomem outros produtos como guias oficiais e que leram os roteiros dos filmes. 

Ainda assim, mesmo divertido e desafiador, é importante salientar que o jogo sofre com o design de algumas missões e que muito do tempo exigido do jogador seja destinado a fazer “trabalho forçado” para outros personagens - como as infinitas coletas e caças por recursos impecáveis. Então, recai a pergunta, vale a pena?

A resposta é: vale sim, se já souber o que esperar do título. Se você gosta de jogos em primeira pessoa com exploração livre que vai te entregar muitas horas de entretenimento, com certeza sim. A recomendação mais óbvia fica para os fãs da franquia que não precisam de muito para embarcar novamente em uma aventura inédita por Pandora. 

A Ubisoft tem um acerto em mãos em um momento bastante crítico em sua história, então eu celebro a conquista com eles. Fico ansioso para novas fronteiras serem exploradas, trazendo agora os já cativantes oceanos apresentados em Avatar: O Caminho da Água.


Crítica | Wonka é uma açucarada história de origem

Roald Dahl foi um escritor que deixou inúmeras obras que hoje estão bastante presente na vida dos fãs de cultura pop. Livros como Matilda e O Bom Amigo Gigante foram adaptados para o cinema com relativo sucesso, assim como ocorreu com A Fantástica Fábrica de Chocolate, que recebeu adaptações para as telonas em 1971 com Gene Wilder no papel principal, e em 2005, com Johnny Depp interpretando Willy Wonka.

Nos dois filmes, o foco estava no tour promovido por Willy Wonka pela fábrica de chocolate, permitindo que os espectadores conhecessem mais sobre o personagem e suas ambições. Entretanto, nunca havia sido cogitada a ideia de criar um longa-metragem de origem, contando a história de como Willy conseguiu obter sucesso e criar sua fábrica de chocolate. Essa narrativa ganha vida com Wonka, filme dirigido por Paul King.

A nova versão traz Timothée Chalamet como Willy Wonka e Hugh Grant como o famoso Oompa-Loompa, personagem eternizado no filme da década de 1970. Em Wonka, o protagonista busca de todas as formas abrir sua loja de chocolate e levar o sabor transcendental de seus doces para todos. A narrativa é uma viagem fantástica pelo mundo do chocolate, com uma jornada pessoal de Wonka repleta de altos e baixos. A figura de Wonka, vestindo um sobretudo roxo e uma cartola, com seu ar apaixonado pela vida e pelos chocolates, traz um toque especial à produção, que se transforma em uma verdadeira jornada lúdica e fantasiosa.

É um grande trunfo da produção contar com Paul King na direção, cineasta responsável pelo excelente As Aventuras de Paddington 2, utilizando de sua capacidade para inserir humor e uma bela imaginação visual ao conceber a história. Para dar o tom a um personagem tão interessante como Willy, um homem apaixonado por chocolate e que navega pelo mundo em busca de iguarias que combinem com suas receitas, é necessário incorporar boas doses de fantasia e criatividade na criação do universo em que Wonka vive.

O roteiro, co-escrito por Paul King e Simon Farnaby, acerta em alguns aspectos e erra em outros. A primeira coisa que chama a atenção é que a trama, principalmente em seu último ato, torna-se bastante cansativa de se acompanhar. Isso não se deve à ausência de ação na narrativa, mas sim ao seu ritmo que é bastante maçante. Entretanto, situações importantes e que são bem desenvolvidas acabam disfarçando o ritmo lento, tornando-o menos perceptível.

Por se tratar de uma história de origem, é evidente que a motivação de Willy em querer construir sua loja de chocolate seja apresentada, a qual futuramente se tornaria um verdadeiro império dos doces. O personagem, portanto, tem uma motivação pessoal que é guiada pelo sonho e pela paixão de ter os chocolates mais saborosos do mundo, de modo que alcancem universalmente todos os públicos. É uma história de origem bem construída e nada superficial; ao contrário, há muitas camadas a serem consideradas na trama, como o drama de Wonka e os diversos desafios que surgem em meio à sua jornada.

Em alguns momentos, o filme soa brega, o que pode ser atribuído à opção em tratar a história como um musical. As canções, escritas por Neil Hannon, apresentam melodias encantadoras, porém, as letras carecem de alma e originalidade. Diferentemente de produções como O Rei do Show e La La Land, que são musicais envolventes e capazes de prender a atenção do público, Wonka revela-se bastante superficial nesse cenário. Tal fato acaba por transformá-lo em um longa raso, fazendo com que até mesmo O Retorno de Mary Poppins se torne uma obra brilhante em comparação nesse aspecto.

Chalamet é um dos grandes nomes da nova geração de atores e empresta seu carisma para o longa, ajudando a conferir um tom mais suave à trama. Wonka se mostra inocente em alguns momentos, e provavelmente a escolha de Chalamet tenha passado por isso, embora o protagonista não combine muito com o astro. O Wonka concebido por Paul King e interpretado por Timothée é encantador, distinto do maníaco de 1971 ou do ingênuo e sarcástico interpretado por Depp.

Com boas doses de humor, a produção apresenta um visual lindíssimo, tanto na direção de arte quanto no figurino. A obra é um verdadeiro show de cores, lembrando até mesmo as características visuais presentes nas obras de Wes Anderson, assim se destacando em relação ao visual extravagante criado por Tim Burton para o longa de 2005.

Wonka reestrutura de forma inteligente uma história que anteriormente não encontrava uma saída para ser reproduzida nas telonas, como nos dois filmes anteriores de A Fantástica Fábrica de Chocolates. Alcançando seu objetivo principal, que é atrair um novo público para conhecer a história de Willy Wonka e, quem sabe, criar uma nova franquia. Sem dúvida, é um dos grandes filmes do ano, prometendo divertir o público com altas doses de simpatia e carisma.

Wonka (idem, EUA – 2023)

Direção: Paul King
Roteiro: Simon Farnaby, Paul King, inspirado na obra de Roald Dahl
Elenco: Timothée Chalamet, Olivia Colman, Hugh Grant, Sally Hawkins, Paterson Joseph, Keegan-Michael Key, Rowan Atkinson
Gênero: Aventura, Comédia, Família
Duração: 116 min

https://www.youtube.com/watch?v=5a-qYjXNOtw&ab_channel=WarnerBros.PicturesBrasil


Crítica | Feriado Sangrento - É mais um filme sangrento de Eli Roth

Quando Grindhouse, projeto de 2007 dirigido por Robert Rodriguez e Quentin Tarantino, que inclui os filmes Planeta Terror e À Prova de Morte, chegou aos cinemas, uma série de fakes trailers foi lançada como parte da estratégia de divulgação, proporcionando uma experiência inovadora. Entre os cinco trailers dirigidos por cineastas diferentes estavam Machete e Thanksgiving.

Alguns desses trailers fictícios foram adaptados para as telas, como foi o caso de Machete (2010), O Vingador (2011), e agora é a vez de Thanksgiving - que traduzido significa Ação de Graças - que recebeu o título nacional de Feriado Sangrento. O projeto foi liderado por Eli Roth, um diretor conhecido por sua filmografia de terror, que inclui longas que receberam uma recepção morna por parte da crítica.

Feriado Sangrento se destaca como um slasher brutal e envolvente, que certamente está entre os grandes filmes já dirigidos por Roth. O longa presta uma série de homenagens aos clássicos do slasher, como O Massacre da Serra Elétrica, Pânico e Halloween, enquanto também incorpora referências a outras obras conceituadas do gênero terror.

A trama se inicia com uma sequência cruel e caótica na madrugada de Ação de Graças, quando a Black Friday está prestes a começar. Centenas de consumidores revoltam-se após um grupo de jovens furar a fila e entrar na loja, desencadeando uma reação em cadeia que leva a população a invadir o estabelecimento. A violência generalizada se instaura entre consumidores enlouquecidos em busca de produtos em promoção, como Airfryers e outros itens.

A cena inicial é bastante impressionante, mesmo para aqueles que já estão familiarizados com as obras de Roth, diretor conhecido por causar horror no público com o sádico O Albergue II (2007) e o apavorante Canibais (2013). O cineasta realiza um trabalho eficaz neste slasher, podendo chocar uma parcela do público devido ao excesso de sangue jorrado na tela.

O filme apesar de parecer inicialmente uma paródia, na realidade, opera como uma crítica ao consumismo, alinhado ao que Zack Snyder explorou em Madrugada dos Mortos. A ideia de Roth é ótima, e por meio de uma cena rápida e extremamente sangrenta, ele transmite a mensagem de que estamos cada vez mais focados em nós mesmos do que nas outras pessoas, tornando-nos consumidores viciados em compras desnecessárias.

O roteiro, escrito por Eli Roth em parceria com Jeff Rendell, é inventivo nas mortes, mas também cai nos velhos clichês do gênero. No entanto, isso não representa um problema real para a trama; pelo contrário, esses clichês funcionam muito bem. Há uma reviravolta decente no final e um vilão com uma dose de motivação, visto que a matança ocorre devido ao massacre provocado pelo excesso de ganância do dono da loja e o assassino irá atrás de uma vingança pessoal.

Mesmo os jovens, que geralmente são retratados como sendo personagens idiotizados nessas histórias, desempenham papéis decentes. Claro que tomam decisões bobas e muitas vezes agem de maneira mesquinha e egoísta, chegando a causar raiva no espectador. Roth faz com que esses personagens funcionem quase como uma sátira aos protagonistas do gênero. Entretanto, a final girl deixa bastante a desejar, sendo uma figura apagada na trama.

Thanksgiving (título original) possui classificação indicativa de 18 anos. o filme é extremamente sangrento, exibindo crânios esmagados, cabeças decepadas e vísceras expostas de maneira crua. Em sintonia com muitos slashers, a obra apresenta um assassino com visual marcante, destacando-se pelo uso de uma máscara inspirada em John Carver, reconhecido como o criador do Dia de Ação de Graças.

Podemos dizer que Eli Roth demorou um bocado para adaptar seu curta-metragem Thanksgiving em filme, mas a espera valeu a pena. Certamente, Feriado Sangrento está entre os grandes filmes sobre obras de feriados, como Natal Sangrento e Dia dos Namorados Macabros. Em resumo, a produção conquista seu lugar entre os bons slashers produzidos nos últimos tempos e devemos torcer para que uma sequência chegue o quanto antes e não demore uma eternidade para ser produzida.

Feriado Sangrento (Thanksgiving, EUA – 2023)

Direção: Eli Roth
Roteiro: Eli Roth, Jeff Rendell
Elenco: Patrick Dempsey, Nell Verlaque, Rick Hoffman, Ty Olsson, Gina Gershon, Gabriel Davenport, Karen Cliche, Jenna Warren, Tomaso Sanelli, Jalen Thomas Brooks
Gênero: Terror, Mistério, Suspense
Duração: 106 min


Crítica | Napoleão - É um épico vazio com a marca de Ridley Scott

A vida de Napoleão Bonaparte já foi objeto de inúmeras adaptações para a TV e o cinema. Sempre intrigou o público, e diretores como Stanley Kubrick tentaram abordar o tema em seus projetos. Entretanto, quem realmente se aventurou a levar a vida do líder francês para as telonas foi Ridley Scott, com o seu eficiente Napoleão.

No entanto, é válido afirmar que retratar a vida do líder militar francês no formato de um longa-metragem não é uma tarefa fácil. Bonaparte emergiu durante a Revolução Francesa, liderando uma intensa repressão durante as Guerras Revolucionárias Francesas, que clamavam pelo retorno da Monarquia à França. Esse é o principal desafio encontrado pela produção: contar uma história imensa de batalhas e política em poucas horas.

Contar a história completa de Napoleão em um filme de duas horas e meia é um feito árduo. Seria mais adequado trabalhar com uma duração superior a três horas ou concentrar-se em um período específico da vida de Bonaparte, como foi feito em A Queda! As Últimas Horas de Hitler (2004), que se concentra nos momentos finais antes da derrota de Hitler. No entanto, Ridley Scott optou por uma abordagem diferente, tentando abranger quase toda a vida militar de Napoleão e suas principais batalhas em um curto intervalo de tempo.

Um Bonaparte frio e sem carisma

A questão do tempo torna-se evidente em diversos momentos, como na passagem de Bonaparte pelo Egito, um período de grande destaque na história que, no filme, é apresentado em menos de dez minutos. O mesmo ocorre com a Batalha de Waterloo e sua ida à Ilha de Santa Helena, momentos marcantes em sua vida, mas que aqui parecem situações de curta duração. Isso, sem mencionar os cortes que evidenciam alterações na edição do longa, campanhas que claramente foram reduzidas a pequenos detalhes. Por ser uma co-produção entre a Sony e o serviço de streaming Apple TV+, é bem provável que tenha uma versão mais longa e que fique disponível no streaming.

Joaquin Phoenix dá vida a um Napoleão vazio, com o roteiro necessitando constantemente reforçar que aquele homem de estatura média era poderoso e ambicioso. O problema reside no fato de que Ridley Scott idealizou um personagem que não transmite a imagem de um homem cheio de poder. É difícil para o público aceitar a ideia de que aquele era o Napoleão que influenciou significativamente a Europa e almejava dominar todo o território por onde passava. Apesar de Joaquin Phoenix apresentar uma ótima atuação, não é, de longe, sua melhor performance, e isso não é culpa do ator, mas sim da direção frágil de Scott.

Quando jovem, Ridley Scott demonstrava muito mais ambição e criatividade do que na fase atual de sua carreira. Sua trajetória no audiovisual é marcada por altos e baixos, apresentando obras fantásticas como Gladiador (2000) e O Último Duelo (2021), mas também produzindo obras medíocres como Êxodo: Deuses e Reis (2014) e Casa Gucci (2021). Embora seja compreensível que o diretor desejasse criar um filme à altura do imperador francês, acabou se perdendo em sua própria ambição, incapaz de transmitir a ideia de que Bonaparte era um homem com uma loucura pessoal e uma busca incansável pelo poder.

Entre o amor e o poder

O roteiro, assinado por David Scarpa (Todo o Dinheiro do Mundo), opta por contar a história de Napoleão não a partir do ponto de vista do líder francês nos campos de batalha ou de sua rotina política, mas sim com foco no relacionamento de Bonaparte com Josephine Bonaparte (Vanessa Kirby). A ideia parece ser construir uma trama com teor dramático, onde Napoleão luta para manter acesa a paixão por Josephine, mesmo diante das traições da imperatriz. O casamento chega ao fim principalmente porque ela não lhe concede um herdeiro. A decisão de centralizar a narrativa no relacionamento entre os dois revela-se um equívoco, com Ridley Scott aparentemente sem saber qual caminho seguir, entre destacar o relacionamento ou as batalhas.

Cada vez que o filme parece abordar as batalhas do imperador francês ou mergulhar nas complexidades políticas do período, o retorno ao romance entre Napoleão e Josephine interrompe o ritmo, desconectando o espectador das sequências de ação e do contexto histórico. Essa alternância constante entre dois focos principais não apenas quebra a coesão narrativa, mas também pode diluir o impacto tanto das relações interpessoais quanto dos eventos históricos, deixando a audiência dividida entre as tramas. Essa falta de clareza na direção da narrativa prejudica a experiência do espectador, tornando a conexão emocional e a compreensão histórica mais desafiadoras.

Ao contrário de outros épicos dirigidos por Ridley Scott, como Gladiador, neste caso, o diretor opta por não destacar as grandes façanhas do imperador. Embora algumas batalhas e conflitos sejam apresentados, há uma distância entre a visão do diretor para o personagem e o que realmente é explorado na tela. Parece que Scott se interessa mais por questões secundárias do que pela profundidade do retrato do homem Napoleão, resultando em uma abordagem que subestima as conquistas épicas que poderiam ter sido mais enfaticamente representadas.

Napoleão de Ridley Scott funciona mais como uma caricatura do poder do que uma representação convincente e envolvente do líder francês. O filme se perde ao tentar ser mais um livro de história visualizado do que uma obra cinematográfica cativante. Com uma atmosfera sem graça e uma fotografia quase apática, a produção se torna um retrato desnecessário de Napoleão, que carece do impacto e da vitalidade necessários para destacar a complexidade do personagem. Em comparação com o épico de Abel Gance (1927), que é amplamente reconhecido como uma cinebiografia de qualidade sobre Napoleão, algo que não irá ocorrer com o Napoleão de Ridley Scott.

Napoleão (Napoleon, EUA – 2023)

Direção: Ridley Scott
Roteiro: David Scarpa
Elenco: Joaquin Phoenix, Vanessa Kirby, Tahar Rahim, Rupert Everett, Mark Bonnar, Paul Rhys, Ben Miles, Riana Duce, Ludivine Sagnier
Gênero: Ação, Aventura, Drama
Duração: 158 min


Crítica | Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes - Um prelúdio que revigora a franquia

Crítica | Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes - Um prelúdio que revigora a franquia

Pode-se afirmar que a franquia cinematográfica de Jogos Vorazes é uma das mais populares do planeta, contando com uma grande e relevante base de fãs. Após a adaptação para os cinemas dos quatro livros da autora Suzanne Collins em longas-metragens, sendo o último livro dividido em dois filmes, era natural que um novo capítulo surgisse, e foi exatamente isso que aconteceu.

Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes, dirigido por Francis Lawrence, é uma adaptação da obra de mesmo nome e que funciona como um prelúdio. O longa não explora o início dos Jogos Vorazes, mas sim a história de Coriolanus Snow (Tom Blyth) ainda jovem, e que no futuro irá se tornar o cruel Presidente Snow que busca, de todas as formas, eliminar Katniss Everdeen.

Entretanto, a trama deste novo capítulo vai muito além de simplesmente apresentar Snow sob uma nova ótica. O filme contextualiza a questão política do período e acompanha a transformação de Coriolanus ao longo da narrativa. Inicialmente, ele é retratado como um jovem idealista, mas com o passar da história, sua personalidade evolui para alguém ambicioso, com grandes objetivos.

Um eficiente início

Nesse novo capítulo de Jogos Vorazes, além de desenvolver o personagem de Coriolanus Snow, também apresenta Lucy Gray (Rachel Zegler), a mulher que desafia o sistema imposto pela Capital e pela qual Snow se apaixona perdidamente. A trama aborda questões políticas e sociais, características marcantes da franquia, assim como os jogos em que é necessário lutar pela sobrevivência.

O roteiro, assinado por Michael Lesslie e Michael Arndt, revigora a franquia, proporcionando uma narrativa robusta que supera a conclusão anterior, que foi fraca e sem brilho. Era de se esperar que o prelúdio respondesse a algumas perguntas que ficaram em aberto, como a identidade dos idealizadores dos primeiros jogos e proporcionasse uma melhor contextualização das motivações por trás desses jogos brutais.

A ação não é o foco central do filme, uma vez que era necessário apresentar o personagem do jovem Snow, de sua família, incluindo sua irmã Tigris (Hunter Schafer), e que não tem destaque significativo na trama. Além disso, havia a necessidade de explorar a complexa teia política e social da época, o que foi habilmente estruturado e aprofundado pelo roteiro. A presença de elementos de ação no longa é algo secundário, e quando a ação aparece ela serve mais como um catalisador para o desenvolvimento de Snow e uma oportunidade para aprofundar a personagem de Lucy Gray. Diversos eventos ao longo da narrativa contribuem para dar consistência ao enredo, diferentemente da conclusão vazia e sem sentido apresentada em Jogos Vorazes: A Esperança - O Final.

Os diálogos inteligentes entre os personagens, especialmente aqueles envolvendo Volumnia Gaul (Viola Davis) e Coriolanus, são um diferencial, concedendo maior vigor a cenas que, em outras circunstâncias, seriam mornas. O ritmo lento da narrativa não compromete o desenvolvimento da história, funcionando no último ato como um suporte eficaz para o relacionamento entre Snow e Lucy Gray..

Se Katniss Everdeen foi o destaque nas produções anteriores, com uma personagem forte e cheia de camadas, aqui encontramos a jovem Lucy Gray, que foi inserida nos jogos como uma manobra política por parte do Prefeito do Distrito em que ela reside. Em geral, é uma ótima protagonista, com uma personalidade marcante e momentos significativos para a trama. No entanto, há ocasiões em que a personagem pode parecer um tanto enfadonha, especialmente nos momentos dramáticos que mais demandam sua participação.

A continuidade da franquia Jogos Vorazes nos cinemas permanece incerta, mas seria uma decisão acertada, especialmente após a introdução deste bom novo capítulo. Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes não apenas oferece uma nova perspectiva, mas também serve como uma porta de entrada para novas narrativas envolvendo a luta entre os distritos rebeldes e Coriolanus Snow. Sem dúvida, destaca-se como um dos melhores filmes da franquia.

Jogos Vorazes: A Cantiga dos Pássaros e das Serpentes (The Hunger Games: The Ballad of Songbirds & Snakes, EUA – 2023)

Direção: Francis Lawrence
Roteiro: Michael Lesslie, Michael Arndt. Inspirado na obra de Suzanne Collins
Elenco: Rachel Zegler, Tom Blyth, Viola Davis, Hunter Schafer, Fionnula Flanagan
Gênero: Ação, Aventura, Drama
Duração: 157 min

https://www.youtube.com/watch?v=Zw3QtH64Fxc


Crítica | Afire traz uma bela reflexão sobre a natureza humana

Leon e Felix são dois amigos que viajam para um lugar afastado da cidade em busca de tranquilidade. Felix está determinado a criar seu portfólio, enquanto Leon pretende finalizar seu segundo livro. No entanto, ao chegarem na residência, encontram Nadja, que já está vivendo no local, e são obrigados a dividir a casa com essa inquilina desconhecida. É por meio desse encontro que se desenvolve a trama de "Afire", longa dirigido por Christian Petzold.

As situações seguintes que ocorrem após o primeiro encontro de Leon com Nadja, incluindo, após longos dois dias de estarem vivendo na mesma casa, revelam as questões que Petzold deseja explorar e apresentar ao público. Leon é um homem imerso em seu próprio mundo, aparentemente indiferente ao que ocorre ao seu redor e desinteressado nas pessoas à sua volta. Ele parece concentrar-se apenas em si mesmo e na trama ficcional de seu livro. 

Como pano de fundo para a possível paixão platônica que Leon nutre por Nadja, há um incêndio de grandes proporções que consome a floresta onde se encontram. No entanto, o fogo se dirige para outra direção, sem representar risco para os residentes. O filme é o último capítulo da trilogia dos elementos de Petzold, composta por Em Trânsito (representando a terra) e Undine (representando a água), e, claro, Afire, representando o fogo.

O clima quente e seco, assim como o incêndio em si, simbolizam a paixão, um sentimento bastante presente na trama. Da mesma forma, o vento parece avançar como se estivesse prestes a desencadear uma tragédia a qualquer momento. Petzold, que não apenas dirigiu, mas também escreveu o roteiro da obra, explora temas como amizade, amor, arte e sexualidade, elementos fundamentais que permeiam a narrativa e que são cruciais para revelar os perfis individuais dos personagens.

O jovem escritor Leon é retratado como alguém que busca viver em seu próprio universo, imerso nas páginas de seu novo livro. Contudo, enfrenta um bloqueio criativo que o impede de conceber uma narrativa envolvente, como ilustrado pela leitura que faz de seu trabalho ao editor. Leon é caracterizado como alguém que não aproveita plenamente as experiências da vida, recusando convites para a praia e para compartilhar um vinho, optando por se isolar em vez de participar do convívio social.

O roteiro oferece momentos excepcionais, como a poética cena em que Nadja declama o nostálgico e romântico poema The Asra do escritor Heinrich Heine. O mesmo pode ser afirmado sobre a trilha sonora, destacando-se especialmente a belíssima In My Mind da banda austríaca Wallners, que encerra o filme com chave de ouro.

É claro que parte do público pode acusar o longa de ser parado, sem ação e com ritmo maçante, e isso de fato é verdade em algumas cenas. No entanto, essa ausência de ação não se torna entediante, e a história passa em um piscar de olhos, pois as interações entre os personagens cativam e prendem o espectador em seus dramas particulares dos. Afire certamente é um dos grandes filmes do ano e merece as críticas positivas que tem recebido.

Afire (idem, ALE – 2023)

Direção: Christian Petzold
Roteiro: Christian Petzold
Elenco: Thomas Schubert, Paula Beer, Enno Trebs, Langston Uibel, Matthias Brandt
Gênero: Comédia, Drama, Romance
Duração: 102 min


Crítica | Five Nights at Freddy's - Foi feito para agradar aos fãs do jogo

Já é uma tradição em Hollywood de lançar obras audiovisuais adaptadas de jogos de videogame. Five Nights at Freddy's, inspirado no game de mesmo nome, se revela como uma grande decepção, pois tinha potencial para ir além e apresentar uma estrutura narrativa que escapasse do óbvio, No entanto, a diretora Emma Tammi parece estar perdida, sem saber que direção tomar com a história e com os personagens.

Mike, interpretado por Josh Hutcherson, é um jovem que enfrenta sérias dificuldades em manter um emprego a longo prazo. Ele precisa continuar trabalhando para manter a custódia de sua irmã Abby (Piper Rubio). É por essa razão que ele assume o cargo de segurança na Freddy Fazbear's Pizzeria, um lugar há muito esquecido pelo tempo, onde ele se depara com figuras assustadoras e bizarras.

O filme está repleto de mistérios, alguns se mostram menos interessantes, enquanto outros são mais relevantes, como o enigma das crianças que desapareceram ao longo dos anos, cujo paradeiro permanece desconhecido. O roteiro introduz a personagem da policial Vanessa (Elizabeth Lail), que desempenha um papel fundamental no desenvolvimento da trama do protagonista, levando-o a interagir com uma pessoa curiosa e repleta de histórias sobre o local abandonado onde Mike trabalha.

O roteiro, escrito pela diretora Emma Tammi com colaboração com Seth Cuddeback e o criador da franquia de jogos, Scott Cawthon, falha em aproveitar adequadamente o potencial das figuras bizarras. No jogo, essas figuras são o foco central da narrativa, mas no filme, elas são praticamente deixadas de lado, aparecendo esporadicamente para proporcionar momentos cômicos. Ao dar ênfase à jornada pessoal de Mike e à trama das crianças desaparecidas, o filme acaba se transformando em mais uma produção de terror destinada a ser lançada para a época do Halloween.

O filme tenta, embora com alguns equívocos, permanecer fiel à história do jogo em certa medida. No entanto, a narrativa, por si só, já é confusa e, ao adiar a resolução do mistério para o último ato, revela a indecisão da diretora sobre qual aspecto enfatizar: o dos sonhos do protagonista com as crianças sequestradas ou o seu drama particular em precisar manter a guarda da irmã. Isso acaba resultando em uma falta de desenvolvimento adequado em ambos os aspectos, deixando a narrativa fragmentada e causando no público incertezas.

Como sabemos, os bonecos animatrônicos são o elemento central da trama e, naturalmente, despertam o interesse e a curiosidade do público. Todavia, essas figuras toscas acabam sendo negligenciadas como personagens secundários e desprovidos de profundidade. O pior é que a história carece de elementos de terror. Sempre que surge uma oportunidade de criar sequências aterrorizantes ou repletas de suspense, a diretora as interrompe, frustrando os fãs do gênero. Ainda assim, a presença desses seres bizarros é a fórmula de sucesso do longa, o que ajuda a explicar a surpreendente bilheteria da produção em seu primeiro fim de semana.

Em desenvolvimento desde 2015, Five Nights at Freddy's é um filme de terror projetado com foco nos fãs do game, contando com uma audiência amplificada por meio das redes sociais, principalmente o TikTok. Mas mesmo com esses esforços, o longa não deixa de ser uma grande decepção.

Five Nights at Freddy's (Five Nights at Freddy's - O Pesadelo Sem Fim, EUA – 2023)

Direção: Emma Tammi
Roteiro: Seth Cuddeback, Emma Tammi, Scott Cawthon
Elenco: Josh Hutcherson, Piper Rubio, Elizabeth Lail, Matthew Lillard, Mary Stuart Masterson
Gênero: Terror, Mistério, Suspense
Duração: 109 min

https://www.youtube.com/watch?v=h2lVX71L_3A


Crítica | O Exorcista: O Devoto - É apenas um filme ruim sobre exorcismo

Crítica | O Exorcista: O Devoto - É apenas um filme ruim sobre exorcismo

Há filmes na história do cinema em que é inimaginável pensar que possam receber remakes ou continuações, e principalmente, que sejam tão bons quanto os originais. O Exorcista, lançado em 1973 e dirigido com maestria por William Friedkin, é um desses casos. É óbvio que os estúdios querem lucrar com continuações de filmes que foram sucesso de público e crítica, assim como era óbvio que O Exorcista iria acabar ganhando novas releituras, mas a questão mesmo está em relação à qualidade dessas obras, que são geralmente são bastante questionáveis e muitas vezes desnecessárias, o mesmo ocorre com O Exorcista: O Devoto (David Gordon Green).

Em 1977, foi lançado O Exorcista II: O Herege, uma sequência ridícula e que não fazia justiça ao original, enquanto O Exorcista III (1990) foi uma produção decente dentro da proposta estabelecida. Em O Exorcista: O Devoto, ocorre uma tentativa falha de ressuscitar o clássico e recontar a história para as novas gerações, visto que há a possibilidade de ser o primeiro capítulo de uma futura trilogia.  

O principal dilema deste novo episódio reside na reflexão sobre a necessidade de dar continuidade à história do filme original, em vez de explorar uma trama completamente nova, evitando revisitar os eventos que afetaram a jovem Regan (Linda Blair).

Comparações Inevitáveis

David Gordon Green ganhou notoriedade com o elogiado Halloween (2018), que realmente resgatou a qualidade da franquia após sequências decepcionantes. Porém, ele cometeu o mesmo erro ao criar continuações igualmente fracas quanto as que sucederam o longa de 1978. Em O Exorcista: O Devoto, embora haja um esforço do cineasta em evocar a atmosfera dos filmes clássicos, ele acaba tropeçando nos clichês do gênero e na completa incapacidade de recriar o clima de horror e medo que tornou O Exorcista tão marcante.

Assim como ocorre na maioria das produções sobre exorcismo, duas garotas são possuídas não por demônios, mas pelo próprio diabo, capeta ou qualquer outro nome associado à entidade maligna que já foi usado ao longo dos anos. Angela (Lidya Jewett) e Katherine (Olivia O’Neill) desaparecem por alguns dias na floresta e, ao retornarem, começam a manifestar um comportamento estranho, o que leva à descoberta posterior de que estão possuídas, requerendo, obviamente, a realização de um exorcismo nelas. Há também na história o personagem de Victor Fielding (Leslie Odom Jr.), um viúvo que perdeu a esposa em um terremoto no Haiti.

É inevitável fazer comparações entre esta versão de David Gordon e a de Friedkin, uma vez que O Exorcista sempre teve uma presença significativa na cultura pop. Pode-se afirmar que várias obras sobre o tema foram filmados utilizando como referência o filme, como O Exorcismo de Emily Rose (2005) e outras produções que incorporaram elementos do clássico da década de 1970.

Os vários Problemas de “O Devoto”

David Gordon Green não entregou seu melhor trabalho em The Exorcist: Believer (nome original), mas há de se concordar que o roteiro não ajuda muito - roteiro este escrito por Gordon Green em parceria com Peter Sattler. A ideia de desenvolver uma nova trama envolvendo uma família originária do Haiti não convence, sem mencionar as mudanças em relação à obra original, deixando de lado elementos que funcionaram, como a obscenidade do diabo quando possui Regan ou até mesmo a icônica cena do vômito. Esses elementos estão ausentes nesta nova versão, resultando em um filme vazio e esquecível, se apresentando assim essencialmente como uma produção de terror de baixa qualidade.

Logo no primeiro ato, já é possível identificar alguns dos clichês clássicos do gênero do terror, como o da mulher grávida, algo que já foi explorado, por exemplo, em O Bebê de Rosemary (1968). Há muitos outros clichês, como o das crianças possuídas, as várias caretas que elas fazem, o das luzes que piscam. O roteiro é ruim também por se mostrar indeciso sobre qual direção seguir e qual mensagem quer transmitir, ocasionando em um conteúdo completamente frágil.

Mesmo com os retornos de Ellen Burstyn, no papel de Chris MacNeil, e de Linda Blair, em uma aparição relâmpago, os efeitos são quase nulos. Em vez de proporcionar um encerramento satisfatório para o arco das personagens, essa inclusão as trouxe de volta sem o devido protagonismo que mereciam. Não há uma conexão palpável entre a personagem de Ellen e o público, uma vez que passou muito tempo desde sua última aparição. Seu retorno apagado apenas reforça essa percepção.

O Exorcista permanece como um clássico atemporal no mundo do cinema, ainda tendo bastante influência e impacto no meio. Infelizmente, O Exorcista: O Devoto não consegue cativar nem capturar a tensão e o medo causado pelo longa original, mesmo com seu potencial para algo maior. A narrativa se perde em não estruturar direito os personagens, nem em criar uma história decente, deixando uma sensação de desapontamento. É um lembrete de que nem todas as histórias precisam de sequências ou revisitações, e que o legado de um clássico como "O Exorcista" permanece intocado, ainda sendo lembrado como referência para futuras gerações.

O Exorcista: O Devoto (The Exorcist: Believer, EUA – 2023)

Direção: David Gordon Green
Roteiro: Peter Sattler, David Gordon Green
Elenco: Lidya Jewett, Olivia O’Neill, Leslie Odom, Linda Blair, Ellen Burstyn, Jennifer Miranda, Ann Dowd
Gênero: Terror
Duração: 111 min

https://www.youtube.com/watch?v=96RCGOaNuCM


Crítica | Cemitério Maldito: A Origem - É um enorme desperdício de tempo

Cemitério Maldito tinha o potencial de ser uma das franquias mais assustadoras e interessantes dentro do gênero do terror. No entanto, há mais erros do que acertos entre obras da franquia que foram lançadas. Cemitério Maldito (2019) foi um remake que tentou ressuscitar a história, mas acabou sendo uma grande decepção, o mesmo se aplica a Cemitério Maldito: A Origem.

Adaptado da obra de Stephen King, o primeiro filme foi lançado em 1989, que já naquela época não era tão excepcional assim. O mesmo pode ser dito desta nova versão, dirigida pela estreante Lindsey Anderson Beer, que demonstra boas intenções, mas falha em incorporar os principais elementos que um bom filme de terror deve ter, que são: tensão, suspense e uma trama intrigante. 

A trama se passa no ano de 1969, 20 anos antes do primeiro longa, seguindo o jovem Jud Crandall (Jackson White), que descobre segredos antigos que estão no cerne de sua família e estão ligados à sua cidade natal de Ludlow, Maine. Após o retorno de Timmy (Jack Mulhern) do Vietnã com dispensa honrosa, vários acontecimentos sinistros envolvendo o jovem se desencadeiam pela região.

Vamos concordar que é uma premissa nada inovadora e que já acompanhamos em várias obras de terror, mas os roteiristas acharam que seria uma brilhante ideia trazê-la para as telas. Para piorar, a diretora Lindsey Anderson apresenta a narrativa com um ritmo lento e não adiciona uma atmosfera de horror ou medo na obra, isso para não mencionar a falta de simpatia dos personagens, que foram pessimamente construídos e desenvolvidos. Inclui-se aí o personagem de David Duchovny, que também é mal utilizado pela cineasta.  

Por se tratar de um prequel, é natural que o público procure respostas, ou como o título em português diz, a origem de todos aqueles acontecimentos sombrios envolvendo o tal do cemitério. Mas o roteiro é completamente deficiente e ineficaz em nos trazer respostas sólidas e relevantes, pelo contrário, deixando mais dúvidas do que propriamente respondendo a essas perguntas. 

O público que acompanha aos longas adaptados das obras de King já sabe o que aquele cemitério faz com as pessoas que são enterradas ali, mas mesmo assim quiseram recontar toda a história como se fosse uma grande novidade. Outra falha gritante do roteiro tem relação com a trama, que se passa em 1969, e não há a mínima conexão do que aconteceu no passado para transformar aquele lugar em um local “maldito”.

Não há motivo para terem produzido um novo capítulo da franquia. Cemitério Maldito: A Origem tem as mesmas deficiências narrativas de Chamas da Vingança (2022), que também foi inspirado em uma obra de Stephen King. A dúvida que fica é se esse longa fará com que Cemitério Maldito receba mais continuações ou se simplesmente enterrou as chances de futuras sequências ocorrerem.

Cemitério Maldito: A Origem (Pet Sematary: Bloodlines, EUA – 2023)

Direção: Lindsey Anderson Beer
Roteiro: Lindsey Anderson Beer, Jeff Buhler
Elenco: Jackson White, Natalie Alyn Lind, Forrest Goodluck, Isabella LaBlanc, Henry Thomas, David Duchovny, Samantha Mathis
Gênero: Fantasia, Terror
Duração: 87 min