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Critica com Spoilers | 007 – Sem Tempo para Morrer: Sem Tempo para Lacrar

Sem mais tempo para perder e adiar de ver novos filmes no cinema, principalmente esse que já foi mais adiado do que saber ter uma vida estável, ou um novo jogo para uma nova geração ser lançado na primeira data marcada (é até uma piada a esta altura), e que acabou esticando o período de Daniel Craig como personagem icônico de James Bond por mais de 15 anos, tempo suficiente para que pelo menos três filmes pudessem ter sido feitos pelo menos uns três filmes desde Spectre e no intervalo entre Quantum of Solace e Skyfall pelo menos um ou dois, e por essa altura já teríamos mudado de ator.

Mas desde a era de Moore, tivemos aqui outro ator que atravessou uma década inteira dentro dos ternos e cicatrizes de Bond, embora não com a mesma quantidade de filmes em seu currículo, (visto o quão maior e mais difícil se tornou de produzir um filme do 007), e sempre dando tudo de si para entregar o seu melhor no tempo que teve, em uma montanha-russa de qualidades no que se refere aos filmes de 007 que tivemos com Craig.

Felizmente, a recepção do qual Sem Tempo para Morrer finalmente chega até nós, é uma que mostra o espírito da franquia ainda vivo, entre o público e o próprio cinema: sendo um grande evento, e por tudo que faz de bom ou ruim, pelo menos manteve viva essa tradição.

Ainda mais impressionante especialmente por ter sido tantas vezes adiado desde 2019, e depois de tantos rumores desde uma produção problemática, atrasos incessantes em meio à pandemia e rumores de refilmagens, Sem Tempo para Morrer chega na verdade vem como um respiro fresco e uma agradável surpresa, que diverte e agrada muito mais com aspectos de qualidade ótimos e tão respeitosos ao personagem de Bond e seu atual ator, dando a ele o melhor capítulo final que alguém poderia pedir, e que faz você facilmente ignorar quaisquer grandes falhas, furos, passos em falso e exageros forçados que definitivamente tem.

Não tão mais clássico

Começando por ser o filme do 007 mais longo já feito até agora, e dificilmente será superado nisso, marcando 163 minutos de duração, mas que  na verdade consegue ser muito mais coeso e fluido do que de se esperar, definitivamente (e facilmente) um filme muito mais claramente focado e conciso do que Spectre que por momentos se tornava cansativo, e tão apressado em outros. E bem mais do que nunca, vincula uma narrativa bastante conectada com os filmes passados de Craig e ignora completamente qualquer sinal de uma estrutura mais episódica dos filmes clássicos da franquia.

Simplesmente porque essa não é mais uma estrutura de um filme clássico Bond em nenhum parâmetro, que prende quaisquer sinais disso apenas à referências do que a qualquer traço rotineiro similar de outros filmes. Dependendo muito dos filmes anteriores para contar sua história, onde parece se dirigir à um grande capítulo final que James Bond merece, com literalmente “todo o tempo do mundo” para contar uma história minimamente coerente. Se ao menos a história fosse melhor sustentada com mais material de profundidade real para realmente fazer o tempo de duração se sentir de fato merecido e necessário.

Muitos mencionam como a escolha de trazer o diretor Cary Joji Fukunaga foi uma escolha interessante, e que poderia significar um tom mais dramático adotado o filme, o que definitivamente reflete ser verdadeiro, assim como, embora bem mais do que Skyfall e Spectre, Sem Tempo para Morrer continua a tendência comum que os filmes de Craig adotaram em seu Bond em ter narrativas mais pessoais, peso dramático em qualquer ação e custos políticos/humanos refletidos no grande plano do vilão.

Fosse partindo de material realista e maleável no caso de Cassino e Quantum com tráfico de armas e crise de água; perigos mais esporádicos e dignos de thriller envolvendo vigilância digital em Skyfall, e mergulhar completamente na velha aventura ala 007 em Spectre embora lutando arduamente para ter alguma relevância em temais atuais.

Sem Tempo para Morrer tira disso de tudo um pouco, ao mesmo tempo que em um tom mais melodramático neutro próprio, perfeitamente estabelecido no que pode ser realmente considerada a cena introdutória de maior peso dramático de toda a franquia até agora, que definitivamente deixa seu coração se sentindo picado por uma agulha, especialmente em como a música tema de Billie Eilish que se à primeira vista parecia tão melosa, finalmente mostra fazer sentido sobre o que a letra se conecta com a história que se estabelece aqui. E como isso coloca Bond sendo tirado de um momento de paz, terminando em uma tempestade abrupta de violência que deixa sua alma quebrada, e não no percurso clichê ala Supremacia Bourne – apenas mais um coração partido.

Ao longo do filme tenta se ater piamente a isso ao trazer um ritmo mais calmo, e totalmente dedicado aos pequenos momentos de troca de diálogos, tentando saborear em cada palavra e em cada pequeno momento através do roteiro da dupla habitual da franquia de Neal Purvis e Robert Wade, do próprio Fukanaga e a interessante adição de Phoebe Waller-Bridge – mais responsável por algumas pitadas de humor, e traços politicamente corretos que você pode definitivamente detectar aqui e ali onde e o que ela escreveu.

O problema está em como preenche todos esses momentos com o drama básico e material que, a não ser por um ou dois momentos, nunca convence seu real peso que está tentando transmitir.

Deixando a escrita às vezes se sentindo um pouco forçada, especialmente quando ela tem que andar naquela linha tênue entre tentar manter um tom sério levado a seu enredo e a história que tentar contar, colocando a realidade de um mundo muito mais frio onde o inimigo não tem rosto, vivendo sob o risco de extinção em massa e onde vírus descontrolados se tornam armas de destruição em massa e um medo palpável prestes a entrar em colapso em histeria caótica impera sob tudo, ceifando vidas sem piedade ou cerimônia – surpreendentemente mostrando como o filme conseguiu ser ironicamente atemporal; ao mesmo tempo, ele precisa equilibrar a autoconsciência de um filme de Bond, sabendo exatamente o que é, o que faz e o que tem a oferecer ao seu público.

Mais do Mesmo Renovado

O equilíbrio é até ok e consegue ser constantemente divertido, nada que sequer remotamente se compare à Casino Royale, onde o nível de direção parecia cirúrgico sob os olhos de Campbell, enquanto aqui tudo parece mais descompassado e alongado, tudo para permitir sua trama respirar o máximo possível. A parte frustrante, porém, é como tudo parece um pouco repetitivo em alguns pontos.

Onde vemos mais uma vez a queda de um herói, seguida por uma aposentadoria e uma jornada rumo a recompor de volta ao seu antigo mundo. E tudo isso basicamente fez parte de toda a estada de Craig na era Bond, a tornando instável, sempre levando o personagem estando num vai e vem entre se aposentar e voltar, ser perseguido ou fugir às ordens de seu governo. Por mais que os filmes tentem manter um fluxo coeso de conectividade, parece algo condenado a nunca soar realmente natural e apenas reciclar materiais e ideias que quebram com o que o último filme ambientou, tendo que iniciar e reiniciar constantemente.

Se Martin Campbell trouxe Bond para o realismo psicológico dos livros de Ian Fleming em um mundo pós-11 de setembro, e Sam Mendes trouxe o classicismo da franquia em sua estrutura misturado com seus temas modernistas, Fukanaga ainda brinca com tudo isso, mas muito mais enxuto em um tom dramático que busca se destacar longe do que veio antes. Mas ainda assim, realiza um esforço para se fazer sentir, pela primeira vez, uma progressão natural desses filmes, especialmente em como se conecta a Casino Royale com a conexão de Bond com Vesper ainda agindo como uma maldição pairando sobre ele, e atestando que seu encontro com Spectre está longe de ter terminado com Blofeld sendo preso.

Adicionando alguns traços interessantes que fazem o filme parecer versátil e dinâmico em seu tom, desde os 5 primeiros minutos introdutórios que mais parecem um filme de terror, com um toque slasher na neve, que quase te faz acreditar que é um filme completamente diferente no começo. Enquanto dá uma mistura de filmes antigos de Bond em sua mistura: com o estilismo vibrante e a escala campy da era Connery; misturado com o ar de Guerra Fria de Dalton; e a veia dramática pessoal de A Serviço Secreto de sua Majestade – até trazendo algumas notas musicais como uma homenagem e inspiração clara graças ao belo trabalho de Hans Zimmer aqui, embora não sendo um de seus trabalhos mais memoráveis, se mantendo em seu nível automático, com alguns pontos emocionantes e memoráveis  aqui e ali.

E isso acaba também se refletindo na caracterização de Craig, que é definitivamente seu melhor momento no papel. Claramente se sentindo bem mais à vontade no papel e se divertindo mais do que nunca ele pareceu antes. Em certas cenas em Spectre você conseguia quase sentir o cansaço e indiferença do ator em certos gestos e momentos do personagem, mas aqui tudo parece integral à sua natureza, fazendo o Bond que quer com as inspirações que lhe acometem.

Ele tem um pouco do ar de espião charmoso de Connery e Moore, com a cruel brutalidade operativa de Dalton e o herói de ação de Brosnan. Mas enquanto Craig começou sua estadia como um James…Bourne, e evoluiu para um personagem quase super heroico, no último filme ele estava basicamente arrancando algemas com as próprias e atirando em alvos com precisão robótica como se ele fosse um herói de ação de videogame, e com suas cenas de ação nos últimos dois filmes basicamente se tornando seus próprios shooters em terceira pessoa. Enquanto aqui, chega a um ponto em que ele já se veste com algo que você poderia ver Nathan Drake usando em um jogo Uncharted.

Mas sua personalidade que é o que sempre foi o mais interessante, e mais “Bondiano”, conforme ele veio de um comportamento frio e sarcástico, para chegar aqui e já ter um q de Connery totalmente afiado. Até o seu físico mais velho o faz se sentir como um Bond já bem vivido, o que aprimora e muito sua performance, que é indiscutivelmente a melhor de Craig aqui.

007 em corpo e alma!

Embora para os fãs saudosos, tomem a maior parte disso, o personagem mais amplamente desenvolvido: sua história de origem, suas motivações pessoais, raciocínio traços humanos; com certa frustração, porque Bond sempre tinha essa misteriosa mística por trás de sua persona que o fazia se sentir tão único, com um interior secreto escondido por atrás do exterior sempre tão coberto de uma virilidade máscula invejável e transpirando um charme intrigante.

O pouco que se tocou sobre seu passado e eu interior em Cassino, foi absolutamente perfeito, o suficiente para humanizá-lo a um nível básico de compreensão e simpatia humana, mas quando eles vêm desmiuçar o personagem, pedaço por pedaço, parte dessa mística se foi, mas o 007 ainda permanece o mesmo fodão cheio de charme, gingado e absolutamente “cool”, só que agora com você conhecendo tão bem quanto conhece seu pai. Mas a execução de suas explorações meio que faz você ignorar o caminho percorrido para chegar a esse ponto.

Esse efeito se estende ainda mais aos tropos familiares de Bond, como sua amizade com Felix Leiter. Foi tudo construído de forma coesa nos filmes anteriores? Na verdade, eles só se encontraram pela primeira vez no Cassino, depois se ajudaram no Quantum como uma cortesia profissional. Enquanto estão aqui, eles agem como velhos amigos, Bond até o chama de irmão mais tarde (em uma cena bastante catártica). E a coisa é … realmente parece tangível e real. Muito pela excelente química entre Craig e Jeffrey Wright, que claramente está se divertindo muito aqui no pouco tempo de que dispõe.

Mas é um efeito estranho, especialmente vindo de como eles criam isso de uma maneira que parece o mesmo tipo de relação que Coonery ou Moore teriam com suas versões de Felix Leiter depois de terem cruzado caminho com eles em tantos filmes, criando um senso de familiaridade mais palatável (embora mudando atores constantemente). Porém você chegava em Permissão de Matar com Dalton e você podia ver Bond e Leiter interagindo grandes amigos de décadas, e você nunca tinha visto aqueles dois juntos antes (não os mesmos atores, pelo menos), e ainda assim parecia crível. Portanto, isso até se ignora visto como funciona como um dos golpes dramáticos mais reais que o filme cria para si.

Enquanto Bond em Skyfall em menos de dois filmes já aparecia como um velho enferrujado que precisava aprender a se adaptar em um novo mundo moderno, a um novo público. Não porque vimos Bond de Craig chegar a esse ponto como personagem em uma narrativa progressiva, mas vimos Bond, o personagem em si, em todos os seus anos de franquia, tendo que literal e figurativamente aprender a se adaptar a um mundo moderno. Os traços de Craig como Bond acabam recaindo nele incorpora o que o personagem já é, em vez de construí-lo por si só.

É mais ou menos o que Sem Tempo para Morrer faz em relação a isso, e em relação ao resto dos filmes de Craig e Bond em geral. Investe fortemente o que os fãs da velha escola sabem dos filmes, do personagem, das relações que Bond deveria ter e você, como público, deveria se sentir em relação a eles. Fazendo as relações aqui parecerem quase alegóricas ao que faz de James Bond James Bond em primeiro lugar, não tanto pelo que ele realmente construiu para si em cinco filmes até agora, mas pelo que 25 filmes foram feitos para representar.

Isso funciona como uma espada de dois gumes, por um lado é um festim nostálgico perfeito, mas por outro é também uma forma complicada de construir um personagem e convencer pesos dramáticos mal tendo construído seus próprios alicerces para sustentá-lo, especialmente para um público que cada vez mais deseja coisas todas mastigadinhas e explicadas. Pode até servir a esse público, e vai deixar os fãs dos mais velhos cegos na nostalgia, mas dificilmente vai escapar de ser realmente melhor do que poderia ter sido, o que o deixa às vezes deixar sentir tudo um tanto vazio.

Mas o que realmente faz tudo funcionar em um nível bem conduzido?! Bem, a resposta curta é o ator, Craig faz com que tudo seja bem absorvido! O drama que escrevem para ele, por mais forçado que possa ser em certos pontos, um pouco em Skyfall, muito em Spectre, ele abraça com paixão, e mais do que nunca aqui, faz com que pareça crível. Ele tem um privilégio que os outros atores de Bond nunca tiveram, ele sabe que este é o seu último, então ele tira o melhor proveito de cada momento que tem! E, francamente, até mesmo um monte de outras coisas que não funcionaram antes em filmes anteriores (especialmente Spectre), meio que funcionam aqui.

Vilões clássicos…e modernizados

Christoph Waltz como Blofeld por exemplo, parece até alguém diferente do que vimos em Spectre, e porventura bem mais interessante. Não só com uma performance mais moderada que corresponde ao seu eu clássico, como ele também é posto aqui para realmente causar um dano real contra Bond. Logo na introdução, e mais tarde quando ele revela que a mentira de Madeleine nunca foi uma mentira, ele apenas fez parecer que era. E Bond, em seu ego e falta de confiança, decide acreditar em seu sofrimento e em sua natureza adestradora de sempre olhar para trás (literalmente), ao invés de confiar na mulher que claramente o ama. Roubando-lhe assim os anos que ele poderia ter de felicidade e companheirismo, e mais tarde conforme você descobre, de viver uma vida com sua filha.

E você legitimamente se sente mal pelo personagem e especialmente pelo rumo que seu destino toma, condenado para sempre e com direito apenas a pequenos espaços de fôlego e de felicidade. Seja com Vesper, Madeleine, ou até mesmo como fora com o personagem e Tracy lá em A Serviço Secreto de Sua Majestade, fazendo uma conexão emocional real e fazendo sentido para Bond como personagem e seu legado. Tá vendo, o filme sabe o  que tá fazendo e muito bem! Só não pode-se dizer o mesmo sobre o vilão principal.

Se Blofeld em pouco tempo de tela que tem aqui se mostra uma boa figura antagônica, o vilão principal de Lyutsifer Safin de Rami Malek, que tinha tudo pra ser um perfeito maquiavélico antagonista clássico dos pés à cabeça da franquia, se estraga por uma clara falta de desenvolvimento. Em um filme de mais de duas horas e meia, ele só realmente começa a ter uma presença demarcada depois de uma hora e meia de filme, e depois uma predominante só na reta final e com material faltando para realmente fazer sua presença tão antagônica e impactante, soar crível e com algum peso.

Ele começa relativamente bem, sua cena introdutória causa intriga quanto certos calafrios; a forma como que ele revela sua ameaça é conduzida e construída lentamente em segundo plano, deixando Spectre ainda no pano de fundo das ameaças por metade do filme. Então de repente, ele se livra da organização mais icônica de toda a franquia em um único golpe fatal.

Mas quando chega a hora de torná-lo uma parte mais ampla do filme, tudo se resume a: uma voz rouca e calma falando diálogos pensando serem profundos e filosóficos, refletidas em seu rosto desfigurado, que era bem mais assustador e intimidante quando ele se escondia por debaixo de uma mascara de boneca que só usa na cena intro.

Nem mesmo o seu covil bacana que evoca vibes de Dr. No, com um jardim de veneno, e os vírus/nano-rôbos mortais que se revela como seu plano para dominar toda a civilização, consegue convencer todo o seu mal ameaçador. Eles até apelam em usar seu nome para causar esse efeito, uma vez que se pronuncia exatamente como Lúcifer (eles nem mesmo estão tentando esconder o quão idiota é isso).

E pelo grande feito que ele realiza no final, raro para um vilão da franquia, merecia ser um antagonista muito mais digno do que apenas um cara malvado com voz rouca, o que é frustrante. Sem mencionar os seus capangas são jovens genéricos, interpretados por dois bastante dispensáveis Dali Benssalah com seu olho falso tentando evocar alguma vibe boba de capanga das antigas de Bond, mas se sentindo apenas genéricos, e Billy Magnussen cujo único traço é ter uma cara de babaca.

Bondgirls?

Enquanto no departamento de Bondgirls… Nomi de Lashana Lynch é sem dúvidas muito mais agradável do que os trailers a faziam parecer, e não uma mensagem feminista ambulante querendo diminuir e humilhar o grande protagonista “antiquado”.

Ao invés disso, ela é apenas um personagem real que desempenha o papel da jovem agente que não aceita ser rebaixada pelo cachorrão velhaco, mas definitivamente se sente insegura quando sente que sua posição no MI6 está sob ameaça quando um cara na casa dos 50 anos ainda pode chutar alguns traseiros e se sobressair em diversas ocasiões como o Bond que todos nós conhecemos. E criando uma relação de provocações entre os dois que soa bem adequada, embora pudesse ter sido muito melhor trabalhada já que pouco tempo é dado para ambos os 007s realmente criarem uma relação.

A Madeleine de Léa Seydoux também definitivamente se sente melhor aproveitada e com uma melhor química com Craig pra fazer o romance realmente convencer dessa vez, embora ainda exagere um pouco demais no grande romantismo em volta de sua relação, o que ainda te faz sentir falta Vesper tanto quanto Bond ainda sente falta dela (ele literalmente diz isso em voz alta aqui). Mas tudo que ela mais faz no filme se resume a basicamente sentir e chorar aos efeitos da trama em volta dela e de Bond, o que também a faça se sentir um pouco prejudicada aqui.

Mas o filme em sua maioria faz bom proveito de todo o elenco de apoio, com todos tendo espaço para brilhar suas personalidades, alguns mais do que outros, e tendo um momento de destaque. O M de Ralph Fiennes traz um peso dramático surpreendente e bem melhor do que as exposições monótonas que deram para ele entregar em Spectre; O Q de Ben Whishaw ainda cheio de seus comentários afiados habituais; Naomie Harris como Moneypenny fica já meio reservada aos seus trabalhos detrás de uma escrivaninha, o que não é nada insultante ou gritante já que é tudo que sua personagem basicamente faz na franquia.

Mas um ponto brilhante, e que infelizmente parece tão desperdiçado, mas tão cheio de qualidades é Ana de Armas como Paloma, a breve personagem de uma agente novata com uma sensualidade coberta por uma inocência imatura que esconde uma letalidade profissional. Ela quase parece ter sido desenhada da cabeça aos pés como a Bondgirl perfeita, e que em um mundo mais justo da era clássica 007, ela teria sido a Bondgirl principal de destaque e curtiria uns amassos com o Craig … mas infelizmente vivemos o século 21 pós 2015.

Não que alguém se importe com o assunto, mas pela quantidade de comentários envoltos de polêmica que vieram de declarações do diretor e da equipe, que levaram a discussões sobre “lacração” dentro do filme, não há nada realmente tão agravante disso aqui para deixar qualquer troll da internet furioso com raiva. Embora este seja sem dúvidas um filme de James Bond que tenta atender à demanda atual de mensagens representativas políticas.

Seja por exemplo na forma com que colocam Bond para passear na garupa da moto de Nomi, que sim é pra ser engraçado, mas que se desenrola em uma sequência de corte de expectativas usuais da franquia, com Bond levando uma garota para seu quarto e terminando na cama com ela.

Já que aqui eles fazem um esforço enorme para enfatizar como os tempos mudaram, enquanto é ELA é aquela que se senta na cama, e enfatiza o quanto ela está lá apenas por cortesia profissional, então nada de sexo para você senhor dinossauro misógino; ou Paloma rindo da pequena cantada de Bond pra ela na cena em que se encontram, de forma quase humilhante; ou o fato de que toda a trama em torno do vilão quase não tem qualquer ligação com Bond, e sim com Madeleine, e quando tentam criar alguma rivalidade entre os dois, chega tarde demais para causar qualquer impressão.

Embora a maioria disso tudo seja bem sutil e nada escrito para prejudicar o personagem ou afastá-lo de seu status icônico. Mas coisas como deixar bem implícito que o Q é gay e o personagem do cientista russo começa a fazer comentários racistas inexplicáveis para Nomi, apenas soam muito aleatórios, estando ali apenas para mostrar um ponto político sem sentido e que simplesmente não se encaixam no filme.

Um Toque Americano

Enquanto no departamento de direção, de uma franquia que sempre priorizou cineastas britânicos, e por vezes neozelandeses, o primeiro toque americano que Fukunaga traz um toque clássico e definitivamente novo. Ele claramente tem um bom olho para a ação, carregando uma sensação de momentum para cada uma das cenas. Seja na meia hora de intro, que vai de um mini filme de terror a um drama de luto e se transformando em uma perseguição em alta velocidade e carregada de ferocidade, levando o Aston Martin em um passeio glorioso e ridiculamente divertido mostrando todas suas habilidades – um espetáculo que empate bem próxima da intro de Spectre, se não ainda melhor, como também a melhor da franquia, ouso dizer.

Mas a melhor cena de ação aqui deve ser a sequência de Cuba, que é Bond clássico apoiado no cinema de atração. Não é apenas o momento mais breve do filme que bota um pé na galhofa da franquia, por ser durante uma festa da Spectre para o aniversário de Blofeld, com um mordomo carregando seu olho, e que poderia facilmente ser uma sequência digna de um filme como Diamantes são Eternos, mas não, é tão divertidamente exagerada e se move em uma nota ainda maior no final.

Onde o tiroteio que se dá certo não é só um tiroteio, e sim cheio de acrobacias, golpes, Bond atira uma bandeja de bebidas em alguém e bebe a bebida na maior tranquilidade, interrompe a ação para compartilhar um drink com sua companheira, Ana De Armas que voa no ar dando uns chutes e atirando duas metralhadoras como se ela estivesse em um filme de John Woo; um balé pirotécnico e caos orquestrado de pura diversão exagerada que é tão gostoso de assistir!

Já a perseguição de carros na Noruega e a fuga na floresta são interessantes por criarem um território mais guiado por suspense e que a série mal tocou antes em um segmento de ação e, definitivamente, cria algo interessante e novo. Embora à longo prazo meio que se sinta uma sequência bastante esticada que não leva a lugar nenhum fora apenas dar continuidade da trama: Madeleine e sua filha sendo capturadas pelo vilão; que poderia ser facilmente simplificada. Mas Fukanaga se mostra tão faminto pelo espetáculo e ele realmente queria cravar suas garras e abraçar as possibilidades que lhe foram dadas aqui.

Mas o clímax com vibe Dr No, com uma misteriosa ilha particular que é uma arma inteira em si mesma, e Bond e Nomi a invadindo nela lembra o ataque do vulcão em Com 007 só se Vive Duas Vezes, deixou o fanboy de Bond dentro de mim alegre. Embora para um cara que tinha falado tanto no passado sobre o quanto ele adora fazer um bom e velho plano sequência – e tendo feito aquele formidável na primeira temporada de True Detective, o que ele cria aqui em um momento de destaque no clímax já bastante esticado, é legal, mas meio que vem do nada e termina de forma preguiçosa, mas a piadinha final que Bond solta depois de matar o capangas de olho robótico é clássico Bond e te faz rir alto.

Todo o cenário, o escopo épico, a dinâmica do ambiente que se dá pra o usual tiroteio é bacana, e mostra Bond realmente passando por dificuldades para alcançar um objetivo enquanto enfrenta ondas de inimigos, mesmo ainda dentro de sua vibe de herói de videogame, é tudo material de blockbuster de  qualidade, e te faz ignorar a estrutura realmente confusa que o roteiro assume na criação de toda essa sequência: desde os barcos vindo para a ilha com compradores malvados vindo para levar a tecnologia do vírus, que nunca chega a uma finalidade; ou como Safin é mostrado claramente prestes a escapar, mas retorna sem aparente motivo apenas para dar tiros letais em Bond; um navio da marinha britânica aparece perto da ilha do nada. Efeitos colaterais de sala de edição com certeza!

Respeitoso até o Fim

Tudo que talvez mostre como a equipe por trás do filme estava realmente em um esforço conjunto para entregar o melhor material final possível, apesar de qualquer erros de continuidade notáveis, lutando nos minutos finais para tomar todas as decisões finais para fazer sentir suas ideias e desenvolvimentos soarem críveis, mesmo que cruzando os limites da lógica pura apenas para certificar o público de que NÃO HAVIA SAÍDA, JAMES BOND TINHA DE MORRER. Nada que realmente incomode porque, no final, é um desenlace justo, épico e até mesmo emocional para a era Bond de Craig. Ele foi o seu próprio Bond, com um começo, um desenvolvimento e agora um fim!

Mas se você realmente se perguntar: isso fez algum sentido com a história em geral e o próprio personagem? Nem um pouco. Estando lá apenas como um adeus pessoal do próprio ator para um personagem que ele foi ao limite em uma relação entre amá-lo e odiá-lo, e se despede aqui com alegria em seu coração, e contando o tipo de história atual e progressista que ele queria contar com o personagem, finalmente encontrando uma então buscada paz em seu sacrifício final: para si mesmo e para aqueles que ele ama.

Definitivamente, não é a última vez que veremos Bond nos cinemas, mas ainda parece um final agridoce de uma era, que carrega o clássico e o deixa ir embora soprado pelo vento. Fazendo isso perdurar no coração dos fãs eternos que definitivamente ficarão divididos sobre as decisões ousadas finais que o filme toma. E se todos elas funcionam ou não, alguns dependem do gosto pessoal, outros simplesmente caíram vitimas de um mau desenvolvimento apressado. Mas nada que tire o quão divertido, emocionante e comemorativo é o último momento de Craig como o personagem se sente.

Ele foi um ótimo Bond, talvez até o melhor, empatado apenas com Connery, houve um senso de evolução, mesmo que falho. Ele encarnou tão perfeitamente a concepção original de Ian Fleming do personagem com aquela brutalidade e destreza fria, mas evoluiu no sentido de alcançar o charme carismático dos dias de Connery. E por baixo de todas as facetas de Bond que ele conseguiu encapsular, ele revelou uma alma atormentada e solitária, clamando por uma felicidade que lhe sempre pareceu impossível em vida. Mas agora, Sr. Bond, espero que você tenha todo o tempo do mundo para retornar mais uma vez um dia!

007 – Sem Tempo para Morrer (No Time to Die, Reino Unido – 2021)

Direção: Cary Joji Fukunaga
Roteiro: Robert Wade, Neil Purvis, Cary Joji Fukunaga, Phoebe Waller-Bridge
Elenco: Daniel Craig, Rami Malek, Léa Seydoux, Ben Whishaw, Ralph Fiennes, Naomie Harris, Jeffrey Wright, Christoph Waltz, Lashana Lynch, Ana de Armas, Billy Magnussen, Rory Kinnear
Gênero: Aventura, Ação
Duração: 163 min

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Publicado por Raphael Klopper

Estudante de Jornalismo e amante de filmes desde o berço, que evoluiu ao longo dos anos para ser também um possível nerd amante de quadrinhos, games, livros, de todos os gêneros e tipos possíveis. E devido a isso, não tem um gosto particular, apenas busca apreciar todas as grandes qualidades que as obras que tanto admira.

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