Crítica | O Rei - Uma guerra desnecessária
Filmes medievais, geralmente, trazem em sua composição narrativa questões que são abordadas por necessidade da trama e que estão ali colocadas para apresentar como era o período retratado, em que haviam batalhas, diálogos em que se montam estratégias de guerra, e o próprio jogo de traições bastante comum para uma época em que a guerra era uma realidade e a vitória um objetivo a ser alcançado.
Em O Rei (David Michôd) a produção utiliza destes artifícios, assim como muitos filmes do gênero, para criar uma situação e apresentar o ponto de vista do diretor quanto a um tema bastante interessante, que são os conflitos medievais pré-pólvora, em que soldados usavam armaduras pesadíssimas e com espadas idem. A trama gira em torno de Henrique V (Timothée Chalamet), que se torna Rei contra a sua vontade e que tem ideais bastante interessante em um momento em que se discute o uso de armas pelo mundo, e que no período medieval era bem comum sair guerreando por qualquer motivo fútil. A trama se passa durante a Guerra dos Cem Anos, em que Inglaterra e França ficaram com inimizades pelo tempo estabelecido.
É um acerto o de mostrar um rei que não queira coroar e que é contra a guerra é algo a se elogiar, pois foge totalmente do que é apresentado em filmes sobre o assunto. A guerra ela é interessante sempre para alguém, há pessoas, dos dois lados do conflito, que esperam a oportunidade de eclosão do embate para poder se beneficiar por alguma coisa, e o jovem Henrique V se mostra uma pessoa extremamente fácil de ser manipulado. Há uma frase que se levada ao pé da letra faz bastante sentido "um rei não tem amigos", e se isso for levado ao pé da letra pode-se entender os acontecimentos envolvendo toda a situação em que Henrique V está inserido.
A ideia do diretor é discutir esses temas profundos e de forma que faça pensar, com diálogos fortes e sucintos, mas o que mais chama a atenção é a batalha final estabelecida no terceiro ato, quando Henrique V vai à batalha contra a França e lá vence com um exército menor que o do inimigo. A cena do conflito dá força ao debate que Michôd levantou em O Rei, pois a luta entre os soldados é no mínimo ridícula, com armaduras pesadas e lutando em um pântano à mando de reis que criam guerra apenas por criar, sem ter um sentido aparente (se é que há um sentido para a guerra). A própria luta do príncipe Delfim (Robert Pattinson) contra Henrique é algo ridículo e cômico, Michôd quebra totalmente as expectativas do público, todos acreditavam que teria um duelo sangrento até a morte de um dos dois, mas o que se vê é algo completamente diferente, e que faz total sentido em um período em que as regras formais só eram estabelecidas até um certo momento.
O roteiro de Joel Edgerton, David Michôd acerta em não dar uma motivação real para que Henrique V vá para o campo de batalha. De início o rapaz se mostra um idealista, e até mesmo um samaritano, mas depois se transforma em alguém cruel e sem escrúpulos. A motivação dele para iniciar uma guerra sem sentido é algo muito bem criado ao longo da narrativa, há uma transformação no personagem, e isso é muito bem desenvolvido deste o primeiro ato, até a sua completa transformação no último ato.
No trailer de divulgação de O Rei apareciam dois personagens com destaque, o de Timothée Chalamet e o de Robert Pattinson, mas o que se vê no filme é algo completamente diferente. Primeiro que o personagem de Chalamet é o dono do longa, reina absoluto no primeiro ato, e depois surgem alguns atores secundários para dar maior força ao protagonista Henrique V. Fato é que Chalamet está fantástico em sua atuação, um rei sincero em seus ideais e temeroso em entrar em um conflito sem sentido.
O antagonista interpretado por Robert Pattinson é apresentado como o antagonista, rouba a cena com um discurso engraçadíssimo, mas que não se sustenta ao longo da trama, já que a produção é de Timothée Chalamet, e portanto é bastante triste ver que Pattinson é completamente abandonado a partir do momento que surge. É um erro dizer que é este é o melhor personagem de Robert Pattinson, já que o ator teve outros papéis interessantes, mas vale ressaltar o quanto o artista cresceu e melhorou sua interpretação, por isso seria mais interessante deixá-lo mais tempo em cena. O diretor, possivelmente, não quis fazer isso para não cair nos clichês tão comuns ao gênero e que ele estava tentando fugir até então.
As próprias cenas de batalha são coreografadas de uma forma não antes vista em um filme medieval. Estamos acostumados a ver grandes lutas de armas, também já assistimos ao estilo William Wallace, com mais ódio e crueldade, já em O Rei a luta lembra é mais corporal, lembra até mesmo uma briga de rua, com os personagens se arrastando pelo chão, agarrando o adversário, e até mesmo socando o rosto um do outro, fatos que até então dificilmente se via. É uma ousadia que o diretor tomou ao decidir qual direção iria seguir, e ir pelo caminho de fazer o mais simples sem exagerar ou criar elementos que acabassem tornando o longa igual aos outros.
O Rei é um grande atrativo para quem curte não apenas filmes de guerra, mas também que gosta de história e filmes sobre o período medieval. Claro que algumas questões apresentadas não são exatamente iguais aos fatos históricos, mas isso é o de menos para quem procura um filme de ação diferente no catálogo tão numeroso da Netflix. A plataforma vem investindo pesado, muitas vezes erra com filmes fracos e sem sentido, mas quando acerta há de se elogiar e torcer para que mais produções ao estilo de O Rei sejam feitas no futuro.
O Rei (The King, Reino Unido, 2019)
Direção: David Michôd
Roteiro: Joel Edgerton, David Michôd
Elenco: Timothée Chalamet, Robert Pattinson, Lily-Rose Depp, Joel Edgerton, Thomasin McKenzie, Ben Mendelsohn, Sean Harris, Tara Fitzgerald
Gênero: Biografia, Drama, História
Duração: 132 min.
https://www.youtube.com/watch?v=sLBLa5-W3IQ&t=19s
Crítica | Parasita - Um filme profundo em suas reflexões
Bong Joon-ho é um dos grandes expoentes do cinema sul-coreano. É dele longas premiados e que se tornaram sucesso de público e crítica, como Mother - A Busca Pela Verdade (2009) e o terror O Hospedeiro (2006). Seus filmes têm sua marca pessoal, em que trabalha várias questões sociais no enredo e geralmente com reviravoltas fantásticas e impactantes que deixam o telespectador embasbacado com o que é mostrado.
Em Parasita não poderia ser diferente e o cineasta faz uma de suas mais belas obras. Com eficácia e grande aprofundamento apresenta um lado da Coréia do Sul pouco mostrado em produções audiovisuais. O diretor começa nos mostrando a família Kim, que vive na pobreza, sem emprego e fazem bico organizando caixas de pizza para conseguir alguns trocados, e depois o filme nos mostra os Park, uma família rica na qual Ki-woo (Woo-sik Choi), da família dos Kim, vai dar aulas de inglês para a filha da família rica Da-hye (Ji-so Jung).
O roteiro apresenta em seu tempo o cotidiano de cada família, seus costumes, suas rotinas, e o principal: o modo de vida de cada uma. É aí que vem o principal embate do longa, em expor a Coréia do Sul que os turistas não conhecem, com uma questão de divisão de classes sociais focando nos dois lados. Os Kim vivem em uma pequena casa, amontoados, como se fossem insetos, ou parasitas, o mesmo não pode se dizer dos Park, que vivem bem e com uma casa tão grande que nem sabem que nela reside um compartimento secreto. A ideia é bem clara, a de apresentar como existem pessoas muito ricas e outras muito pobres no país.
Mas o filme vai além, questiona, de maneira simbólica, quem de fato é o parasita da história. Por um lado os Kim acabam por pegar os empregos de funcionários que viviam na casa rica, se tornando eles parasitas da família de classe alta e assim os sugando, não apenas financeiramente, mas de maneira de os enganar para ter uma vida bem sucedida. Os Parks pode se dizer o mesmo, já que ambos são apresentados também como parasitas sociais, mas no sentido econômico. O próprio pai da família Park é uma pessoa que tem aversão a pobres e se mostra uma pessoa, em alguns momentos, que não se importa muito com os empregados.
Obviamente que a ideia é discutir as relações sociais de patrão com empregados, e também de querer dialogar com a questão de se viver sem expectativa de um futuro, tendo que ser obrigado a trabalhar por qualquer serviço que apareça. Os dois lados são debatidos, e há uma crítica por parte do diretor em apresentar estas duas vias de relações humanas e tentar refletir esse sentimento de pertencimento e de desejo por parte dos Kim.
Mesmo com toda essa questão apresentada no filme, de forma simbólica, Bong Joon-ho não esquece que está fazendo um thriller e vai colocando elementos que vão encaminhando para um final trágico e arrasador, típico do cinema sul-coreano. Os thrilers de sucesso do país asiático, geralmente, conseguem dar reviravoltas surpreendentes e por vezes chocantes, e em Parasita não é diferente ao colocar um fator extremamente impactante e que faz girar a história até o seu final espetacular e cruel.
Algumas pessoas irão dizer que o filme é parado, mas isso não é verdade. Seu ritmo é lento e isso é proposital, para trabalhar todas as questões tratadas e as desenvolver, e ainda mais para tratar das relações entre pobres e ricos e os desejos de querer pertencer a uma classe social por parte dos Kim. Aquela cena final, do garoto imaginando um futuro melhor, aquilo define o filme e é uma cena atraente por mostrar o ponto de vista de uma criança em imaginar como seria sua vida se fosse rico. Aquilo resume a produção e sua mensagem. É uma explicação que não é necessária já que aquilo era bastante implícito, mas que serve para dar uma boa finalizada para a trama.
Parasita é um filme poderoso em que muitos ficarão pregados em acompanhar sua narrativa. É uma das grandes obras sociais já produzidas pelo cinema sul-coreano, e um grande thriller que empolga com seu desfecho. Bong Joon-ho já havia feito algo parecido em Expresso do Amanhã em que trabalhou várias questões pertinentes para a sociedade. Parasita é uma ficção que beira a realidade, e isso é que o torna mais assustador, saber que isso é algo muito parecido com o que ocorre em algumas famílias.
Esse filme foi assistido na 43ª Mostra Internacional de São Paulo
Parasita (Gisaengchung, Coreia do Sul, 2019)
Direção: Joon-ho Bong
Roteiro: Joon-ho Bong, Jin Won Han
Elenco: Kang-ho Song, Yeo-jeong Jo, So-dam Park,Woo-sik Choi, Sun-kyun Lee, Seo-joon Park, Ji-so Jung, Hye-jin Jang
Gênero: Comédia, Drama, Thriller
Duração: 132 min.
Crítica | O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio - De volta às origens
Hollywood está em um momento de ressuscitar franquias de sucesso, como ocorreu com MIB: Homens de Preto Internacional, Rambo e Brinquedo Assassino, todos lançados no ano de 2019 e que é apenas uma tendência de algo que começou há pouco mais de 10 anos. Talvez isso demonstre o quão os estúdios estejam vazios de novas ideias e para isso tentam trazer a nostalgia de clássicos do cinema para o presente, visando as grandes bilheterias e um público jovem que não pôde acompanhar estas produções no cinema.
O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio (Tim Miller), sexto longa da saga dos exterminadores é um ponto fora da curva no meio de tantos filmes mal concebidos da franquia. O primeiro fator que chama a atenção é em relação ao roteiro ignorar completamente as produções anteriores, casos de O Exterminador do Futuro 3: A Rebelião das Máquinas, O Exterminador do Futuro: A Salvação e O Exterminador do Futuro: Gênesis e seguir adiante como se esse fosse o terceiro longa e não o sexto. Portanto, é um retorno ao que havia se perdido dentro de uma história em que já havia se saturado com a presença da Skynet como principal vilã e da aparição de John Connor como o sempre salvador da pátria de um futuro que ainda não aconteceu.
Destino Sombrio toma uma atitude perigosa em redefinir tudo o que se conhecia sobre O Exterminador do Futuro. Abandonaram a Skynet e os vilões agora são um grupo chamado Legião, criado como um projeto de guerra, e que no futuro irá evoluir e começar a matar os próprios humanos. A ideia em si é interessante, mas se torna banal por não ter um grande desenvolvimento a cerca do assunto, fora que citam apenas algumas vezes a Legião e depois não mais. Um novo vilão pode dar mais força para a franquia, mas isso a longo prazo, pois a curto pode dar um nó na cabeça das pessoas desinformadas que acreditam ser este o sexto filme da franquia.
Outra mudança que ajuda a dar maior vigor para a narrativa e para o futuro da franquia é o fato de criarem novos exterminadores, o que aparece em Destino Sombrio se chama Rev 9 (interpretado belamente por Gabriel Luna) e é um mecanismo muito mais forte e poderoso que todos os anteriores já apresentados, e pode-se dizer que é uma evolução se comparado com o T-1000 de O Exterminador do Futuro 2, tendo o poder de se derreter como se fosse petróleo e de criar um duplo de si mesmo, fazendo com que a tarefa de o vencer se torne quase impossível.
Este novo Terminator ajuda a dar maior força para as cenas de ação, algo que é a principal marca da produção. As cenas são bem coreografadas, com muitos tiros e explosões. O Rev 9 é poderoso e mostra inovações que ajudam a compor e a dar maior força para o antagonista. Gabriel Luna está fantástico, é o vilão que a franquia precisava e o ator com sua pose séria dá maior tensão para as cenas que está envolvido. As partes mais empolgantes são as que o Rev 9 está presente, sem ele, possivelmente, a ação não teria o impacto que teve.
James Cameron retorna como produtor, algo que ajuda a se compreender o porque de continuar a narrativa dos exterminadores pensando no segundo filme e esquecendo todo o resto que foi proposto até então desde a Salvação. Já a direção de Tim Miller se mostra adequada, o diretor está ali para fazer algo parecido que foi feito em Deadpool, e por isso mesmo Tim Miller foi escolhido para ser o condutor deste novo capítulo, para refazer as cenas de ação e para dar maior engenhosidade para várias outras questões que foram ali apresentadas. Algumas destas situações são jogadas sem um tratamento mais aprofundado, como o caso da questão armamentista e o próprio feminismo.
Linda Hamilton está fantástica, é a dona do filme, e sem ela possivelmente não teríamos um filme tão atraente quanto tivemos, já que os personagens que surgiram não iriam segurar a atenção do público. Mackenzie Davis tem uma personagem intrigante e a atriz está bem no papel de mulher atraente e fatal. O mesmo não pode se dizer de Natalia Reyes, que é uma das três protagonistas e que não empolga nada, possivelmente foi colocada na trama para dar maior força para a questão da imigração, um tema que é contextualizado no filme de forma bastante rápida e superficial.
Arnold Schwarzenegger mesmo sendo quase que um elemento secundário para a trama se sai bem, sempre que seu personagem aparece lutando contra o Rev 9 dá uma levantada no público, os embates são grandiosos e explosivos, mas infelizmente rápidos e rasos. Há uma reflexão pertinente em relação ao personagem de Schwarzenegger ter criado uma certa consciência em relação a matar, e tirar conclusões de que tais atos são nocivos para a sociedade. É uma questão que pode ser inimaginável para a franquia antigamente, mas como os tempos mudaram e o roteiro tentou seguir essa evolução, quiseram tratar de assuntos que tem força para o período, mas que não é tão relevante assim para a produção.
Apesar de desagradar aos fãs, essas mudanças (principalmente a de tirar John Connor de cena) pode ser um tiro no pé por não trazer mais a motivação inicial que existia nos primeiros filmes, porém o roteiro é inteligente em dar um sentido para a trama, principalmente para Sarah Connor que agora tem uma motivação movida pela vingança. A franquia já dava sinais de abandono ou de não ter mais para onde crescer, claro que esquecer os outros três filmes produzidos é uma bobagem e foi algo que apenas irritou os fãs. Provavelmente isso foi feito para tentar dar maior vigor para uma narrativa que se encontrava na mesmice de sempre e que não conseguia mais se renovar. Este novo episódio da saga volta a trazer maior grandiosidade e sentido para algo que havia sido perdido, porém somente o tempo irá dizer se todas estas mudanças impactantes do roteiro foram um acerto.
O Exterminador do Futuro: Destino Sombrio (Terminator: Dark Fate, EUA – 2019)
Direção: Tim Miller
Roteiro: David S. Goyer, Justin Rhodes, Billy Ray
Elenco: Mackenzie Davis, Linda Hamilton, Arnold Schwarzenegger, Natalia Reyes, Gabriel Luna, Edward Furlong, Tom Hopper
Gênero: Ação, Aventura, ficção-científica
Duração: 128 min
https://www.youtube.com/watch?v=XZXufNKqJJI
Downton Abbey - O filme que os fãs tanto esperavam
Os Crawley e seus funcionários estão de volta ao cotidiano de Downton Abbey, uma espécie de palácio nobre e que tem Robert Crawley, o conde de Grantham e Cora Crawley, a condessa de Grantham como os principais nomes do local. Após o fim da série na sexta temporada, em 2015, muitos fãs se sentiram órfãos por não poder mais acompanhar a rotina cheia de acontecimentos e dramas envolvendo os personagens.
Hollywood parece estar indo para o lado de produzir filmes de séries, dando assim maior fôlego para produções já finalizadas ou que não tinham mais para onde ir. Caso recente ocorreu com El Camino: A Breaking Bad Movie (Vince Gilligan) e agora com Downton Abbey (Michael Engler) que retorna com uma história interessante e que mais parece um episódio especial que propriamente um longa.
A trama gira em torno da visita da família real britânia a Downton Abbey. A realeza considera o lugar de segunda mão, mas mesmo assim irá se hospedar ali por um dia, e para isso trazem seus próprios funcionários para realizar o serviço de seus agrados, fazendo assim com que os empregados de Downton Abbey fiquem sem função. Esse é o principal foco da história.
O roteiro não dá importância apenas para um personagem e isso é algo louvável e inteligente. A série é famosa por não ter apenas um protagonista que dite o ritmo da trama, há vários personagens principais e cada um com a sua história de vida definida. E no longa de Michael Engler há várias subtramas que ajudam a levar a narrativa adiante, casos de Lady Mary Crawley (Michelle Dockery) que tenta encontrar alguém para se casar e de Charles Carson (Jim Carter) que retorna momentaneamente de sua aposentadoria. Assim cada um dos empregados e dos Crawley não ficam sem função em cena, todos são bem aproveitados, levando em conta o tempo de tela que cada um tem.
Uma coisa que fica bem clara ao assistir ao longa, é o fato dele ser mais direcionado para os fãs. Isso fica nítido na abordagem da narrativa, ao apresentar os personagens e não dar um desenvolvimento para eles, já que todos foram belamente explorados na série, por isso não havia necessidade de mostrar quem são e quais suas funções no filme. Claro que quem não acompanhou a produção da TV não irá ficar sem entender nada, pelo contrário. A trama é de fácil assimilação e há um jeito de dizer quem são aquelas pessoas que aparecem na tela, mas fica evidente que os fãs irão entender várias das questões ali trabalhadas por terem acompanhado a série. Um exemplo é o de Thomas Barrow (Robert James-Collier) o mordomo que é homossexual, mas que não é algo debatido no filme, e sim na série.
Downton Abbey acerta em tocar em pontos que são relevantes para os dias de hoje, mas que eram tabu no período em que a história se passa. O caso da homossexualidade de Thomas Barrow é um destes temas. Na época pessoas que se relacionavam com outras do mesmo sexo eram detidas pela polícia, e isso é algo que é mostrado no filme justamente para tentar criar um elo com os dias de hoje, como a sociedade evoluiu, mas como antigamente a questão era tratada. A própria situação da visita da realeza a Downton Abbey que podemos encarar como uma crítica aos nobres, principalmente na Inglaterra em que ultimamente muitos questionam a necessidade de ter um reinado.
Desde que a série foi ao ar o foco foi o de mostrar o dia a dia dos funcionários de Downton Abbey, algo que até então pouquíssimas produções do gênero haviam feito. E no longa não poderia ser diferente, a trama central gira em torno dos empregados que tem uma disputa particular contra os funcionários da realeza, em alguns momentos os trabalhadores do palácio são mais importantes que os próprios nobres donos do local, e também os personagens que são os empregados são mais interessantes, tendo vidas simples, mas atraentes por trazer questões do dia a dia do período.
Por utilizar um cenário que já vem pronto o longa é obviamente deslumbrante no jeito que se apresenta aos olhos do público, e muito disso se deve ao local em que é gravado. O palácio é exuberante, e traz o ar de época no qual a produção necessita. O figurino também está belíssimo, ajudando a dar maior realidade ao período em que se passa a história e dando maiores características aos personagens.
O principal atrativo de Downton Abbey está na beleza da narrativa, simples e direta como deve ser um episódio da série. O roteiro, mesmo criando várias subtramas, consegue desenvolver sem problemas todos os assuntos que necessitavam e ainda assim conseguem empurrar a história adiante. É um filme feito para fã, mas quem não é terá ótimos motivos para começar a assistir aos episódios da série e assim se viciar neste delicioso universo.
Downton Abbey (idem, Reino Unido – 2019)
Direção: Michael Engler
Roteiro: Julian Fellowes
Elenco: Matthew Goode, Tuppence Middleton, Maggie Smith, Michelle Dockery, Elizabeth McGovern, Kate Phillips, Allen Leech, Laura Carmichael, Joanne Froggatt, Robert James-Collier, Raquel Cassidy, Sophie McShera, Max Brown, Phyllis Logan
Gênero: Drama, Romance
Duração: 122 min
https://www.youtube.com/watch?v=H4yjIptbosk
Crítica | Contato Visceral - Um filme bem intencionado, mas que falha ao passar sua mensagem
Contato Visceral é daquelas produções que é preciso assistir com bastante atenção para entender as suas metáforas e suas complexas cenas. Dirigido e roteirizado por Babak Anvari, longa tenta dialogar com o público ao contar uma história profunda sobre relacionamento e a rotina na vida de um barman e sua total falta de expectativa na vida profissional e amorosa.
Will (Armie Hammer) é um homem que tinha tudo para ter uma vida empolgante, foi casado, fez faculdade, se relaciona com a bela Carrie (Dakota Johnson), mas vive afundado, trabalhando como barman, e não tem o mínimo amor e respeito por Carrie, sua namorada e que começa a entender quem realmente é Will. O filme é justamente sobre isso, relacionamentos e falta de ambição na vida de Will. Toda aquela metáfora sobre chagas, portal e ritual macabro é justamente para não dar de cara as respostas de bandeja.
A escolha do diretor em esconder a mensagem principal é algo elogiável, pois ao abordar temas como conexões com outro mundo via um portal e o de ter uma entidade nascendo nas chagas de alguém são temas bastante complexos e de difícil análise inicial. Contato Visceral não é um filme fácil de se assistir, ele é perturbador nas cenas rápidas, apresentadas em flashes de segundos, mostrando ou Carrie sem a cabeça, ou com o olho do monstro nos olhando. Há também as baratas, que por si só já são nojentas por natureza, e que estão no filme justamente para mostrar a toxidade de Will, um homem que vai se transformando com o passar do tempo, e com isso vão aumentando também o número de baratas em cena. A ideia é a de dizer que viver com alguém tóxico é o mesmo que viver com um enxame de baratas.
Babak Anvari força em algumas situações para passar sua mensagem, força tanto que acaba fazendo um filme confuso e que não sabe qual caminho quer tomar. Tanto é que o diretor começa a citar várias questões que acabam por perder o público por não entender o que está acontecendo no filme. O telespectador não pensa em destrinchar uma produção depois de a assistir, claro que metáforas são bem-vindas, mas isso quando são bem inseridas. Temas como gnosticismo, portal, chagas, e seres superiores são temas interessantes, mas que não são desenvolvidos ao longo do filme e isso é o que acaba deixando tudo o que é apresentado confuso e sem um aprofundamento necessário.
O elenco tem nomes de peso, como Armie Hammer (Me Chame Pelo seu Nome) sendo o protagonista e Dakota Johnson (50 Tons de Cinza) sendo sua namorada Carrie. A dupla se sai bem, principalmente Dakota que interpreta uma mulher vazia que começa a entender que seu relacionamento está se perdendo, e Hammer, por estar em todas as cenas, prende a atenção do público, mais pela complexidade dos acontecimentos em que seu personagem está inserido.
Há um certo tom de terror psicológico inserido na trama, e que se deve pelo fato de não sabermos o que está acontecendo na vida de Will, nem que ritual maluco que ele acabou se envolvendo ao ligar para Garrett. O segundo ato é bastante rico em nos tentar surpreender com acontecimentos macabros, mas tudo isso se torna em vão com o passar do tempo, pois não há explicação nenhuma para as situações que estão ocorrendo. Fora que cenas de terror, como as cabeças cortadas, são completamente esquecidas no filme, sendo deixadas de lado e praticamente ignorando o fato que eram questões assustadoras e que não foram adiante.
A ideia de Contato Visceral é interessante, mas o problema está em querer fazer algo mais complicado e diferente do que está sendo feito no gênero. Se o diretor colocasse menos elementos simbólicos e mais explicação com certeza o longa seria mais bacana e agradaria mais ao público. Não é um filme ruim, é apenas ambicioso demais, e com um roteiro que não se segura ao longo do tempo, tornando toda a trama chata e cansativa, assim como é a vida de Will no longa.
Contato Visceral (Wounds, EUA – 2019)
Direção: Babak Anvari
Roteiro: Babak Anvari
Elenco: Armie Hammer, Dakota Johnson, Zazie Beetz, Brad William Henke
Gênero: Drama, Horror, Mistério
Duração: 95 min
https://www.youtube.com/watch?v=81uxmIO_lps
Crítica | Eli - Outro terror insignificante da Netflix
Filmes de terror com crianças sempre despertam o interesse do público, justamente por essas crianças passarem uma imagem de inocência e ingenuidade que acaba se transfigurando em algo mais macabro e cruel com o passar da história. Produções como Maligno (Nicholas McCarthy) e O Anjo Malvado (Joseph Ruben) são focados em crianças genuinamente malvadas e sádicas. Em Eli o diretor Ciarán Foy quis sair um pouco desse clichê dos filmes de terror com crianças e tentou criar algo de diferente, que de início funciona.
Em seus três atos o que se presencia é uma mudança drástica em relação a narrativa apresentada inicialmente. O primeiro ato aborda a possível doença do garoto e seu tratamento para encontrar uma cura. Já no segundo ato o menino encontra os possíveis espíritos que rondam a mansão, e muitos mistérios são inseridos na trama a partir deste ponto. E por fim, temos no terceiro ato, o tão esperado embate do garoto em revelar os segredos que foram apresentados durante a história, e enfim conhecer realmente quem é o verdadeiro vilão do filme.
Na realidade, Eli é cheio de boas intenções, mas que o seu roteiro confuso atrapalha bastante a experiência em acompanhar os acontecimentos. O diretor não sabe ao certo que direção quer tomar, nem que tipo de filme quer fazer. Não sabe se quer fazer um longa sobre casa mal-assombrada, ou sobre aparições macabras de espíritos malignos, ou sobre um garoto problemático apenas. Isso fica bastante claro ao acompanhar as idas e vindas do garoto pela residência sem um foco claro em que abordagem o diretor está buscando alcançar.
O pior é o longa abandonar completamente muitas das questões apresentadas ao término do filme. Parece até que o roteiro foi escrito pensando no fim e depois que foram elaborando o resto da trama. O final ficou tão tão mal desenvolvido e terminou de forma tão rápida que ficaram mais perguntas do que respostas. O menino ser colocado como o principal vilão é algo que não faz o menor sentido, isso levando em conta o que o diretor e o roteiro nos mostraram. Não há indício nenhum de que Eli é perturbado ou de que seja desequilibrado ou tenha qualquer outro sentimento maligno.
A ideia de espetacularizar o final funciona, pois é a única cena de ação relevante e interessante. No segundo ato, quando os sustos começam a surgir, dá uma ideia de que há algo de muito macabro naquele lugar, mas isso foi feito apenas para enganar o público e tirar a atenção para o verdadeiro motivo. Essa tentativa em nos enganar lembra um outro filme disponível na Netflix: The Perfection, em que também deram tantos plost twists que acabaram se perdendo ao final. Eli tem um sério problema em ter uma proposta final interessante, mas que enterra por completo toda a história do filme. Se o diretor tivesse desenvolvido a estrutura narrativa pensando já no final, e nos dado maiores elementos do significado daquilo tudo, provavelmente o longa teria outra abordagem e seria muito mais interessante.
Uma coisa que atrapalha bastante o telespectador, em prestar atenção na trama, é o protagonista chatíssimo. Eli (Charlie Shotwell) é um menino doente, de início, mas que com o passar da trama acaba se mostrando uma criança mimada, chata, histérica e que não tem a mínima ideia do que está fazendo na mansão. Isso é culpa do diretor Ciarán Foy e não de Charlie Shotwell que está bem ao interpretar o menino irritante. O diretor errou ao tentar colocar várias situações que faziam com que o garoto tomasse essas decisões, um personagem ruim e sem carisma que não nos faz torcer por ele em nenhum momento, e talvez isso tenha sido proposital se levado em conta o final do longa.
Além dos vários problemas estruturais de roteiro já mencionados, uma outra questão chama bastante a atenção, que é a respeito do filme ser extremamente repetitivo em sua narrativa. A todo o instante o garoto anda pela mansão, leva susto, grita e aparece alguém para o ajudar. Isso acontece pelo menos umas quatro vezes. Na primeira funciona, na segunda já começa a ficar batido, depois disso se torna entediante e perde-se a atenção do público.
Eli tinha tudo para ser um filme interessante, mas não cumpre o que pretendia e nem alcança o objetivo principal, que é o de surpreender com bons sustos e terror, já que esse era o objetivo do filme, pelo menos até o segundo ato o diretor havia feito desta forma. A Netflix precisa repensar os seus projetos e começar a pensar mais em qualidade que em quantidade, enquanto isso não ocorrer filmes tediosos e chatos como este continuarão a ser produzidos.
Eli (idem, EUA – 2019)
Direção: Ciarán Foy
Roteiro: David Chirchirillo, Ian Goldberg, Richard Naing
Elenco: Kelly Reilly, Sadie Sink, Lili Taylor, Max Martini, Charlie Shotwell
Gênero: Horror
Duração: 98 min
https://www.youtube.com/watch?v=qfSTiAw1rkM
Crítica | Honeyland - Entre abelhas e mel
O doce amor pelas abelhas, pela vida isolada, e os cuidados com a mãe de 88 anos, fazem parte da rotina de Hatidze, uma mulher simples que vive tranquila no interior da Macedônia do Norte. Em Honeyland, um documentário feito de forma realista e com toques dramáticos, as diretoras Tamara Kotevska, Ljubomir Stefanov fazem um belo trabalho ao mostrar a vida desta mulher humilde.
Hatidze vive criando abelhas que lhe entregam mel, ela canta para os insetos toda a manhã, e vende o mel para a capital vizinha de Skopje. Em seu dia a dia ainda cuida de sua mãe, e ainda sobra tempo para a mulher cuidar de seu cabelo. As conversas de Hatidze com sua mãe dão um tom sobre as tradições do país, algo que enriquece bastante a trama, mostrando o lado cultural de uma região que vive ao seu modo.
O mais interessante deste documentário ocorre quando Hatidze tem novos vizinhos, até então a mulher vivia isolada do mundo e de todos, apenas com as suas abelhas para lhe fazer companhia. Uma família turca vai viver ao lado de sua casa, e acabam descobrindo que o mel pode ser uma grande fonte de renda, algo que acaba trazendo um grande colapso para todo o sistema das abelhas, com o mel sendo retirado mais cedo do que o previsto.
Essa situação envolvendo os turcos serve para mostrar como o país vai mudando de aspecto, principalmente em relação a imigração, e o poder do mel para a economia de uma família regional. A natureza é algo bastante presente na produção, com lindos cenários, a vida animal, e até mesmo com o nascimento de um cabrito sendo filmado e mostrado de forma crua.
Honeyland é uma bela produção que retrata o estilo de vida de uma mulher no interior e que fala bastante da cultura daquele lugar. Não à toa foi pré-indicado pela Macedônia do Norte para tentar representar o país no Oscar. Histórias belas como a contada no documentário, de maneira comum e autêntica, é justamente o foco do cinema documental, que foi concebido justamente para dar maior enfoque em questões que não seriam levadas ao cinema da mesma.
Esse filme foi assistido na 43ª Mostra Internacional de São Paulo
Honeyland (idem, Macedônia do Norte – 2019)
Direção: Tamara Kotevska, Ljubomir Stefanov
Roteiro: Tamara Kotevska, Ljubomir Stefanov
Elenco: Hatidze Muratova, Nazife Muratova, Hussein Sam, Ljutvie Sam
Gênero: Documentário, Drama
Duração: 90 min
Crítica | Fratura - Suspense de boa qualidade da Netflix
Quem curte um bom thriller, cheio de reviravoltas e suspense irá adorar assistir ao filme Fratura (Brad Anderson). O nome é simples e já indica o que vem pela frente, mas esse é apenas o gatilho para todos os acontecimentos que virão pela frente. A trama gira em torno de Ray Monroe (Sam Worthington) um homem que viaja com sua esposa e filha, até que um emblemático acidente com sua filha o leva até o hospital. A partir deste momento acabamos por presenciar acontecimentos que desenvolvem toda a história. E é justamente quando Ray entra no hospital que o roteiro começa a jogar com o público, pois há dois caminhos trilhados pela história, se a esposa e filha de Ray estão no hospital mesmo, ou se a equipe médica está fazendo algo de cruel com as duas.
O mais interessante do roteiro escrito por Alan B. McElroy (Spawn, o Soldado do Inferno) é o fato de enganar o telespectador de um jeito que é óbvio, mas que mesmo assim consegue prender a atenção do público. Mesmo nos apresentando, no segundo ato, que aqueles indícios possivelmente sejam os reais, a jogada feita que direciona o protagonista para a sua missão pessoal continua interessante e mantém a todos pregados em frente a tela. Esse é o principal acerto de Fratura, pois consegue construir uma narrativa que chama a atenção com a família viajando, e depois começa a desenvolver a trama e nos inserir dentro da loucura pessoal de Ray.
Há duas linhas que o diretor resolveu desenvolver, uma para enganar e outra que é a verdadeira. De início realmente parecia que iria debater um tema aprofundado dentro do hospital, mas a partir do segundo ato começa a se perceber que aquilo aparentemente não era o verdadeiro foco do roteiro, e que foi feito um trabalho para nos enganar. Eis que há outra virada de roteiro no terceiro ato, e esse realmente engana, com o final sendo apresentado de forma crua e intensa.
Se uma coisa decepcionou no longa foi em relação ao final. Lá pelo segundo ato, quando o mistério aparentemente estava direcionado para um fim, há uma tentativa no terceiro ato de fazer com que tudo aquilo se torne irreal. É no mínimo frustrante a cena final, ali o diretor termina com todas as expectativas criadas que havia gerado no público durante toda a trama. Não que o final seja ruim, pelo contrário, é muito bem estabelecido e desenvolvido. O grande problema está em sua solução que decepciona um pouco. O telespectador fica o tempo todo acompanhando a história, esperando um final feliz, e então o diretor resolve entregar uma surpresa que não era o que todos esperavam ver.
Filmes como O Sexto Sentido (1999) e Os Suspeitos (2013) tem finais surpreendentes e nada óbvios, e no longa dirigido por Brad Anderson ocorre o mesmo. Apesar da resposta estar na nossa cara não queremos acreditar que aquilo tudo é verdade. É interessante a abordagem que o diretor trata em levar ao narrativa adiante. Poderia deixar o suspense absoluto e só realizar a revelação ao término, sem dar pinceladas durante a trama, e mesmo Brad nos mostrando que tudo estava na nossa cara não queremos acreditar no que presenciamos nos últimos 5 minutos.
As várias viradas de roteiro são de se elogiar. Geralmente em filmes de terror o roteiro entrega de mão beijada o final, mas produções ao estilo Corra! (2017), que somente no ato final descobrimos o significado daquela casa do terror, entregam uma estrutura diferente quanto a narrativa. Muitas vezes não é porque a história do longa é óbvia que o filme é ruim, e nem sempre um final surpreendente significa que aquilo é de fato interessante. Fratura se encaixa na primeira opção, pois Brad Anderson realiza com calma uma abordagem mais direta, mas com plot twists intrigantes e que fazem a narrativa ser empurrada adiante, sem frescura ou enrolação quanto aos acontecimentos.
É interessante como a construção do roteiro é feita, primeiro com um incidente particular na vida do protagonista e depois trilhando um caminho de tensão tão forte e competente focando na busca de Ray pela sua família. Os acontecimentos que são apresentados servem para dar dois focos para a trama, e fica a critério do telespectador entender qual é a verdade por trás de todos aqueles acontecimentos. O suspense lembra, em alguns momentos, o de filmes como Ilha do Medo (2010), em que o detetive interpretado por Leonardo Di Caprio precisava descobrir o que acontecia naquele lugar inóspito. A diferença é que em Fratura o diretor resolveu não deixar o final em aberto, e a trama é mais direta em sua abordagem.
Fratura entrega o que pretendia, com uma narrativa de fácil assimilação e sem muitos rodeios, desenvolve uma trama assustadora e realista. Seria interessante se os projetos desenvolvidos pela Netflix tivessem tanta intensidade e inteligência no roteiro quanto o longa de Brad Anderson tem. Os filmes produzidos pela plataforma de streaming, quase sempre, não se importam em criar um roteiro competente. Fratura consegue se destacar até mesmo em meio a diversas produções lançadas nos cinemas, e isso é algo bastante elogiável.
Fratura (Fractured, EUA – 2019)
Direção: Brad Anderson
Roteiro: Alan B. McElroy
Elenco: Sam Worthington, Lily Rabe, Lucy Capri, Adjoa Andoh, Stephen Tobolowsky, Lauren Cochrane
Gênero: Thriller
Duração: 100 min
https://www.youtube.com/watch?v=bAY3EKllJaE
Crítica | El Camino: A Breaking Bad Film - Amarrando as pontas
Quando em meados de 2012, a série Breaking Bad chegava ao final de sua derradeira 5ª temporada, muitos fãs ficaram chateados e tristes por não terem mais a chance de conferir o dia a dia de Walter White, o químico que criou uma droga sintética diferente de tudo o que existia nas ruas, e seu pupilo Jesse Pinkman, um rapaz que vivia a margem da sociedade, viciado em drogas e que tomava várias decisões equivocadas em sua vida.
E é justamente sobre isso que fala El Camino: A Breaking Bad Film, produção dirigida e roteirizada por Vince Gilligan, e que aborda a fuga de Jesse Pinkman após passar um longo tempo preso pelos traficantes que o obrigavam a fazer a famosa droga azul, e que foi salvo pelo seu tutor e amigo Walter White. No longa, Jesse se vê em apuros e precisa urgentemente fugir da cidade, esse é o mote de El Camino que tem sua estrutura narrativa muito parecida com a dos episódios da série, na realidade, o longa é como se fosse um último episódio que não existiu.
A série terminou deixando muitas pontas soltas, não que precisasse mostrar como ficaram os personagens após o ocorrido no último capítulo, mas pelo menos havia a necessidade de abordar como Jesse Pinkman fugiu dali. Jesse sempre foi mostrado como um personagem sofrido e que sempre se deu mal por confiar nas pessoas erradas, e no filme situações parecidas ocorrem. Mesclando os acontecimentos presentes com flashbacks que apresentavam situações do seu passado, o filme apresenta um Jesse Pinkman mais determinado em deixar tudo de ruim que aconteceu em sua vida para trás.
O roteiro tem a esperteza de mostrar que após a sua fuga, Jesse Pinkman estava focado em seguir o seu próprio caminho. Não à toa o carro que pega de seus amigos para fugir se chama El Camino. Essa, por sinal, é uma questão muito discutida no episódio, por via dos flashbacks, em que conversa com Walter White em um restaurante. Esta cena é linda por que mostra como Jesse lembra de seu amigo e ex-professor de química, como mesmo tendo ideias contrárias, ainda assim, Walter White tentava o ajudar de todas as formas. O diálogo é belo, em que White pergunta se Jesse estava interessado em fazer uma faculdade. Toda essa conversa era justamente para abordar a ideia de que o personagem estava mudando. Porém, apenas após o trauma em que ficou em cárcere privado, e após ver tanta gente querida morrer, que chegou a conclusão de que deveria deixar tudo para o passado e trilhar seu próprio caminho.
Outra bela cena, e que é um acerto por parte de Vince Gilligan em colocar na trama, é por parte de Jesse Pinkman lembrar de seus pais, até então deixados de lado na série, e de lembrar também de Jane Margolis (Krysten Ritter), uma moça por qual se apaixonou e que se questiona de como seria o seu caminho, a sua vida, se ele tivesse se livrado do mundo das drogas, se Jane estaria ali ainda caso não tivesse entrado neste mundo das nefasto, se ela não estaria ali, ao seu lado, no carro, andando pela estrada caminhando para o futuro.
Aaron Paul está ótimo em seu papel, e pela primeira vez podemos vê-lo como o protagonista, já que até então ele dividia total atenção com Bryan Cranston, o verdadeiro dono da série. Aaron Paulo mostra que continua o mesmo bom ator que surgiu na série, e com bastante dramaticidade impõe ao seu personagem, acostumado com dor e sofrimento, uma redenção que é importante para a continuação da história de vida de Jesse Pinkman.
Por ser uma continuação direta do último episódio do seriado é comum que não tenham novos elementos que possam dar continuidade para uma trama futura. Os fãs esperavam isso, mas é algo que Vinci Gilligan não viu necessidade de trabalhar. A ideia é justamente de mostrar as novas possibilidades de vida que Pinkman pode seguir. Por isso mesmo o filme é vazio em novas ideias, mas rico em acontecimentos que já estavam presentes na série. Tais fatos novos servem para dar maior suspense e drama pelo qual o personagem passa no presente.
El Camino: A Breaking Bad Film é exatamente o que se esperava que fosse. Ao focar em Jesse Pinkman e em seu novo caminho de vida acaba dando um direcionamento para um personagem tão interessante quanto Pinkman se mostrou durante toda a narrativa da série. Jesse não é um herói, mas é uma pessoa que apenas tenta trilhar seus próprios caminhos em paz. Porém, sempre que tenta fugir algo acontece e acaba o puxando novamente para esse mundo do crime. E este filme apresenta que não existe apenas o caminho das drogas, que há um mundo vasta a percorrer pela frente e que as pessoas podem sim mudar de vida, basta apenas focar e colocar isso em sua cabeça. Breaking Bad pode ter acabado, mas há muito, caso os roteiristas queiram, a trabalhar e a imergir nesse universo que a série deixou de lado. A produção acabou com este novo capítulo, mas pode ter certeza que ainda continuará no coração dos fãs, por muito e muito tempo.
El Camino: A Breaking Bad Film (idem, EUA – 2019)
Direção: Vince Gilligan
Roteiro: Vince Gilligan
Elenco: Aaron Paul, Bryan Cranston, Charles Baker, Jesse Plemons, Jonathan Banks, Krysten Ritter, Matt Jones, Larry Hankin, Robert Forster
Gênero: Ação, Drama
Duração: 122 min
https://www.youtube.com/watch?v=1JLUn2DFW4w
Crítica | O Pintassilgo - Elenco de peso não segura a trama arrastada
O Pintassilgo, longa baseado no livro de Donna Tartt, tinha tudo para ser um grande filme, já que a história já estava escrita e só era necessário adaptá-la para o cinema. O grande problema da produção é em relação ao roteiro querer se mostrar grande demais. Ao criar uma trama que tenta focar em várias das questões presentes no livro, de mais de 700 páginas, acaba por se perder na imensidão de detalhes abordados em suas páginas, e levar isso para o cinema não é uma tarefa fácil. Não à toa o filme tem mais de duas horas de duração e esse pensamento em tentar colocar muitas questões presentes na obra original no longa acaba por deixá-lo totalmente superficial e com várias cenas sem sentido.
O que pode ser visto durante as mais de duas horas da produção é o roteiro perdido em criar uma abordagem que pudesse ser relevante. Ao contar a história de vida do garoto Theo Decker (Ansel Elgort) e seus traumas por crescer sem a mãe e com um pai que não o amava, fatos que acabam por deixar feridas no garoto, e depois, na fase adulta, por entrar em um relacionamento sem amor, passa novamente por outra situação de tristeza. São tantas as subtramas criadas que o diretor John Crowley (Brooklyn) esquece da trama principal, que depois do primeiro ato se torna totalmente irrelevante.
O que o roteiro tentou fazer foi contar toda a vida do garoto, desde o momento do atentado terrorista que esteve presente, e isso é um grande tiro no pé. Há uma precipitação em muitas situações, como no próprio pintassilgo em si, a obra de arte do Museu que dá nome ao longa, e que é o principal gatilho da trama e que serve para dar início aos acontecimentos presentes na vida de Theo. O que o diretor faz é simplesmente deixar de lado o quadro do pássaro, e assim perde-se totalmente a sintonia conquistada de início. Havia um mistério no ar do porque o menino queria pegar aquele quadro e qual seria sua motivação. Não tocam no assunto nos dois primeiros atos, e então, somente no terceiro ato é que dão a devida importância ao quadro. Porém já é tarde demais, pois o telespectador não se importava mais para a narrativa sem sentido que havia sido apresentada até então.
Das várias cenas desnecessárias estão a do casamento de Theo Decker, que em um corte temporal faz com que o personagem já apareça casado, um claro exemplo de que esse episódio não precisava estar na história, mas a colocaram para tentar dar maior personalidade ao personagem. Essa questão do casamento chama bastante a atenção, por sinal, por que não havia indícios nenhum de que Theo iria se relacionar com aquela garota, e do nada já aparecem apaixonados um pelo o outro. A própria possível relação homossexual de Theo, quando criança, com seu colega russo Boris (um Finn Wolfhard com interpretação caricata) é algo que não é aprofundado, dão dicas de que se gostam, mas não é algo que se desenvolve. Durante toda a narrativa o que se presencia são situações não trabalhadas da maneira correta.
John Crowley não é um diretor ruim, pois tem obras de respeito em seu currículo, como Brooklyn e True Detective, fato que o gabarita para um filme dessa complexidade e magnitude. Dos erros acima citados nenhum supera o de ter perdido grande parte do filme em focar na vida de Theo garoto e não em sua vida adulta. A infância do garoto é importante, para mostrar certas questões que estarão presentes em sua vida quando crescer, mas é tanta ladainha ao mostrar sua infância e adolescência que não chega a lugar algum, quando chega no que é interessante, na fase adulta de Theo, perde-se totalmente a importância da narrativa. O telespectador já está derrubado quando chega no principal, isso justamente por ter perdido tempo com tanta coisa que foi esquecida no ato final. É um erro tão grande de direção que parecia ser John Crowley um diretor iniciante.
Há também um claro erro de montagem. O filme não seria ruim se tivesse sido montado de outro jeito, por exemplo, dando mais vida a questão do quadro do pintassilgo, se tivesse se aprofundado na relação com Boris, e a própria vida familiar de Theo, que é apresentada apenas pela parte do pai. Se tivesse sido montado dando maior enfoque em soluções e respostas mais relevantes ao público e dessem maior visibilidade para a questão dramática do personagem, possivelmente, seria um longa muito menos previsível e mais interessante.
Há uma mensagem escondida em O Pintassilgo que é bonita, mesmo com o filme abordando os temas de forma errada. O pássaro do quadro é uma bela metáfora sobre liberdade, pois queira ou não, Theo quando menino, após o acontecimento do atentado terrorista no Museu, tem essa sensação de querer cuidar da própria vida e ter uma liberdade, isso fica claro quando vai viver com o pai e tem o seu amigo Boris como válvula de escape para os seus traumas.
O que mais chama a atenção em O Pintassilgo é o forte elenco. Porém, isso não é o suficiente para prender a atenção do telespectador no drama barato filmado por John Crowley. Nomes consagrados do cinema, como Nicole Kidman, Ansel Elgort, Sarah Paulson, Jeffrey Wright e Finn Wolfhard parecem todos sem alma, não que suas atuações estejam ruins, mas seus personagens não prendem a atenção de quem vai assistir. A própria personagem de Nicole Kidman, uma mulher misteriosa que recebe o jovem Theo em sua casa, mas que depois de ter ótimas cenas é totalmente deixada de lado. Sempre quando algo ganha nosso interesse o diretor resolve abandonar aquilo e ir para outro assunto.
É uma pena que um livro tão interessante seja levado de forma jogada ao cinema. Merecia algo melhor e um olhar mais apurado para situações mais emblemáticas e interessantes que são totalmente jogadas pelo ralo por parte do roteiro. John Crowley é esforçado, cria uma ambientação interessante, contratou bons atores, mas falhou no principal fator, que é o de dar maior imersão para o que realmente importava, que era a narrativa e como ele como diretor a iria desenvolver. O Pintassilgo é daqueles filmes difíceis de esquecer, mas não pela sua qualidade, e sim por ser um filme chato.
O Pintassilgo (The Goldfinch, EUA – 2019)
Direção: John Crowley
Roteiro: Peter Straughan, Donna Tartt (livro)
Elenco: Oakes Fegley, Ansel Elgort, Nicole Kidman, Jeffrey Wright, Luke Wilson, Sarah Paulson, Willa Fitzgerald, Finn Wolfhard, Aneurin Barnard
Gênero: Drama
Duração: 150 min
https://www.youtube.com/watch?v=CXMFKl5jGDc
