Crítica | Thanos Vence - A Matança Infernal de Thanos

O primeiro ano de All New, All Different Marvel certamente não foi uma experiência memorável para a editora, mas ao menos rendeu a catarse para uma nova “renovação” ao título menos agressivo da Marvel Legacy ou Marvel NOW 2.0 como é popularmente chamada pelos leitores. Como a revista mensal do Thanos era inédita, a série não sofre uma “retomada” dos números das edições durante essa época de transição.

Logo, o arco Thanos Vence englobou as edições 13 a 18 da mensal, além de trazer uma nova dupla para comandar o quadrinho. Sai Jeff Lemire e Mike Deodato Jr., entra Donny Cates e Geoff Shaws, nomes particularmente pouco conhecidos no mercado. A escolha da Marvel em apostar justo em artistas desconhecidos para um de seus títulos melhores sucedidos nessa época de reformulação surpreendeu muita gente.

Conhecendo o Eu

Mas certas mudanças vêm para o melhor, pois Thanos Vence é o ápice completo desta mensal, além de ser uma das melhores histórias já escritas e desenhadas para o icônico personagem. Seguindo diretamente os eventos deixados por Lemire, vemos o personagem totalmente forte se divertindo em torneios de gladiadores em diversos sistemas para saciar sua sede de sangue em busca de um oponente realmente forte – a Senhora Morte é um assunto superado para Thanos depois dos eventos de God Quarry.

Em um pontapé inicial fortíssimo, após algumas páginas repletas de violência focando nos duelos do Titã, Cates apresenta um novo personagem neste universo: o Motoqueiro Fantasma Cósmico. Em questão de poucos balões de diálogo, já dá para compreender o quão promissor esse personagem é – tanto que receberá sua mensal em julho deste ano. Se valendo de um design fenomenal criado por Shaws, o Motoqueiro Fantasma é um personagem curioso, pois pela sua existência ser tão antiga (como entenderemos logo a seguir), possui uma dose generosa de insanidade repleta de tiradas cômicas muito mais eficazes que as vistas com outros personagens cômico-insanos a la Deadpool na editora.

O fato desse encontro inusitado é, no mínimo, desconcertante, pois o Motoqueiro rapidamente consegue subjugar Thanos e o avisa que ambos viajarão milhares de anos para o futuro através de um fragmento precioso da Joia do Tempo. Chegando nesse local perdido no tempo e espaço, Thanos descobre que está em uma Terra totalmente dizimada por ele próprio. Nesse encontro bizarro, o vilão é solicitado por ele mesmo, já bastante envelhecido, para ajudá-lo em uma tarefa inglória: eliminar o último inimigo na face do Universo.

Com essa conquista, Thanos finalmente poderá casar a Senhora Morte, seu desejo mais antigo e pessoal. E somente assim o vilão também poderá retornar ao passado.

De imediato, a premissa é, no mínimo, instigante. As chances de termos algo especial ou desastroso são simétricas, afinal o clichê do ter um personagem do presente conhecendo seu eu do futuro não é exatamente uma enorme novidade, mas curiosamente, nunca havia sido trabalhado justamente com Thanos. O encontro entre esses Titãs, um repleto de raiva e poder, enquanto outro já é mais sábio, mas totalmente perturbado por nunca conseguir conquistar a Morte para si.

Apesar desse arco necessitar de alguns volumes a mais para realmente fazer jus a ideia e ao cenário curioso, Cates consegue sustentar um ritmo insano de acontecimentos e novidades, explorando satisfatoriamente essa linha do tempo alternativa em artes incríveis mostrando toda a violência insana que Thanos comete contra todo o Universo. O roteirista também se preocupa em explorar basicamente as origens do vilão, conforme estabelecido em Thanos Rising por Jason Aaron, a fim de relembrar o passado amaldiçoado do Titã. Isso é transmitido novamente pelo narrador bem-humorado que suspeito ser o Motoqueiro Fantasma – ele até mesmo ganha uma edição inteira para contar sua própria história e os três pactos demoníacos que fez ao longo da existência.

A relação entre os Thanos também é bem trabalhada, principalmente com diálogos envolvendo a obsessão eterna dos vilões com a Morte. O roteirista traz novidades a todo momento, incluindo revelações pesarosas sobre o destino de alguns dos Vingadores, assim como fornece uma surpresa totalmente icônica para o embate final entre Thanos e seu oponente misterioso. São páginas que enchem os olhos pelo dinamismo cinematográfico da ação e da duração saudável dessas sequências agitadas.

Cates faz um trabalho até mesmo muito acima da média no encerramento enigmático do fascículo final que traz uma conclusão digna para o período que a Marvel dedicou na mensal de seu maior vilão.

Paixão de um Destino Trágico

Donny Cates realmente conseguiu trazer uma história excelente para Thanos criando conflitos épicos, além de mexer com a linha temporal da editora livremente sem precisar se preocupar com consequências. Nesse cenário sem limites e totalmente insano, o roteirista teve espaço para deixar sua criatividade brilhar. Uma pena que sua fase restringiu a apenas um arco, mas, por outro lado, Cates conseguiu emplacar seu nome no mercado, além de ter conquistado a oportunidade de trabalhar com um dos personagens mais interessantes que já nas HQs da Marvel: esse bendito Motoqueiro Fantasma totalmente retrabalhado.

Thanos Vence (Thanos Wins, EUA – 2017)

Roteiro: Donny Cates
Arte: Geoff Shaw
Edições: 13 a 18, Anual 1
Editora: Marvel


Crítica | Invasão Secreta - A Narrativa Eclipsada pela Ação

Depois de Mark Millar mexer fundamentalmente com o universo Marvel por conta dos acontecimentos de Guerra Civil, provavelmente a melhor saga já escrita para a editora até agora, muitos autores tiveram que oferecer soluções e novos caminhos para uma época repleta de times com Vingadores divididos. Explorando essa ideia de colocar herói vs herói, ficou a cargo do experiente Brian Michael Bendis criar uma narrativa que voltasse a refletir o turbulento cenário político americano, além de trazer embates épicos repletos de ação.

A saída disso foi resgatar uma brecha deixada nos anos 1970 com a saga Guerra Kree-Skrull na qual os Vingadores realizaram um verdadeiro estrago na sociedade alienígena dos Skrull que, desde então, deseja a vingança completa. Por conta da habilidade dos skrulls em se transformarem em outras figuras humanoides, por anos os alienígenas se infiltraram na Terra aguardando pela hora correta de se revelarem e dominarem o mundo. Em suma, Invasão Secreta é isso.

Fim da Confiança

A proposta de Bendis é inteligente por colocar os skrulls infiltrados em diversos níveis de confiança até mesmo dentro dos grupos de heróis. E com a descoberta perturbadora da existência dos alienígenas até mesmo nos Vingadores, Tony Stark pede a ajuda de Hank Pym e Reed Richards para encontrarem uma forma de detectar quem são os infiltrados disfarçados. Porém, assim que Stark descobre a terrível verdade, os skrulls decidem fazer a investida final contra a Terra e eliminar todos os heróis com sua legião de transmorfos.

Sendo um quadrinho repleto de erros e acertos, é fácil apontar os motivos pelos quais esse evento não se popularizou muito com os fãs da Marvel, apesar de levar diretamente aos eventos importantes de Reinado Sombrio que coloca diversos vilões icônicos como “protetores” do planeta. Começando pelos elogios, Bendis consegue inserir grande sensação de paranoia, principalmente pelo medo profundo de Stark em saber que não conseguirá deter os aliens a tempo, já que a invasão começa em questão de poucas páginas.

Muito do dilema da responsabilidade cai diretamente nos ombros de Stark, afinal ele ainda é o líder dos Vingadores oficiais e, portanto, o principal protetor do planeta. Mas com a certeza da infiltração, o herói mal consegue confiar nos colegas do próprio time. Bendis opta também em trazer esse evento sob a ótima de diversos grupos, mostrando os acontecimentos em uma escala realmente gigantesca, focando nos Vingadores Secretos e outros grupos de heróis.

Embora raramente esses núcleos despertem interesse, colaboram para permear o sentimento de desesperança e derrota que vai se espalhando entre os personagens. Outras boas ideias estão nas reviravoltas envolvendo as revelações sobre quais heróis são skrulls ou não, apesar de Bendis abusar desses cliffhangers a cada edição. Aliás, é justamente no exagero de reviravoltas e eventos que Invasão Secreta se perde entre inúmeros deus ex machina e buracos gigantescos de roteiro.

Bendis a todo momento, em tentativa de impressionar o leitor, inventa algum acontecimento impactante. Certamente eles funcionam em primeiro momento, mas logo passam a virar incômodos pela falta completa de lógica ou de coerência. Isso inclui até mesmo como Reed Richards descobre a fórmula para remover os skrulls de seus disfarces ou do retorno totalmente inesperado dos heróis originais que foram, absurdamente, sequestrados pelos aliens.

Ou desbanca para a besteira completa ao decidir assassinar certa personagem de modo totalmente inexplicável e incompreensível ou da completa ausência de Sentinela após escutar certas palavras ditas por Visão. É simplesmente bizarro. Essa alternância entre ideias boas e outras péssimas é constante em toda a HQ, mas ao menos Bendis fornece estofo o suficiente para fechar pontas soltas que ele havia criado anteriormente, além de pesar as consequências justas da amizade rompida entre Homem de Ferro, Capitão América e Thor gerando um peso emocional muito maior.

Mas melhor que a história, no mínimo, satisfatória de Bendis, temos a arte sempre fenomenal de Leinil Francis Yu que sempre surpreende com as generosas páginas duplas repletas de ação em artes gigantescas. Há todo um cuidado por parte do artista em inserir ação em diversas camadas de seus desenhos, transformando os confrontos em verdadeiras batalhas de uma guerra impossível. A violência é abrandada, obviamente, mas ainda assim há muito peso nas sessões de porrada, além de todo o cuidado com expressões faciais muito complexas que ele desenha para ressaltar a angústia, medo e desespero dos personagens.

Ambição Não Correspondida

Somente pela arte de Yu, Invasão Secreta vale a leitura, mas é preciso reconhecer que Bendis criou um evento ambicioso, mas repleto de furos para a Marvel. Sendo uma das sagas mais memoráveis da História recente da editora, acreditava que o evento era melhor escrito, afinal a ideia da invasão repleta de infiltrações e desconfiança é bastante interessante. A aposta em núcleos diversos e outras características narrativas que chegam até mesmo aos níveis religiosos, tornam o evento bastante bagunçado, além de exigir alguma leitura de acontecimentos anteriores importantes.

Ainda assim, foi um evento marcante que permitiu o nascimento de outra fase bastante interessante na Marvel com o Reinado Sombrio, se tornando uma leitura obrigatória para compreender os eventos posteriores.

Invasão Secreta (Secret Invasion, EUA – 2008)

Roteiro: Brian Michael Bendis
Arte: Leinil Francis Yu
Editora: Marvel, Panini
Edições: 1 a 8


Crítica | Thanos - Volume 1: Thanos Retorna - Reformando um deus

Depois do evento cataclísmico de Guerras Secretas de Jonathan Hickman, muitos torceram o nariz para a fase All New, All Different Marvel que comandaria esse “renascimento” da Casa das Ideias. Apesar de muitos títulos realmente tenham deixado a desejar, certamente Thanos foi uma das maiores surpresas em sua série de HQs solo.

Foi uma jogada acertada da Marvel para que o seu maior vilão ganhasse mais popularidade já que era questão de tempo, na época, para que Thanos aparecesse pela primeira vez em uma produção cinematográfica. Embora esse Thanos escrito por Jeff Lemire tenha muito pouco a ver com o ser cordial e emocionalmente controlado com o que vimos em Vingadores: Guerra Infinita, há um forte magnetismo nessa história que prende o leitor já na primeira edição.

O Titã Louco Retorna

Apesar de termos um início morno na primeira edição, apenas mostrando Thanos destroçando Corvus Glaive para retomar seu trono falido no quadrante no qual reina, Lemire é muito inteligente em logo exibir um cliffhanger excepcional nas últimas páginas do quadrinho: Thanos sangra copiosamente depois da batalha. O leitor acostumado com a força do vilão, naturalmente, já percebe que há algo de muito errado naquela situação.

Através da presença bem-humorada de um narrador onisciente e onipresente, o leitor então descobre uma intrigante verdade: Thanos está doente e tem poucos dias de vida. Logo, toda a premissa desse arco envolve a busca do vilão por uma cura que também forçará o personagem a encarar alguns dos fantasmas de seu passado violento.

Lemire e Mike Deodato Jr abordam todo o quadrinho de forma bastante adulta e também violenta. Por isso não espere passagens poéticas ou de matança apenas sugerida, já que a abordagem aqui é mesmo muito explícita. Isso não incomoda e até mesmo diverte o leitor por ver o vilão totalmente sem freios cometendo atrocidades ainda maiores pelo medo de morrer.

Paralelamente, vemos por onde anda Thane – é recomendado que o leitor leia Infinito para ter certa familiaridade com o filho de Thanos. O ódio pelo pai só cresce, mas como o personagem está totalmente fraco por conta da magia das Irmãs das Estrelas, acaba preso por Corvus Glaive. Na cadeia, ele conhece Slatterus, o Campeão do Universo. Os dois se afeiçoam e acabam se tornando amigos. Entretanto, conforme o tempo na cadeia aumenta, mais Thane se aborrece e enlouquece, permitindo assim que a Senhora Morte o seduza e o manipule, alimentando ainda mais a promessa de vingança contra Thanos.

Com a ajuda sobrenatural da Morte, Thane consegue escapar do cárcere e logo se coloca em uma missão para reaver seu poder, mas desta vez com a intenção de se fundir à Fênix. Embora seja um núcleo mais fraco e que de fato seja pouco desenvolvido para que o leitor melhor compreenda a relação conturbada entre pai e filho, Lemire traz reviravoltas interessantes o suficiente para satisfazer a curiosidade do leitor em conhecer mais desse personagem relativamente novo no universo Marvel.

É apenas uma pena que tenhamos algumas passagens inteiras focadas em filler para suprir a demanda de ação que o título exige, burocratizando a jornada de ambos os personagens até o inevitável encontro final que encerra o arco também de modo criativo. Os desvios trazem algumas boas e outras más ideias para a jornada, principalmente uma envolvendo a edição 3 com outros personagens sendo entrevistados sobre a luta contra Thanos.

Há outros clichês para livrar o personagem-título de algumas enrascadas, mas nada que seja verdadeiramente absurdo. Já com a arte de Deodato, há uma estranha escolha, já que os desenhos realmente são muito bem feitos, apesar da anatomia robusta e pouco equilibrada de Thanos. Isso envolve a diagramação dos quadrinhos que, vez ou outra, é totalmente sem imaginação ou exibida em uma ordem realmente de mal gosto artístico com um plano de fundo totalmente genérico.

O que Deodato realmente acerta é no erotismo entre as cenas de Thane e a Morte, além de todas as sequências de ação serem excepcionais.

A Boa Premissa

Apesar de trazer uma história repleta de potencial, Lemire apenas prepara o terreno para os acontecimentos épicos que ocorrem no segundo volume de sua fase com Thanos. Há muito filler e escolhas estéticas de diagramação realmente tenebrosas aqui, mas temos boas ideias a todo momento para o texto que consegue trabalhar o vilão de um modo inusitado já que o joga em uma busca para sobreviver e driblar a Morte – algo irônico para um personagem tão lembrado por ser completamente apaixonado pelo espectro.

Vale a leitura, mas é recomendado que já tenha em mãos o volume dois para ver como a história termina em uma escala mais interessante que a vista aqui, apesar do ótimo cliffhanger.

Thanos Vol. 1: Thanos Retorna (Thanos Returns, EUA – 2016)

Roteiro: Jeff Lemire
Arte: Mike Deodato Jr.
Editora: Marvel
Edições: 1 a 6