Crítica | Minions 2: A Origem de Gru eleva novamente a qualidade da malvada franquia favorita
Não é uma surpresa que os estúdios estão espremendo o máximo que podem de suas franquias. Nem mesmo que quando a fonte seca, a inspiração procura respostas para perguntas não feitas. Assim caímos no território das prequências – melhor conhecidas como prequelas.
Meu Malvado Favorito (Despicable Me, 2010) foi uma boa surpresa no cenário da animação, ajudando a Universal entrar na briga pelo demográfico infantil e dando o pontapé para produtora Illumination brigar com a Pixar. E dentro da história sobre um ladrão que se torna pai, um dos atrativos foram os ajudantes amarelos irritantes chamados Minions.
Esses seres não identificados que falam em bananês renderam histórias o suficiente para ganhar o holofote em 2015, com seu primeiro filme solo. Confesso que é intrigante o como consegue cativar as crianças, mas foi uma experiência um tanto quanto estranha. Coadjuvantes funcionam em contraponto com seus protagonistas. E talvez essa observação tenha sido feita na produção da continuação.
Minions 2: A Origem de Gru (Minions: The Rise of Gru, 2022) vem com a proposta de colocar o nosso malvado favorito como um protagonista nas entrelinhas. O roteiro de Brian Lynch e Matthew Fogel explora os pontos que fizeram de Gru o personagem que conhecemos, ao mesmo tempo que deixa para os Minions o trabalho duro para arrumar toda a confusão.
Toda a trama gira em torno de um macguffin, o Medalhão do Zodíaco. Capaz de dar poderes ilimitados a quem possui-lo durante o ano novo chinês. O roubo é realizado pelo Sexteto Sinistro (chupa Sony), composto por Dona Disco, Svengança, Punho de Aço, Irmã Chaco, Jean Garra e Willy Kobra, a inspiração de Gru.
Não morri de paixão pelos personagens, mas ressalto que Willy é melhor desenvolvido, uma vez que sua história se conecta com a trama. Alan Arkin faz a voz original, com dublagem de Gesteira. E fica uma menção honrosa para Irmã Chaco, que ganhou as melhores piadas do filme por ser uma freira com uma cruz que se transforma em nunchaco.
A ambientação nos anos 70 é um show de primeiro momento. A trilha sonora está bem afiada, com músicas disco a releituras de soul e funky. Vale dar um crédito aqui para Heitor Pereira, brasileiro que compõe a trilha dessa franquia inteira, que conseguiu amarrar o filme com música de ponta a ponta. Nessa aventura ele teve a colaboração de RZA, que também tem uma participação interessante no filme.
Contanto, o maior vilão do filme é a própria duração. Apertado em 87 minutos, se contar os créditos, não existe muito tempo para digerir o que estamos vivendo. Não que tenham muitas tramas para seguir, mas valeria um pouco curtir mais alguns personagens ou até ver como certos planos são arquitetados.
O resultado final é uma comédia com coração, mas que apela muito para o ridículo para conseguir sua atenção. Do meu ponto de vista este é a melhor inteiração da franquia desde o original. As vezes o simples vale mais que um acumulo de ideias, e este filme entrega justamente o que queremos: Gru e seus Minions se metendo em altas confusões.
Crítica | As Verdades - Todas as perspectivas de um mistério
Existem muitos lados para se apurar em uma investigação. Em As Verdades, novo filme de José Eduardo Belmonte presente na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, a questão não é em quem acreditar, mas pra quem perguntar.
A trama acompanha Josué, o novo delegado da cidade que precisa solucionar o mistério de quem atropelou um candidato a prefeito. Na teia de investigações, ele precisa lidar com um assassino de aluguel, a esposa e a sogra do candidato.
O roteiro de Pedro Furtado é uma espécie de Rashomon, onde cada um dos investigados dá seu panorama sobre os dias que antecederam. Cada uma das versões traz o ângulo e a interpretação do personagem sobre os eventos, dificultando achar o encaixe das peças. Mas saiba que Furtado faz isso de maneira proposital.
Belmonte é um diretor de atores, sempre fazendo filmes pessoais, com ótimos desenvolvimentos e arcos completos para cada um dos seus personagens. Aqui não é diferente, focado em como o
protagonista reage a todo o volume de informações. Mas há uma pegada diferente no visual, uma espécie de surrealismo, com muitos planos elevados e uma luz vindo de apenas a lâmpada mais próxima.
Lázaro Ramos encara o protagonista como um homem que deu um passo maior que a perna. Josué é focado em fazer coisas do jeito que elas vierem, e sempre de maneira espontânea. Há um momento que deixa claro sua perspicácia como policial, quando dá uma carona para duas garotas. Sempre de ouvidos abertos, pronto para recolher um novo ponto de vista. Ramos ainda trabalha com um lado inesperado, conforme a trama evolui, que consolida o personagem como representação de um produto de cidade pequena.
No papel da esposa, Francisca, a atriz Bianca Bin me pareceu pouco à vontade. Não que tenha uma relação com a personagem, mas para quem tem um envolvimento na trama de maneira intensa, senti falta em partes de algo que desse motivo para sua verdade do ocorrido. A dependência acabou caindo sobre os olhos azuis melancólicos.
Thomas Aquino entrega um matador de aluguel caricato, mas que tem as melhores adaptações dentre as versões da história. Ele sabe jogar com o ponto de vista, e se torna um verdadeiro ponto de interrogação para investigação. Para completar o time, Drica Moraes faz a mãe de Francisca excelentemente. A atriz consegue criar o mesmo sentimento que Josué, alguém que parece enraizado ao local.
Poderiam ter abraçado o gênero e ido em busca de pistas, novos desdobramentos, e até a reação da cidade com o ocorrido. Ao invés, Belmonte joga uma coisa aqui acolá para não desfocar dos personagens. Era fundamental em um filme investigativo ter investigação, e só o que temos são três versões dos mesmos dias.
Diferentes dos filmes policiais atuais, As Verdades achou um lugar sozinho ao sol e ousou em tentar algo novo.
As Verdades (Brasil - 2020)
Direção: Josué Eduardo Belmonte
Roteiro: Pedro Furtado
Elenco: Lázaro Ramos, Bianca Bin, Drica Moraes, Thomás Aquino, Zécarlos Machado, Edvana Carvalho
Gênero: Drama, Suspense
Duração: 99 min
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Crítica | Lingui - Os debates entre aborto e religião
Os laços de sangue são difíceis de desatar. Lingui, novo filme de Mahamat-Saleh Harou presente na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é uma demonstração de amor entre mãe e filha, onde a linhagem de sangue é um mero detalhe.
Amina é uma mulher batalhadora. Ela sobrevive vendendo artesanato que fabrica a partir de ferro presente em pneus velhos, tem uma filha de 15 anos chamada Maria, e pratica o islamismo. Sua vida parece ordinária, até o dia em que sua filha lhe confessa estar grávida e querer um aborto.
Haroun, que também escreveu o roteiro, realiza um filme direto e não lhe diz para onde vai. Ele constrói toda a trama como o trançado da personagem em seu artesanato, começando pela base sólida, passando pelo expressionismo e terminando em algo real e compreensível. O maior acerto vem pela crítica em relação ao aborto e amadurecimento, sem deixar de focar na região do Chade ou até mesmo na religião, e sim na universalidade da relação mãe-filha.
Achouackh Abakar faz uma interpretação coesa e daquelas que desaparece na personagem. Amina é uma mulher durona, que precisou se virar sozinha com a filha em crescimento. Não quer dizer que ela precisa ser carrancuda ou uma Sarah Connor da vida. Abakar leva com jeito as escolhas em buscar alternativas para a filha, ao mesmo tempo que precisa tomar decisões sobre a própria vida.
Rihane Khalil Alio, que interpreta a filha Maria, também ajuda nesse processo de evolução da mãe. Ela trabalha com menos material, sendo o maior causador dos conflitos, mas tem como bagagem essa juventude nova, que liga para fofoca de amigos do colégio, acredita que os pais são distantes e mergulham em smartphones. Alio joga todas essas caraterísticas na personagem, utilizando até da própria situação como um catalizador para um início de relacionamento entre ela e a mãe.
Há um dinamismo no filme, fazendo-o uma digestão leve para os que sempre desviam do tema ou evitam. Tem uma certa graça na busca de Anima por um local para realização do aborto, mostrando o mundo da ilegalidade médica, onde qualquer um diz que faz qualquer coisa. Há quedas de empenho quando desviamos o tema central, que em certos momentos fazem o filme parar a sua narrativa.
Como uma experiência lúcida sobre relacionamentos familiares, Lingui oferece ao público uma chance para entender a discussão do aborto de uma maneira mais intimista. Será que ele se refere à uma criança que não nasceu, ou à uma que já cresceu a já fez suas escolhas? Para isso, cada um terá sua resposta.
Lingui (França, Chade, Alemanha - 2021)
Direção: Mahamat-Saleh Harou
Roteiro: Mahamat-Saleh Harou
Elenco: Achouackh Abakar Souleymane, Rihane Khalil Alio, Youssouf Djaoro, Briya Gomdigue, Hadjé Fatimé Ngoua
Gênero: Drama
Duração: 87 min
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Crítica | Na Prisão Evin - Uma experiência única
Quando a imaginação quebra suas barreiras e encontra a importância da discussão atual, acaba resultando em Na Prisão Evin, filme presente na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
Amem é uma garota transgênero que está em busca de meios para conseguir realizar a cirurgia de resignação de gênero. Com ajuda da sua amiga Nilo, ela encontra Naser, um velho rico que está disposto a pagar pela cirurgia em troca de um favor suspeito.
Mehdi Torab-Beigi e Mohammad Torab-Beigi são diretores estreantes, que tiveram a brilhante decisão de contar essa história em primeira pessoa. O filme todo nos coloca na pele de Amem, podendo apenas ver e ouvir o que ele consegue. Os irmãos souberam orquestrar toda uma série de acontecimentos na trama para que o estilo pareça natural, dando uma sensação de desconforto em determinados momentos. Não podemos fugir de situações, do mesmo jeito que a garota não consegue.
Toda a atuação fica, portanto, no colo dos coadjuvantes. Mahdi Pakdel, que interpreta Nasar, é quem constrói a ambientação. Sua escolha de atitudes, sempre indo para um lado mais calmo em momentos tensos, cria uma figura de medo para Amem. Pakdel trabalha com um lado mais racional da trama. Para auxiliar, Ra'na Azadivar interpreta sua esposa Sima, que abre uma vertical na história para um tom familiar.
Mas quem rouba o filme é Shabnam Dadkhah, que faz a destemida amiga Nilo. Ela é o yin do yang de Amem. Dadkhah faz uma personagem que transita entre o mundo de Nasar, sempre respeitosa e cuidadosa com o que faz, com o a da protagonista, faladeira e cheia de opiniões. Nilo é uma confidente de Amem, que por osmose é nossa também. Toda a confiança depositada na personagem fica transparente e isso ajuda no levar da trama.
A coisa fica complexa quando começam os desdobramentos. Os diretores optam por uma boa jogada de conversas que servem quase como caça ao tesouro. A verdade, e primeira pista, é que a cirurgia seria para Amem se passar como filha de Nasar para a avó, que os visitará em pouco tempo. Mas quando dias se tornam semanas o conflito entre nós, o público, com os personagens vai crescendo. Por isso o bom uso da narrativa em primeira pessoa. Estamos presos em um corpo e atitude que não nos representa.
Focado em fazer você passar por situações constrangedoras, Na Prisão Evin se torna cinema puro, onde a experiência vem antes da arte. Provavelmente é o melhor filme no festival esse ano.
Na Prisão Evin (At the End of Evin, Irã - 2021)
Direção: Mehdi Torab-Beigi e Mohammad Torab-Beigi
Roteiro: Mehdi Torab-Beigi e Mohammad Torab-Beigi
Elenco: Mehdi Pakdel, Ra’na Azadivar, Ali Baqeri, Babak Karimi, Farid Samavati
Gênero: Drama
Duração: 78 min
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Crítica | Assim Como no Céu - Mensagens das profundezas
A premonição pode ser de grande ajuda para aqueles que a interpretam corretamente. No filme Assim Como No Céu, presente na 45 ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, tudo caminha em direção a um pressentimento.
Sabe aquela sensação de prever os acontecimentos do filme por conta de uma fala ou cena? Aqui a trama mergulha nesses momentos, mas consegue muito bem conduzir a história sem fazer suas consequências parecerem gratuitas. A trama acompanha Lise, uma jovem de 14 anos e a mais velha dentre as irmãs. Ela tem um pesadelo estranho na manhã em que sua mãe está em trabalho de parto, levantando medos desconhecidos para a garota.
Baseado no livro En Dødsnat de Marie Bregendahl, de 1912, o filme faz uma escolha acertada em não apelar para o tom frio do século 19, muitas vezes escolhido pelos cineastas que trabalham com essa época. Há uma coisa natural em cada aspecto da narrativa, e até partindo de um ponto de vista jovem as coisas ganham outra proporção. Talvez a nova versão de Adoráveis Mulheres tenha sido um facilitador para filmes como esse, e espero que venham mais.
A diretora Tea Lindeburg traz uma energia para o filme usando expectativa como uma ferramenta. A trama toda se passa no mesmo dia, com Lise fazendo suas tarefas, interagindo com as irmãs e até se conhecendo sexualmente. Lindeburg inclui três momentos de masculinidade, onde cada um contribui para a construção da personagem.
Por se tratar do século 19, a pouca idade da protagonista não poderia significar alguém sem maturidade. Flora Ofelia Hofmann Lindahl, que interpreta Lise, compreendeu isso muito bem. A atriz sabe encontrar o equilíbrio do lado criança, que sempre está com disposição para suas tarefas, como também a seriedade para absorver todos os acontecimentos naquele dia. Há uma crítica da família com a personagem, pois é a única mulher escolarizada, com próprio pai não aceitando isso. O resultado foi o de Lindahl levando o prêmio de melhor atriz no Festival de San Sebastián, com apenas 16 anos.
Com muitos momentos de tensão, o filme acaba se tornando uma bomba relógio. Não havia a necessidade de utilizar o mesmo padrão de exposição para fazer a história andar. Lindeburg acha uma saída fácil para não precisar criar muitos acontecimentos no mesmo dia. Seria interessante - e até existem verticais na trama para isso – ver Lise em mais situações que definissem seu caráter.
Assim Como no Céu é um filme que prende atenção, mas que acaba se esquecendo da metade para o final do próprio recurso visual que criou, caindo no território comum de um belo e eficaz filme sobre juventude e responsabilidade.
Assim Como no Céu (Du Som Er I Himlen, Dinamarca - 2021)
Direção: Tea Lindeburg
Roteiro: Tea Lindeburg, baseado na obra de Marie Bregendahl
Elenco: Flora Ofelia Hofmann Lindahl, Ida Cæcilie Rasmussen, Flora Augusta, Palma Lindeburg Leth
Gênero: Drama
Duração: 85 min
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Crítica | Eu Vejo Você em Todos os Lugares - Uma antologia de desastres
Um filme catástrofe é facilmente reconhecido por passar momentos de pânico com os personagens que se tornaram os sobreviventes de um grande evento. Tire o evento e o que você tem é Eu Vejo Você em Todos os Lugares, novo filme de Bence Fliegauf presente na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo.
É uma antologia de situações, onde percorremos discussões amorosas e familiares. Uma filha que culpa o pai pela morte da mãe, uma esposa que tem dúvidas sobre o marido, traição familiar, intolerância religiosa, a velha idade e até uma discussão sobre a integridade de um assassino de aluguel.
Todos os atores estão bem no filme, entregando performances diretas e rápidas, fazendo as discussões ganharem peso. Até as que vão para situações mais estranhas não parecem desandar, e sim levar o espectador de maneira natural. Fica uma menção especial para o núcleo da intolerância religiosa, que é apenas mãe e filho discutindo sobre jogos de RPG.
A escolha de Fliegauf em manter tudo sob um véu de suspense funciona muito bem com a proposta do filme, que se beneficia da fotografia quase documental e uma trilha discreta. O diretor já havia realizado algo na mesma proposta em 2003 com Rengeteg, sendo esse uma sequência espiritual do seu modelo narrativo.
Entretanto, um filme com muitas cenas longas sobre relacionamentos sem uma conexão deixa a desejar. Depois de um tempo é frustrante parar para pensar em como algumas peças ali se encaixariam facilmente. Há personagens que facilmente poderiam ter se repetido em outros trechos, e tem um que serviria como catarse de toda a conversa de quase vinte minutos.
Eu Vejo Você em Todos os Lugar é um filme desses que serve como exercício de linguagem e atuação, em que vale mais aproveitar uma performance e suas nuances do que embarcar em uma história.
Eu Vejo Você em Todos os Lugares (Rengeteg - Mindenhol Látlak, Hungria - 2021)
Direção: Bence Fliegauf
Roteiro: Bence Fliegauf
Elenco: Juli Jakab, Lázló Cziffer, Lilla Kizlinger, Zsolt Végh, István Lénárt, Eszter Balla
Gênero: Drama
Duração: 112 min
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Crítica | Capitães de Zaatari - Perseguindo sonhos
Crescer querendo ser uma coisa é muito diferente de quando a oportunidade bate à sua porta. Capitães de Zaatari, documentário presente na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é um bom espelho sobre a alma de um sonhador com sua imagem virada do avesso, expondo as belezas e as feiuras da ignorância jovem.
Fawzi e Mahmound são amigos em um campo de refugiados na Jordânia, que sonham em serem jogadores profissionais de futebol no Catar. Eles têm uma diferença de idade de apenas um ano, e vão à todas as eliminatórias em busca de uma chance de ser pego pelos olheiros dos grandes times.
Ali El Arabi é um diretor estreante, mas não demonstra em nenhum segundo. Suas escolhas narrativas com todo o material, os planos em que decide filmar e a condução geral mostram um talento em fazer dessa história algo que beira a ficção. Arabi consegue em momentos fazer você duvidar se está assistindo um filme ou documentário, sempre seguindo a premissa de que cada solução é suprida com um novo conflito.
Fawzi é quem leva o filme como principal. Por ser o mais velho, acaba ficando para trás em maioria das peneiras para os times, mesmo mostrando ser um jogador habilidoso. Seus pais lhe dão apoio, mas sabem que tudo é possivel. Há um diálogo entre ele e a irmã que expõe muito bem o quão sonhador é, afirmando que não precisa ler e escrever pois “jogo futebol”. A bola no pé é o suficiente para justificar sua existência.
Mahmound é um bom jogador também, e tem as mesmas ambições que o amigo, mas parece ter o pé mais no chão. Sabe das responsabilidades e inclusive cria um grande conflito quando não esquece do amigo após ser escolhido em uma peneira primeiro. Ambos têm uma sintonia legal, e fica compreensível o porquê ambos sempre são escolhidos como capitães dos times na Jordânia.
Da metade para a frente, o filme lida com a ida deles para sua primeira grande chance em um time juvenil. É interessante conhecer como funciona todo o processo na Ásia para a formação de jogadores e suas responsabilidades. O único problema é que Arabi acelera o ritmo, e temos menos tempo para acompanhar o dia-a-dia dos dois nos campos de gramado.
Como uma obra documental, Capitães de Zaatari faz mais do que o necessário para te colocar ao lado dos dois rapazes. E acima disso, é uma obra para refletir sobre sonhos e sonhadores.
Capitães de Zaatari (Captains of Za'atari, Egito - 2021)
Direção: Ali El Arabi
Gênero: Documentário
Duração: 73 min
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Crítica | O Cão que Não se Cala - Jornada em tons de cinza
Qual o limite de eventos que um ser humano aguenta em sequência? O Cão Que Não Se Cala, filme argentino presente na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, é uma jornada no inimaginável a partir de um ponto de vista.
Sebastián está levando a vida como pode. Seus vizinhos não aturam seu cachorro que late o dia todo, seu trabalho não tolera animais, sua mãe está para se casar, e ainda tem uma situação que pode mudar não só sua vida como o mundo. É complicado colocar todos os acontecimentos sem entrar no território de spoilers, mas todos ajudam na escada de eventos para que o protagonista enfrente novos desafios.
Como naquelas gincanas em que cada fase é um aparelho mais complicado que o outro, Ana Katz elabora o filme em cada situação com um estilo diferente de contar. No começo, quando estamos conhecendo a rotina de Sebastián, tudo fica no tripé (leia-se, estabilizado) e os personagens que entram e saem dos planos. Já após o primeiro acontecimento, podemos perceber que Katz abre mais a trama para o espectador colher o que quiser.
Talvez esse seja o melhor ponto dessa jornada que realizamos ao lado do protagonista. Filmado em preto e branco com pouca trilha, o filme deixa que o público faça parte da sua construção. Em momentos me peguei rindo de situações que podem ser sérias para outros, e até me identifiquei em certos pontos no qual ficou claro não passar de um exagero. Contudo, o filme se perde em seus grandes pulos temporais. São aproximadamente dez anos de trama reduzidos em pontos fundamentais.
Daniel Katz consegue empinar o papel de Sebastián como uma pipa. Quando falta linha, ele entrega, e quando o vento para, cai. Suas diversas caracterizações, através de estilos de cabelos e barbas ajudam a manter a geografia de quantos dias ou anos se passaram. Mas quando Katz não tem uma situação para trabalhar, apenas um momento para conhecermos o personagem melhor, de nada ele oferece.
Entre as frustrações de ser um filme bonito e ao mesmo tempo uma construção de personagem, O Cão Que Não Se Cala poderia ter focado em ser na verdade uma grande obra cômica sobre a vida adulta e suas responsabilidades.
O Cão que Não se Cala (El Perro que No Se Calla, Argentina - 2021)
Direção: Ana Katz
Roteiro: Ana Katz e Gonzalo Delgado
Elenco: Daniel Katz, Julieta Zylberberg, Carlos Portaluppi, Susana Varela, Renzo Cozza, Valeria Lois
Gênero: Drama
Duração: 73 min
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Crítica | Mar Infinito - A solidão em nível cósmico
No futuro, a solidão pode ser algo involuntário. Mar Infinito, filme presente na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, parte para discutir a solidão seja ela por meio de um acontecimento global ou não.
Em sua estreia na direção, Carlos Amaral trabalha com uma história misteriosa de maneira futurista. O diretor e roteirista, que vem do setor de efeitos visuais, utiliza muito bem a ambientação para torná-la mais um personagem no filme. Temos os prédios abandonados, a piscina comunitária, o estacionamento vazio e principalmente o restaurante. Em cada uma das locações, há uma estranheza por estar caraterizada com neons, máquinas amontoadas, e até um estilo vintage. Amaral monta as peças para que elas pareçam um labirinto em que o protagonista tenta achar a saída.
A trama acompanha Pedro, um dos deixados para trás por conta da sua possível fobia de água. Ele passa os dias mantendo uma rotina, até que dois eventos simultâneos o deixam inquietos: a possibilidade de manipular as passagens para a nova terra e o encontro com Eva, uma bela moça conhece na piscina comunitária.
Com um semblante sem muita característica, Nuno Nolasco interpreta um Pedro como se ele fosse um desses rebeldes de hoje em dia, que acham na internet o futuro da civilização. Vale ressaltar que o talento do personagem está conectado com as máquinas, mas de pouco gera vinculo quando Nolasco se caracteriza como alguém que provavelmente estaria aproveitando o planeta vazio. Amaral consegue injetar um pouco de desenvolvimento para o personagem só quando Eva entra na história.
Interpretada por Maria Leite, Eva acaba se tornando o ponto alto do filme. Ela realiza naturalmente as perguntas para compreensão do local e de Pedro, coisa que a trama já deveria ter estabelecido antes. Leite sabe jogar muito bem com o pouco que tem, trazendo sentimento e até peso para as escolhas do protagonista.
Acima dos efeitos e locações, fica a impressão que existe um filme de romance dentro dessa trama. Lembrou em muitos momentos Monstros, de Gareth Edwards, com seu ritmo calmo e diálogo natural. Usando como própria referência a fobia do personagem, Pedro e Eva se movem pelo local deserto como se estivessem em baixo d’água.
Mar Infinito é um daqueles filmes que pensa grande, mas executa o suficiente para não parecer desfalcado pelo orçamento.
Mar Infinito (Brasil - 2021)
Direção: Carlos Amaral
Roteiro: Carlos Amaral
Elenco: Nuno Nolasco, Maria Leite, Paulo Calatré, António Durães, Pedro Galiza
Gênero: Drama, Ficção Científica
Duração: 78 min
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Crítica | Pedregulhos - Uma jornada de pai e filho
A vida de uma criança depende daqueles à sua volta. Em Pedregulhos, presente na 45ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, acompanhamos a pé os percalços de um pai e filho em um deserto literal.
Um homem alcoólatra e seu filho, partem no deserto da Índia em busca da esposa que fugiu. Simples e direto, o homem não aceita desaforo de ninguém que ouse cruzar o seu caminho, nem mesmo seu filho. A experiência assistindo ao filme é a quase a mesma de ver alguma briga de vizinhos, daquelas que depois de muita gritaria e quebradeira aparece uma viatura.
Violenta e sem freios, a direção do estreante P.S. Vinothraj não poupa esforços em fazer você sentir o momento. São instantâneos e genuínos os sustos levamos aos picos de raiva do pai. Vinothraj opta por filmar o máximo que consegue em planos sequências, levando a experiência da caminhada dos personagens para o espectador. Ele constrói junto do excelente roteiro uma narrativa que consegue contemplar as atuações e ainda dar uma pincelada no mundo ao redor.
Filmado em pequenos vilarejos e no deserto, as paisagens lembram o estereótipo do nordeste brasileiro, onde tudo se resolve na peixeira. Aqui é na base do tapa, onde momentos como uma grande discussão no ônibus se tornam algo cômico por instantes.
Quem consegue centralizar essa triste história de abuso emocional é Chellapandi, que interpreta o filho. Quase como um avatar para o público, ele faz um garoto que se mostra maduro para a idade, tendo que lidar com a objetificação. Em uma cena entre o pai e seu tio, fica evidente que o garoto não passa de uma moeda de troca entre os pais.
No outro lado temos Karuththadaiyaan, interpretando o pai alcoólatra. Provavelmente construído em cima de referências locais, o personagem é cheio de manias e tiques, deixando um pouco sobrecarregado sua real jornada. O ator traz uma coisa esquecida pelo cinema atual: fôlego. As constantes cenas intermináveis nunca cansam graças à entrega do ator.
Já no aspecto técnico, fica visível as limitações que a produção enfrentou. Em alguns momentos, a câmera não decide se movimenta ou treme; em outros a iluminação dança um pouco, e tudo isso não encaixou de maneira orgânica para passar despercebido. Mas em contrapartida, não atrapalhar no andar da trama.
Pedregulhos é um filme puro, daqueles viscerais que entregam a trama com imagens e ação. Fiquemos de olho para o que mais Vinothraj dirigirá no futuro.
Pedregulhos (Koozhangal, Índia - 2021)
Direção: P.S. Vinothraj
Roteiro: P.S. Vinothraj
Elenco: Karuththadaiyaan, Chella Pandi
Gênero: Drama
Duração: 75 min
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