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O fim e o começo do mundo | O final explicado de Evangelion 3.0+1.01: A Esperança

Afinal, o que raios eu acabei de assistir? Essa pergunta talvez reflita muitas reações dos novos e antigos fãs de Neon Genesis Evangelion após assistirem ao capítulo final do Rebuild of Evangelion, Evangelion 3.0+1.01: A Esperança

Esse sentimento de completa confusão mental é familiar para quem já acompanha a franquia há bastante tempo, mas felizmente é possível afirmar que o final do Rebuild é um pouco menos complicado que o final original exibido em O Fim do Evangelho em 1997. 

Como esperado, o texto está repleto de spoilers. Também é preciso já avisar de antemão que Hideaki Anno fez esse filme assumindo diversos metacomentários envolvendo o fandom de Evangelion e como ele próprio acabou refém da obra por diversos anos, o motivando também a criar o Rebuild of Evangelion para finalmente sepultar a franquia e colocar um ponto final definitivo. 

Gendo e seu plano diabólico

Assim como em Neon Genesis Evangelion, Gendo segue na busca de causar o Terceiro Impacto e iniciar a Instrumentalização Humana, um evento cataclísmico que permitiria todos os seres vivos da Terra se tornarem uma só consciência, um só ser. 

Com isso, Gendo estaria reunido, enfim, com sua falecida esposa, Yui, também mãe de Shinji, o nosso protagonista. Em essência é basicamente isso o que importa no desenrolar do final do filme no embate entre as forças da WILLE contra a NERV.

Em primeiro momento, a WILLE aposta nas forças de Asuka e na unidade 02 para conseguirem deter Gendo, destruindo o EVA 13 que é parte vital do plano do vilão para iniciar o Terceiro Impacto. Como a 02 fica com medo e possui um instinto de autopreservação, ela desiste de destruir o EVA 13.

Asuka, porém, indignada, decide usar sua carta na manga ao remover o seu icônico tapa-olho, revelando que ela possui um inibidor de Força L que a impede se virar um Anjo – tudo isso por conta de ter sido infectada ao ter pilotado a unidade 03 que estava com o Nono Anjo a bordo em Evangelion 2.22

Porém, quando Asuka converte toda a unidade 02 em Anjo, ela faz exatamente o que Gendo planejava. Com o contato de um Anjo e um Lilin, a chave para o Terceiro Impacto se inicia. 02 é destruída junto com Asuka, absorvida pela unidade 13 no processo. Sua consciência descobre que ela na verdade é apenas uma clone predestinada pela NERV para ser a Segunda Criança assim como Rei Ayanami. 

No caos do Terceiro Impacto, o Anti-Universo é aberto. Esse novo lugar se trata de uma dimensão criada pelos alienígenas ligados a Adão e Lilith que chegaram à Terra através da nave Lua Negra – a que se torna a Lança de Longinus, usada por Gendo. No Anti-Universo onde o tudo é o nada e vice-versa, Gendo aguarda por Shinji, que está em posse da Lança de Cassius, para iniciar a Instrumentalização Humana. 

Hora de crescer, Shinji

Depois de muitos anos aguardando por esse momento definitivo, Anno entrega aos fãs o embate entre Ikari Shinji e Gendo. O protagonista extremamente deprimido, idealista e escapista decide encarar a realidade de vez e resolver enfrentar seu maior medo: seu pai. Pedindo à Misato para pilotar o EVA 01 novamente, Shinji parte ao Anti-Universo munido da Lança de Cassius. 

Sabendo que Shinji provavelmente perderá a luta e precisará de uma ajuda adicional, Misato decide usar toda a Wunder para criar uma nova lança, a Lança de Gaius, que representa o desejo da humanidade de ser livre novamente e traçar seu próprio destino. Enquanto toda a tripulação faz os arranjos finais para a espinha dorsal da Wunder se converter na Lança, Shinji parte ao Anti-Universo. 

Depois de alguma porradaria entre pai e filho, com ambos não conseguindo acertar um golpe definitivo já que estão em um espaço de consciência coletiva, Shinji decide conversar com Gendo e compreender de fato qual é a motivação de seu pai e sua história. 

Anno então confirma ao fandom que Gendo era um homem que nunca superou o luto da morte de Yui, a única felicidade de sua vida. Para conseguir estar reunido com sua esposa, precisa criar a Instrumentalização Humana. Nesse cenário de desolação e choque para Shinji, descobrindo que não possui a menor importância para seu pai, Gendo consegue criar o Impacto Adicional ao fundir as duas lanças e iniciar a Instrumentalização. 

O EVA imaginário surge representado pela medonha cabeça gigante em CG de Rei e toda a humanidade começa a ser dizimada. Nesse momento, Misato consegue criar a Lança de Gaius na Wunder e faz um ataque suicida diretamente no olho do EVA imaginário para entregar a lança a Shinji. 

Com a lança em mãos, Shinji escuta as dores de seu pai que se abre para o filho pela primeira vez. Ao ficar exposto verdadeiramente, Gendo ganha a empatia de Shinji que descobre que seu pai é exatamente como ele: alguém que anseia por ter relações humanas, mas profundamente ferido por elas. Um frustrado completo disposto a realizar o fim do mundo para conseguir conquistar seus desejos egoístas, escapistas e idealistas – lembram das atitudes de Shinji para conseguir se reunir com Rei novamente? Pois é. 

Tocado pelo amor de Shinji, Gendo entende finalmente que Yui sempre esteve ao seu lado, o amando todos os dias, através do filho, fruto dessa união tão especial em sua vida. Percebendo o quão negligente foi com Shinji e do dano que causou na vida dele, ele desiste da Instrumentalização permitindo que Shinji decida o destino da humanidade com a Lança de Gaius.

A Nova Gênese

Após o diálogo catártico com seu pai, Shinji finalmente está livre para escolher o futuro que quer para todos nós. Se tornando literalmente Deus, com um poder imensurável em mãos, o garoto é confrontado por Kaworu que pergunta o que ele deseja fazer. E felizmente Shinji está mudado, ele finalmente cresceu e não irá repetir as atitudes egoístas que marcaram o final de End of Evangelion

Em vez de optar pela Instrumentalização que permitiria que todos ficassem juntos em uma só consciência, ele opta pelo livre arbítrio e a beleza do caos que permeiam as relações humanas, totalmente fora de seu controle. Se ele será amado ou não, feliz ou não, sabe que é problema dele e de mais ninguém. Dessa forma, ele procede com o reset de um novo mundo, um novo gênese, onde não há mais EVAs e Anjos, apenas humanos. 

Antes de realizar seu movimento final, ele parte para libertar seus companheiros e dizer algumas últimas palavras, afinal o seu destino dentro dessa escolha é, provavelmente, a morte. Primeiro é a vez de Asuka. Após descobrir se tratar de um clone, está em crise tentando compreender o que a faz ser especial, sua individualidade no mundo. Em uma conversa com Kensuke, Asuka compreende que ela é suficiente exatamente por ser quem ela é e está tudo bem. 

Sem o peso dessa cobrança, é surpreendida por Shinji que a encontra na icônica praia do apocalipse de End of Evangelion. Anno dessa vez mostra Shinji demonstrando afeto a uma Asuka abandonada e desolada, confessando que a amou e que o sentimento era recíproco durante os eventos de Evangelion 2.22 legitimando toda a ira que Asuka sentiu por não ter sido salva pelo protagonista quando ficou presa no EVA 03.

Sem ter chance de responder, Shinji a liberta do EVA 13, permitindo que ela reencarne novamente e seja feliz. Altruísta, né? Depois é a vez de Kaworu onde Anno confirma a teoria que o Rebuild acontece após os eventos de End of Evangelion. Em seu diálogo, Kaworu explica a Shinji que eles já se reencontraram diversas vezes, fadados a um ciclo temporal que sempre culminam no mesmo resultado nas tentativas frustradas dele tentar fazer Shinji verdadeiramente feliz. 

Kaworu percebe que esse desejo na verdade é parte de seu egoísmo, pois sua missão em fazê-lo feliz é apenas para saciar seu ego – exatamente como Fuyutsuki ao ajudar Gendo a completar a Instrumentalização (certamente um bom paralelo). 

Assim como Shinji e Gendo, ele também procura alguém para amar e ser amado em anseios egoístas. Por isso que a tragédia sempre se repetia: o verdadeiro altruísmo não acontecia de fato. Tamanho egoísmo é o de Kaworu que ele mesmo escreveu essa predestinação no Livro da Vida, para sempre se reencontrar com Shinji em diversas encarnações. 

Liberto desse papel, Kaworu agora terá que ressignificar sua existência e Shinji parte para libertar, enfim, Rei Ayanami cuja alma ficou presa na unidade 01 no final de Evangelion 2.22 quando acontece o Quase Terceiro Impacto. Aqui, toda a ação acontece dentro de um estúdio de televisão/cinema, com elementos de alienação jogados em volta (os controles de videogame, por exemplo). 

É aqui que Anno faz a sua mais profunda crítica ao fandom que tornou Rei uma waifu, extremamente sexualizada, um receptáculo de desejos infantis e idealização machista. Quando Shinji a encontra, Rei está segurando uma boneca, simbolizando um nenê. A metáfora sobre essa questão de ser waifu e virar uma boneca fadada a brincar de casinha para sempre com os otakus mais doentes do fandom é o tapa na cara que Anno queria dar depois de tanto tempo incomodado com o rumo que os fãs trataram Rei. 

Shinji a liberta desse papel e a convence a ser livre, encontre finalmente o seu lugar no mundo, pois agora não existirão mais EVAs e sua existência não será resumida a um jogo cruel de predestinação e ordens da Nerv/Gendo. Haverá vontade e ímpeto de viver, descobrindo os prazeres da vida exatamente como a Rei-Q descobriu antes de morrer diante dos olhos de Shinji. Ela foi feliz e quis fazê-lo feliz sem esperar nada em troca, pois sabia da inevitabilidade de sua morte. 

Bastante bonito, não? Mas calma que Shinji ainda tem mais a provar ser um grande herói. Após libertar seus amigos, ele então procede para se sacrificar com a Lança de Gaius e iniciar o reset no mundo. Mas então é impedido pela unidade 13 que ainda é pilotada por Gendo. Liberto da unidade 01, Shinji descobre que Yui está comandando o EVA. Dessa forma, Gendo e Yui finalmente estão reunidos, juntos novamente, se sacrificando para que o filho seja livre e feliz. 

Um mundo sem Evangelion

Logo após o reset, Shinji acorda em uma praia. Agora tudo está de volta ao “normal”, com o mar azul pela primeira vez dentro dos filmes Rebuild. Entretanto, nessa paz, Shinji tem dificuldade de encontrar um novo propósito e tentado novamente pelo escapismo. Isso é representado pela desconstrução do processo da animação indo até uma rotoscopia simples e sem cor para o mais simples dos storyboards sem movimento. 

Até que é surpreendido por Mari que sobreviveu a todos os eventos após fazer a 05 literalmente consumir os outros EVAs – alô Attack on Titan! É você? Ela surge com a unidade 05 que a preservou da morte dentro do reset. Ao gritar por Shinji, a animação novamente toma forma e ao cair no mar, no exato instante que toca a água, tudo volta a ser colorido mais uma vez. Mari traz um novo propósito de vida a Shinji, uma nova chance de ser feliz. 

Sem EVAs no mundo, a maldição que os pilotos sofriam acaba e eles podem crescer fisicamente. Na cena seguinte, em uma estação de trem, vemos toda a turma já adulta. Asuka está sentada em um canto enquanto Rei conversa com Kaworu. Shinji aguarda até ser surpreendido por Mari. Rola um flerte pesado entre os dois onde Anno sugere que ambos possuem um envolvimento amoroso. 

Mari chama Shinji para sair dali e partir em uma nova aventura, removendo a coleira explosiva que é o último vínculo de Shinji com seu passado ligado aos EVAs e toda a sua miséria existencial como piloto.

Os dois então saem correndo da estação e partem para a cidade de Ube, lugar onde Hideaki Anno nasceu. Logo, fica claro o metacomentário. Shinji sempre foi um alter ego de Anno que enfrentou crises pesadas de depressão, muito também por conta do destino de Evangelion e da recepção dos fãs. 

Através dos rebuilds, ele se liberta e liberta também essa legião infindável de otakus da obsessão por Neon Genesis Evangelion, afinal no novo mundo onde Shinji vive, não existem mais EVAs. Mari, como já revelado, é a representação da esposa de Anno, Mocoyo, e por isso acaba virando o par romântico de Shinji.

Como ela é uma pessoa alheia ao universo original de Evangelion, foi uma forma interessante de Anno também acabar com todas as fanfics de waifu entre Shinji, Asuka e Rei. A escolhida é mesmo Mari, uma personagem nova, assim como Mocoyo foi novidade em sua vida após a criação da franquia. 

Nesse novo mundo totalmente curado e crescido, Anno agora traz um final otimista e diferente. Admite que é bom ter seus momentos escapistas, mas que não se pode viver somente deles. É preciso encarar a realidade e ver toda a beleza que existe lá fora. Para as pessoas, enfim, viverem. Para os fãs superarem Evangelion de uma vez por todas. Afinal, se o conselho não for abraçado dessa vez, Anno já mostrou o futuro trágico do escapismo com o final original em 1997.

Bonito, mas e a Mari?

De fato, tem um aspecto bem bizarro envolvendo a Mari aqui. A personagem, em geral, não é bem trabalhada em todos os filmes e muito do seu desenvolvimento fica pairando em sugestões um tanto perturbadoras. 

Em Evangelion 3.33, através de uma foto, o espectador tem conhecimento que Mari era uma antiga amiga de Yui e Gendo, participando dos projetos de criação dos EVAs e também tendo conhecido Shinji ainda quando bebêzinho. 

Nos momentos finais do filme, vemos Mari conversando com Fuyutsuki, o braço direito de Gendo. O papo é bem superficial, mas repleto de ressentimento por Fuyutsuki que a chama de Maria Iscariotes, em analogia direta a Judas Iscariotes, o traidor de Jesus Cristo que o entregou por trinta moedas de prata. 

Fuyutsuki a chama assim provavelmente por causa do seu envolvimento na criação da Nerv e dos EVAs, mas por ter se negado a seguir as vontades de Gendo após a morte de Yui, em sua busca de iniciar a Instrumentalização Humana. 

Por ter sido uma das primeiras pilotos de EVAs, Mari acabou amaldiçoada e não cresceu por décadas, permanecendo no corpo de uma garota adolescente. 

Isso explica também o motivo de sua habilidade gigantesca com os robôs e por ter uma unidade exclusiva. Além disso, também justifica o modo sempre curioso da personagem se comportar com os outros personagens, demonstrando saber mais do que todos eles. 

Enquanto torna o lore bastante rico e a personagem interessante, é um tanto assustador pensar no envolvimento amoroso de Mari com Shinji já que ela praticamente tem mais que o dobro da idade do garoto, além de tê-lo conhecido ainda criança. 

Mas a bizarrice sempre fez parte de Evangelion então por que não? Fora todo o lance edipiano que surge se colocarmos Mari como uma representação de Yui, afinal o desejo de matar o pai também é presente em todo Evangelion. E Rei e Yui praticamente possuem as mesmas feições. Pois é. 

É isso. Dessa forma, Anno encerra sua exaustiva jornada iniciada em 1995 ao conseguir pegar o mundo de surpresa e ter revolucionado toda uma indústria com Neon Genesis Evangelion. Caso queira saber a minha opinião sobre o filme, basta clicar aqui.

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Publicado por Matheus Fragata

Editor-geral do Bastidores, formado em Cinema seguindo o sonho de me tornar Diretor de Fotografia. Sou apaixonado por filmes desde que nasci, além de ser fã inveterado do cinema silencioso e do grande mestre Hitchcock. Acredito no cinema contemporâneo, tenho fé em remakes e reboots, aposto em David Fincher e me divirto com as bobagens hollywoodianas.

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