Crítica | Durante a Tormenta - Um acerto da Netflix
O cinema espanhol é conhecido pelas suas ótimas histórias bem construídas e estruturadas, e quase sempre com boas reviravoltas de roteiro que surpreendem ao público pelo dinamismo com que essas tramas são apresentadas. A Netflix conta em seu catálogo com produções interessantes e desconhecidas do país, e de diversos gêneros, desde comédia ao suspense. Eis que a empresa investiu na produção de um longa de ficção original para colocar em seu serviço de streaming, e o resultado é o interessante Durante a Tormenta (Oriol paulo).
O longa conta a história de Vera Durán (Adriana Ugarte), uma mãe que vive uma situação inusitada. Em um dia, um raio acaba caindo em sua casa nova e gerando uma interferência em uma TV antiga que havia encontrado. Nesse exato momento, mas no passado, um garoto que vivia na mesma casa e estava com a mesma TV ligada acaba por viver a mesma situação de Vera, logo ambos começam a se comunicar pela TV que é uma espécie de portal entre passado e futuro. Ao salvar o garoto de uma situação que ele iria se envolver, Vera acaba, sem saber, mudando todo o futuro do garoto e sua própria vida no presente. Então Vera parte para tentar descobrir o porquê disso tudo ter acontecido em sua vida.
É difícil e inevitável não criar um paralelo com o filme Alta Frequência (Gregory Hoblit), em que o personagem John Sullivan se comunica via um rádio velho com o seu pai com anos de distância entre os dois, fazendo um elo também entre futuro e passado. Essa questão de trabalhar o tempo como fator principal para a trama é algo que já foi visto em diversas produções e histórias do gênero, e quase sempre chamam a atenção por trazer tramas arrojadas, interessantes e empolgantes. Esse é o principal fator que faz com que Durante a Tormenta seja uma produção que vale a pena ser vista, por gerar curiosidade no público acerca de um tema que é de interesse geral.

A viagem no tempo apresentada no filme é o fator principal que faz com que a narrativa se movimente, fazendo com que a protagonista Vera se preocupe e tenha alguma relação com esse elemento físico. O longa não cai no erro de ficar preso a essa situação relacionada a questão temporal e desenvolve a narrativa sem a deixar cair em banho Maria, a trabalhando com inteligência e sem fazer com que o mistério fique de lado e não dar as respostas necessárias para todos os acontecimentos.
Essas respostas demoram em chegar, alguns momentos há tantas perguntas sem respostas que pode dar uma certa confusão no espectador. A principal resposta e que todos queriam descobrir é a respeito do raio, o que ele era e por que acontecia? Eis que para resolver essa charada colocam uma especialista para falar sobre o assunto, mas o feedback da escritora é tão frustrante que acaba gerando mais dúvidas. A partir do segundo ato o diretor escolhe deixar esse elemento do raio de lado, como se não fosse algo importante para a narrativa. Em certo momento essa questão é esquecida para focar mais no drama da protagonista, fazendo com que essa questão surgisse novamente no final e mostrasse que é sim um fator importante para a trama, sendo assim esse esquecimento momentâneo foi justamente para não ficar preso apenas a uma ideia e também para dar uma enganada no público.
Oriol Paulo é um diretor de grande futuro, suas duas produções anteriores mostram um estilo que com o passar do tempo só foi melhorando. Em O Corpo trabalha o caso de um corpo que desaparece de um necrotério, e em Um Contratempo aborda a história de um homem que junto com sua advogada tentam reconstruir passo a passo um acontecimento passado. Em ambas as produções, inclusive em Durante a Tormenta, há o cuidado em trabalhar a narrativa sem deixar pontas soltas ou perguntas sem respostas. Tudo que é mostrado tem um motivo, nada é jogado na cena sem algum propósito.

O suspense também é uma marca do diretor, que com um mistério bem dosado vai prendendo a atenção do espectador em querer desvendar aquela situação junto com os personagens. Isso torna Oriol Paulo um cineasta de grande futuro no cinema e que pode sim, algum dia, chegar ao nível de outros grandes diretores espanhóis, como Pedro Almodóvar (Fale com Ela) e Alejandro Amenábar (Tesis: Morte ao Vivo).
Os personagens são bem escritos e todos são aproveitados da maneira com que a trama pede. Até mesmo os personagens secundários ajudam no desenvolvimento da história, com os mistérios que giram ao redor deles e da protagonista Vera que se vê no meio de uma questão conturbada. O elenco é recheado de atores conhecidos dos amantes de cinema, como Chino Darín (A Noite de 12 Anos), Álvaro Morte (La Casa de Papel) e a própria Adriana Ugarte (Julieta) que é a alma do filme, sem sua interpretação possivelmente o filme não seria a mesma coisa.
Durante a Tormenta é um filme que irá intrigar e despertar a ânsia por descobrir as respostas que estão por trás de todo o mistério que cerca a produção. Não há muita ação em suas cenas e em alguns momentos o diretor parece se perder no ritmo que quer contar a história, mas isso é um fato que não atrapalha muito na hora de seguir a protagonista em sua árdua tarefa de descobrir como sua vida mudou da noite para o dia. Vale também por ser uma produção espanhola e diferente do que estamos acostumados a ver no cinema americano, em que muitas vezes a trama acaba caindo na mesmice de sempre, algo que não ocorre com esta produção espanhol.
Durante a Tormenta (Durante la Tormenta, Espanha – 2018)
Direção: Oriol Paulo
Roteiro: Oriol Paulo, Lara Sendim
Elenco: Adriana Ugarte, Chino Darín, Javier Gutiérrez, Álvaro Morte, Nora Navas, Miguel Fernández, Clara Segura
Gênero: Drama, Romance, Thriller
Duração: 128 min.
https://www.youtube.com/watch?v=DipMKbN6zxg
Crítica | The Dirt: Confissões do Mötley Crüe - O Rock retratado de maneira crua
O Mötley Crüe é uma das grandes bandas da história do rock, gerada nos anos 80, década em que o rock and roll via nascer as principais bandas de metal e de rock, como Iron Maiden, Guns N' Roses e Metallica, entre outras que mudaram o cenário do rock, trazendo mais peso para as músicas e moldando um comportamento que iria influenciar e muito diversas gerações. E o Mötley Crüe nasceu na época certa, marcando seu nome na história com canções icônicas e que alavancaram diversos fãs. A produção da Netflix, The Dirt: Confissões do Mötley Crüe é um grande acerto em meio a um gênero em que geralmente as biografias do rock não são um relato fiel dos fatos como aconteceram.
Em The Dirt a ideia é muito parecida com a do filme Bohemian Rhapsody. Os músicos do Mötley Crüe são os protagonistas, cada um sendo apresentado aos poucos para que o público vá conhecendo cada um daqueles personagens que para muitos são desconhecidos. Depois mostra todos os percalços pelo qual a banda passou, os traumas, os momentos divertidos, as festas e até o declínio com o uso de drogas por parte da banda. É uma estrutura narrativa que é bastante simples, mas que serve justamente para mostrar como viviam e como era a época em que tocavam.
Um dos principais méritos da produção dirigida por Jeff Tremaine (Jackass 3) é o de não ser uma biografia chapa branca, algo que Bohemian Rhapsody foi em não mostrar a fundo momentos mais conturbados da vida do cantor Freddie Mercury. The Dirt não se preocupa em cortar ou esconder situações que realmente ocorreram com o Mötley Crüe, uma banda que é conhecida não apenas pelas suas músicas, mas pelas festas e bizarrices que faziam por onde passavam.

O longa utiliza de cenas de nudez e de sexo para mostrar como os integrantes da banda usufruíam da fama. Há também muito uso de drogas por parte dos músicos e uma cena em especial chamou bastante a atenção do público por ser extremamente escatológica, que é a cena envolvendo o cantor Ozzy Osbourne que do nada começa a lamber sua própria urina. Tais situações são mostradas para que que todos entendessem que esse era o verdadeiro cenário do rock na época, por trás dos bastidores tudo acontecia e é um grande acerto mostrar tudo isso, sem se importar com a classificação indicativa da produção.
A reconstrução da época é muito bem feita, levando o telespectador a imaginar como era os anos 80 e como os integrantes da banda viviam nesse período. O sexo, a bebedeira, o uso desenfreado de drogas, tudo isso fez parte dos bastidores das grandes bandas de rock do período e o diretor, ao escolher mostrar tudo isso, faz algo que muitas produções que tinham como foco o cenário do rock dos anos 80 ficassem para trás. Uma delas é Rock Of Ages, com Tom Cruise e que foi um tremendo tiro no pé ao tentar transportar de forma superficial a época para os cinemas.
Os integrantes do Mötley Crüe, composto por Mick, Vince, Tommy, Nikki, já eram por si só personagens prontos para qualquer produção do cinema, cada um com uma característica diferente e todos com dramas pessoais dignos de um filme de Hollywood. Não é fácil entrar no papel de um astro do rock, ainda mais quando se tem uma das bandas mais famosas do Hard Rock como o foco central. Daniel Webber, Douglas Booth, Iwan Rheon e Machine Gun Kelly estão todos ótimos em seus personagens e a caracterização de todos convence muito bem. Se não ficaram parecidos, pelo menos ficaram com a aparência próxima a dos artistas originais.

Não é nenhuma surpresa que a trilha sonora tenha sido composta em sua maioria com músicas tiradas do repertório do próprio do Mötley Crüe. Fato que é sim interessante, já que os principais clássicos da banda são tocados, algo que também aconteceu em Bohemian Rhapsody. Mas há outras bandas famosas que compõem essa bela trilha sonora, bandas como Cinderella, Poison e Quiet Riot estão nela e só agregam para uma trilha que é imprescindível de ser ouvida pelos fãs do gênero.
Jeff Tremaine foi a escolha certa para dirigir The Dirt. Como diretor já fez inúmeras produções, e as mais famosas são os filmes zoeiros da franquia Jackass, em que os personagens faziam bizarrices atrás de bizarrices. Já que no longa o Mötley Crüe é o fator principal do roteiro e por ter uma trajetória parecida com a de que se vê em Jackass seria muito difícil de encontrar um diretor que desse o ritmo que a história necessitava. Como Jeff Tremaine já tinha experiência nesse tipo de produção acabou por se tornar a escolha óbvia. O diretor consegue manter o foco na trama, sem perder o fôlego e sem deixar cair a história, algo que pode acontecer no caso de começar a querer contar várias tramas e não resolver nenhuma. Jeff não deixa pontas soltas, sempre quando mostra a história pessoal de algum dos integrantes rapidamente as finaliza, dando um fim rápido a subtrama sem a estender, algo que poderia acabar tirando o foco real do filme ao chamar a atenção do público para algo sem relevância.
The Dirt: Confissões do Mötley Crüe não é apenas algo que os fãs da banda queriam ver sendo representado, mas também uma viagem aos anos 80. O intuito do filme é não apenas o de retratar o Mötley Crüe, mas também e principalmente o de mostrar a época em que estavam inseridos e como o período foi importante para o cenário do rock e para o nascimento de diversas outras bandas do gênero. Que venham outras cinebiografias ricas em conteúdo quanto essa foi e que toquem a fundo nos acontecimentos que realmente existiram, sem deixar nada de lado como se não tivesse acontecido.
The Dirt (The Dirt: Confissões do Mötley Crüe, EUA – 2019)
Direção: Jeff Tremaine
Roteiro: Amanda Adelson, Rich Wilkes, Neil Strauss, Nikki Sixx, Vince Neil, Mick Mars, Tommy Lee
Elenco: Machine Gun Kelly, Erin Ownbey, Douglas Booth, Aaron Jay Rome, Daniel Webber, Alyssa Marie Stilwell, Iwan Rheon,
Gênero: Biografia, Comédia, Drama
Duração: 107 min.
https://www.youtube.com/watch?v=-NOp5ROn1HE
Crítica | Free Solo - Vivendo no Limite
Em uma época em que os super-heróis predominam no cenário da cultura pop, com séries e filmes alavancando multidões aos cinemas, é natural que qualquer ato heroico ou de grande ousadia seja associado a algo feito por alguém de força inumana ou com habilidades para tal. E o documentário Free Solo (Elizabeth Chai Vasarhelyi e Jimmy Chin) vai justamente nesse cenário ao mostrar o alpinista de solo livre Alex Honnold fazendo feitos inimagináveis.
A trama segue Alex Honnold em sua jornada ambiciosa em subir uma rocha de granito chamada El Camp, nos EUA. Nisso o documentário vai mostrando toda a sua rotina de preparo, desde os testes com equipamentos para saber quais os melhores caminhos a percorrer pela grande pedra até várias outras subidas que Alex fez perante sua vida, isso para mostrar que o alpinista é alguém extremamente experiente e que já havia feito várias subidas tão perigosas quanto aquela que iria tentar realizar em breve.
Por se tratar de uma produção que faz um relato da realidade e não algo ficcional é natural que vá de encontro ao que acontece de verdadeiro na vida de Alex Honnold, entrando em sua vida privada e nos mostrando rapidamente sua infância, sua companheira de escaladas e algo fundamental para que ele se tornasse o grande alpinista que se tornou, que é a solidão. Vive recluso em seu trailer, viajando e desafiando todos os limites imagináveis. Rapidamente o documentário nos apresenta um parceiro seu de escalada que o ajuda na tarefa de treinar em El Camp até o tão esperado dia da subida sem equipamentos. Tudo isso é feito para dar um sentimento de proximidade e de conhecimento com aquele homem que até então era desconhecido para todos e o jeito com que a trama se desenvolve ajuda em dar esse sentimento de identificação com o telespectador, nos dizendo que ele é um humano como todos nós, mas que sonha em realizar um feito que vá além da imaginação.

Um dos problemas do documentário que pode ser mencionado é em relação ao jeito com que a narrativa é montada e apresentada pelos diretores. A princípio perde-se bastante tempo falando de quem é Alex, os perigos do free solo e o desafio de sua futura empreitada, mas não apenas nesses pontos a produção foca e perde-se algum tempo falando de questões que são irrelevantes para o telespectador, como a sua vida amorosa com a garota que conheceu e se tornou sua companheira de escalada. Entende-se que tais cenas são colocadas ali para construir o personagem, mostrar seu dia-a-dia é importante, mas são questões que são tratadas de forma tão maçante que torna o documentário chato em alguns momentos.
O ápice de Free Solo, como não poderia ser diferente, são os minutos finais em que mostram todo o processo de execução do que havia sido trabalhado até então. só que essa era uma parte essencial do documentário e esse trecho magnífico é mostrado de uma forma tão acelerada que chega a ser brochante. Por mais de uma hora falaram do tão esperado desafio e quando chega o momento dele fazer a escalada os diretores dão uma corrida e apresentam todo o trajeto que Alex percorreu, que durou mais de três horas, em um apanhado de minutos bastante frustrantes.
Free Solo desperta inúmeras sensações no público, justamente por trabalhar um tema que por si só já traz um sentimento de perigo e do quão tensa é aquela situação. Tal tensão e ideia de perigo é muito bem trabalhada pela produção que a todo instante lembra o quão dura é aquela tarefa e que qualquer erro o alpinista pode morrer. A subida final, sem cordas, apenas com as mãos é de um desespero tamanho que é difícil não sentir os efeitos da vertigem. Os ângulos escolhidos pelos diretores para colocar as câmeras ajuda em levar essa sensibilidade ao público de que a qualquer momento Alex pode cair da rocha.

O ser humano por si só já tem o sentimento quase inato do quão arriscado pode ser o desafio de Alex, que está tentando superar não apenas os limites da força, mas também a própria morte. Tal impressão é algo belamente espelhado no público, ao mostrarem no documentário diversas mortes de praticantes de Free Solo. Os diretores Jimmy Chin, Elizabeth Chai Vasarhelyi trabalham de forma muito inteligente a questão do medo e do pavor em que algo possa acontecer com Alex. Tal sentimento também foi muito bem desenvolvido no documentário O Equilibrista, em que Philippe Petit se equilibra entra as Torres Gêmeas do World Trade Center, nos EUA. Não a toa, tanto O Equilibrista quanto Free Solo receberam o Oscar na categoria de melhor documentário.
Free Solo é um bom documentário sobre os limites humanos e como com foco, dedicação e muita coragem é possível chegar ao tão almejado objetivo que é chegar ao fim da rocha. O feito de Alex Honnold pode ser equiparado ao do Homem-Aranha das histórias em quadrinhos da Marvel, tamanha foi a dificuldade de seu ato realizado e pela facilidade que aparentemente subiu o gigantesco lugar. Documentário da National Geographic é uma boa pedida para quem curte assistir produções do tipo e para quem, assim como Alex Honnold, tenham a necessidade de desafiar os limites.
Free Solo (idem, EUA – 2018)
Direção: Jimmy Chin, Elizabeth Chai Vasarhelyi
Elenco: Alex Honnold, Tommy Caldwell, Jimmy Chin, Cheyne Lempe, Mikey Schaefer, Sanni McCandless
Gênero: Documentário, Esporte
Duração: 100 min
https://www.youtube.com/watch?v=urRVZ4SW7WU
Crítica | O Mau Exemplo de Cameron Post - Um assunto importante, mas tratado de forma superficial
O Mau Exemplo de Cameron Post (Desiree Akhavan) é uma produção que trata de um assunto que vem ganhando bastante destaque no cinema que é a questão da cura gay e a violência com que esse método é empregado pelos centros que a propõem, algo que já foi debatido com êxito em Boy Erased: Uma Verdade Anulada e que também é o centro da discussão do longa de Desiree Akhavan.
O filme conta a história de Cameron (Chloë Grace Moretz) uma garota que é flagrada se relacionando com outra garota e é enviada para um acampamento que tem como propósito a cura gay por meio da religião. A partir do momento que a jovem é enviada para o local a diretora passa a se preocupar em mostrar todo o cotidiano da garota durante o período do tratamento, desde a sua chegada até os momentos de desespero pela situação que passa, mostrando como se Cameron estivesse mesmo em uma situação de cárcere privado, estando lá contra sua vontade. Diferente do que ocorreu em Boy Erased, em que o foco era não apenas a vida do protagonista no centro de cura, mas também com o convívio com seus pais, a diretora não pensa em trabalhar esse cenário no longa e não se dispõem a tratar da vida de Cameron fora do alojamento.
Isso torna o filme bastante superficial em tratar de um assunto que é o tema central da produção, que é a cura gay. Tal fato é retratado pelo ponto de vista dos jovens que estão ali e suas rotinas, mas não vai além disso. Não mostra um convívio externo e nem a relação dos personagens com seus pais, apenas há momentos em que é mostrado, via flashbacks, os acontecimentos que levaram Cameron até ali, mas nada muito aprofundado nem muito discutido. Nem sua relação com sua tia é muito debatido, apenas apresentado de forma rápida.

Por se tratar de um filme que aborda uma situação que realmente ocorre é de se pensar que o jeito com que a diretora iria tratar a trama seria pelo menos de modo intenso e emocionante, mas parece que Desiree não sabe ao certo qual caminho tomar com o longa. Primeiro que ao trabalhar o foco no tratamento da garota e ocultar sua vida antes de parar no local, acaba por perder o charme e uma interação com o público que faria com que o telespectador se inserisse com maior facilidade na história.
A cura gay em si poderia ter sido melhor aprofundada, não o seu significado e seus métodos, mas sim o propósito de um lugar como o apresentado no filme existir, isso do ponto de vista de quem criou o lugar e dos pais que colocam os filhos nesta situação. Não há uma discussão também na violência psicológica do tratamento com que os jovens são envolvidos, não há um rigor e truculência como o que é apresentado em Boy Erased, no qual tudo lembra mais um quartel militar que qualquer outra coisa. O Mau Exemplo de Cameron Post fica parecendo que é um acampamento para jovens e apenas isso, o que torna toda ambientação bastante fraca e tira o foco do real motivo dos jovens estarem ali.
O principal problema não é apenas tratar o assunto principal de modo superficial, mas também o de ter uma mensagem extremamente vazia, na qual a garota se vê sozinha no mundo e tendo que se conhecer em meio ao tratamento pelo qual tenta a desconstruir como pessoa. Cameron é uma garota que entende sua situação, mas que não se sente inserida naquele local e tem dificuldade para fazer amizades. A mensagem poderia ter sido melhor trabalhada e esse sentimento de solidão e de se sentir presa também é algo que não é tão bem desenvolvido assim.

Chloë Grace Moretz mostra ser uma atriz de grande talento e com um grande futuro pela frente. Sua interpretação, mesmo não sendo das melhores de sua carreira, ainda assim convence no papel da protagonista e passa todos os sentimentos que a personagem vivencia, desde o abandono a tristeza pela situação que passa. No longa, a atriz se permite trabalhar mais seu lado dramático, algo até então só presenciado em O Protetor, em uma personagem com pouco destaque, e em Carrie, no qual havia sido pessimamente dirigida por Kimberly Peirce.
Desiree Akhavan foi, provavelmente, escolhida para dirigir o longa por já ter trabalhado o tema da homossexualidade em outras produções que dirigiu, como a série Bissexual ou o longa Uma Boa Menina. É uma diretora que ainda tem muito a crescer, mas que já vai trilhando um caminho interessante e é um alívio ver uma diretora com a sua visão dirigindo um filme como Cameron Post.
O Mau Exemplo de Cameron Post é uma produção simples, mas bastante agradável de assistir, isso no sentido de não ter um roteiro confuso ou uma direção que atrapalhe o andamento da trama. Tudo no longa é feito com eficácia e há uma certa esperteza em não perder tempo com questões irrelevantes para a trama. Há uma falta de sutileza no jeito de se contar o filme, mas isso é um elemento que a diretora escolheu não colocar no filme para que não desse outro tipo de interpretação para a o que era contado. Resta saber se Desiree manterá o ótimo nível em futuras produções e que faça outros filmes tão interessantes quanto este.
O Mau Exemplo de Cameron Post (The Miseducation of Cameron Post, EUA – 2018)
Direção: Desiree Akhavan
Roteiro: Desiree Akhavan, Cecilia Frugiuele, Emily M. Danforth (Livro)
Elenco: Chloë Grace Moretz, Steven Hauck, Quinn Shephard, Kerry Butler, Dalton Harrod, McCabe Slye, Dale Soules, Sasha Lane
Gênero: Drama
Duração: 80 min
Crítica | Deixando Neverland - Relatos Perturbadores
Michael Jackson é um dos maiores cantores que já existiram e tem seu nome cravado na cultura pop, deixou um legado artístico impressionante que faz com que sua fama, mesmo depois de morto, continue ganhando proporções gigantescas. Quando se fala em Michael Jackson vem a mente grandes clássicos do cenário musical, como Thriller, Beat It, Black or White e Bad. Fora seus videoclipes belamente estruturados e que serviram de referência para muitas produções do cinema. Não apenas por seu legado que é lembrado, mas também pelas acusações de abusos sexuais supostamente praticadas pelo cantor pop em Neverland, e que foram feitas por crianças na época que era vivo. e que agora volta a tona com o documentário da HBO Deixando Neverland (Dan Reed).
A proposta do documentário, em primeiro momento, é falar da idolatria que os dois garotos e suas famílias tinham com Michael Jackson. Os protagonistas, tanto Wade Robson quanto Jimmy Safechuck, relatam de forma crua como o cantor pop teria supostamente abusado deles por anos em vários lugares diferentes, não apenas em Neverland, mas em hotéis também. Para dar maior veracidade ao que era dito pelos dois rapazes o diretor utilizou vasto material de arquivo, desde imagens reais do rancho Neverland e de Michael Jackson com as crianças, quanto a vídeos dos garotos dançando nas turnês entre muitos outros.
Dan Reed pensa bastante o jeito que vai contar a história, para isso começa a mostrar a rotina dos dois rapazes e de suas famílias, desde quando conheceram Michael Jackson até a relação dos dois com o cantor na adolescência. Mas o foco mesmo está na relação entre Jackson e as crianças, isso dito pelo ponto de vista de Wade e Jimmy. Uma das críticas feitas pelo documentário é em relação a família das próprias crianças, em relação a não suspeitarem de nada do que estaria acontecendo e de deixar os próprios filhos dias a fio com o cantor sem se preocupar se algo iria acontecer com as crianças. A produção pega pesado nessa relação dos pais e filhos, mostra a vaidade que tinham por ver os filhos se dando bem na carreira e conhecendo pessoas famosas.
Esse é apenas um dos muitos argumentos utilizados no documentário de 4 horas de duração, atira para todos os lados, apresentando várias histórias diferentes e sempre com a narração de todos os personagens envolvidos na situação. Justamente por tratar de vários assuntos é que ele se mostra problemático em relação a não provar com clareza o que aconteceu, apenas há relatos fortes e poderosos do que aconteceu, algo que dá margem para que muitas pessoas não acreditem no que Wade e Jimmy disseram.

Há um trabalho em fazer com que os argumentos apresentados fossem contestados como reais, pois quando Jimmy e Wade diziam algo logo colocam alguém da família - a mãe muitas vezes - para dar embasamento naquilo que foi dito pelos dois rapazes e fazendo com que a narrativa ficasse mais rica em relação a informações dadas do que acontecia em Neverland e em outros lugares nos quais o cantor levava as crianças. Outro acerto do documentário foi o de colocar cada personagem real em um ambiente diferente em que o outro estava, fazendo com que os entrevistados não soubessem o que o outro está falando. Enquanto os dois falavam havia uma complementação do que diziam com as imagens de arquivos, tanto vídeos quanto fotos, algo que acaba dando maior realidade para os argumentos de Jimmy e Wade e que acabam direcionando o documentário em contar toda a trajetória dos garotos ao lado de Michael Jackson.
Todos os relatos feitos por Wade e Jimmy sobre como conheceram Michael Jackson são apenas uma base para o que realmente viria pela frente. Como sem nenhum aviso surgem os primeiros comentários a respeito dos primeiros supostos abusos cometidos pelo cantor pop. Tanto Jimmy quanto Wade falam sobre seus dias em Neverland e em outros locais em que tinham relações sexuais com Michael, e durante as quatro horas do documentário o que surge são relatos e mais relatos a respeito dos acontecimentos em que os garotos estão envolvidos em práticas sexuais com o cantor.
São situações perturbadoras as que são relatadas por Jimmy e Wade, algo que dá força para a narrativa que trata sobre pedofilia, mas como dito acima, perde a força por não apresentar uma prova concreta que dê legitimidade aos argumentos dos dois. Há sim um vasto material em imagens que comprovam que Michael viviam com os dois quando crianças e com suas famílias e isso é algo a ser levado a sério. Há também um vazio em relação a produção não ter entrevistado nenhum funcionário de Neverland que pudesse relatar algo visto entre Michael e as crianças.
Assistir a Deixando Neverland é algo que pode ser comparado a um teste de resistência, levando em conta a sua duração de 4 horas. Um documentário que facilmente poderia ter se transformado em uma minissérie, isso se levar em conta o vasto material que o assunto poderia gerar. Por ser tão extenso é natural que a produção se torne chata e maçante em alguns momentos, principalmente na segunda parte do documentário em que falam das acusações em 2003 contra Michael Jackson e em um outro momento em que falam da relação entre as mães e os filhos.

Uma das perguntas feitas por muitos telespectadores antes de assistirem ao documentário é sobre a real motivação dos dois rapazes virem a tona apenas agora que o cantor já está morto e falar sobre os acontecimentos, nisso a produção tenta dar uma justificativa bastante rasa e rápida em relação ao assunto, mostrando o porque de os dois rapazes processaram Michael Jackson só depois de morto e porque de terem o defendido no julgamento feito que quase levou o cantor para a prisão.
Dan Reed é um diretor não tão conhecido pelo grande público e seus trabalhos não são tão primordiais nem ganharam a fama que Deixando Neverland conseguiu alcançar. O diretor já havia trabalhado com a linguagem do documentário em produções anteriores, como Terror em Mumbai (2009) em que fala dos ataques terroristas feitos em 2008. É de se imaginar que o foco dele seja em mostrar os acontecimentos em relação aos supostos abusos sexuais feitos por Michael Jackson em Neverland, só que ele perdeu a grande chance de ter ido além e tentado entrevistar outros personagens e não apenas Wade e Jimmy.
Leaving Neverland (nome original) é um documentário que vai muito na linha das produções que relatam acontecimentos e situações que aconteceram, mas o diretor claramente não sabe qual caminho tomar ao montar e filmar os relatos dos rapazes. Não crava, em quase nenhuma situação, que tal fato realmente aconteceu com certeza, fica apenas na parte do achismo, algo que não aconteceu com o documentário Icarus, em que é mostrado com força de provas como o governo russo fraudava o sistema de doping de seus atletas e fazendo com que o caso tomasse proporções gigantescas. Esse é um dos principais defeitos de Deixando Neverland, mas nem por isso ele perde sua força e sua relevância, até porque as acusações de abuso sexual são tão fortes e pesadas que deixam qualquer um com o estômago revirado só de as ouvir.
Deixando Neverland (Leaving Neverland, Reino Unido – 2019)
Direção: Dan Reed
Elenco: Michael Jackson, Macaulay Culkin, Wade Robson, Jimmy Safechuck
Gênero: Documentário, Biografia
Duração: 240
https://www.youtube.com/watch?v=R_Ze8LjzV7Q
Crítica | Maligno - Um terror sobrenatural sem surpresas
Se há um subgênero do terror que nunca sai de moda esse é o do terror sobrenatural, em que um espírito ou uma entidade demoníaca se apodera de algum corpo ou se utiliza de sua energia negativa para criar pânico e caos na vida dos envolvidos. Clássicos antigos como O Exorcista e mais recentemente Atividade Paranormal, souberam como ninguém criar medo com uma boa história e usando de elementos que criassem esse cenário assustador para a trama. Essa questão dos sustos (ou a falta deles) é apenas uma das coisas que mais chama a atenção em Maligno (The Prodigy).
Uma produção que tem como protagonista um garoto que assombra sua família por meio de uma dessas entidades que se escondem em um corpo e que tem como proposta o horror, falha feio em criar essa atmosfera assustadora. O principal defeito do filme é justamente a falta dos principais componentes desse subgênero. É um longa que tenta dar medo pelo suspense criado em torno do garoto, mas que não funciona, pois já se sabe que o menino é maldoso desde o início e ao criar todo um mistério acerca do que ele vai fazer é algo que não funciona, ainda mais que o próprio roteiro já pré mostra o que vai anteceder os acontecimentos.
Essa obviedade na construção do horror do roteiro tira bastante da carga assustadora que um filme desse poderia trazer ao público. Não é uma produção que o telespectador vá se assustar ou ter medo, até porque o foco do diretor Nicholas McCarthy (Pesadelos do Passado) é outro. A ideia é a de fazer uma produção com um pé no sobrenatural, mas com o foco em deixar claro que o garoto é um sociopata, uma criança que nasceu maldosa e por isso comete as diversas atrocidades apresentadas no longa.

Em muitos momentos não se sabe qual caminho que o diretor quer tomar, justamente por fazer com que o filme seja hora criminal hora sobrenatural. O roteiro se mostra confuso em não saber como resolver essas duas questões, mesmo o telespectador já sabendo qual o tema principal do filme e o que é essa tal energia que está no garoto e que o faz cometer tais atos. Essa falta de decisão em focar em algo fica bastante claro no primeiro e segundo ato, com a decisão já tomada no terceiro ato em que as situações se desenrolam.
Um fator que ajuda a matar o suspense da trama é o excesso de mistério em nos mostrar quem está praticando os atos estranhos na residência, algo desnecessário já que o próprio filme já nos mostrou que o garoto é maligno. Também há a questão em querer esconder os atos do garoto, não os mostrando muito explicitamente e deixando que tais práticas sejam melhores mostradas no ato final. Não há uma agilidade quanto a narrativa apresentada, tudo é mostrado com uma certa demora, algo que em algumas cenas dá certo sono.
Um acerto desta produção é a tentativa em evitar clichês famosos no gênero, na verdade chega até ser estranho não ver esses clichês usados a rodo, já que muitos deles caberiam em várias cenas que pareciam ter sido criadas para esse fim, mas que acabaram tomando outro caminho que não o da obviedade em relação a essas situações. O diretor parece não querer fazer com que o personagem cometa atos que já são esperados pelo público, mas acaba caindo nesses clichês justamente por não saber o que fazer com a história. É estranho dizer isso, mas tais clichês fazem falta em uma produção do gênero, ainda mais em alguns momentos em que se espera que eles apareçam.

Miles Blume (Jackson Robert Scott) é o menino antagonista, é um vilão ao estilo de Damien em A Profecia que era o mal em reencarnado, e também lembra a garota do filme a A Órfã. O trabalho de criação desse vilão é bem construído, primeiro ao mostrar um garoto inocente e simpático, mas que por trás daquela máscara existe um mal escondido e que precisa ser libertado para que as atrocidades sejam cometidas.
Não é algo novo colocar uma criança com cara de ingênua para cometer crimes. O Anjo Malvado (com atuação espetacular de Macaulay Culkin) já trazia uma criança extremamente maldosa como antagonista. Mesmo não sendo nada novo há de se dar o braço a torcer que crianças que cometem crimes sempre são uma solução para roteiros rasos, pois é só as colocar em cena cometendo algum crime que já facilita na hora de dar uma dinâmica para a história.
A mocinha da trama ou possível heroína é mãe do garoto, interpretada pela atriz Taylor Schilling que se sai bem como protagonista, consegue prender a atenção do público, mesmo não sendo uma personagem excelente. As cenas de investigação em que ela procura saber o que acontece com o filho são as mais interessantes do filme, e com sua atuação eficaz facilita em segurar a atenção do público em frente a tela.
Maligno não é um filme ruim, é apenas um longa que foi feito para apresentar um tema, mas que acaba por ficar preso nessa questão principal. Algo parecido ocorreu em A Órfã, em que todos queriam saber o que raios a garota tinha de errado. Em Maligno há a tendência de logo de cara já mostrar que há algo de errado há com o garoto e a partir de então fica preso em querer impressionar de alguma forma, algo que só acontece realmente nos últimos 20 minutos. Quem curte uma produção de suspense com crianças como foco principal da história não ficará decepcionado, agora quem procura se surpreender talvez não fique convencido com o que vai assistir.
Maligno (The Prodigy, EUA – 2019)
Direção: Nicholas McCarthy
Roteiro: Jeff Buhler
Elenco: Jackson Robert Scott, Taylor Schilling, Peter Mooney, Col Feore, Paul Fauteux, Brittany Allen, Paula Boudreau Elisa Moolecherry
Gênero: Horror, Thriller
Duração: 97
https://www.youtube.com/watch?v=GDOV4kMJ11I
Crítica | A Caminho de Casa - Uma cachorrinha fofinha em uma história morna
Filmes com cães como protagonistas por si só já tem um público cativo e chamam a atenção daqueles que gostam de tramas com esses animais tão inteligentes e dóceis. A Caminho de Casa (Charles Martin Smith) vai na onda dos longas com cachorros que pensam em voz alta, ou que acabam por se meter em várias confusões e quase sempre precisam passar por barreiras para sair vencedor de algum desafio.
O roteiro conta a história da cadela Bella que percorre um trajeto de mais de 600 quilômetros para reencontrar seus donos. Antes de colocar a cachorra em ação o diretor mostra Jonah Hauer-King (Lucas) a adotando e a criando desde pequena, para depois, por um motivo banal, a fazer ficar longe dos proprietários. Essa situação envolvendo Bella e o vilão da trama é algo totalmente mal desenvolvido e jogado e só serve para dar uma maior dramaticidade para toda a trajetória percorrida pela cachorra.
Charles Martin (Winter, o Golfinho) utiliza de elementos que deram certo em outras produções do gênero e as usa em excesso para criar uma atmosfera suave e mais humana nos acontecimentos que irão cercar a cachorra. O principal fator está em relação ao trajeto que a cadela irá fazer para reencontrar seu dono. O diretor coloca, por exemplo, Bella em perigo em diversos momentos para dar uma agitada na história e não se tornar algo extremamente chato o caminho de volta de Bella. O diretor a faz também encontrar um amigo improvável que terá como um verdadeiro irmão e juntos irão lutar contra diversos perigos.

Esses desafios impostos a Bella, em certo momento, se tornam extremamente repetitivos justamente por que o diretor ficou preso em criar uma trama em que as confusões a envolvendo são o principal elemento para a história. Não é um erro se repetir nem usar estrutura narrativa já vista em diversos filmes, mas usá-lo tendo uma cachorra como protagonista e sem nenhum personagem de carisma para ter por perto e que ajudasse a dar maior dinamismo e carisma para as cenas, ajuda em deixar o longa algo mais do mesmo. Esse caminho de redescoberta de Bella é tão insignificante e frágil que não prende a atenção do telespectador simplesmente por ele ser cheio de clichês do gênero.
Esse é o principal problema da produção. O retorno que acontece no segundo ato até uma grande parte do terceiro ato é bastante problemático, pelos motivos acima citados e por o diretor demorar demais em entrar na verdadeira história de retorno da protagonista. O roteiro todo é construído para chegar até o momento em que Bella é levada embora e foge para reencontrar seu dono. Esse retorno de Bella cria cenas bonitas pela beleza das paisagens insólitas, mas em contrapartida leva o telespectador ao sono. O longa começa de um jeito, apresentando os personagens e todo o convívio entre dono e cachorra e depois se transforma na tão batida idéia da cachorra que precisa voltar para casa. O pior é que Lucas e Terri (Ashley Judd) nem sequer aparecem mais, foram totalmente jogados de lado e esquecidos.
O destaque principal é a cadela Bella, justamente por isso que os outros personagens têm tão pouco destaque quanto a cachorra. O elenco além de ser reduzido é muito mal trabalhado, perde-se grande tempo no trunfo do retorno e os personagens que eram protagonistas acabaram se tornando personagens secundários, que apenas dão apoio para Bella. Diferente do que ocorrem em Quatro Vidas de Um Cachorro em que o protagonista é Dennis Quaid segura o filme com facilidade junto ao cão, consegue passar sensibilidade e humanidade para o público se emocionar com a história. Algo que não acontece em A Caminho de Casa, justamente por não ter personagens fortes por perto de Bella.
A cadela não segura a atenção do telespectador, falta carisma para a linda cachorrinha, diferente do que aconteceu em Sempre ao Seu Lado, em que o cachorro da raça Akita se sobressai na trama. O motivo de Bella se sair tão apagada em A Caminho de Casa não é por causa da cachorra em si, mas sim pela construção de todo o ambiente da trama. Demoram tanto para entrar no vilão e em seus desdobramentos que acaba por não ter uma sintonia uma situação com a outra, o vilão só volta a aparecer novamente próximo ao final do filme, um erro que acaba por diminuir toda a história.
A falta de uma mensagem clara atrapalha bastante na reprodução do que se quer passar na trama, tornando o longa vazio em trazer algo que realmente seja relevante. A mensagem é que os animais tem um laço com o seu dono que explica o apelido de melhor amigo do homem, mas isso é algo extremamente batido e que não tem uma profundidade como mensagem, algo que atrapalha bastante quando o foco é emocionar o público.
A Caminho de Casa é uma produção simples que irá agradar aos fãs de filmes de cachorros, não pela história em si, mas por ter uma cachorrinha linda como protagonista e que se destaca frente a todo o resto que é apresentado. É um longa bastante sessão da tarde e que deve fazer alguns se emocionarem e amarem a linda cadelinha Bella.
A Caminho de Casa (A Dog's Way Home, EUA – 2019)
Direção: Charles Martin Smith
Roteiro: W. Bruce Cameron (Livro), Cathryn Michon
Elenco: Ashley Judd, Jonah Hauer-King, Edward James Olmos, Alexandra Shipp, Chris Bauer, Barry Watson
Gênero: Aventura, Família
Duração: 96
https://www.youtube.com/watch?v=rhSKciA8erE
Crítica | Cinderela Pop - O repetitivo conto da princesa
Era uma vez uma princesa que se apaixona pelo príncipe... e o resto já sabemos mais ou menos como termina. Os contos de fada tratam, em sua essência, de assuntos que quase sempre se repetem em suas diversas versões, mudando apenas a lição de moral ou as situações em que as personagens estão envolvidas. Esse é o mote de Cinderela Pop, produção dirigida por Bruno Garotti (Eu Fico Loko) e que tem como objetivo recriar a história clássica da Cinderela e a trazendo para os dias atuais.
Na trama, Cintia Dorella (Maisa) é uma garota que se apaixona por um cantor famoso (Filipe Bragança) e precisa, para chegar ao seu objetivo de ser dj e reencontrar seu príncipe, passar por cima das maldades impostas pela madrasta má (Fernanda Paes Leme) e por suas duas filhas igualmente maldosas. É uma história bastante simples, óbvia e que nada tem de original em relação ao que outras produções do gênero já abordaram.
A releitura do clássico conto da princesa é inspirado no livro de Paula Pimenta e de mesmo nome. Talvez justamente por isso que o diretor tenha ficado preso em não fazer nada de novo, seguiu o roteiro do que foi criado no livro e acabou por não dar o seu toque na criação de algo mais original. Pegue a produção da Disney, Encantada, em que a personagem interpretada por Amy Adams acaba indo parar no mundo real, é o mesmo conto da princesa que já conhecemos mas que não se repete e consegue trazer uma história nova e inspiradora, algo que não acontece em nenhum momento com Cinderela Pop, que além de ser repetitivo no roteiro ao recriar o desenho da Disney é também esquecível em relação a sua história.

O pilar principal do longa é o conto de fada da garota e do garoto que se apaixonam a primeira vista, algo que poderia ser interessante se bem feito, mas que em Cinderela Pop acaba por mostrar o quão pobre é o roteiro. Não apenas por contar uma história que já estamos cansados de assistir, mas também por não trazer nenhuma mensagem relevante. O foco é apenas e inteiramente em contar o drama de Cinthia que não pode ser dj durante a noite porque o pai não permite que isso aconteça. Não há aprofundamento em relação a temas que poderiam ser importantes, como a amizade de Maisa com a sua amiga ou a relação complicada de sua personagem com a madrasta ou até mesmo a relação de pai e filha que é algo interessante de início, mas que depois se torna vazio. São temas interessantes, mas que não são bem trabalhados na trama, apenas abordados de modo superficial.
O que deixa a narrativa menos sonolenta é o humor espontâneo que em alguns momentos parece segurar o filme com as tiradas e situações envolvendo Maisa e Filipe Bragança, mas a partir do segundo ato o diretor tenta focar em um drama envolvendo a protagonista e não consegue mais sair desse ponto do roteiro. O drama, por sinal, é algo realmente problemático, sempre que há uma tentativa de se fazer emocionar o telespectador, o filme acaba caindo em sua pior armadilha que são os personagens extremamente fracos e nas situações pessimamente exploradas. O filme perde a oportunidade de fazer com que o telespectador se emocione em diversos momentos, parece não saber se quer fazer humor ou drama.
Em Cinderela Pop, quanto ao elenco, se salvam apenas Filipe Bragança e Giovanna Grigio com papéis medianos, mas com ótimas atuações. Filipe Bragança interpreta o príncipe cantor que se apaixona pela personagem de Maisa e por já ter uma bagagem como ator tira de letra o que o papel pede. Já Maisa ficou com a árdua tarefa de interpretar a princesa, que na realidade é uma garota que sonha em ser dj nas noites. Por ser uma protagonista o foco quase que inteiro está em sua personagem. Há de se frisar que se sai bem em um primeiro momento, mas a partir do segundo ato, quando começa a se desenvolver sua protagonista é que começa a se perceber que Maisa não tem força para segurar a história sozinha, por isso, a presença de Fernanda Paes Leme ajuda bastante para que o filme não se torne um fiasco total. Maisa se sai bem quando é ela mesma, mas quando tenta ser algo diferente acaba tendo uma atuação sem sal.

O elenco de apoio tem a missão de dar suporte para a dupla de protagonistas, mas o pouco tempo de câmera de todos acaba por não ajudar muito nessa questão. Fernanda Paes Leme faz a madrasta má e tem uma atuação bastante teatral, assim como todos os outros personagens. Marcelo Valle, o pai de Maisa no longa, também sofre dos problemas relacionados ao estilo de interpretação que marca a produção, teatral e novelesco, algo bastante problemático para um filme que tenta ser algo diferente do que já tem no cinema nacional. Giovanna Grigio está ótima e mostra porque pode vir a se tornar uma das grandes atrizes de sua geração, pena que seu espaço no filme não seja do tamanho de seu talento.
Questões como essas, da interpretação e da criação dos personagens, passam pela mão do diretor, que tem o trabalho de fazer com que a atuação do elenco seja a melhor possível e a de criar personagens que sejam os mais interessantes para segurar o público. As escolhas feitas em relação ao roteiro também atrapalham demais, ainda mais em relação a personagem de Maisa, que a partir do terceiro ato se torna totalmente obsoleta e perde espaço para o personagem de Filipe Bragança e de Fernanda Paes Leme.
Cinderela Pop vai muito na onda das produções teens que tenta se segurar em suas personalidades pops do elenco, tanto da internet quanto da tv, mas esquece o mais importante que é a história. Tentar fazer algo de diferente em um gênero com tantas produções sendo lançadas é algo complicado, mas isso não impede e nem impossibilita com que faça algo que não seja nem piegas e nem monótono, algo que o diretor Bruno Garotti não consegue fazer com a produção.
Cinderela Pop (idem, Brasil – 2019)
Direção: Bruno Garotti
Roteiro: Bruno Garotti, Flávia Lins e Silva, Marcelo Saback, Paula Pimenta (Livro)
Elenco: Maisa Silva, Filipe Bragança, Fernanda Paes Leme, Letícia Faria Pedro, Kiria Malheiros, Elisa Pinheiro, Giovanna Grigio, Miriam Freeland
Gênero: Romance, Família
Duração: 90
https://www.youtube.com/watch?v=_fdIB1tIJrY
Crítica | Querido Menino - O drama da dependência química
O vício pelas drogas é um tema bastante recorrente nas produções cinematográficas hollywoodianas, tanto em séries quanto em filmes. Histórias de pessoas viciadas já foram apresentadas dos mais diversos pontos de vista, sendo quase sempre mostrando como as drogas acabam com o circulo familiar dos envolvidos nesse drama ou como a dependência química acaba levando a pessoa para uma caminho sem volta.
É justamente este o caso de Querido Menino (Felix van Groeningen), em que um pai (Steve Carell) sofre o dilema de ter que lidar com a situação de ajudar o filho Nic (Timothée Chalamet) na luta diária contra o vício em anfetaminas. Um tema bastante sério e atual, tratado por Felix de uma maneira simples e dramática e que evoca o quão doloroso é a luta contra as drogas, e que não apenas o dependente químico sofre, mas também todos da família.
Praticamente toda a trama gira em torno da relação entre pai e filho e vai contando, em flashbacks, como era a relação dos dois antes do momento atual em que os dois se encontram, e depois corta para algum tempo mais a frente para dar uma dimensão de quão danoso foi o vício para o jovem Nic e para o pai. O jeito que essa relação é construída e desenvolvida é o que deixa o longa mais cativante e faz prender a atenção do público.
É um acerto o jeito com que o diretor trata essa relação entre pai e filho, nos mostrando o vínculo que os dois têm para depois nos contar como tudo vai mudando até chegar ao pior momento da relação, a ponto de não ser mais possível a interação entre os dois. Tudo é apresentado de uma forma muito ágil dando um tom dramático nos momentos que se pedia essa abordagem e trabalhando de uma forma sensível os diálogos, e assim construindo ainda mais a idéia inicial de bom relacionamento, para depois jogar que tudo se desmanchou por causa do uso em anfetaminas de Nic.
Outro acerto é contar a história quase que exclusivamente pela ótica do pai, acompanhando sua busca por entender o que são as drogas, quais as portas de entrada para esse mundo, além de mostrar suas várias tentativas em ajudar o filho. David Sheff, que é interpretado por Steve Carell, é um homem com um ótimo relacionamento com o filho, faz tudo por ele, tentando o ajudar das mais diversas formas. Isso é algo bastante interessante quanto a narrativa que foge do que estamos acostumados a ver em outras produções. Nico, o garoto, não é alguém que passou por uma infância traumática e que entra no mundo das drogas como válvula de escape. Aqui o diretor apresenta os fatos que levaram Nic ao seu estado atual. A mensagem do longa é a de ninguém está livre do vício das drogas, qualquer um pode entrar nele e depois para encontrar uma porta de saída é a coisa mais complicada de se conseguir.
Por ser uma produção em que o drama é uma constante, há um trabalho significativo em não deixá-lo com uma carga triste o tempo todo em Querido Menino . A idéia não é a de fazer o telespectador chorar e sim o de informar e mostrar a situação pela qual Nic e David passaram juntos. Ajuda bastante o fato do filme ser inspirado em uma história verdadeira, o que dá margem para sustentar a trama em fatos. O filme lembra bastante a produção Boy Erased, não em relação ao tema abordado, mas sim em como esse tema é passado para o telespectador.
Steve Carell (A Melhor Escolha) e Timothée Chalamet (Me Chame Pelo Seu Nome) estão ótimos como pai e filho. Tamanha é a sintonia entre os dois e tão bem desenvolvida que é apenas um ponto a mais em um filme com grandes acertos. Os dois personagens da trama não se perdem na interpretação em nenhum momento, pelo contrário, apenas acrescentam algo a mais ao filme. Steve Carell está melhor do que nunca como o pai que faz de tudo para ajudar o filho e Timothée, com uma de suas melhores performances, se sai com excelência no papel de filho que luta contra o vício.
Querido Menino não foca na violência física e brutal das drogas e sim na violência psicológica pela qual os familiares passam. Há algumas cenas que dão foco no que o garoto está passando, mas apenas para mostrar em como as drogas mudam uma pessoa para pior, isso em relação ao roubo, que geralmente, começam com pequenos atos criminais e depois passam para algo maior. A violência física não é necessária no longa, seria uma saída fácil para o diretor por dar mais ação e agilidade a trama, mas aí iria sair do foco real da história.
É uma boa produção que não apenas pensa em discutir o relacionamento dos pais quando presenciam a situação de ter um filho como dependente químico e qual a solução a ser encontrada para poder confrontar esse drama. Seu andamento, quanto a narrativa, é um pouco maçante em alguns momentos, mas isso não atrapalha em nada seu desenvolvimento. É uma boa história e que deve ser assistida e acompanhada por todos que curtem bons filmes.
Querido Menino (Beautiful Boy, EUA – 2018)
Direção: Felix van Groeningen
Roteiro: Felix van Groeningen, Luke Davies, David Sheff, Nic Sheff
Elenco: Steve Carell, Maura Tierney, Timothée Chalamet, Amy Aquino, Jack Dylan Grazer
Gênero: Biografia, Drama
Duração: 111
https://www.youtube.com/watch?v=GGIJJENXQlQ
Crítica | No Portal da Eternidade - A perfeição de um artista
Vincent Van Gogh é um dos grandes mestres do mundo das artes. Suas pinturas, na época que foram feitas, não chamaram muito a atenção do grande público e muitos dos críticos especializados não reconheciam nelas algo de espetacular. Por não se prender em um movimento artístico, Van Gogh acabava sendo deixado de lado e não era considerado um grande expoente entre os grandes pintores, algo que mudou algum tempo após sua morte.
Se há um artista que foi bastante retratado no cinema e na tv, esse é sem dúvida Van Gogh, desde filmes importantes como Sede de Viver (1956) à belíssima animação Com Amor, Van Gogh (2017). No Portal da Eternidade, do diretor Julian Schnabel é apenas mais uma das cinebiografias do pintor holandês que tenta desmistificar o fato do pintor ter recebido o apelido de louco e tenta humanizá-lo por meio de sua obra.
A trama conta a história de Van Gogh já a partir de certo período de sua vida adulta, em um momento em que já pintava quadros. Daí em diante o diretor nos mostra toda trajetória de Van Gogh até o dia de sua morte. Mas isso é feito de uma forma em que se cortam períodos da vida do pintor para dar maior agilidade ao filme, tais cortes são feitos de forma sútil, sem que se perceba que ele está sendo picotado para pular o tempo.

Não é um longa para qualquer um, já que não há ação ou correria em sua mais de uma hora. Por ser um filme artístico é natural que tenha uma história lenta quanto a narrativa, diferente do que o público está acostumado a assistir em produções blockbusters do tipo Vingadores e Velozes e Furiosos, em que a ação predomina para prender o público em frente a tela. Há alguns momentos em que o longa se torna bastante maçante, mas isso se dá pelo fato do diretor focar quase que inteiramente no processo de criação dos quadros do pintor holandês e em seus encontros com outras pessoas.
Julian Schnabel trabalha de forma sutil o cotidiano de Van Gogh, o mostrando hora em conversas com o também pintor Paul Gauguin, hora mostrando os raros encontros com seu irmão Theo van Gogh, que se torna uma figura importante nos últimos anos de vida de Vincent. O foco da produção, como dito acima, é o jeito com que Van Gogh encontra nas coisas mais simples da vida um motivo para pintá-las. Sua motivação é encontrar a beleza na natureza, como em uma raiz de árvore que poucos retratariam, ou em objetos e pessoas que retratava dos mais diversos jeitos. Alguns dos personagens que pintou aparecem no filme e é possível até realizar uma comparação dos personagens com as obras pintadas.
A sensibilidade de Van Gogh ao pintar, ao falar, e até mesmo ao se relacionar a outras pessoas foi passado para a tela com a belíssima interpretação de Willem Dafoe (Projeto Flórida). O ator está bastante seguro em seu personagem, interpretando um homem que se por um lado era um gênio também tinha seus momentos em que muitos definiam como uma loucura. Dafoe está melhor do que nunca, consegue segurar a atenção do público com facilidade, ainda mais que o filme é focado apenas em seu personagem.

Uma das maiores discussões quando se fala em Van Gogh é a respeito dele ser louco, situação essa que é bem recriada no longa, e o diretor dá margem para a discussão se ele era realmente louco ou se agia daquela forma apenas em algumas situações, e que muitas vezes eram interpretadas pela sociedade da época, como o caso dos garotos que mexem com ele no campo e na cidade. Também é retratado de forma sensível e crua a parte de sua vida em que o artista arranca sua própria orelha A cena em si não é mostrada, apenas tocam no assunto para focar na loucura dele e discutir se ele era realmente doido ou não.
A produção foca bastante no vazio existencial de Vincent que escolheu a solidão como estilo de vida. Vivia andando por lugares vastos e belos, mas que não havia uma alma viva para conversar. Preferia a solidão para criar suas obras e e nisso havia um contraste entre as paisagens lindíssimas e o modo como pintava. Esse contraste entre natureza viva e a solidão do pintor é uma grande sacada. Ao mostrar que apesar de Van Gogh parecer estar sozinho, na realidade, estava rodeado de muita vida, que na ocasião é a natureza e toda sua diversidade. São momentos que muitos vão achar bastante maçante pelo motivo de o diretor trabalhar com muita sutileza e sem pressa essas ações do personagem, algo feito com a finalidade de mostrar a rotina do pintor holandês.
No Portal da Eternidade é uma encantadora cinebiografia de um pintor que nasceu com o dom da criação e que deixou uma vasta obra para futuras gerações apreciarem. Van Gogh era um homem bastante criativo e que adorava pintar o simples e tal simplicidade foi muito bem reconstruída e adaptada para a produção que com certeza servirá para que o telespectador tente entender melhor a genialidade de Van Gogh.
No Portal da Eternidade (At Eternity's Gate, Suíça, Irlanda, França, EUA, Irlanda – 2018)
Direção: Julian Schnabel
Roteiro: Jean-Claude Carrière, Julian Schnabel, Louise Kugelberg
Elenco: Willem Dafoe, Rupert Friend, Oscar Isaac, Mads Mikkelsen, Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner, Niels Arestrup, Anne Consigny, Amira Casar
Gênero: Biografia, Drama
Duração: 111
https://www.youtube.com/watch?v=yAUqBqBO1QY
