Oscar 2018: Um Especial Bastidores | Volume IV | Categorias Principais
Chegamos à última parte do Especial Bastidores sobre o Oscar 2018!
Depois de atravessarmos as categorias de atuação, toda a produção técnica e as categorias sonoras, é hora de analisarmos as categorias principais, que envolvem os trabalhos de roteiro, direção e os da grande categoria dos prêmios da Academia.
Confira:
Melhor Roteiro Original
As boas ideias irão sobreviver - Quentin Tarantino
Corra!
Escrito por Jordan Peele
Descrito por muitos como um primo não muito distante de Além da Imaginação, a estreia de Jordan Peele como roteirista - que não por acaso, foi anunciado como showrunner do reboot da série antológica de Rod Serling - faz jus a essa definição, sendo o candidato que mais merece o título de "originalidade" dentro da categoria. Navegando com habilidade pelo terror e a comédia de humor negro, este último provocado pelo hilário Rod Williams de Lil Rel Howery, Corra! oferece também um comentário ácido sobre relações interraciais e até mesmo a hipocrisia de grupos liberais, sempre reforçando como "votariam em Obama uma terceira vez se possível", de forma a não fazer seu filme uma mera propaganda de um lado político. Não bastasse todas as delicadas relações familiares e entre um casal, Peele abraça o cinema trash de horror com a grande reviravolta envolvendo a família Armitage, isso sem perder todo o charme e construções anteriores. Um ótimo primeiro roteiro.
Quote: "Se eu pudesse, teria votado em Obama uma terceira vez!" - Dean Armitage
Doentes de Amor
Escrito por Emily V. Gordon e Kumail Nanjani
Admito que a história por trás de Doentes de Amor é muito, muito bonitinha. Emily V. Gordon e Kumail Najani realmente se conheceram da forma como é retratado no filme, e novelizaram toda a experiência no roteiro final, que agora é um dos indicados ao Oscar pela categoria. Deve ser algo realmente único para o casal, mas confesso que não fui um dos que abraçaram com louvor esta história de amor, que tem praticamente todos os clichês das demais. O que torna o texto mais original, acaba sendo a relação de Kumail com os pais de Emily, especialmente pela situação extremamente desconfortável e incomum na qual o personagem se encaixa, sendo o ex-namorado de uma moça em coma, e agora forçado a interagir com seus pais preocupadíssimos - Ray Romano e Holly Hunter são os pontos altos absolutos. Um roteiro divertido, mas que não grita originalidade. Mas há de se dar créditos pela piadinha com o 11 de Setembro.
Quote: "O 11 de Setembro foi uma tragedia. Perdemos 19 dos nossos melhores caras ali" - Kumail
A Forma da Água
Escrito por Guillermo Del Toro e Vanessa Taylor
Guillermo Del Toro nunca escondeu sua paixão pelos monstros clássicos da Universal, e o conceito de A Forma da Água é em si uma grande homenagem a O Monstro da Lagoa Negra. Até aí, tudo bem, já que diversos projetos premiados são concebidos sob o pretexto de homenagear outros artistas, mas o texto de Del Toro e Vanessa Taylor é realmente muito fraco. A trama é populada com todos os clichês possíveis para esse tipo de história, especialmente com os personagens unidimensionais e movidos por estereótipos maniqueístas, vide o vilão essencialmente mau e forçado de Michael Shannon, Octavia Spencer fazendo o mesmo papel de sempre no papel da "amiga apoiadora" ou todas as subtramas descartáveis, seja o papo de espionagem russa com Michael Stuhlbarg ou a repressão amorosa de Richard Jenkins, que garante uma cena embaraçosa onde seu pretendente se transforma radicalmente em uma caricatura maldosa no segundo em que sua investida é rejeitada. Isso pra não mencionar os diálogos pavarosos, com pérolas como "você estará vivendo em um universo paralelo... Um universo de merda". Realmente chocante ver um roteiro tão desastroso indicado.
Quote: "Sabe, o cereal de milho foi inventado para impedir a masturbação. Não funcionou." - Giles
Histórico de Indicações
Guillermo Del Toro
- Indicado como Melhor Roteiro Original por O Labirinto do Fauno, em 2007
Lady Bird: A Hora de Voar
Escrito por Greta Gerwig
É difícil pensar no que traz originalidade à Lady Bird. Já vimos esse tipo de história um milhão de vezes antes, já tivemos o arquétipo da adolescente espertinha e sagaz em um número até maior, e não é difícil prever os rumos que o roteiro de Gerwig toma ao longo do filme. Nós já vimos isso, e devo acrescentar que de forma melhor: o recente Quase 18 é um filme muito mais complexo e original, e infelizmente passou batido na última temporada de premiações. Porém, mesmo com tudo isso, é de se admirar a construção de Gerwig, que sempre parece pender para o clichê absoluto, mas acaba trazendo alguma surpresa: por exemplo, a relação de Lady Bird com sua mãe é apresentada como tumultuosa no começo, mas as duas acabam cobrindo isso com momentos de real ternura e afeto. Bird sempre parece se achar superior e mais inteligente a todos, mas o texto de Gerwig felizmente explora muitas de suas falhas e inseguranças, e seus diálogos são sempre muito bem humorados e com boas sacadas.
Quote: "Estamos em 2002. A única coisa emocionante desse ano é que é um palíndromo" - Lady Bird
Três Anúncios para um Crime
Escrito por Martin McDonagh
Após ter sido indicado por seu primeiro filme, o ótimo Na Mira do Chefe, Martin McDonagh retorna como um dos favoritos na categoria de roteiro com Três Anúncios para um Crime. E, de fato, que roteiro magistral. Não só a premissa de termos uma mãe solteira usando outdoors para provocar a ineficiência do departamento de polícia surge como um conceito original e contemporâneo, mas McDonagh constrói uma narrativa imprevisível e ousada, populando-a com figuras cheia de personalidades fortes e distintas. O policial Dixon, por exemplo, é um caso de um personagem controverso que passa por uma transformação arriscada e que gerou sua dose de (injusta) polêmica, já que temos uma figura racista que encontra uma forma de redenção - mesmo que McDonagh nunca o perdoe por suas ações. Todos têm sua parcela de podridão em Três Anúncios para um Crime, até mesmo a destemida Mildred Hayes, fruto de uma sociedade decadente e que representa o mais baixo do sul dos EUA. No mais, o trabalho de McDonagh é um misto perfeito de humor negro, drama e estudos de personagem radicais. O melhor roteiro da noite, sem dúvidas.
Quote: "Acha que eu me importo com dentistas? Eu não me importo com dentistas. Ninguém se importa com dentistas" - Willoughby
Percurso na Temporada
- BAFTA - Melhor Roteiro Original
- Globo de Ouro - Melhor Roteiro
Aposta: Corra!
Voto do Bastidores: Três Anúncios para um Crime
Esnobado: Trama Fantasma
Melhor Roteiro Adaptado
O desafio de se ser um roteirista é dizer muito com o pouco, e depois tirar metade desse pouco e ainda preservar um efeito de lazer e naturalidade - Raymond Chandler
O Artista do Desastre
Escrito por Scott Neustadter e Michael H. Weber, baseado no livro "The Disaster Artist: My Life Inside The Room, the Greatest Bad Movie Ever Made", de Greg Sestero e Tom Bissell
Nem mesmo Tommy Wiseau e Greg Sestero poderiam imaginar que um dia estariam fazendo um filme sobre a desastrosa experiência de se fazer The Room, e que este ainda seria indicado ao Oscar. Com uma carreira sólida em adaptar romances adolescentes para as telas, Scott Neustadter e Michael H. Weber oferecem um de seus melhores trabalhos com O Artista do Desastre, especialmente pela forma como conseguem captar a humanidade e o forte sentimento de amizade em Wiseau e Sestero, jamais usando-ou como um mero objeto a ser ridicularizado. A dupla ainda é capaz de manter toda aura de mistério em torno do excêntrico cineasta, além de não esconder seus inúmeros defeitos de caráter e o comportamento severo durante as gravações. A história também é bem estruturada, seguindo o padrão de longas sobre "ir à Los Angeles e perseguir seus sonhos" e também captando o processo de filmagem de um filme, rendendo personagens memoráveis e diálogos divertidos.
Quote: "O maior drama ja escrito desde Tennessee Williams!" - Tommy Wiseau
A Grande Jogada
Escrito por Aaron Sorkin, baseado no livro "Molly's Game: "From Hollywood's Elite to Wall Street's Billionaire Boys Club, My High-Stakes Adventure in the World of Underground Poker", de Molly Bloom
Aaron Sorkin talvez seja o melhor roteirista da atualidade. Cada projeto novo acaba nos presenteando com pérolas na arte de se escrever diálogos e definir arcos de personagens, bastando olhar para o primor de seus roteiros em A Rede Social, O Homem que Mudou o Jogo e a cinebiografia Steve Jobs. Em seu primeiro trabalho na direção, Sorkin escolhe um material saboroso e complexo com A Grande Jogada, contando a história intrincada de Molly Bloom e seus jogos de pôquer de alto valor no submundo de Los Angeles. É uma avalanche de nomes e situações, que - aliados à verborragia do autor - tornam a experiência de se acompanhar as regras do pôquer um tanto maçantes e cansativas, ainda que fique bem nítido o trabalho de pesquisa de Sorkin. O roteirista acerta quando volta sua caneta para o lado mais humano da história, ao manter duas pessoas em uma sala conversando da forma mais ácida e enfeitada possível, algo que temos muito no arco envolvendo o advogado de Idris Elba, e também eficiente relação de Molly com seu pai, na qual Sorkin enxerga o esqueleto de toda a história. Não é seu melhor trabalho, mas ainda mantém suas irrevogáveis qualidades.
Quote: "Sabe quantas bruxas eles queimaram em Salem? Nenhuma. Elas foram apedrejadas." - Molly Bloom
Histórico de Indicações
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- Indicado a Melhor Roteiro Adaptado (com Steven Zaillian) por O Homem que Mudou o Jogo, em 2012
- Venceu como Melhor Roteiro Adaptado por A Rede Social, em 2011
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Logan
Escrito por James Mangold e Michael Green, baseado nos personagens da Marvel
Grande surpresa da categoria, Logan marca a primeira vez em que um filme de super-heróis é indicado à categoria de Roteiro no Oscar, com apenas Marcas da Violência sendo um projeto adaptado de quadrinhos que já tinha conquistado feito parecido. Fugindo de todos os padrões de um longa do gênero, James Mangold e Michael Green oferecem um filme completamente diferente para servir de despedida ao Wolverine de Hugh Jackman, ignorando qualquer cronologia ou ligação com outros filmes dos X-Men, tendo uma história adulta e dramática em seu centro, relações difíceis entre personagens que acompanhamos a tanto tempo (Logan e Xavier, principalmente), além de um cenário pós-apocalíptico melancólico e explorado apenas através da sugestão. Não é um roteiro perfeito, afinal Mangold e Green lidam com exposição de forma um tanto desajeitada (o vídeo do celular da enfermeira jamais será esquecido) e pessoalmente ainda tenho meus problemas como o clone X-24, mas é bacana ver o gênero enfim reconhecido como algo além do que mera diversão escapista.
Quote: "A natureza fez de mim uma aberração. O Homem me fez uma arma. E Deus fez durar tempo demais" - Logan
Me Chame pelo Seu Nome
Escrito por James Ivory, baseado no romance "Call Me By Your Name", de André Aciman
A vitória do roteiro de Me Chame pelo Seu Nome é uma das babadas da noite, e não por acaso. Adaptando o romance de André Aciman, o cineasta James Ivory retorna aos prêmios da Academia como roteirista, contando uma história de amor cheia das convenções e estrutura que passamos a ficar acostumados, ainda mais tratando-se de um romance homossexual, mas o faz com muita sofisticação e personalidade. Aproveitando o cenário italiano e o meio artístico onde os personagens habitam, Ivory constrói diversos diálogos inteligentes e com boas citações, que vão das notas musicais de Bach até conceitos filosóficos de Heidegger, enriquecendo o pano de fundo da história de Elio e Oliver, que muitas vezes nos remetem às conversas de Jesse e Celine na trilogia Antes do Amanhecer. Mas, mais do que isso, Ivory mostra sua força no brilhante monólogo do personagem de Michael Stuhlbarg: uma verdadeira lição sobre a vida, o amor e os arrependimentos. Só por esse trecho, Ivory já merece triunfo sobre todos os outros indicados.
Percurso na Temporada
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- BAFTA - Melhor Roteiro Adaptado
- WGA - Melhor Roteiro Adaptado
- Critics Choice Awards - Melhor Roteiro Adaptado
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Histórico de Indicações
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- Indicado como Melhor Diretor por Vestígios do Dia, em 1994
- Indicado como Melhor Diretor por Retorno a Howards End, em 1993
- Indicado como Melhor Diretor por Uma Janela para o Amor, em 1987
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Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi
Escrito por Dee Rees e Virgil Williams, baseado no romance "Mudbound", de Hillary Jordan
Para estabelecer os conflitos que constituem o núcleo dramático e fazer o amplo retrato de uma sociedade multifacetada, o roteiro escrito pela própria cineasta ao lado de Virgil Williams aposta em discursos em off das várias personagens e numa narrativa fragmentada em diversos arcos dramáticos. Essas escolhas ousadas — que para um espectador indisposto a embarcar na história podem se tornar um suplício — garantem o sucesso do longa e fornecem à trama fortes camadas de densidade dramática, com todo o caráter trágico que acompanha embates sociais. A principal dessas camadas está relacionada com a solidão profunda de cada uma daquelas almas. Entretanto, não se trata de uma solidão física, já que, na maior parte do tempo, como os belíssimos planos gerais nos mostram constantemente (mérito do bom trabalho paisagístico da diretora de fotografia Rachel Morrison), as personagens se encontram juntas num recinto. O isolamento que as rodeia é diferente e tem a ver com a ruptura completa entre os indivíduos e a sociedade. De uma maneira ou outra, todas aquelas pessoas tiveram os seus respectivos futuros determinados por forças que estão fora do controle e que não apresentam relação alguma com os seus desejos mais profundos e íntimos.
Aposta: Me Chame pelo Seu Nome
Voto do Bastidores: Me Chame pelo Seu Nome
Esnobado: It: A Coisa
Melhor Diretor
Eu gosto de atuar, mais do que qualquer outra coisa, mas sabe... dirigir é legal - Tommy Wiseau
Guillermo Del Toro
Guillermo del Toro, como diretor, sabe muito bem criar imagens que valorizam todo o trabalho da direção de arte de seu filme, com planos que revelam tudo na medida certa. É preciso notar, também, como, em todo quadro, temos a presença de algo verde, seja no cenário ou no figurino das personagens, ponto que dialoga com a natureza aquática da criatura apresentada, remetendo-nos constantemente ao ambiente subaquático, que vemos na cena inicial do longa. Essa paleta esverdeada, porém, acaba cansando o olhar do espectador, que mais sente como se o recurso estivesse martelando repetidas vezes o que já sabemos. Além disso, o exagero do uso desses tons quebra de vez qualquer esperança que temos de acreditar nessa trama, que não mescla fantasia e realidade, sendo puramente fantasiosa, destruindo, de vez, qualquer tentativa de crítica por parte do roteiro.
Histórico de Indicações
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- Indicado como Melhor Roteiro Original por O Labirinto do Fauno, em 2007
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Percurso na Temporada
- DGA - Melhor Diretor
- BAFTA - Melhor Diretor
- Globo de Ouro - Melhor Diretor
- Critics Choice Awards - Melhor Diretor
Greta Gerwig
Lady Bird: A Hora de Voar
A indicação mais forçada da noite. Como diretora, Greta Gerwig faz um bom trabalho, mas nada que justifique a campanha exagerada para empurrá-la a uma indicação ao Oscar. É uma direção eficiente e que mantém um ritmo agradável, e a decisão de Gerwig em retratar os anos 2000 como um ambiente que parece saído dos anos 60 é interessante, quase como um filtro de vaselina que preenche a visão calorosa de sua protagonista – e, novamente, revela como a diretora olha para esse período como algo saudoso. Sua câmera não tem muitos invencionismos ou momentos memoráveis, com o maior destaque para um plano longo e na mão onde somos surpreendidos por uma reviravolta envolvendo o personagem de Lucas Hedges – excelente, mesmo em participação pequena-, e sua composição traz algumas pérolas; sendo o belo plano inicial uma perfeita metáfora visual para a relação de Lady Bird e sua mãe, representando o “passarinho no ninho”. Mas, novamente, é o tipo de trabalho que poderia ser comparado a um estudante acertando todas as questoes de uma prova, mas sem apresentar absolutamente nada de inovador ou especial.
Christopher Nolan
Dunkirk
É difícil de acreditar que esta seja apenas a primeira indicação de Christopher Nolan ao Oscar de Melhor Direção, uma conquista que o britânico já devia ter tido há muito tempo, mas que finalmente se concretiza com seu trabalho mais experimental e diferente em Dunkirk. Com inspiração assumida nas narrativas do cinema mudo, Nolan aposta em uma narrativa de poucos diálogos, personagens propositalmente vagos e um senso de imersão na história sem igual. O espectador se sente naquela situação, e também todo o desespero dos soldados anônimos presos naquela situação. Seja pelas câmeras subjetivas, o trabalho sobrenatural para conduzir as impressionantes sequências de aviação em aspecto IMAX, ou a atmosfera aterradora movida por um inimigo invisível, o trabalho de Nolan em Dunkirk talvez seja o seu melhor até então. Mesmo em uma escala menor, a grandeza não escapa a este brilhante cineasta. Em um mundo justo, este seria o favorito absoluto da categoria.
Histórico de Indicações
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- Indicado como Melhor Filme (com Emma Thomas) e Roteiro Original por A Origem, em 2011
- Indicado como Melhor Roteiro Original (com Jonathan Nolan) por Amnésia, em 2001
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Jordan Peele
Corra!
Logo de início, Peele, nos deixando completamente imersos através de um plano sequência com direito a troca de eixo, já nos apresenta a um dos principais pontos a serem enfrentados pelo protagonista ao exibir um diálogo entre um homem negro em um subúrbio com a pessoa do outro lado da linha telefônica a respeito do seu sentimento de deslocamento e confusão ao andar por aquela região. A partir daí, o diretor aposta em planos centralizados, com uso de recursos como o foreshadowing (a cena do cervo), a fim de criar uma atmosfera tensa, mas com toques de humor (na base do sarcasmo). Uma excelente estreia para Jordan Peele, que torna-se apenas a quinta pessoa a ser indicada como diretor, roteirista e produtor por seu longa de estreia.
Paul Thomas Anderson
Trama Fantasma
Que surpresa maravilhosa ver o nome de Paul Thomas Anderson entre os indicados! Mesmo que tenha sido por cima do excelente Martin McDonagh, infelizmente esnobado aqui. Na direção, PTA novamente demonstra seu domínio de mise en scene, e como seus quadros sozinhos contam a história, vide o importante ponto de virada onde conhecemos um novo lado de Reynolds Woodcock, resolvido em um unico plano simbolico. Parte do time da película em Hollywood, PTA mais uma vez abraça o 70mm a fim de garantir o grão mais forte e uma estética próxima ao cinema da década de 70. Curiosamente, Anderson não contou com um diretor de fotografia para o projeto, trabalhando a luz pessoalmente com o auxílio da equipe, e não creditando ninguém – nem ele mesmo – para essa função nos créditos. É um trabalho competente e que garante uma paleta de cores predominantemente fria e desbotada, com belos feixes de luz para ilustrar os processos criativos de Woodcock. Um dos trabalhos mais requintados do diretor, que parece imbativel.
Histórico de Indicações
- Indicado como Melhor Roteiro Adaptado por Vício Inerente, em 2015
- Indicado como Melhor Direção, Roteiro Adaptado e Filme (com JoAnne Sellar e Daniel Lupi) por Sangue Negro, em 2008
- Indicado como Melhor Roteiro Original por Magnólia, em 2000
- Indicado como Melhor Roteiro Original por Boogie Nights: Prazer Sem Limites, em 1998
Aposta: Guillermo Del Toro
Voto do Bastidores: Christopher Nolan
Esnobado: Luca Guadagnino, por Me Chame pelo Seu Nome
Melhor Filme
É isso o que eu gosto sobre o cinema. Ele pode ser bizarro, clássico, romântico. Para mim, o cinema é a coisa mais versátil que há" - Catherine Deneuve
Corra!
Produção de Sean McKittrick, Jason Blum, Edward H. Hamm Jr, e Jordan Peele
Corra! certamente é um filme divisivo. Caso o espectador não esteja disposto a aceitar a simples proposta de Jordan Peele de se divertir com o gênero com elegância e olhar de forma mais atenciosa valorizando a crítica social, a obra pode não passar, aparentemente, de um raso e previsível conjunto de clichês que carece de contemplação e uma história mais aprofundada. Entretanto, para aqueles que se encantaram com o conceito e se pegaram imersos antes do desbandar para o escapismo, o longa, além de entretenimento relevante, serve como um exemplo de estudo de manipulação e agilidade de estrutura na tentativa de misturar elementos de gêneros vizinhos com sucesso. Há tempos eu não via uma estreia de diretor fora de sua zona de segurança tão precisa, arriscada e, ao mesmo tempo, confortável. (Leandro Konjedic)
O Destino de uma Nação
Produção de Tim Bevan, Eric Fellner, Lisa Bruce, Anthony McCarten e Douglas Urbanski
O Destino de uma Nação é, em sua maior parte, satisfatório. Com o brilho de um elenco incrivelmente confortável dentro do escopo narrativo, Wright consegue mais uma vez firmar seu nome na indústria do entretenimento, ainda que a completude da obra esteja manchada por algumas investidas equivocadas e que se mostram destoantes de sua mensagem final. De qualquer modo, não espere ver toda a visceralidade da II Guerra Mundial aqui, mas sim uma perspectiva infelizmente tragicômica sobre um dos nomes mais controversos de todos os tempos. (Thiago Nolla)
Dunkirk
Produção de Emma Thomas e Christopher Nolan
A cada filme, Christopher Nolan rejuvenesce. Parece mais apaixonado do que nunca em realizar grandes feitos cinematográficos, filmes que desafiam a própria condição da linguagem, que consigam transcender a bidimensionalidade do exercício de assistir a um longa-metragem. Em Dunkirk, o pacote é completo e aprimorado. O domínio é assustador. O coletivo é louvado. Todas as peças desse enorme jogo têm função primordial – principalmente os elementos sonoros que andam tão chutados e mastigados pela grande indústria em usos acovardados na encenação. Pelo grande Cinema, pelas grandes histórias, nós nunca nos renderemos. (Matheus Fragata)
A Forma da Água
Produção de Guillermo Del Toro e J. Miles Dale
A Forma da Água nos leva de volta à questão do filme como forma sem substância – o diretor até tenta tecer críticas ao american way of life, ao machismo, homofobia, dentre outras questões, mas acaba superlotando seu enredo, esquecendo do que efetivamente importa: construir uma boa história, com bons personagens. Sem qualquer cuidado com o lado “real” da trama, com tudo beirando a total artificialidade, a obra mais soa como uma falha tentativa de repetir a fórmula de O Labirinto do Fauno – o resultado é algo vazio, com visual que rapidamente perde nossa atenção, soando como se Guillermo del Toro tivesse apenas preocupado em criar algo “oscarizável”. Isso tudo sem levar em consideração as acusações de plágio, que, se forem levadas em conta, destroem essa obra por completo. (Guilherme Coral)
Lady Bird: A Hora de Voar
Produção de Scott Rudin, Eli Bush e Evelyn O’Neill
Uma estreia sólida na direção, Lady Bird é um filme que agrada pelas performances e o humor de seu texto, mesmo que não traga realmente nada de novo e digno de grande destaque. Greta Gerwig comprova seu talento como roteirista, e Saiorse Ronan lidera um elenco fantástico que faz a valer a visita, mas que no fim acaba nos fazendo perguntar o que exatamente ocorreu de tão marcante. O filme mais superestimado da noite. (Lucas Nascimento)
Me Chame pelo Seu Nome
Produçaõ de Peter Spears, Luca Guadagnino, Emilie Georges e Marco Morabito
Estética e narrativamente, Me Chame Pelo Seu Nome é um filme relativamente satisfatório, ainda que se valha de clichês para compor uma narrativa com potencial imenso. Entretanto, não podemos tirar o valor pessoal e subjetivo dessa história de amor em relação ao seu público-alvo e até mesmo aqueles que necessitam de visibilidade para comporem seu individualismo e se sentirem realmente pertencentes à sociedade em que vivem. (Thiago Nolla)
The Post: A Guerra Secreta
Produção de Amy Pascal, Steven Spielberg e Kristie Macosko Krieger
Em tempos onde a liberdade de imprensa é um assunto cada vez mais relevante, Steven Spielberg faz com The Post: A Guerra Secreta um registro importante e eficiente, e surpreendentemente atual, contando com uma execução primorosa, um roteiro conciso e um elenco estelar que pode se destacar como um dos melhores que o diretor já reuniu em sua carreira. Um belo filme, e mais uma importante ode à liberdade da imprensa.
Trama Fantasma
Produção de JoAnne Sellar, Paul Thomas Anderson, Megan Ellison e Daniel Lupi
Definitivamente um dos trabalhos mais sofisticados e maduros do diretor, Trama Fantasma é um filmaço que explora temas conhecidos de uma forma original e incapaz de ser prevista. Com um elenco afiado, um roteiro acertado e a condução sempre magistral de PTA, esta é uma obra tão bem refinada e costurada que até mesmo Renyolds Woodcock ficaria impressionado – e conhecendo-o, certamente correria para tirá-la de da presença de outros filmes Hollywoodianos, por temer não merecê-la. (Lucas Nascimento)
Três Anúncios para um Crime
Produção de Graham Broadbent, Pete Czernin e Martin McDonagh
Não é exagero dizer que Três Anúncios Para um Crime é o melhor longa de Martin McDonagh. E essa constatação não se dá apenas em razão da evidente melhora técnica, mas também por causa do equilíbrio que existe entre a comédia e o drama, um elemento vital para que se concretize o objetivo do diretor: entregar uma obra viciante em que todas as expectativas são quebradas, cuja trama te leve a lugares impensáveis e através da qual o público entre em contato com emoções genuínas e fortes. Em suma, um filme engraçado e emotivo, perfeito para rir e chorar.
Aposta: A Forma da Água
Voto do Bastidores: Dunkirk
Esnobado: Eu, Tonya
Oscar 2018: Um Especial Bastidores | Volume III | Sons & Música
Sejam bem-vindos à terceira parte do especial do Bastidores sobre o Oscar 2018!
Assim como nos volumes anteriores, analisaremos cada candidato das respectivas categorias, desta centrando-se na complicada arte da sonoplastia – um assunto que nem mesmo os votantes da Academia entendem muito bem, mas fizemos o nosso melhor para tornar o assunto claro e compreensível para todos.
Melhor Edição de Som
O som é uma enorme influência na atenção das pessoas – Walter Murch
Blade Runner 2049
Mark Mangini e Theo Green
Os filmes de Denis Villeneuve sempre são requintados quando o assunto é som, não por tanto, o trabalho anterior do diretor (A Chegada) acabou premiado nesta categoria no ano passado. Para encarar o mundo futurista e cyberpunk de Blade Runner 2049, os sonoplastas Mark Mangini e Theo Green oferece uma abordagem bem naturalista e nítida: notem no som claro e vívido da panela com água borbulhando durante o diálogo entre K e Sapper Morton na primeira cena. Ainda temos o design criativo dos Spinners, dos inúmeros dispositivos digitais daquele universo (portas, mecanismos, os hologramas de Joi) e o poderoso canhão de mão de K, que ganha um tratamento memorável graças a seu som elevado, captado de um rifle sniper. Nunca soa como algo que já ouvimos, e
Dunkirk
Alex Gibson e Richard King
Dizem que quanto mais alto é um filme, maior suas chances de faturar o Oscar nesta categoria. Bem, novamente Richard King (ao lado de Alex Gibson) entrega um trabalho digno da grandiloquência de Christopher Nolan, agora usando seu domínio do som para colocar o espectador dentro da evacuação da praia de Dunkirk. Logo na primeiríssima cena, quando somos pego de surpresa pelos barulhos assustadores de tiros, que parecem mais naturais e não muito "hollywoodianos", já sentimos que King e Gibson estão atrás de uma abordagem mais realista e impactante. Explosões, torpoedos, as ondas do mar e o motor assustador dos aviões alemães são outros elementos que merecem destaque, com a experiência de se assistir Dunkirk em um cinema apropriadamente equipado sendo uma das melhores que o espectador pode ter - e a edição de som é um dos grandes responsáveis por tal feito.
Em Ritmo de Fuga
Julian Slater
Este é um filme que simplesmente depende de seu trabalho sonoro para funcionar, ainda que o grande mérito esteja mais relacionado com a categoria de mixagem. Dito isso, a edição sonora de Em Ritmo de Fuga acerta em todos os elementos que poderíamos esperar de um filme de ação heist: tiros, explosões, motores de carro potentes e batidas. O fato de o protagonista ter o hobby de gravar conversas e criar remixes em cima também rende um trabalho divertido por parte de Julian Slater, que edita e modifica peças de diálogo para criar um rap eletrônico. Um trabalho muito eficiente, mas o ouro está logo a vir.
A Forma da Água
Nathan Robitaille e Nelson Ferreira
Se há um elemento que os sonoplastas adoram reconhecer nas indicações desta categoria, ele é água. E com o novo filme de Guillermo Del Toro sendo justamente sobre o romance entre uma mulher muda e uma criatura marinha, já era de se esperar que ele figurasse aqui. É um trabalho competente, com os sons da criatura anfíbia - especialmente sua habilidade especial em relação ao tato - rendendo o aspecto mais criativo de Nathan Robitaille e Nelson Ferreira. Vale destacar também as sequências situadas embaixo da água, sempre um inferno de captação e que requerem muito trabalho de ADR na pós-produção, algo que A Forma da Água realiza bem. Porém, não acho um trabalho digno de indicação.
Star Wars: Os Últimos Jedi
Ren Klyce e Matthew Wood
Star Wars é sempre sinônimo de sons inesquecíveis, e o veterano da franquia Matthew Wood (que também emprestou sua voz ao General Grievous) tem ao seu lado um dos melhores e mais criativos sonoplastas da atualidade: Ren Klyce, responsável pelo trabalho sonoro nos últimos filmes de David Fincher. Em Os Últimos Jedi, novamente somos apresentados a novos mundos, veículos e personagens, cada um rendendo uma identidade sonora marcante. Por exemplo, o motor tranquinado dos Ski Speeders durante a batalha no planeta de Crait, o dialeto alienígena das diferentes espécies no cassino de Canto Bight e as poderosas armas dos Guardas Pretorianos do Líder Supremo Snoke, estes últimos rendendo um trabalho de gênio pela forma como bloqueiam os sabres de Luz de Rey, levando Klyce e Wood a experimentar variações sonoras nunca antes ouvidas para a arma dos Jedi. Além disso, é um dos filmes com maior número de elementos na mesma batalha, rendendo uma paisagem sonora incrível durante as cenas espaciais.
Aposta: Dunkirk
Voto do Bastidores: Dunkirk
Esnobado: Mãe!
Melhor Mixagem de Som
Mixagem não é ciência de foguete. Eu diria que está mais próximo do voodoo - Dave Rat
Blade Runner 2049
Mac Ruth, Ron Bartlett e Doug Hephill
Atmosfera é um dos fatores mais importantes de Blade Runner, e a mixagem sonora do filme de Denis Villeneuve desempenha um papel essencial para que essa atmosfera seja criada. Com tons musicais que emulam a trilha de Vangelis para o original, o som diegético se mistura com o não-diegético, ao passo que os tons mais eletrônicos (com toques de música clássica), por vezes, escondem-se em meados aos efeitos sonoros, sejam eles os de carros voadores, ou os de tiros, ou das ruas da Los Angeles de 2049. Mais que isso, os muitos momentos de silêncio da obra são frequentemente interrompidos pela estrondosa trilha, volume elevado que funciona para garantir o tom de urgência de determinadas sequências. No fim, o que ganhamos é um mergulho nesse universo cyberpunk, que se coloca em pé de igualdade com o primeiro filme.
Dunkirk
Mark Weingarten, Gregg Landaker e Gary A. Rizzo
Se cada camada de som de Dunkirk já é ensurdecedora, imaginem a paisagem sonora completa feita pelo time de mixadores. Todos se lembram da polêmica de Interestelar, onde Nolan deliberadamente deixou a música de Hans Zimmer mais alta para ofuscar diálogos, algo que acontece de forma mais discreta aqui - a ausência de diálogos possibilita tal feito. A trilha de Zimmer traz um constante tique-tac de relógio que sempre demarca o fator urgente da evacuação, e a forma como este se manifesta durante as diferentes sequências de ação só as tornam mais desesperadoras, e outros elementos musicais da trilha também mesclam-se com os efeitos sonoros, especialmente durante as cenas de bombardeio e o resgate na água coberto de óleo, onde a orquestra de Zimmer assemelha-se à de um alarme ecoando. Mais imersivo do que o que sentimos aqui, impossível.
Em Ritmo de Fuga
Mary H. Ellis, Julian Slater e Tim Cavagin
Agora sim. Em Todo Mundo Quase Morto, já havíamos visto como Edgar Wright era capaz de sincronizar uma cena de ação com uma música pop de fundo, e o diretor leva esse conceito para Em Ritmo de Fuga, que acaba usando essa tática musical durante praticamente toda a sua duração. Cada corte, movimento e ação acaba com algum trecho de uma música em fundo, o que é um trabalho de mixagem que merece ser aplaudido de pé. As sequências envolvendo "Tequila" e "Hocus Pocus", em especial, são sensacionais da forma como sincronizam os sons de tiros, metralhadoras, e corpos caindo no chão com as batidas diferentes de ambas as músicas. Ainda sobre a natureza do protagonista, Baby tem um zunido que constantemente interfere em sua audição, e podemos ouvi-lo discretamente nas cenas sem a presença de música. Um trabalho excepcional, e digno da vitória.
A Forma da Água
Glen Gauthier, Christian Cooke e Brad Zoern
Embora não seja um musical, A Forma da Água certamente presta homenagem à Hollywood clássica, com aspectos claramente inspirados no all singing, all dancing. Explorando todo o romantismo da obra, a trilha de Desplat desempenha um papel essencial, garantindo o toque fantasioso, muitas vezes até nos fazendo esquecer das raízes mais sombrias do diretor. A mixagem de som do longa, pois, segue essa via mais musical, buscando sempre trazer uma melodia de fundo, não em volume elevado como é o caso de Dunkirk, mas criando aquele acompanhamento constante, que muitas vezes se torna o único som presente em cena. Claro que devemos levar em conta toda a construção vocal da criatura, que fala por si só, ecoando, à princípio, nos ambientes para, depois, atingir uma escala menor, mais "humana", permitindo, assim, que toda a relação entre os dois seja vista com um pouco mais de naturalidade, ponto que, claro, é apoiado pela já mencionada trilha sonora.
Star Wars: Os Últimos Jedi
Stuart Wilson, Ren Klyce, David Parker e Michael Semanick
Ren Klyce também está indicado pela mixagem de Os Últimos Jedi, ao lado de um time impecável que inclui Stuart Wilson, David Parker e o sempre indicado Michael Semanick. Comentei no setor de edição sonora que o Episódio VIII é um dos filmes com maior número de elementos diversos nas cenas de batalha, e logo na abertura, durante a evacuação de D'Quar, já temos um trabalho de mixagem notável com a quantidade de caças, veículos e cruzadores espaciais, contando também com as vozes de Poe Dameron no cockpit e a General Leia em seu comunicador. Porém, o que chama mais atenção na mixagem do filme, é justamente quando a equipe aposta no menos: o momento em que Poe testemunha a explosão da frota de bombardeios tem a paisagem sonora isolada - mantendo apenas a trilha sonora de John Williams -, todas as conexões de Kylo Ren e Rey ganham uma sutil diminuição dos sons ao seu redor antes do diálogo começar, e talvez o mais memorável de todos seja quando a Almirante Holdo lança seu cruzador contra a frota da Primeira Ordem, rendendo um raro momento de silêncio em Star Wars. Menos pode ser mais, e a mixagem de Os Últimos Jedi acerta em cheio nisso.
Aposta: Dunkirk
Voto do Bastidores: Dunkirk
Esnobado: The Post: A Guerra Secreta
Melhor Trilha Sonora
A trilha é o elo de comunicação entre a tela e a plateia, saindo pra fora e envolvendo todos em uma única experiência – Bernard Herrmann
https://www.youtube.com/watch?v=n1VJ39nVIBk
Dunkirk
Trilha original composta por Hans Zimmer
Quando Hans Zimmer e Christopher Nolan trabalham juntos, é sempre garantia de um resultado especial. Já haviam explodido as caixas de som com A Origem, tirado a poeira de grandes órgãos de igreja com Interestelar, e agora criam algumas das peças musicais mais intensas e perturbadoras dos últimos tempos. Passando pelo terror, pelo drama e pelo espetáculo de ação, a música de Dunkirk é praticamente um personagem, com o tic tac de um relógio acelerado acompanhando a maioria das faixas, e provocando a imersão definitiva nessa história incrível. Além disso, a faixa Variation 15, que contou com autoria de Benjamin Wallfisch, é de uma beleza incomparável.
Histórico de Indicações
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Interestelar, em 2015
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por A Origem, em 2011
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Sherlock Holmes, em 2010
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Gladiador, em 2001
- Indicado como Melhor Trilha Sonora de Comédia (com Stephen Schwartz) por O Príncipe do Egito e Melhor Trilha Sonora Dramática por Além da Linha Vermelha, em 1999
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Melhor é Impossível, em 1998
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Um Anjo em Minha Vida, em 1997
- Venceu como Melhor Trilha Sonora por O Rei Leão, em 1994
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Rain Man, em 1989
https://www.youtube.com/watch?v=HA8dDFFvOUw
A Forma da Água
Trilha original composta por Alexandre Desplat
Favorito absoluto da categoria, Alexandre Desplat injustamente vai faturar seu segundo Oscar. Por mais que seja uma trilha com momentos belos e um refinamento notável, são acordes clichês e que remetem demais a outros trabalhos, algo que ironicamente mostra-se típico de A Forma da Água, uma grande miscelânea de referencias e "homenagens". Nesse quesito, a música de Desplat parece uma versão reciclada daquela vista em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, com inexplicáveis instrumentos franceses tomando conta da partitura principal (mesmo que a Franca nao tenha a menor participação na narrativa). Pior ainda e o tema principal, que aposta em uma rendição mais "fabulesca" e esquisita de uma flauta, soando como uma versão perturbada de Bob Esponja. Vai ser uma vitória difícil de engolir.
Histórico de Indicações
Venceu como Melhor Trilha Sonora por O Grande Hotel Budapeste, e indicado por O Jogo da Imitação, em 2015
Indicado como Melhor Trilha Sonora por Philomena, em 2014
Indicado como Melhor Trilha Sonora por Argo, em 2013
Indicado como Melhor Trilha Sonora por O Discurso do Rei, em 2011
Indicado como Melhor Trilha Sonora por O Fantástico Sr. Raposo, em 2010
Indicado como Melhor Trilha Sonora por O Curioso Caso de Benjamin Button, em 2009
Indicado como Melhor Trilha Sonora por A Rainha, em 2006
https://www.youtube.com/watch?v=N8ue_5T4fMk
Star Wars: Os Últimos Jedi
Trilha original composta por John Williams
Já esperava que John Williams fosse figurar no Oscar, mas fiquei positivamente surpreso ao descobrir que sua 51ª indicação se deu não por The Post: A Guerra Secreta, mas por Os Últimos Jedi. Williams e Star Wars sempre representa uma combinação perfeita, e no caso do Episódio VIII, o resultado foi ainda mais satisfatório do que aquele visto com O Despertar da Força. Fazendo bom uso dos temas clássicos e daqueles desenvolvidos no filme de J.J. Abrams, a música de Os Últimos Jedi é maravilhosa, abraçando o épico, a diversão e também a escuridão que permeia seus personagens, além de apresentar novos temas com potencial para tornarem-se icônicos, desde a variação do jazz da cantina temperado com uma rendição discreta de Aquarela do Brasil para Canto Bight, até um tema mais trágico e místico para Luke Skywalker. Um mestre nunca é superado.
Histórico de Indicações
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Star Wars: O Despertar da Força, em 2016
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por A Menina que Roubava Livros, em 2014
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Lincoln, em 2013
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por As Aventuras de Tintim e Cavalo de Guerra, em 2012
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Munique e Memórias de uma Gueixa, em 2006
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, em 2005
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Prenda-me se for Capaz, em 2003
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por A.I. - Inteligência Artificial e Harry Potter e a Pedra Filosofal, em 2002
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por O Patriota, em 2001
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por As Cinzas de Ângelo, em 2000
- Indicado como Melhor Trilha Sonora Dramática por O Resgate do Soldado Ryan, em 1999
- Indicado como Melhor Trilha Sonora Dramática por Amistad, em 1998
- Indicado como Melhor Trilha Sonora Dramática por Sleepers - A Vingança Adormecida, em 1997
- Indicado como Melhor Trilha Sonora Dramática por Nixon, Melhor Trilha Sonora de Comédia e Melhor Canção Original (com Alan Bergman e Marilyn Bergman) por Sabrina, em 1996
- Venceu como Melhor Trilha Sonora por A Lista de Schindler, em 1994
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por JFK: A Pergunta que Não quer Calar e Melhor Canção Original (com Leslie Bricusse) por Hook: A Volta do Capitão Gancho, em 1992
- Indicado como Melhor Trilha Sonora e Melhor Canção Original (com Leslie Bricusse) por Esqueceram de Mim, em 1991
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Nascido em 4 de Julho e Indiana Jones e a Última Cruzada, em 1990
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por O Turista Acidental, em 1989
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por As Bruxas de Eastwick e Império do Sol, em 1988
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Indiana Jones e o Templo da Perdição e O Rio do Desespero, em 1985
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Star Wars: Episódio VI - O Retorno de Jedi, em 1984
- Venceu como Melhor Trilha Sonora por E.T. - O Extraterrestre, e indicado como Melhor Canção Original (com Alan Bergman e Marilyn Bergman) por Uma Voz para Milhões, em 1983
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Os Caçadores da Arca Perdida, em 1982
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Star Wars: Episódio V - O Império Contra-Ataca, em 1981
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Superman: O Filme, em 1979
- Venceu como Melhor Trilha Sonora por Star Wars: Episódio IV - Uma Nova Esperança, e indicado por Contatos Imediatos do Terceiro Grau, em 1978
- Venceu como Melhor Trilha Sonora Dramática por Tubarão, em 1976
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Inferno na Torre, em 1975
- Indicado como Melhor Trilha Sonora Dramática e Melhor Canção Original (com Paul Williams) por Licença para Amar até a Meia-Noite, e Melhor Trilha Sonora, Canção ou Adaptação (com Richard M. Sherman e Robert B. Sherman) por As Aventuras de Tom Sawyer, em 1974
- Indicado como Melhor Trilha Sonora Dramática por O Destino do Poseidon e Imagens, em 1973
- Venceu como Melhor Trilha Sonora por Um Violinista no Telhado, em 1972
- Indicado como Melhor Trilha Sonora para Filme Não Musical por Os Rebeldes e Melhor Trilha Sonora Original ou Adaptada (com Leslie Bricusse) por Adeus, Mr. Chips, em 1970
- Indicado como Melhor Trilha Sonora por O Vale das Bonecas, em 1968
https://www.youtube.com/watch?v=bT_XjcdgT6g
Trama Fantasma
Trilha original composta por Jonny Greenwood
Um dos aspectos mais memoráveis e fortes de Trama Fantasma é a trilha de Jonny Greenwood, finalmente lembrado pela Academia. Colaborador leal de PTA desde Sangue Negro, o guitarrista do Radiohead oferece seu trabalho mais "convencional" para a saga dos Woodcock. Se antes Greenwood apostava no abstrato e minimalismo, servindo à proposta daquelas obras, aqui ele adota um lado bem mais clássico e erudita, com uso predominante de piano e violino. Mais do que belas melodias pontuais, o trabalho de Greenwood acompanha praticamente todas as cenas da projeção, sendo um filme inteiramente movido a música, e que acentua com perfeição os pontos de virada e momentos chave da narrativa, no melhor estilo do cinemão clássico. Se não funciona isoladamente, fornece o ritmo apropriado para a história, além de corroborar a delicadeza de seu protagonista.
https://www.youtube.com/watch?v=gzOuMHAkYg0
Três Anúncios para um Crime
Trilha original composta por Carter Burwell
Chega a ser assustador o fato de que esta seja apenas a segunda indicação de Carter Burwell ao Oscar, lembrado aqui por sua discreta musica para a saga de Mildred Hayes e seus billboards titulares de Três Anúncios para um Crime. É um tema que se repete ao longo da narrativa, sem muitas inovações em sua melodia, mas um que definitivamente cumpre seu papel: fornece o tom de thriller caipira ideal, com o banjo e a guitarra servindo como um perfeito identificador regionalístico, servindo também para ditar a atmosfera das cenas mais intensas - especialmente quando Mildred precisa apagar um incêndio -, e também os momentos de humor. Um ótimo trabalho de Burwell, que urgentemente precisa de mais reconhecimento na indústria.
Histórico de Indicações
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- Indicado como Melhor Trilha Sonora por Carol, em 2016
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Aposta: A Forma da Água
Voto do Bastidores: Dunkirk
Esnobado: Blade Runner 2049
Melhor Canção Original
https://www.youtube.com/watch?v=AAJpEVv2XHw
Mighty River
Música e letra de Mary J. Blige, Raphael Saadiq e Taura Stinson para Mudbound: Lágrimas Sobre o Mississipi
Ainda que Mudbound seja uma ode à esperança e a música escrita e cantada por Mary J. Blige converse diretamente com essa estética mais realista-otimista, não podemos deixar de encarar Mighty River como uma cópia de qualquer outra canção gospel que louve e abra margens para que seus ouvintes consigam absorver as claras mensagens de um futuro próspero. Seguindo um padrão já conhecido, tudo inicia-se com o suave som do piano, que gradativamente dá espaço para uma leve percussão e a entrada do aguardado backing coro, servindo como respaldo para a poderosa voz de Blige, a qual usa e abusa de sua tecedura em uma rendição emocionante, ainda que clichê. Entretanto, talvez o que peque mais seja a autoexplicação de sua letra, que é arquitetada em detrimento de metáforas e acaba levando seu título ao pé da letra.
https://www.youtube.com/watch?v=4WTt69YO2VI
The Mystery of Love
Música e letra de Sufjan Stevens, para Me Chame pelo Seu Nome
Me Chame Pelo Seu Nome é uma obra sensível, ainda que peque no excesso de otimismo em relação aos arcos de seus personagens. E para um escopo tão agradável e meticulosamente bem pensado, não é nenhuma surpresa que os vocais e a incrível habilidade de Sufjan Stevens tenham sido escolhidos para compor o que se pode entender como uma declaração de amor ao próprio romance. Todo o escopo tétrico trilha um caminho em crescendo que utiliza-se muito bem do violão, do teclado e de um leve sintetizador de voz para tornar a faixa clássica e moderna ao mesmo tempo - e isso sem falar da poderosa letra também composta por Stevens e que tenta arranjar uma explicação para o ato de se apaixonar, levando o público ao estado de catarse inegável e envolvente.
https://www.youtube.com/watch?v=ImutnoiBixY
Remember Me
Música e letra de Kristen Anderson-Lopez e Robert Lopez para Viva: A Vida é uma Festa
O estopim catártico de Viva vem com Remember Me. Apesar de ser uma canção utilizada por diversas vezes no longa, os realizadores tem uma noção narrativa fantástica para mudar o sentido da música a cada vez que ela surge. Indo de hit musical dançante para uma melodia fantástica de amor e carinho, será muito difícil não ver essa canção arrebatar esse precioso Oscar para a Pixar que sempre capricha nas canções originais para seus filmes. Por ter essa função dramática tremenda, a música é muito mais do que apenas um tremendo trabalho de composição, letra e arranjo.
https://www.youtube.com/watch?v=2Klrg3F_oq0
Stand Up for Something
Música de Diane Warren, Letra de Lonnie R. Lynn e Diane Warren para Marshall
Diane Warren e Lonnie R. Lynn encontram um grande espaço para trabalharem a sua amálgama entre pop e R&B em Stand Up for Something, uma das pequenas pérolas que se perderam nas premiações desse ano. Toda a construção conversa com as composições clássicas que nos relembram até mesmo do blues tão lindamente cantado por Amy Winehouse em sua discografia, ou ao aventurar-se para um classicismo do jazz de Aretha Franklin em alguns momentos pontuais (principalmente para mostrar a potência vocal da cantora Andra Day). Talvez um dos pontos a desejarem aqui seja a entrada do rapper Common para a composição, cuja investida se mostra saturada e destoante do restante da música.
https://www.youtube.com/watch?v=wEJd2RyGm8Q
This is Me
Música e letra de Benj Pasek e Justin Paul, para O Rei do Show
This is Me é sem sombra de dúvida uma música de grande importância para a autoaceitação e o enfrentamento de constantes obstáculos enfrentados por aqueles que não se encaixam nos padrões sociais. Liderado pela poderosa voz de Lettie Lutz, o equívoco principal, entretanto, reside justamente em sua macro-arquitetura, pendendo drasticamente às clichês composições do pop contemporâneo, incluindo o lento início, o refrão animado e perscrutado por segundas e terceiras vozes, e até mesmo os aguardados breaks que marcam claramente as viradas. Benj Pasek e Justin Paul eventualmente não criam nada novo, mas sim misturam diversas músicas já existentes para entregar mais do mesmo em um filme que também não traz muita ousadia.
Aposta: Remember Me
Voto do Bastidores: The Mystery of Love
Esnobado: The Greatest Show
Crítica | Projeto Flórida - Sob a sombra da Disneylândia
Mais de uma vez, já estive na Flórida em algumas de minhas viagens. Mesmo que o foco fosse conhecer a Disneyland, uma das coisas que mais me passava pela cabeça era como seria morar em um dos maiores polos turísticos dos EUA, e se a vida teria aspectos peculiares por estarem habitando a terra do Mickey Mouse - por mais que a Disney original resida na Califórnia, é inegável que Orlando receba a maioria dos turistas. Eis que o cineasta experimental Sean Baker sai na dianteira e traz um filme exatamente sobre isso, com o maravilhoso Projeto Flórida
A trama é ambientada em um pequeno motel de modelo inn, onde o síndico Bobby (Willem Dafoe) atua como o faz-tudo para os diferentes residentes ali. Nosso principal núcleo é com a pequena Moonee (Brooklyn Prince), que tenta curtir a infância ao lado de suas amigas, mesmo com uma situação financeira ruim, algo que sua jovem mãe Halley (Bria Vanaite) tenta reverter das mais diversas maneiras.
Não é um filme definido por uma narrativa cheia de eventos ou reviravoltas, mas sim sobre relações de personagens. É quase um documentário povoado por atores interagindo normalmente, quase sem roteiro - que também é assinado por Baker -, capturando o estilo mais natural e espontâneo de cineastas como Richard Linklater. O grande acerto de Baker é manter tudo sob o ponto de vista de Moonee, de uma criança inocente que não tem noção do que realmente está acontecendo à sua volta; sua mãe começa a se prostituir em anúncios online, mas isso nunca é informado de maneira explícita, apenas por suposições e enquadramentos muito bem pensados; aquele que envolve a garotinha brincando na banheira, e um estranho acidentalmente entra no banheiro é um belo exemplo disso, e também pela câmera nunca sair de seu rosto, confuso com uma imagem que o espectador pode facilmente deduzir em sua cabeça.
A estética do pseudo-documentário também se traduz no domínio de Baker sobre a câmera. Raramente temos diálogos cortados no tradicional arranho de plano x contra plano, onde um corte mostra reação ou fala de outro personagem dentro de um diálogo, mas sim uma predominância por planos onde todos os personagens estejam no quadro, captando mais espontaneidade e naturalidade por parte da execução. Uma cena mais intensa como a discussão entre Bobby e Halley, por exemplo, rende um magistral plano sequência onde Baker segue a ação por diversos níveis do conjunto habitacional, passando por escadas, portas e culminando em um desfecho simplesmente sensacional; pensar que tudo isso foi devidamente ensaiado é quase uma surpresa, visto que parece tão natural e realista - sem falar no final, captado todo em iPhone (algo que Baker já havia feito em Tangerine), mas chegaremos a ele em alguns instantes.
Essa decisão garante momentos realmente preciosos em Projeto Flórida. Acompanhar Moonee e seu grupinho de amigos andando pelas ruas, com diálogos roteirizados que fluem como se fossem improvisados acaba fazendo com que o espectador crie um forte elo com aquelas figuras, e também pelo ambiente onde estão. Naquele em que talvez seja o mais bonito momento do filme, Halley e Moonee levam uma das meninas para comemorar o aniversário atrás do estacionamento do parque Magic Kingdom, para que possam cortar um bolinho e acompanhar os fogos de artifício estourando. Um sincero e tocante exemplo de encontrar pequenos momentos de felicidade dentro de um contexto opressor e infeliz, e que fica ainda mais catártico na arrasadora cena final, onde não só a pequena Prince oferece um dos momentos de atuação mais puros e genuínos que eu já vi em qualquer atriz mirim, mas onde Baker quebra todas as convenções e estruturas visuais estabelecidas no filme anteriormente, para uma conclusão memorável e digna de um conto de fadas.
Único ator profissional no elenco, Willem Dafoe também foi - infelizmente - a única lembrança da Academia nas indicações ao Oscar, que o indicou como melhor ator coadjuvante. Merecidamente, visto que o ator entrega uma performance simples, mas genuína e que se encaixa com o contexto naturalista elaborado por Baker. É o sujeito que aparenta ser ranzinza e impaciente, mas que revela momentos de doçura e simpatia que conquistam o espectador. Uma cena específica, na qual Baker até usa um belo plano longo, Bobby encontra um velho pedófilo observando as crianças do motel brincando em um playground, e a construção do ator para contornar a situação e proteger as moradoras é um dos momentos mais inspirados do filme, com Bobby bancando o tipo amigável, até abraçar uma postura rígida e agressiva para espantar o predador - novamente, algo que é apenas sugerido através de ação, principalmente o olhar fixo preocupado de Bobby ao notá-lo pela primeira vez.
Do restante do elenco, quem mais merece créditos - além de Prince, claro - é a também novata Bria Vanaite, que foi descoberta por Sean Baker através do Instagram, vejam só. A jovem não se parece e nem age como nenhum tipo que já vimos antes para essa caracterização, se assemelhando muito com pessoas reais que todos nós já conhecemos alguma vez na vida. É uma mãe irresponsável e despreparada, mas muito amorosa e preocupada com sua filha. É comum que, aqui e ali, Vanaite acabe saindo de uma ação anterior - uma briga, discussão - apenas para olhar sua filha e esboçar um sorriso tranquilizante. Sua química com Dafoe é outro ponto alto, com o veterano síndico agindo praticamente como sua figura paterna, e a já mencionada discussão entre os dois é aquilo que podemos definir como powerhouse, onde Bobby é rígido e mostra-se literalmente de saco cheio da hóspede, mas no fundo parece compreender sua situação.
Não espere uma história elaborada ou grandes malabarismos de roteiro em Projeto Flórida, mas se surpreenda com um filme divertido e que consegue capturar com perfeição um retrato de um nicho populacional muito específico. Mesmo vivendo na terra da Disney, vemos aqueles que vivem à sua sombra, e o mais bonito é ver como uma criança é capaz de encontrar os pequenos vislumbres de felicidade em um contexto tão decadente.
Projeto Flórida (The Florida Project, EUA - 2017)
Direção: Sean Baker
Roteiro: Sean Baker
Elenco: Brooklynn Prince, Bria Vanaite, Willem Dafoe, Christopher Rivera, Aiden Malik, Valeria Cotto, Mela Murder, Rosa Medina Perez
Gênero: Drama
Duração: 111 min
https://www.youtube.com/watch?v=PTemvL4bd9Q
Oscar 2018: Um Especial Bastidores | Volume II | Categorias Técnicas
Sejam bem-vindos à segunda parte do especial para o Oscar 2018 do Bastidores. Dessa vez, vamos assumir um lado mais técnico (afinal, o título de nosso site não é por acaso) para falar de categorias como Fotografia, Montagem, Design de Produção, Figurino, Maquiagem e Efeitos Visuais, valendo a menção de que a Academia foi capaz de selecionar uma vasta variedade de produções e fez justiça aos indicados.
Confira:
Melhor Fotografia
É muito melhor fazer um bom filme, do que um filme só com bom visual – Robert Richardson
Blade Runner 2049
Roger A. Deakins, ASC
Roger Deakins faz milagres, e chegou a hora da Academia finalmente parar de estupidez, após ignorá-lo por nada menos do que TREZE indicações ao longo de 23 anos. Em Blade Runner 2049, há diferentes tons de azul para ilustrar a presença de uma neve tóxica na cidade, assim como a luz de neon dos diversos billboards e propagandas holográficas. com destaque para a maravilhosa imagem onde K encara um holograma gigante de Joi, sendo banhado pelos tons de rosa e roxo da projeção. O visual ainda se reinventa quando apresenta um laranja fortíssimo para o esperado retorno de Deckard – e as condições atmosféricas do local onde o aposentado policial se encontra, afetado pela radiação, justificam essa mudança na paleta. Eu poderia falar horas e horas sobre a fotografia de Deakins para o filme, mas basta dizer que ser ele não ganhar o tão esnobado Oscar por esse trabalho, a Academia simplesmente deveria cancelar a categoria de Melhor Fotografia. Não vai ter filme mais bonito e deslumbrante do que este no ano. Em muitos anos, talvez.
Percurso na Temporada
- Critics Choice Awards - Melhor Fotografia
- American Society of Cinematographers - Melhor Fotografia - Cinema
- BAFTA - Melhor Fotografia
Histórico de Indicações
- Indicado como Melhor Fotografia por Sicario: Terra de Ninguém, em 2016
- Indicado como Melhor Fotografia por Invencível, em 2015
- Indicado como Melhor Fotografia por Os Suspeitos, em 2014
- Indicado como Melhor Fotografia por 007 - Operação Skyfall, em 2013
- Indicado como Melhor Fotografia por Bravura Indômita, em 2011
- Indicado como Melhor Fotografia (com Chris Menges) por O Leitor, em 2009
- Indicado como Melhor Fotografia por Onde os Fracos Não têm Vez e O Assassinato de Jesse James pelo Covarde Robert Ford, em 2008
- Indicado como Melhor Fotografia por O Homem que Não Estava Lá, em 2002
- Indicado como Melhor Fotografia por E aí meu Irmão, Cadê Você? em 2001
- Indicado como Melhor Fotografia por Kundun, em 1998
- Indicado como Melhor Fotografia por Fargo, em 1997
- Indicado como Melhor Fotografia por Um Sonho de Liberdade, em 1995
O Destino de uma Nação
Bruno Delbonnel, ASC, FSF
Bruno Delbonnel é um fotógrafo de estilo único, do qual podemos identificar apenas ao bater o olho em seus quadros. Através do efeito da "vaselina na lente", sua imagem parece mais embaçada e onírica, o que ajuda a construir atmosferas altamente envolventes e reforçar o frio, algo que definitivamente vem a calhar em O Destino de uma Nação. Todas essas características citadas ajudam na biografia de Winston Churchill, especialmente ao tornar as salas de planejamento e reuniões no parlamento mais intimidadoras e sombrias, fornecendo a visão apropriada para uma Inglaterra mergulhada nas trevas da paranóia e do medo. Não só a técnica de Delbonnel é um belíssimo acerto estético, como também usa as sombras para esconder as limitações do cenário, trabalhando em simbiose completa com o design de produção do longa - que fica ainda mais grandioso e valorizado graças às sombras inteligentes do fotógrafo.
Histórico de Indicações
- Indicado como Melhor Fotografia por Inside Llewyn Davis: Balada de um Homem Comum, em 2014
- Indicado como Melhor Fotografia por Harry Potter e o Enigma do Príncipe, em 2010
- Indicado como Melhor Fotografia por Eterno Amor, em 2005
- Indicado como Melhor Fotografia por O Fabuloso Destino de Amélie Poulain, em 2002
Dunkirk
Hoyte Van Hoytema, ASC, FSF, NSC
Finalmente a Academia reconhece o esforço do suíço Hoyte Van Hoytema, um dos diretores de fotografia mais interessantes a surgir nos últimos anos em Hollywood. Marcando mais uma colaboração com Christopher Nolan, praticamente substituindo o posto que era de Wally Pfister por muito tempo, Hoytema faz um trabalho experimental e que requeriu muitas inovações da equipe, especialmente no que diz respeito ao uso das gigantescas câmeras IMAX "na mão", sendo o primeiro cinegrafista a alcançar tal feito. Praticamente todas as tomadas foram captadas em locação, o que significou um grande trabalho de Hoytema em usar as luzes naturais da praia de Dunquerque, o céu nublado e o belo pôr-do-sol que encerra projeção. Além desse poderio imagético já bem forte, a dupla inventa de captar cenas de aviação com câmeras IMAX acompladas a aeronaves spitfires de verdade - requerindo um complexo trabalho de engenharia de Hoytema e Nolan para realizar essa visão -, rendendo algumas das imagens mais impressionantes que esses olhos já viram. Uma grande conquista.
A Forma da Água
Dan Laustsen, ASC
Se há alguém que poderá tirar o Oscar das mãos de Roger Deakins é Dan Laustsen. A Forma da Água impressiona e muito pela vivacidade de sua paleta de cores curiosa e também pelas belas imagens subaquáticas de tom importantíssimo para o filme. Não somente para dar sentido ao título, mas como uma forma poética para aglutinar o amor dos dois personagens. Além disso, o trabalho com a fotografia em diversos degradês impressiona muito para dar um clima sempre sombrio para os cenários molhados e sinistros que Del Toro nos apresenta. É um verdadeiro manjar para os olhos.
Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi
Rachel Morrison, ASC
As paisagens do Mississippi são inesquecíveis. A trágica história do estado parece se confundir com as belezas naturais da região, o que acaba por criar uma atmosfera melancólica e de potenciais não atingidos. Muitos diretores de fotografia conseguiram captar com precisão essa particularidade visual. A nova profissional a entrar na seleta lista é Rachel Morrison. Em Mudbound – Lágrimas Sobre o Mississippi, a iluminação natural e as sombras engolfam os tristes personagens e constituem algumas das principais características do filme. Pelo seu trabalho, Morrison foi indicada ao Oscar 2018 e se tornou a primeira mulher a concorrer na categoria.
Aposta: Blade Runner 2049
Voto do Bastidores: Blade Runner 2049, é claro
Esnobado: A Cura
Melhor Design de Produção
Está bem na sua frente. Esse é o filme. Ele vem de um nível profundo acima. É confiável porque existe uma história a ser contada – Rick Carter
A Bela e a Fera
Sarah Greenwood e Katie Spencer
Ainda que A Bela e a Fera tenha funcionado por sua nostalgia em detrimento de uma investida contemporânea acerca do clássico conto homônimo, é inegável dizer que o longa-metragem conseguiu recuperar toda a ambiência arquitetônica do barroco ao mesmo tempo em que abriu margens para o fantástico e o sobrenatural. Logo, não é nenhuma surpresa que Sarah Greenwood e Katie Spencer ganhem espaço nesta edição do Oscar: é incrível como a carga histórica está presente em cada um dos cenários, seja pela aversão à simetria e à razão exacerbada renascentista na vila em que a protagonista mora, ou até mesmo pela estética espelhada do decadente castelo, mostrando o choque de gerações e de ideais. Além disso, a direção de arte trilha um caminho transformista à medida em que a relação entre os personagens se consolida, optando pela entrada de objetos mais neutros e mais clássicos e a entrada de inúmeras construções cênicas em espiral e que fornecem a ilusão de movimento.
Histórico de Indicações
- Indicadas como Melhor Design de Produção por Anna Karenina, em 2013
- Indicadas como Melhor Direção de Arte por Sherlock Holmes, em 2010
- Indicadas como Melhor Direção de Arte por Desejo e Reparação, em 2008
- Indicadas como Melhor Direção de Arte por Orgulho e Preconceito, em 2006
Blade Runner 2049
Dennis Gassner e Alessandra Querzola
Blade Runner 2049 é um filme que trabalha com opostos - e é claro que esse paradoxo seria traduzido de forma bem explícita quando falamos da incrível estética criada por Dennis Gassner e Alessandra Querzola: o duo trabalha com investidas tanto saturadas quanto clean, buscando traçar uma linha bem perceptível e diferenciável entre, por exemplo, o antro de Niander Wallace (Jared Leto) e as movimentadas ruas de Los Angeles. Enquanto para este cenário busca-se uma identidade que volta para o incrível uso de hologramas de marketing aliados a uma rendição a outdoors em neon e objetos modernizados e ainda sim reconhecíveis pelo público, aquele finca-se em um mergulho mais faraônico, incluindo uma arquitetura megalômana e milimetricamente simétrica, conversando até mesmo com as gritantes personalidades dos personagens.
Percurso na Temporada
- ADG - Melhor Design de Produção - Filme de Fantasia
Histórico de Indicações
Dennis Gassner
- Indicado como Melhor Design de Produção (com Anna Pinnock) por Caminhos da Floresta, em 2015
- Indicado como Melhor Direção de Arte (com Anna Pinnock) por A Bússola de Ouro, em 2008
- Indicado como Melhor Direção de Arte (com Nancy Haigh) por Estrada para a Perdição, em 2003
- Indicado como Melhor Direção de Arte (com Nancy Haigh) por Bugsy e Barton Fink - Delírios de Hollywood, em 1992
O Destino de uma Nação
Sarah Greenwood e Katie Spencer
Joe Wright, mesmo que tenha uma filmografia pautada em altos e baixos, sempre teve sua carreira pautada na beleza estética. Logo, é claro que sua equipe criativa traria o melhor da indústria cinematográfica para compor cenários incrivelmente bem delineados e que não pecam em nenhum momento quando pensamos em verossimilhança histórica - e esse trabalho é realizado mais uma vez por Sarah Greenwood e Katie Spencer com O Destino de uma Nação. Ambientado no auge da II Guerra Mundial, todo o escopo cênico segue um padrão contraditório entre ascensão e queda da monarquia inglesa, reafirmada, por exemplo, pelo uso excessivo de objetos dispendiosos em contraste com um cenário mais neutro e bélico. Talvez o maior mérito resida em relação à sólida recriação do Palácio de Buckingham e da Abadia de Westminster, buscando inspiração na época vitoriana e na arte barroca.
Histórico de Indicações
- Indicadas como Melhor Design de Produção por Anna Karenina, em 2013
- Indicadas como Melhor Direção de Arte por Sherlock Holmes, em 2010
- Indicadas como Melhor Direção de Arte por Desejo e Reparação, em 2008
- Indicadas como Melhor Direção de Arte por Orgulho e Preconceito, em 2006
Dunkirk
Nathan Crowley e Gary Fettis
Filmes de guerra têm uma grande tentação de cair nos equívocos da superexposição cênica em detrimento de uma identidade imagética interessante e envolvente. Felizmente, não é isso que Nathan Crowley e Gary Fettis fazem em Dunkirk, uma das obras-primas de 2017 que passaram quase despercebidos pelos olhos da crítica e do público. A recriação da decadente situação dos soldados ingleses e franceses em um dos momentos cruciais da II Guerra Mundial é certeira, seja pela utilização de navios de guerra que gradativamente se transformam em carcaças marítimas, ou até mesmo pelos cenários que conversam diretamente com a desesperança de seus personagens (principalmente no tocante ao píer). Isso sem falar na incrível paleta de cores, trazendo cores frias para o escopo cênico que logo encontram uma vivacidade conforme a narrativa chega ao tão aguardado "final feliz".
Histórico de Indicações
Nathan Crowley
- Indicado como Melhor Design de Produção (com Gary Fettis) por Interestelar, em 2015
- Indicado como Melhor Direção de Arte (com Peter Lando) por Batman: O Cavaleiro das Trevas, em 2009
- Indicado como Melhor Direção de Arte (com Julie Ochipinti) por O Grande Truque, em 2007
Gary Fettis
- Indicado como Melhor Design de Produção (com Nathan Crowley) por Interestelar, em 2015
- Indicado como Melhor Direção de Arte (com James J. Murakami) por A Troca, em 2009
- Indicado como Melhor Direção de Arte (com Dean Tavoularis) por O Poderoso Chefão Parte III, em 1991
A Forma da Água
Paul D. Austerberry, Jeffrey A. Melvin e Shane Vieau
Histórias fantásticas obviamente pedem por um envolvente escopo imagético que traga o melhor do espetacular e do palpável para um mesmo cenário. É justamente isso que o trio responsável por A Forma da Água entrega para o seu público e que em maior parte consegue ofuscar um roteiro falho: ainda que a trama seja uma homenagem para os clássicos contos de terror, não podemos negar que o filme de Guillermo del Toro busque uma identidade opressiva, institucional e atemporal, principalmente pela construção dos laboratórios em um concreto puro e intransponível e que entra em contradição com ambiências mais amplas. Em uma perspectiva generalizada, toda a arquitetura subjuga propositalmente os seus protagonistas, auxiliada pela paleta de cores futurista e neo-noir, buscando inspiração em tons frios e neutros, como o verde-escuro, o marrom e o azul.
Percurso na Temporada
- ADG - Melhor Design de Produção - Filme de Época
- BAFTA - Melhor Design de Produção
- Critics Choice Awards - Melhor Design de Produção
Aposta: A Forma da Água
Voto do Bastidores: Blade Runner 2049
Esnobado: Star Wars: Os Últimos Jedi
Melhor Figurino
A menos que o projeto exija, eu não estou interessada em uma réplica exata da época. Eu vejo a época, como deveria ser, como poderia ser, e então eu faço a minha própria versão – Sandy Powell
A Bela e a Fera
Jacqueline Durran
Assim como sua direção de arte, o figurino de A Bela e a Fera merece aclame crítico. Seguindo a estética simplista do século XVII, percebemos que a indumentária utilizada pelos personagens do vilarejo da protagonista segue um corte mais clean e que preza pela utilização de tecidos pragueados que ressaltem a silhueta feminina; tal estética também é reafirmada pelo vestido que Bela (Emma Watson) utiliza durante a cena do baile, uma das mais icônicas do filme: aqui, todo o corte resgata a beleza da realeza francesa, principalmente pelas múltiplas camadas da saia. Além disso, Jacqueline Duran também aproveita essa perspectiva mais "modernizada" para retirar algumas peças que provavelmente representariam uma saturação cênica, incluindo os rufos plissados e as mangas longas, fornecendo um pouco mais de movimento e fluidez para os personagens.
Histórico de Indicações
- Indicada como Melhor Figurino por Sr. Turner, em 2015
- Venceu como Melhor Figurino por Anna Karenina, em 2013
- Indicada como Melhor Figurino por Desejo e Reparação, em 2008
- Indicada como Melhor Figurino por Orgulho e Preconceito, em 2006
O Destino de uma Nação
Jacqueline Durran
Durran é um dos grandes nomes de sua geração e não é nenhuma surpresa que ela ganhe duas indicações para a cerimônia do Oscar neste ano. Além de trabalhar com a estética barroca em A Bela e a Fera, ela também investe sua força intelectual em O Destino de uma Nação - e seu trabalho é o que nos aproxima da época retratada no filme: o final da década de 1930 e começo de 1940 foi marcado por uma escassez de produtos para a indústria da moda, o que obrigou à população, principalmente às mulheres, a optar por uma indumentária mais simples, porém versátil. Além da homogeneidade estilística do figurino masculino, marcado pelo uso dos ternos risca-giz, temos a representação feminina encarnada por Lily James, cujos trajes prezam pelos cortes andrógenos - ombros arredondados, saias com pregas invertidas e com corte mais longo para facilitar os movimentos. Todo o escopo também serve para representar uma aguardada evolução pacifista da decadente sociedade inglesa da época.
Histórico de Indicações
- Indicada como Melhor Figurino por Sr. Turner, em 2015
- Venceu como Melhor Figurino por Anna Karenina, em 2013
- Indicada como Melhor Figurino por Desejo e Reparação, em 2008
- Indicada como Melhor Figurino por Orgulho e Preconceito, em 2006
A Forma da Água
Luis Sequeira
Em 1910, a Every Woman's Encyclopedia divulgou em seu anuário que os itens principais do guarda-roupa de uma mulher são "paletó e saia, blusas, sapatos, luvas, chapéus e capa de chuva". É claro que essa essencialidade se referia à insurgência do estilo-uniforme da sociedade da época, mas o que suas editoras não conseguiriam prever que essa máxima perduraria por quase quarenta anos, porém sofrendo uma brusca transformação da "mulher de negócios" para a "trabalhadora da classe média". Luis Sequeira baseia-se nessa ideia quase atemporal para vestir os personagens de A Forma da Água, criando uma moderna indumentária que conversa com a atemporalidade cênica do filme ao mesmo tempo em que resgata uma época nostálgica e complexa, principalmente na caracterização de Sally Hawkins como a protagonista, pautada em uma sutileza emocionante, como o constante uso do cardigã e e da saia andrógena.
Percurso na Temporada
Costume Designers Guild - Melhor Figurino em Filme de Época
Trama Fantasma
Mark Bridges
Grande parte dos filmes de época dessa edição do Oscar resolve conversar com um escopo verossímil do período retratado, e coube a Mark Bridges quebrar esse tradicionalismo cinematográfico com seu incrível trabalho em Trama Fantasma. A narrativa gira em torno de um estilista de moda responsável por vestir a high society e que, através de uma trama romântico-dramática, se expressa através de looks aplaudíveis e transgressores. Partindo dessa premissa, o figurinista não poupa esforços para criar uma indumentária chocante e que marca até mesmo uma quebra nos padrões estilísticos da época, permitindo-se misturar inúmeros tecidos - temos na imagem acima, por exemplo, a combinação perfeita entre a suavidade da renda branca com o poderoso tafetá vermelho -, cuja amálgama é uma representação externalizada do confronto interno sofrido pelos personagens.
Percurso na Temporada
- BAFTA - Melhor Figurino
Histórico de Indicações
- Indicado como Melhor Figurino por Vício Inerente, em 2015
- Venceu como Melhor Figurino por O Artista, em 2012
Victoria e Abdul: O Confidente da Rainha
Consolata Boyle
Consolata Boyle tem uma afeição especial para filmes que envolvam a realeza britânica - e depois de ter realizado um trabalho incrível em A Rainha e A Dama de Ferro, ela retorna com mais uma incrível rendição em Victoria e Abdul. Entretanto, a figurinista irlandesa resolve criar um escopo original ao trabalhar com a sobriedade excessiva da Rainha Victoria (Judi Dench), marcado por um figurino essencialmente pautado na monocromacia, enquanto Abdul (Ali Fazal) traz uma simplicidade mais envolvente e afável, principalmente pelo uso de trajes azuis e brancos de seda que representem seu "modesto" comportamento perante um nome tão poderoso.
Histórico de Indicações
- Indicada como Melhor Figurino por Florence: Quem é Essa Mulher?, em 2017
- Indicada como Melhor Figurino por A Rainha, em 2006
Aposta: Trama Fantasma
Voto do Bastidores: Trama Fantasma
Esnobado: Mulher-Maravilha
Melhor Montagem
Eu leio o roteiro só uma vez, então esqueço dele. Eu só lido com o que eu vejo todo dia na tela, e se eu acredito e entendo aquilo – Thelma Schoonmaker
Dunkirk
Lee Smith
Todos os filmes de Christopher Nolan oferecem algum tipo de desafio quando estamos falando de linhas temporais. Parceiro de longa data, Lee Smith já teve que lidar com as intensas corridas contra o tempo na trilogia Cavaleiro das Trevas, o vai-e-vem não linear de O Grande Truque, as camadas de realidade distintas em A Origem e até mesmo a temporalidade de outros planetas com Interestelar. Em Dunkirk, o trabalho de Smith parece mais comprimido, mas talvez seja ainda mais complexo: lidar com três linhas narrativas diferentes ao mesmo tempo, mas com cada uma se desenrolando em um tempo diferente: uma semana, um dia e uma hora. É uma proposta ousada que parte do roteiro criativo de Nolan, e que ganha uma execução primorosa pelas mãos de Smith, que organiza todos esses eventos em uma narrativa coesa e com possibilidades inesperadas de catarse (especialmente com o personagem de Cillian Murphy), assim como consegue manter o espectador preso e tenso 100% do tempo - a decisão de Smith no último corte da projeção também é bárbara, quando, após uma sequência de imagens e um crescendo épico da trilha sonora, decide voltar o plano para o rosto do jovem Tommy em silêncio, de forma a não perder a humanidade daquela história. Nunca temos cortes muito excessivos, com Smith permitindo uma imersão maior em cada plano, em cada cena, mas sua maestria com a estrutura do longa é algo que não deve ser ignorado pela Academia.
Percurso na Temporada
- ACE Eddie Awards - Melhor Montagem em Filme de Drama
Histórico de Indicações
- Indicado como Melhor Montagem por Batman: O Cavaleiro das Trevas, em 2009
- Indicado como Melhor Montagem por Mestre dos Mares: O Lado Mais Distante do Mundo, em 2004
Em Ritmo de Fuga
Paul Machliss e Jonathan Amos
É revoltante que nenhum filme de Edgar Wright já tenha sido indicado à melhor montagem, mas finalmente a Academia abriu os olhos para o talento de Paul Machliss e Jonathan Amos, que vêm colaborando com o cineasta desde Scott Pilgrim contra o Mundo - provavelmente um dos filmes mais bem montados de todos os tempos. Com Em Ritmo de Fuga, o trabalho excepcional da dupla está diretamente ligado à música, com os cortes entrando em sincronia com o ritmo e batidas das diferentes canções que o protagonista está constantemente ouvindo. Todas as cenas, de ação ou não, trazem um ritmo preciso e calculado, especialmente quando temos aceleradas perseguições de carro ou tiroteios anárquicos. As transições de cena também são marcas do estilo de Wright, com Machliss e Amos usando criativas fusões de imagem (uma tampa de lavanderia que se transforma em um disco de vinil, por exemplo) e outras elipses que comprimem o tempo e aceleram a história, vide o rápido emprego de Baby como entregador de pizza. Um trabalho perfeito, e digno do prêmio.
Percurso na Temporada
- BAFTA - Melhor Montagem
Eu, Tonya
Tatiana S. Riegel
Que surpresa satisfatória encontrar Tatiana S. Riegel indicada por seu trabalho em Eu, Tonya. Com a tragicomédia de humor negro sobre a patinadora Tonya Harding assumindo uma forte inspiração no cinema de Martin Scorsese, temos uma narrativa dinâmica que é constantemente interrompida por digressões dos personagens e também de suas figuras "reais" que aparecem em forma de entrevista. É aquele tipo de montagem que está sempre quebrando a quarta parede e dialogando com o espectador, e os cortes de Riegel são muito precisos e inteligentes na hora de interromper a história no momento certo - é impagável quando a personagem de Allison Janney, após simplesmente sumir da projeção durante algum tempo, interrompe a narrativa para reclamar de sua ausência. Só esse trabalho de self awareness da narrativa já merecia a indicação, mas Riegel ainda demonstra muita agilidade ao montar as cenas de patinação, conferindo velocidade e graciosidade aos diversos planos e movimentos de dança da protagonista.
Percurso na Temporada
- ACE Eddie Awards - Melhor Montagem em Filme de Comédia
A Forma da Água
Sidney Wolinsky
Geralmente, filmes favoritos ao prêmio principal da noite acabam na categoria de Montagem apenas para garantir uma vantagem na contagem de votos. Felizmente, não é o caso de A Forma da Água, que traz um trabalho muito coeso e satisfatório por parte de Sidney Wolinsky. Definitivamente, o grande mérito da montagem do romance de Guillermo Del Toro é a forma como Wolinksy cria o círculo de rotina da protagonista Elisa, especialmene na forma como sincroniza seus mecanismos para demarcar a passagem de tempo (em especial com os "ovinhos" da personagem de Sally Hawkins). É um ritmo muito preciso e agradável, e Wollinsky ganha mais créditos para as sequências mais intensas do filme, principalmente em sua agilidade para equilibrar diferentes personagens e situações durante a montagem em que Elisa e seus amigos lutam contra o tempo para libertar o Anfíbio do laboratório. Um ótimo trabalho.
Três Anúncios para um Crime
Jon Gregory
Lembram-se de quando disse logo acima sobre favoritos marcarem terreno na categoria de montagem? Pois bem, não estou dizendo que o trabalho de Jon Gregory no excepcional Três Anúncios para um Crime seja ruim, mas realmente carece de algo verdadeiramente especial - basta olhar para os demais indicados, todos com alguma peculiaridade. Aqui, o filme de Martin McDonagh tem um ritmo acertado, uma boa distribuição de tempo aos personagens (literalmente ninguém acaba ofuscado ao longo da projeção), e uma velocidade correta durante algumas das sequências mais intensas, como aquelas envolvendo os diferentes incêndios. Um trabalho muito eficiente e que serve à proposta da trama, especialmente na maneira como equilibra o humor negro e as inesperadas doses de elementos dramáticos, como no intenso diálogo entre Mildred e o xerife Willoughby.
Aposta: Dunkirk
Voto do Bastidores: Dunkirk ou Em Ritmo de Fuga, são dois trabalhos excepcionais
Esnobado: Blade Runner 2049
Melhor Maquiagem & Cabelo
É mágico quando você tem um ótimo ator em uma ótima maquiagem – Rick Baker
O Destino de uma Nação
Kazuhiro Tsuji, David Malinowski e Lucy Sibbick
Inúmeros atores já interpretaram o famoso e inesquecível Winston Churchill nos cinemas e na televisão, mas talvez nenhum deles tenha passado por uma transformação tão profunda quanto Gary Oldman em O Destino de uma Nação. Aqui, o trio responsável pela maquiagem alcançou um enorme sucesso ao deixá-lo irreconhecível, utilizando-se de técnicas um tanto quanto simples para garantir mais naturalidade às suas feições envelhecidas e que já trazem tanto os cabelos brancos quanto uma quantidade considerável de rugas, ressaltada pelo cuidado com as linhas de expressão e pela crescente calvície. Mas a preocupação não se restringe apenas ao protagonista, mas também a todos os personagens, também preocupando-se em ajudar na perspectiva da época com a multiplicidade artística das personagens femininas.
Histórico de Indicações
Kazuhiro Tsuji
- Indicado como Melhor Maquiagem (com Rick Baker) por Norbit, em 2008
- Indicado como Melhor Maquiagem (com Bill Corso) por Click, em 2007
Extraordinário
Arjen Tuiten
Arjen Tuiten definitivamente é um dos grandes nomes do ano. Em Extraordinário, o maquiador e supervisor de efeitos especiais elevou as expectativas do público e da crítica ao ser atado para um projeto cuja trama trazia assuntos delicados para as telonas - e levando seu currículo em conta (Malévola, O Labirinto do Fauno), ele teria um trabalho um pouco mais perigoso: como trabalhar com um protagonista de nove anos de idade deformado por uma infeliz genética que passaria mais de 40 dias completamente transformado em cena? Não é à toa que sua aprofundada pesquisa lhe rendeu uma indicação ao Oscar, visto que todo o cuidado artístico deixou o ator-mirim Jacob Tremblay irreconhecível e passível de construir laços com o público.
Victoria e Abdul: O Confidente da Rainha
Daniel Phillips e Lou Sheppard
Ainda que Victoria e Abdul: O Confidente da Rainha não seja um dos filmes mais originais do ano, o trabalho artístico realizado pela equipe como um todo é louvável, principalmente levando em conta a preocupação com o resgate histórico. Além da direção de arte, o longa merece aclame por sua investida com os detalhes dos atores. Judi Dench, encarnando a Rainha Victoria, recebe um cuidado um pouco maior e que preza pelo naturalismo e pela acentuação de suas linhas de expressão, indicando uma crescente ultrapassagem de seu governo e até mesmo uma humanização mais envolvente para com a audiência. Daniel Phillips e Lou Sheppard também preocupam-se em causar uma discordância proposital entre a ostentação excessiva da monarquia inglesa e a perspectiva mais humilde da persona Victoria.
Aposta: O Destino de uma Nação
Voto do Bastidores: O Destino de uma Nação
Esnobado: Qualquer filme que realmente tivesse um trabalho notável de maquiagem. Ver Bright, A Forma da Água, Guardiões da Galáxia Vol. 2, It: A Coisa ou Star Wars: Os Últimos Jedi
Melhores Efeitos Visuais
Eu não faço efeitos especiais. Eu faço personagens. Criaturas. – Stan Winston
Blade Runner 2049
John Nelson, Gerd Nefzer, Paul Lambert e Richard R. Hoover
Em todos os sentidos estéticos e plásticos, Blade Runner 2049 é um filme absolutamente perfeito. Não só pela fotografia e o design de produção, mas especialmente pelo sofisticado trabalho com efeitos visuais, que entra aqui de forma complementar a elementos reais no set, garantindo resultados impressionantes. A visão futurista da cidade Los Angeles, por exemplo, foi criada com um misto inteligente de miniaturas e elementos de computação gráfica, soando como uma boa forma de seguir o trabalho visionário de Ridley Scott no original, e essa técnica de utilizar CGI para preencher cenários e ambientes está presente durante todo o longa de forma sutil. Poderíamos também falar sobre a estética dos hologramas de Joi, os Spinners da polícia ou o trabalho insano na cena de sexo a três, mas o que deve chamar mais atenção da Academia é a reconstrução digital da atriz Sean Young, em um dos mais satisfatórios exemplos desse tipo de tecnologia até agora.
Percurso na Temporada
BAFTA - Melhores Efeitos Visuais
Visual Effects Society - Melhor Ambiente Criado Digitalmente em Longa Fotorrealista (Los Angeles)
Visual Effects Society - Melhor Miniatura (LAPD)
Guardiões da Galáxia Vol. 2
Christopher Townsend, Guy Williams, Jonathan Fawkner e Dan Sudick
Novamente marcando presença na categoria, Guardiões da Galáxia Vol. 2 traz um trabalho ainda mais eficiente do que seu antecessor. Continuamos com um trabalho de CGI convincente e satisfatório para os personagens animados de Groot e Rocket, e explorando com criatividade a mitologia desse universo com belas novas adições. Todo o planeta e o conceito do Ego de Kurt Russell acaba rendendo ótimos visuais, principalmente quando aprendemos mais sobre sua natureza cósmica e os elementos monstruosos. E por falar em monstros, a criatura tentacular que o grupo enfrenta na cena inicial já é algo para encher os olhos, assim como toda a condução daquela cena, que conta com o uso de pequenos planos-sequência costurados juntos pela montagem e o trabalho de CGI - presente em praticamente todos os personagens e no ambiente. Vale mencionar também o ótimo trabalho na criação da frota dos Soberanos, onde há um claro uso de efeitos práticos (podemos ver que os pilotos ali são atores em uma tela verde), mas todos os seus movimentos e interações são criados digitalmente, gerando uma imagem marcante quando vemos todos voando em formação.
Percurso na Temporada
- Visual Effects Society - Melhor Fotografia Virtual em Produção Fotorrealista (Dança de Baby Groot)
Kong: A Ilha da Caveira
Stephen Rosenbaum, Jeff White, Scott Benza e Mike Meinardus
Primeiro representante símio da categoria, foi uma bela surpresa encontrar Kong: A Ilha da Caveira entre os indicados. Uma curiosidade interessante é que essa é a terceira versão do personagem a figurar na categoria, após os trabalhos de John Guillermin em 1976 e Peter Jackson em 2005 acabarem levando a estatueta - o filme de 1933 não tem essa medalha por simplesmente... Não existir uma categoria de efeitos em 1933. E a equipe do filme de Jordan Vogt-Roberts faz por merecer a indicação, visto que o trabalho para criar esta nova versão de Kong é formidável, com a tecnologia de captura de performance ainda mais avançada e requintada. Não só Kong merece todo o reconhecimento, visto que esta Ilha da Caveira tem um leque assombroso de novas criaturas, os Skin Crawlers
Planeta dos Macacos: A Guerra
Joe Letteri, Daniel Barrett, Dan Lemmon e Joel Whist
Por incrível que possa parecer, nenhum filme da nova trilogia de Planeta dos Macacos levou o Oscar de efeitos visuais, o que pode aumentar as chances do capítulo derradeiro de César com a Academia; que pode premiar este novo filme com um prêmio pelo conjunto da obra. Representando o ápice da tecnologia de captura de performance, Guerra faz o melhor trabalho até agora com as feições e fisionomia dos símios inteligentes, com o destaque permanecendo para o excelente trabalho de Andy Serkis - que agora tem a habilidade de falar de forma mais eloquente. Os macacos nunca pareceram tão reais como agora, e cada frame do filme de Matt Reeves deve ter levado uma eternidade para renderizar, oferecendo um resultado que chega a assustar, de tão perfeito. A hora é agora?
Visual Effects Society - Melhores Efeitos Visuais em Longa Fotorrealista
Visual Effects Society - Melhor Personagem Digital em Longa Fotorrealista (César)
Visual Effects Society - Melhor Simulação em Longa Fotorrealista
Visual Effects Society - Melhor Composição em Longa Fotorrealista
Star Wars: Os Últimos Jedi
Ben Morris, Mike Mulholland, Neal Scanlan e Chris Corbould
Mais um Star Wars, mais uma indicação ao Oscar de efeitos visuais, como de praxe (apenas A Vingança dos Sith falhou em conseguir tal feito, em 2006). Para Os Últimos Jedi, a equipe da Industrial Light & Magic tem diversos truques sob as mangas, mais uma vez mantendo a nova máxima da LucasFilm em mesclar elementos práticos com digitais, vide as criaturas Porgs, Fathiers e as raposas de cristais do planeta Crait. É um cenário que também possibilita a criação de elementos 100% CGI, rendendo algumas das batalhas mais sensacionais e imersivas de toda a saga, e a equipe merece aplausos pelo trabalho com a frota de bombardeiros da Resistência e os gigantescos cruzadores da Primeira Ordem. Um trabalho excepcional, como sempre, mas a cereja no topo do bolo é o fato de que Rian Johnson e a ILM resgataram o Yoda de marionete da trilogia clássica. Pra fazer qualquer um corar.
Aposta: Blade Runner 2049
Voto do Bastidores: Blade Runner 2049
Esnobado: Valerian e a Cidade dos Mil Planetas
Oscar 2018: Um Especial Bastidores | Volume I | Atuações
Sejam muito bem-vindos à primeira parte do especial do Bastidores sobre o Oscar 2018! Trazemos aqui quatro posts que explorarão as principais categorias da 90ª cerimônia dos Academy Awards, que acontecerá no dia 4 de março, desde as Atuações, passando pelas Categorias Técnicas e Sonoras, até culminarmos nas de Melhor Diretor, Roteiros e, finalmente, Filme.
Cada post traz uma análise sobre cada indicado, assim como os prêmios de sindicato e premiações prévias que nos ajudam a prever qual será o grande vencedor de cada bloco, além de todo o histórico de suas indicações prévias ao Oscar. Em "Percurso na temporada" levamos em conta somente as vitórias - portanto, se não há nada no percurso de algum ator, é porque ele ainda não levou nenhum prêmio para casa.
Como não poderia faltar, também damos nossas apostas e apontamos os pobres esnobados que acabaram de fora em suas respectivas categorias.
Para começar, trazemos aqui as análises de Lucas Nascimento e Thiago Nolla para as categorias de atuação:
Melhor Ator
Timothée Chalamet
Elio em Me Chame pelo Seu Nome
Os laços entre Oliver e Elio, vivido por Timothée Chalamet, são encantadores, e isso só ocorre com a pureza e a química que tanto Hammer quanto Chalamet trazem para as telas, movendo-se com graciosidade à medida em que a narrativa perpassa por altos e baixos e cria as condições necessárias para que os sentimentos aflorem e a tão aguardada descoberta seja satisfatória o suficiente para o público. E isso, com todo bom drama, caminha a passos lentos e utiliza-se das brechas para alimentar temas como ciúmes, inveja, ódio e amor: em várias sequências, é possível sentir a tensão entre os dois protagonistas e como ela é enviesada conforme a câmera bem deseja, baseando-se até na constante presença da água para reafirmar sua fluidez. Chalamet realmente se destacou nesse papel, mas, talvez, não o suficiente para garantir sua vitória na premiação.
Percurso na Temporada
Histórico de Indicações
Primeira indicação.
Daniel Day-Lewis
Reynolds Woodcock em Trama Fantasma
Anunciado como o longa final de Daniel Day-Lewis, digamos que se esta realmente for a aposentadoria do lendário ator, ele pendura as chuteiras em grande estilo. Adepto do método, esse estilo de preparação de elenco geralmente serve apenas para garantir aquelas manchetes sensacionalistas (estou olhando para você, Jared Leto), mas há pequenas nuances na composição de Day-Lewis que nos permite enxergar um nível realmente válido do processo: sempre que temos closes dos dedos do ator costurando, vemos diversos ferimentos que definitivamente foram provocados por agulhas, visto que o ator passou um tempo realmente costurando e confeccionando vestidos. Esse tipo de detalhe contribui para sua construção, baseada em uma voz suave e eloquente, com uma fala sempre marcada por sua educação, que não se extingue mesmo quando Woodcock precisa ser mais severo; perdendo a paciência com suas assistentes, mas desculpando-se logo após a bronca. Uma performance admirável, como a maioria de seus trabalhos.
Percurso na Temporada
Histórico de Indicações
- Venceu como Melhor Ator por Lincoln, em 2013
- Venceu como Melhor Ator por Sangue Negro, em 2008
- Indicado como Melhor Ator por Gangues de Nova York, em 2003
- Indicado como Melhor Ator por Em Nome do Pai, em 1994
- Venceu como Melhor Ator por Meu Pé Esquerdo, em 1990
Daniel Kaluuya
Chris Washington em Corra!
Daniel Kaluuya, mais conhecido por sua participação na primeira temporada de Black Mirror, encarna o protagonista Chris Washington que, ao fazer uma visita à família de sua namorada, percebe que mergulhou em um mundo perigoso e mortal. O ator faz um trabalho impressionante de expressão facial com o poder do olhar. Seja com desconforto, insegurança, desespero ou confiança, Kaluuya parece tirar de letra o modo de se impor e se expressar, sempre evidenciando os movimentos com os olhos, casando perfeitamente com uma das reviravoltas da história - vale apontar seu desempenho excepcional durante as cenas de hipnose. (Thiago Nolla)
Percurso na Temporada
- BAFTA - Melhor Ator Estreante
Histórico de Indicações
Primeira indicação.
Gary Oldman
Winston Churchill em O Destino de uma Nação
Goste ou não de O Destino de uma Nação, não se pode tirar crédito da incrível e emocionante performance de Oldman. Além de estar irreconhecível em cena, o ator resgata os trejeitos do personagem sem cair na supersaturação ou na artificialidade, incluindo o crispar dos lábios em momentos mais analíticos e frios, bem como seu caminhar corcunda e pensativo. Mas talvez a maior expressividade ainda esteja contida em seus olhos, os quais correspondem exatamente à atmosfera das cenas. Certamente a grande aposta da premiação, que pode finalmente render um prêmio a esse grande ator.
Percurso na Temporada
- SAG - Melhor Ator
- BAFTA - Melhor Ator
- Critics Choice Awards - Melhor Ator
- Globo de Ouro - Drama
Histórico de Indicações
- Indicado como Melhor Ator por O Espião que Sabia Demais, em 2012
Denzel Washington
Roman J. Israel em Roman J. Israel, Esq.
Com a polêmica acerca das acusações de James Franco, sua vaga acabou preenchida por Denzel Washington, que consegue se destacar mesmo estando no irregular Roman J. Israel, Esq., um filme visto por poucos, e adorado por um grupo ainda menor. Dentre todos os seus trabalhos recentes, Roman é sua atuação mais sutil e marcada por nuances, sempre com um olhar desconfiado, reações fora de nossa expectativa e a palpável sensação de ser um homem com dificuldade para se relacionar, e que simplesmente despeja suas emoções e intenções ao primeiro sinal de abertura; como na cena em que apresenta seu projeto especial para Pierce, literalmente abrindo sua maleta e mostrando todos os processos no meio da rua, algo que ele faz até mesmo em um ato de defesa pessoal, por medo de uma repreensão que da qual o novo sócio o acusava. Um belo trabalho, que faz tornar suportável a experiência do filme de Dan Gilroy.
Percurso na Temporada
Histórico de Indicações
- Indicado como Melhor Ator e Filme por Um Limite Entre Nós, em 2017
- Indicado como Melhor Ator por O Voo, em 2013
- Venceu como Melhor Ator por Dia de Treinamento, em 2002
- Indicado como Melhor Ator por Hurricane: O Furacão, em 2000
- Indicado como Melhor Ator por Malcolm X, em 1993
- Venceu como Melhor Ator Coadjuvante por Tempo de Glória, em 198
- Indicado como Melhor Ator Coadjuvante por Um Grito de Liberdade, em 1988
Aposta: Gary Oldman
Voto do Bastidores: Daniel Day-Lewis
Esnobado: James Franco em O Artista do Desastre
Melhor Atriz
Sally Hawkins
Elisa Esposito em A Forma da Água
Dentre todas as performances indicadas nessa categoria, nenhuma deve ter sido mais difícil do que a feita por Sally Hawkins no romance A Forma da Água. Interpretando uma mulher muda, a atriz está completamente dependente de seu rosto, corpo e expressões, e o trabalho da atriz aqui é simplesmente soberbo. Os olhos e a boca de Hawkins estão sempre a mil por hora, com a personagem sorrindo de forma quase sensual ao contracenar com a criatura de Doug Jones, ao mesmo tempo em que faz um trabalho extremamente convincente ao simular a linguagem de sinais, e seu desespero durante uma das conversas com o personagem de Richard Jenkins é um dos pontos altos - assim como sua expressão claramente sarcástica ao mandar o Strickland de Michael Shannon se foder. Um lindo trabalho que infelizmente não é o frontrunner do ano.
Percurso na Temporada
Histórico de Indicações
- Indicada como Melhor Atriz Coadjuvante por Blue Jasmine, em 2014
Frances McDormand
Mildred Hayes em Três Anúncios para um Crime
É uma pena que Frances McDormand não faça tantos filmes. Desde Queime Depois de Ler, em 2008, não via a atriz se destacar tanto em algum projeto para o cinema, e em Três Anúncios para um Crime vemos um retorno à altura. Na pele de Mildred Hayes, uma mãe vingativa que resolve fazer justiça com as próprias mãos após o assassinato de sua filha, McDormand dá vida a uma figura altamente irreverente e durona, sendo uma figura típica daquele ambiente nada amigável. McDormand assume com naturalidade e casualidade todos os atos violentos de Mildred, vide a impagável cena onde ela confronta adolescentes na escola de seu filho, e também a inteligência - representada no espetacular monólogo que ela direciona contra um pastor em sua casa. Demonstrando também as camadas melancólicas e frágeis de Mildred, Frances McDormand atinge aqui um dos melhores e mais memoráveis trabalhos de sua carreira, e uma vitória na categoria seria mais do que merecido. Que Frances não desapareça por muito tempo. O cinema americano precisa de sua presença incomparável.
Percurso na Temporada
- SAG - Melhor Atriz
- BAFTA - Melhor Atriz
- Critics Choice Awards - Melhor Atriz
- Globo de Ouro - Drama
Histórico de Indicações
- Indicada como Melhor Atriz Coadjuvante por Terra Fria, em 2006
- Indicada como Melhor Atriz Coadjuvante por Quase Famosos, em 2001
- Venceu como Melhor Atriz por Fargo, em 1997
- Indicada como Melhor Atriz Coadjuvante por Mississipi em Chamas, em 1989
Margot Robbie
Tonya Harding em Eu, Tonya
De um rostinho bonito em O Lobo de Wall Street até campeã de cosplays seguindo sua virada em Esquadrão Suicida, Margot Robbie vem se tornando uma das mulheres mais influentes de Hollywood. Não só a atriz protagoniza Eu, Tonya, como também tocou e produziu o projeto com sua produtora independente, e é triste que o longa não tenha conquistado uma indicação na categoria principal. Felizmente, Robbie acabou lembrada com seu retrato impecável da patinadora Tonya Harding, uma mulher que cresceu sob condições difíceis e abusivas por todos aqueles ao seu redor, e Robbie transmite esse sentimento agressivo e carente - no fim, Tonya só quer ser amada - com muita habilidade e sinceridade. Ver Tonya explodindo com os juízes após ver notas injustas, passando maquiagem pelo rosto coberto de lágrimas enquanto força um sorriso e sua destruidora reação ao receber o veredito no tribunal são apenas algumas pérolas desse trabalho incrível. Claro, Robbie não patinou no gelo de verdade, e as cabeças digitais são particularmente difíceis de ignorar, mas o que importa é sua atuação.
Percurso na Temporada
- Critics Choice Awards - Melhor Atriz em Filme de Comédia
Histórico de Indicações
Primeira indicação.
Saoirse Ronan
Christine "Lady Bird" McPherson em Lady Bird: A Hora de Voar
Ronan parece ter nascido para esse papel, já tendo interpretado um tipo parecido em outras produções, e é curioso como sua Lady é praticamente uma versão mais externalizada de sua personagem no pavoroso Brooklin, outro filme onde Ronan interpreta uma jovem que lida com a questão de moradia, relações familiares e triângulos amorosos… Porém, Ronan carrega todo o longa nas costas, divertindo com os ataques de raiva e explosões de alegria de Lady Bird, mas também como é capaz de encarnar tipos diferentes e mais vulneráveis quando na presença de outros que busca atenção, como o personagem de Timothée Chalamet ou a “garota popular” de Odeya Rush.
Percurso na Temporada
- Globo de Ouro - Musical/Comédia
Histórico de Indicações
- Indicada como Melhor Atriz por Brooklin, em 2016
- Indicada como Melhor Atriz Coadjuvante por Desejo e Reparação, em 2008
Meryl Streep
Kay Graham em The Post: A Guerra Secreta
Marcando sua 21ª indicação ao Oscar, Meryl Streep está de volta à festa após seu trabalho em The Post, filme de Steven Spielberg que infelizmente acabou meio esquecido nas demais categorias. Na pele de Kay Graham, dona do jornal The Washington Post e sendo constantemente pressionada pelo grupo de engravatados ao seu redor, Streep oferece seu melhor, mesmo que este seja o arco mais fraco da projeção. Não há muito o que dizer à essa altura do campeonato, mas vale enfatizar o momento genial onde a atriz oferece uma reação nada compatível com o tipo de abordagem que Spielberg vinha construindo, com a câmera se aproximando de seu rosto e Kay raciocinando para entregar uma resposta determinante para o futuro do The Post; o palco armado para uma punchline que seria digna de um “Hasta la vista Baby”. A forma como Streep entrega a fala vai contra tudo isso, sendo um dos momentos mais inspirados e inesperados da projeção, ilustrando a insegurança e humanidade em Kay, e apenas comprovando mais uma vez que Meryl Streep é uma das grandes atrizes da História do Cinema.
Percurso na Temporada
Histórico de Indicações
- Indicada como Melhor Atriz por Florence: Quem é Essa Mulher?, em 2017
- Indicada como Melhor Atriz Coadjuvante por Caminhos da Floresta, em 2015
- Indicada como Melhor Atriz por Álbum de Família, em 2014
- Venceu como Melhor Atriz por A Dama de Ferro, em 2012
- Indicada como Melhor Atriz por Julie & Julia, em 2010
- Indicada como Melhor Atriz por Dúvida, em 2009
- Indicada como Melhor Atriz por O Diabo Veste Prada, em 2006
- Indicada como Melhor Atriz Coadjuvante por Adaptação, em 2003
- Indicada como Melhor Atriz por Música do Coração, em 2000
- Indicada como Melhor Atriz por Um Amor Verdadeiro, em 1999
- Indicada como Melhor Atriz por As Pontes de Madison, em 1996
- Indicada como Melhor Atriz por Lembranças de Hollywood, em 1991
- Indicada como Melhor Atriz por Um Grito no Escuro, em 1989
- Indicada como Melhor Atriz por Ironweed, em 1988
- Indicada como Melhor Atriz por Entre Dois Amores, em 1986
- Indicada como Melhor Atriz por Silkwood – O Retrato de uma Coragem, em 1984
- Venceu como Melhor Atriz por A Escolha de Sofia, em 1983
- Indicada como Melhor Atriz por A Mulher do Tenente Francês, em 1982
- Venceu como Melhor Atriz Coadjuvante por Kramer vs. Kramer, em 1980
- Indicada como Melhor Atriz Coadjuvante por O Franco Atirador, em 1979
Aposta: Frances McDormand
Voto do Bastidores: Sally McDormand
Esnobada: Jennifer Lawrence em Mãe!; Diane Kruger em Em Pedaços.
Melhor Ator Coadjuvante
Willem Dafoe
Bobby em Projeto Flórida
Único ator profissional no elenco de Projeto Flórida, Willem Dafoe também foi - infelizmente - a única lembrança da Academia nas indicações ao Oscar. Merecidamente, visto que o ator entrega uma performance simples, mas genuína e que se encaixa com o contexto naturalista elaborado por Baker. É o sujeito que aparenta ser ranzinza e impaciente, mas que revela momentos de doçura e simpatia que conquistam o espectador. Uma cena específica, na qual Baker até usa um belo plano longo, Bobby encontra um velho pedófilo observando as crianças do motel brincando em um playground, e a construção do ator para contornar a situação e proteger as moradoras é um dos momentos mais inspirados do filme, com Bobby bancando o tipo amigável, até abraçar uma postura rígida e agressiva para espantar o predador - novamente, algo que é apenas sugerido através de ação, principalmente o olhar fixo preocupado de Bobby ao notá-lo pela primeira vez.
Percurso na Temporada
Histórico de Indicações
- Indicado como Melhor Ator Coadjuvante por A Sombra do Vampiro, em 2000
- Indicado como Melhor Ator Coadjuvante por Platoon, em 1986
Woody Harrelson
William Willoughby em Três Anúncios para um Crime
É uma indicação que está sendo bem questionada pelo personagem não ter tanto tempo de tela quanto os outros. Mas pelo fato de Harrelson conseguir nesse tempo criar um personagem o qual criamos grande empatia - por ser um profissional honrado -, a sua presença fica forte durante todo o longa. E para esse feito é preciso ser um ótimo ator, como é o caso de Woody Harrelson.
Percurso na Temporada
Histórico de Indicações
- Indicado como Melhor Ator Coadjuvante por O Mensageiro, em 2010
- Indicado como Melhor Ator por O Povo contra Larry Flynt, em 1997
Richard Jenkins
Giles em A Forma da Água
Um dos atores mais trabalhadores dos EUA, Jenkins mostra mais uma vez porque é tão requisitado. Com uma voz grave e um olhar expressivo, o ator faz no longa de Guillermo del Toro um belo trabalho em que o pouco se torna mais. Utilizando olhares e movimentos para compor um personagem solitário, mas que demonstra empatia e compreensão com o caso de Elisa (Sally Hawkins) com a sutileza da sua atuação. Além de criar um personagem humano que poderia ser visto como o mais raso do longa.
Percurso na Temporada
Histórico de Indicações
- Indicado como Melhor Ator por O Visitante, em 2009
Christopher Plummer
J. Paul Getty em Todo o Dinheiro do Mundo
Ah, sim. A polêmica da substituição de Kevin Spacey por Christopher Plummer em Todo o Dinheiro do Mundo é mais notória do que o filme em si, e é admirável que Plummer tenha se tornado o ator mais velho a ser indicado ao Oscar, e por uma performance feita literalmente em cima da hora. Seu Getty é mesquinho e calculista - só concordando em pagar o resgate ao descobrir um atalho na dedução de impostos da Receita Federal - mas Plummer e o texto de Scarpa oferecem uma bela camada ao personagem (não à figura real, creio eu), que é a de um homem que deposita sua fé e confiança nas coisas, por nunca ter certeza das reais intenções daqueles à sua volta, afinal, sua fortuna é cobiçada por todos. Plummer encarna todas essas facetas muitíssimo bem, e mesmo que não possamos avaliar a performance de Spacey, faz muito mais sentido contratar um ator idoso para viver um idoso, ao invés de cobri-lo de quilos de uma maquiagem que parecia tola artificial.
Percurso na Temporada
Histórico de Indicações
- Vencedor como Melhor Ator Coadjuvante por Toda a Forma de Amor, em 2012
- Indicado como Melhor Ator por A Última Estação, em 2010
Sam Rockwell
Dixon em Três Anúncios para um Crime
Sam Rockwell realmente se destacou em Três Anúncios para um Crime. Seu personagem completa o forte núcleo narrativo da obra, e Rockwell abraça completamente a caracterização do interiorano racista e preconceituoso, cujo arco dramático é o mais interessante de todos. Não por acaso Rockwell tem levado todos os prêmios mais importantes da categoria para casa e, muito provavelmente, vai acabar levando a estatueta de Melhor Ator Coadjuvante para casa.
Percurso na Temporada
- SAG - Melhor Ator Coadjuvante
- BAFTA - Melhor Ator Coadjuvante
- Critics Choice Awards - Melhor Ator Coadjuvante
- Globo de Ouro - Melhor Ator Coadjuvante
Histórico de Indicações
Primeira indicação.
Aposta: Sam Rockwell
Voto do Bastidores: Sam Rockwell
Esnobado: Michael Stuhlbarg em Me Chame pelo Seu Nome
Melhor Atriz Coadjuvante
Mary J. Blige
Florence Jackson em Mudbound: Lágrimas sobre o Mississipi
Blidge sempre foi uma cantora excepcional, mas no filme de Dee Rees ela realmente mostra que tem um talento notável como atriz. Como a personagem está sempre enfrentando a dura realidade racial do sul dos Estados Unidos, percebe que o seu olhar consegue mudar de maneira natural quando um dos donos brancos da fazenda pede algo para ela. Além de Blidge mostrar calor e afeto de com a família de uma maneira emocionante. Uma grata surpresa
Percurso na Temporada
Histórico de indicações
Primeira indicação
Allison Janney
LaVona Harding em Eu, Tonya
Allison Janney quase rouba o show na pele da enigmática LaVona, abraçando a personagem mais desagradável e irreverente da produção. A relação turbulenta com Robbie garante as melhores cenas do longa, e até mesmo as reais intenções de LaVona ganham uma envolvente ambiguidade, com a mãe justificando que o tratamento duro era o maior incentivo de Tonya. Certamente a grande merecedora do prêmio de Melhor Atriz Coadjuvante.
Percurso na Temporada
- SAG - Melhor Atriz Coadjuvante
- BAFTA - Melhor Atriz Coadjuvante
- Critics Choice Awards - Melhor Atriz Coadjuvante
- Globo de Ouro - Melhor Atriz Coadjuvante
Histórico de indicações
Primeira indicação.
Lesley Manville
Cyril Woodcock em Trama Fantasma
Indicada surpresa na categoria, e assumindo a vaga de Holly Hunter, Lesley Manville faz por merecer sua indicação ao Oscar, tornando Cyril uma mulher silenciosa, mas rígida, e a única capaz de bater diretamente com Woodcock e vencer. A forma como ela diz “não tente começar um confronto comigo, vou te deixar estirado no chão” ao protagonista é simplesmente sublime, e é fascinante reparar nas sutis mudanças em seu rosto que vão refletindo sua mudança de atitude em relação à Alma: quando percebe que a moça simplesmente não vai desistir de Woodcock, sua expressão severa sutilmente revela uma compreensão, e até mesmo um olhar de admiração, como se Alma a tivesse vencido pelo cansaço.
Percurso na Temporada
Histórico de indicações
Primeira indicação
Laurie Metcalf
Marion McPherson em Lady Bird: A Hora de Voar
Lady Bird engata através da relação entre Christine e sua mãe, fruto do excelente trabalho de Saoirse Ronan e Laurie Metcalf. Não vem como surpresa, portanto, a indicação de Metcalf nessa categoria, considerando o quanto o filme depende de sua atuação para funcionar. Dito isso, é Ronan que, ainda, carrega o filme nas costas, portanto não vemos como Metcalf pode acabar levando esse prêmio para casa.
Percurso na Temporada
Histórico de indicações
Primeira indicação
Octavia Spencer
Zelda Fuller em A Forma da Água
Das indicadas, a mais fraca. Não que a sua atuação seja ruim, mas é muito semelhante a que já vimos antes: uma mulher submissa por conta da sua cor, mas com personalidade forte. Além da personagem não ter uma grande desenvolvimento, não há uma grande cena em que Spencer realmente mostre a que veio. Uma pena, porque ela tem um carisma inquestionável.
Percurso na Temporada
Histórico de Indicações
- Indicada como Melhor Atriz Coadjuvante por Estrelas Além do Tempo, em 2017
- Vencedora como Melhor Atriz Coadjuvante por Histórias Cruzadas, em 2012
Aposta: Allison Janney
Voto do Bastidores: Allison Janney
Esnobada: Holly Hunter em Doentes de Amor
Crítica | Trama Fantasma - Uma grife de altíssimo nível
Paul Thomas Anderson nunca fez um filme igual ao antecessor. Começou com a indústria pornográfica dos anos 70 com Boogie Nights: Prazer sem Limites, explorou as conexões entre múltiplas vidas com Magnólia, descobriu o potencial dramático de Adam Sandler em uma comédia romântica existencialista com Embriagado de Amor, forneceu um poderoso estudo sobre a cobiça e a indústria do petróleo com Sangue Negro, uma sátira sobre a formação da igreja da Cientologia com O Mestre e um film noir stoner com Vício Inerente. Basicamente, isso nos mostra apenas como é impossível prever o que PTA fará em seguida, visto que seu olhar parece abordar algo completamente diferente em suas incursões cinematográficas. Eis que Trama Fantasma, seu novo filme, nos surpreende novamente pela escolha do tema, e assim como nos casos citados anteriormente, oferece um resultado fantástico e original.
A trama nos leva para os anos 50, e gira em torno do conceituado estilista Reynolds Woodcock (Daniel Day-Lewis), cuja vocação pela arte da costura o transforma em um sujeito reservado e até solitário, dividindo a casa com sua irmã Cyril (Lesley Manville). Tudo muda quando Woodcock conhece Alma (Vicky Krieps), uma garçonete na qual ele enfim enxerga sua musa definitiva, passando a usá-la como modelo de suas novas confecções. Mas, enquanto Alma vai se apaixonando perdidamente por Reynolds, sua postura fria e visionária parece não ceder espaço para um relacionamento amoroso.
A dobra no tecido
Confesso que não estava tão ansioso para conferir o novo filme de PTA. O tema definitivamente não ajudou, e nenhum dos trailers da campanha da Universal conseguiu torná-lo instigante. Mas é compreensível, pois Trama Fantasma é uma obra difícil de se vender, com os meros nomes de PTA e Daniel Day-Lewis sendo o suficiente para atrair os cinéfilos. Felizmente, o diretor e roteirista consegue captar nosso interesse logo de primeira, concentrando boa parte do ato inicial na confecção e introdução de Woodcock, com PTA oferecendo diversas cenas e planos que servem puramente para apresentar o personagem e suas manias, comportamentos e habilidades. Através de uma prosa absolutamente impecável, que preserva a sofisticação e eloquência do inglês londrino da alta sociedade, Anderson oferece diálogos fabulosos entre os personagens, e rapidamente estes se tornam reais; Woodcock se referir à sua irmã como "minha cara fulana de tal" em todos os seus encontros é um artifício que ajuda a estabelecer um elo entre os dois, tornando-os tridimensionais.
De início, parece ser apenas a história do apreço de um homem por sua obra, do tipo que já vimos inúmeras vezes no subgênero do artista obssesivo, mas acaba se revelando algo muito mais estranho e fascinante ao se concentrar na relação de Woodcock e Alma. É uma construção que trilha caminhos esperados, mas os subverte completamente ao mergulhar na psique do protagonista; a "linha" fantasma que o título sugere; não por acaso, o nome da moça que enfim sacode o mundo de Woodcock é justamente "alma". É algo difícil de se analisar sem mergulhar em spoilers, mas basta dizer que PTA opta por explorar algo original e que subverte nossas expectativas, especialmente por nos fazer acreditar que uma ação que determinado personagem toma - ainda mais por sua natureza - seria danosa, mas acaba sendo a chave para que tudo faça sentido nesse bizarro estudo de personagem. Se você ouviu comparações com Cinquenta Tons de Cinza por aí, saiba que não estão totalmente equivocadas. Mas não temam, porque PTA está no comando da situação, e mesmo que a história se alongue e quebre a convenção de atos, todos os nós são bem amarrados no poderoso desfecho, que só deve amadurecer melhor com o tempo.
Faces do direito, sem avesso
Anunciado como o longa final de Daniel Day-Lewis, digamos que se esta realmente for a aposentadoria do lendário ator, ele pendura as chuteiras em grande estilo. Adepto do método, esse estilo de preparação de elenco geralmente serve apenas para garantir aquelas manchetes sensacionalistas (estou olhando para você, Jared Leto), mas há pequenas nuances na composição de Day-Lewis que nos permite enxergar um nível realmente válido do processo: sempre que temos closes dos dedos do ator costurando, vemos diversos ferimentos que definitivamente foram provocados por agulhas, visto que o ator passou um tempo realmente costurando e confeccionando vestidos. Esse tipo de detalhe contribui para sua construção, baseada em uma voz suave e eloquente, com uma fala sempre marcada por sua educação, que não se extingue mesmo quando Woodcock precisa ser mais severo; perdendo a paciência com suas assistentes, mas desculpando-se logo após a bronca. Alma e Cyril são as únicas capazes de desarmá-lo, a irmão servindo mais como uma sombra projetada que provoca intimidação, e a musa por não se curvar a seus modos e constantemente desafiá-lo, e a agressividade de Woodcock surge como um mecanismo de defesa de um sujeito que muito provavelmente se feriu no passado, e que ainda sente o buraco deixado pelo falecimento de sua mãe. Uma performance admirável, como a maioria de seus trabalhos.
Day-Lewis é o centro das atenções aqui, mas as duas atrizes que compõe o núcleo ao seu redor são tão boas quanto. A começar pela nova Vicky Krieps, atriz de Luxemburgo que tem a hercúlea tarefa de dividir a maioria das cenas com Day-Lewis: é Rocky Balboa contra Apollo Creed, literalmente, e assim como o boxeador de Stallone, Krieps se sai maravilhosamente bem. Seu sotaque único confere uma sonoridade exótica e misteriosa para Alma, e essa talvez seja uma das personagens mais bem escritas por PTA. Quando começa a notar sua inevitável jogada para escanteio por Woodcock, Alma demonstra uma variedade de emoções, com reações partindo do esperado (a melancolia) até algo completamente radical, e que simplesmente não posso revelar aqui.
Kriepes é fantástica, e Lesley Manville faz por merecer sua indicação ao Oscar, tornando Cyril uma mulher silenciosa, mas rígida, e a única capaz de bater diretamente com Woodcock e vencer. A forma como ela diz "não tente começar um confronto comigo, vou te deixar estirado no chão" ao protagonista é simplesmente sublime, e é fascinante reparar nas sutis mudanças em seu rosto que vão refletindo sua mudança de atitude em relação à Alma: quando percebe que a moça simplesmente não vai desistir de Woodcock, sua expressão severa sutilmente revela uma compreensão, e até mesmo um olhar de admiração, como se Alma a tivesse vencido pelo cansaço.
Acabamento de alto nível
Na direção, Paul Thomas Anderson novamente demonstra seu domínio de mise en scene, e como seus quadros sozinhos contam a história. Em um dos pontos de virada mais importantes da história, Woodcock senta-se com Alma em um sofá; o enquadramento bem aberto revela os dois na mobília, com um impecável vestido de noiva da linha do protagonista ocupando grande parte da tela, levemente em primeiro plano a fim de este parecer "maior" do que os personagens. À medida em que o diálogo progrede, o costureiro vai enfim revelando um lado mais afetivo e aberto a algo próximo de uma relação, e a câmera de PTA lentamente vai se aproximando dos dois, fazendo com que o belo vestido vá sumindo do quadro aos poucos. Através desta bela mise en scéne, a mensagem é clara: Woodcock encontrou outro amor, além de sua arte. O enquadramento fecharia perfeitamente a história, mas PTA nos engana e continua as engrenagens girando por mais uns bons 30 minutos, e mesmo com o ritmo alongado, nos leva pela mão para uma progressão da história que remete até mesmo a trechos de Cidadão Kane.
PTA até usa truques simples, mas que acabam sendo esquecidos pela maioria dos realizadores, que são a total base do cinema. Por exemplo, quando Alma senta-se com Woodcock e Cyril para tomar café da manhã, logo após a primeira noite de amor dos dois, sua autoconfiança é bem refletida pelo design sonoro. O simples ato de uma faca passando manteiga em uma torrada é traduzido com um efeito sonoro altíssimo e desconfortável, que quebra a concentração de Woodcock, fixado em seu novo rascunho. Os sons de talheres batendo e da jovem mastigando também ecoam de forma desnatural, ajudando a criar o clima indelicado da refeição, e PTA ainda se diverte quando Woodcock morde um bagel e não ouvimos um pio qualquer da mordida, já estabelecendo a diferença dos dois através de foley inspirado.
Parte do time da película em Hollywood, PTA mais uma vez abraça o 70mm a fim de garantir o grão mais forte e uma estética próxima ao cinema da década de 70. Curiosamente, Anderson não contou com um diretor de fotografia para o projeto, trabalhando a luz pessoalmente com o auxílio da equipe, e não creditando ninguém - nem ele mesmo - para essa função nos créditos. É um trabalho competente e que garante uma paleta de cores predominantemente fria e desbotada, com belos feixes de luz para ilustrar os processos criativos de Woodcock; em especial o ensaio de fotos com Alma trajando os novos vestidos. A luz comporta-se de forma mais marcante com Alma, como no belo momento em que ela recupera o vestido de Barbara Rose (Harriet Sansom Harris, em uma performance deliciosamente odiosa), clamando que ela não era "digna da casa de Woodcock" por não se comportar apropriadamente enquanto traja o vestido, e uma luz fortíssima incide sobre sua cabeça, quase cegando a lente. É um momento de paixão de Woodcock por sua musa, que defende sua Arte como se fosse dela própria, tanto que o costureiro lhe planta um beijo caloroso na cena seguinte.
Outro aspecto fortíssimo do longa é a trilha sonora de Jonny Greenwood. Colaborador leal de PTA desde Sangue Negro, o guitarrista do Radiohead oferece seu trabalho mais "convencional" para a saga dos Woodcock. Se antes Greenwood apostava no abstrato e minimalismo, servindo à proposta daquelas obras, aqui ele adota um lado bem mais clássico e erudita, com uso predominante de piano e violino. Mais do que belas melodias pontuais, o trabalho de Greenwood acompanha praticamente todas as cenas da projeção, sendo um filme inteiramente movido a música, e que acentua com perfeição os pontos de virada e momentos chave da narrativa, no melhor estilo do cinemão clássico. Se não funciona isoladamente, fornece o ritmo apropriado para a história, além de corroborar a delicadeza de seu protagonista.
Definitivamente um dos trabalhos mais sofisticados e maduros do diretor, Trama Fantasma é um filmaço que explora temas conhecidos de uma forma original e incapaz de ser prevista. Com um elenco afiado, um roteiro acertado e a condução sempre magistral de PTA, esta é uma obra tão bem refinada e costurada que até mesmo Renyolds Woodcock ficaria impressionado - e conhecendo-o, certamente correria para tirá-la de da presença de outros filmes Hollywoodianos, por temer não merecê-la.
Trama Fantasma (Phantom Thread, EUA - 2017)
Direção: Paul Thomas Anderson
Roteiro: Paul Thomas Anderson
Elenco: Daniel Day-Lewis, Vicky Krieps, Lesley Manville, Sue Clark, Joan Brown, Harriet Leitch, Harriet Sansom Harris, Brian Gleeson
Gênero: Drama
Duração: 130 min
https://www.youtube.com/watch?v=ZlrwcTsv6Xs
Crítica | Vício Inerente - A viagem chapada de PTA pelo cinema noir
Não acontece com tanta frequência, mas vira e mexe e aparece um filme como Vício Inerente. Sétimo filme do cineasta único Paul Thomas Anderson, oferece uma narrativa torta, confusa e que indubitavelmente vai deixar uma grande parcela do público perdida em sua viagem chapada e desconexa de 2h30. Não é uma experiência das mais confortáveis – e também não diria satisfatória – mas certamente provoca fascínio, e seu efeito é impossível de ser esquecido tão cedo, especialmente quando voltamos para experimentá-la novamente.
Adaptada pelo próprio PTA da obra homônima de Thomas Pynchon, a trama… Bem, é difícil, mas vamos tentar organizar isso de forma coesa: A trama começa quando o detetive hippie Larry “Doc” Sportello (Joaquin Phoenix) é surpreendido por sua ex-namorada Shasta (Katherine Waterston), que pede sua ajuda quando descobre o complô da esposa de seu amante, Mickey Wolfmann (Eric Roberts), para trancafiá-lo num hospício e conquistar sua fortuna. Paralelamente, Doc analisa dois casos que se relacionam com Wolfmann de alguma forma: o sumiço de um saxofonista (Owen Wilson) e a fuga de um guarda-costas que estaria envolvido com neonazistas, indo até mesmo dentro do departamento de polícia.
Estruturalmente, Vício Inerente é uma bagunça, mas curiosamente isso não precisa ser um defeito – dependendo do ponto de vista. Suas tramas misturam-se através de diálogos malucos, extremamente líricos (uma marca da obra original de Pynchon) e repletos de gírias, o que compromete o fluir da narrativa e a compreensão da trama geral (eu, por exemplo, tive que ler um resumo do filme para compreender todos os seus pontos de virada e conexões entre histórias). Podemos dizer que a narrativa acelerada, com um zilhão de personagens e acontecimentos, é um reflexo da própria mente de Doc, dominado pela paranoia e lentidão de seu constante uso de maconha – e a fotografia de Robert Elswitt sabiamente aposta em sequências em que o personagem encontra-se cercado por neblina, prestando também a devida homenagem ao visual icônico do cinema noir, ao mesmo tempo em que mantém a influência stoner ao criar imagens levemente surreais.
Colocar a platéia sob os olhos de um entorpecido é um experimento interessante, e PTA mantém sua técnica invejável ao apostar em longos planos e enquadramentos fechados, muitas vezes centrado apenas em diálogos que vão ramificando-se de maneira curiosa (uma provocante cena em particular que envolve Doc e Shasta é desde já um dos pontos altos da carreira do cineasta). As consequências e surpresas são muitas, e o humor caricato do filme é acertadíssimo; ainda mais pela performance noiada de Joaquin Phoenix, completamente imerso no papel do detetive. O elenco estelar ainda conta com ótimas presenças de Josh Brolin, Owen Wilson, Martin Short e a já citada Katherine Waterston, cuja mera presença sensual em cena já é absolutamente hipnotizante.
Todos esses astros perdidos na jornada de Doc também contribuem para que PTA faça algo muito difícil: criar um universo palpável e que tenha vida dentro da tela. Na maior parte do tempo, novamente, não temos a visão completa de como todos se conectam ou o que exatamente estão fazendo ali, mas temos a sensação de estar vendo seres humanos reais. Se perder nessa bagunça, que se estende até mesmo depois de o caso central parecer concluído - de forma anticlimática, inclusive, para que Doc continue interagindo com essas pessoas e descobrindo novos detalhes sobre aquele mundo, e então puxando para sua relação pessoal com Shasta.
O filme acerta também na escolha de sua trilha sonora (tanto a instrumental abstrata de Jonny Greenwood quanto a vasta seleção de músicas da década de 70) e no design de produção, que explora com criatividade uma Los Angeles povoada por criaturas bizarras e coloridas à sua própria forma, contribuindo para o conceito discutido no parágrafo anterior, do universo palpável. Seja na surtada reunião hippie que simula a Santa Ceia de Michelangelo com pizzas ou o excêntrico culto descoberto por Doc ao longo da investigação, PTA acerta em sua representação e cria algo realmente peculiar.
Mesmo com inúmeras qualidades, Vício Inerente não funcionará completamente para todos, como filme e experiência. Tem momentos de verdadeira maestria cinematográfica, mas é um filme difícil de se acompanhar e fácil de se perder, e que certamente necessita de uma segunda visita. Mas uma coisa é certa, este insano filme de PTA só melhora com o tempo.
Vício Inerente (Inherent Vice, EUA - 2014)
Direção: Paul Thomas Anderson
Roteiro: Paul Thomas Anderson, baseado na obra de Thomas Pynchon
Elenco: Joaquin Phoenix, Katherine Waterson, Owen Wilson, Josh Brolin, Eric Roberts, Reese Whiterspoon, Martin Short, Michael K. Williams, Benicio del Toro, Jena Malone, Joanna Newsom
Gênero: Noir, Comédia
Duração: 150 min
https://www.youtube.com/watch?v=lDQhPE-KteE
Crítica | A Grande Jogada - Os excessos de Aaron Sorkin
Aaron Sorkin é um dos meus roteiristas preferidos de todos os tempos. Dono de um estilo inconfundível e copiado por muitos, a verborragia intensa do ex-dramaturgo é uma característica que sempre rendeu momentos memoráveis no cinema e na TV, seja nas ótimas séries The West Wing e The Newsroom, seja nos excelentes roteiros de O Homem que Mudou o Jogo, Steve Jobs e aquele que considero sua obra-prima, e um dos melhores roteiros já escritos: A Rede Social. Com uma carreira tão seletiva, e uma abordagem tão próxima ao diálogo, é de se espantar que Sorkin agora passe também para a cadeira de direção, marcando sua estreia na função com A Grande Jogada. Infelizmente, é uma obra que não excede nenhuma das expectativas em relação às habilidades de Sorkin, ainda que renda um bom entretenimento.
A trama é baseada nas memórias de Molly Bloom (Jessica Chastain), uma jovem esquiadora que, após sofrer um acidente que a desqualifica para os Jogos Olímpicos, muda-se para Los Angeles a fim de ganhar uma nova perspectiva. Entre empregos aqui e ali, ela acaba se envolvendo com o submundo dos jogos de pôquer de alta aposta, onde celebridades, bilionários e até membros de organizações criminosas sentam-se à mesa. Vendo ali uma oportunidade de enriquecer, Molly inicia sua própria onda de jogos de pôquer, o que eventualmente acaba levando-a à problemas com a Justiça.
Acho admirável como, em cada novo projeto, Aaron Sorkin é capaz de explorar um tema radicalmente do anterior ao mesmo tempo em que mantém a raíz da história centrada em relações humanas. A criação do Facebook e o empreendedorismo do Vale do Silício são apenas um pretexto para analisar a solidão de Mark Zuckeberg, em A Rede Social, enquanto tanto Billy Beane em O Homem que Mudou o Jogo ou o fundador da Apple em Steve Jobs têm uma forte questão com os relacionamentos com suas filhas, não importando quantas análises estatísticas de beisebol ou atualizações de sistemas operacionais apareçam ao longo da narrativa. Com Molly Bloom, Sorkin usa uma estratégia muito similar, com a protagonista tendo sua parcela de daddy issues com a figura de Kevin Costner. A diferença é que pela primeira vez estamos no ponto de vista da prole, ganhando mais ares de originalidade por parte de Sorkin, que explora um pouco como Molly sempre se sentiu na obrigação de atender às exigências de seu pai; o que rende bons diálogos e um estudo de personagem interessante, mas que soa incompleto por nunca termos uma presença forte de Costner ao longo da narrativa.
Já quando aborda o submundo dos jogos de pôquer, as coisas começam a desandar. A prosa de Sorkin sempre foi rápida e intensa, mas em A Grande Jogada parece demais. Talvez por estar dirigindo seu próprio texto, o roteirista pode não ter tido a mesma influência e até algumas necessárias interferências de segundas vozes, algo que aconteceu muito quando David Fincher assumiu seu material em A Rede Social - o que culminou no ápice de ambas as carreiras. Dessa forma, o ritmo mostra-se bem desequilibrado, especialmente com a narrativa fragmentada que vai e volta em três períodos temporais (com digressões um tanto desnecessárias da adolescência de Molly), e aliado ao fato de termos inúmeros personagens e informações sendo bombardeados a todo o tempo, é fácil de perder o espectador; mesmo que e aqui e ali o roteiro nos apresente diálogos tipicamente bem escritos e figuras memoráveis, como o ótimo Michael Cera interpretando "secretamente" o ator Tobey Maguire.
O texto rápido é construído com uma execução ainda mais intensa, com Sorkin apostando em uma montagem intensa de Alan Baumgarten, Elliot Graham e Josh Schaeffer (notaram o número de pessoas aqui?) e invencionices visuais descartáveis, como o tosquíssimo efeito desacelerado no momento em que Molly é atacada por um mafioso russo ou os diversos gráficos e setas que aparecem desenhados na tela, de forma a "facilitar" a exposição, quando o efeito é justamente o oposto. É uma cilada parecida com aquela que Danny Boyle caiu em Steve Jobs, quando seu estilo visual parecia disputar espaço com a verborragia, vide a projeção do foguete na parede, enquanto Fincher e Bennett Miller compreendem que o texto do roteirista deve falar por si só; A Rede Social e Moneyball focam no diálogo e nas performances (um mirando no perfeccionismo, o outro no silêncio entre atos), enquanto Boyle e Sorkin parecem querer aumentar a velocidade a todo momento, o que mostra-se danoso para o tipo de história contado.
Porém, A Grande Jogada encontra seus melhores méritos quando concentra-se no que Sorkin faz melhor: duas pessoas em uma sala conversando, e é núcleo onde o advogado de Idris Elba entra. Situado no presente, após todo o trâmite com o pôquer e Bloom já ter escrito seu livro de memórias, vemos a protagonista discutindo sua trajetória e caráter com Elba, e a forma como o texto constrói a relação dos dois é de longe o melhor elemento do projeto, com um Elba particularmente excepcional. E claro, Jessica Chastain está formidável como sempre, entregando mais uma performance memorável como uma personagem cheia de camadas e possibilidades emocionais; ver uma atriz tão boa com um texto tão requintado é sempre um prazer, e agradeço a existência desse núcleo por tornar o filme mais interessante, e também por ser bem sucedido em aproveitar ambos os atores.
Roteirista renomado, talvez Aaron Sorkin deva repensar a decisão de dirigir. A Grande Jogada é um bom filme e traz mais um trabalho notável de sua habilidade em tecer diálogos deliciosos de se ouvir, assim como arcos e personagens todos muito bem completos, mas a experiência acaba pesada demais. A história já mostrou como seus textos acabam melhor aproveitados com a visão certa, e fica a impressão que - assumindo ele mesmo o comando de seus diálogos - ele acaba por banalizá-los, criando uma experiência pouco digna e proveitosa para palavras tão belas.
Ainda sonhando com a tão aguardada reunião de Sorkin com Fincher.
O Cinema merece.
A Grande Jogada (Molly's Game, EUA - 2017)
Direção: Aaron Sorkin
Roteiro: Aaron Sorkin, baseado na obra de Molly Bloom
Elenco: Jessica Chastain, Idris Elba, Michael Cera, Kevin Costner, Jeremy Strong, Chris O'Dowd, Brian d'Arcy James, Bill Camp, Graham Greene
Gênero: Drama
Duração: 137 min
https://www.youtube.com/watch?v=kbguoT0ZRMI
Crítica | Grandes Olhos - Tim Burton em contato com sua humanidade
Depois de anos mergulhado em histórias fantásticas povoadas por criaturas excêntricas como seu próprio estilo, Tim Burton resolveu parar e contar uma história sobre pessoas “normais”, e fico feliz que o tenha feito. Aguentei tudo que ele entregou até Sweeney Todd – O Barbeiro Demoníaco da Rua Fleet, mas suas baboseiras com Alice no País das Maravilhas e Sombras da Noite quase jogaram Burton no limbo. Com Grandes Olhos, Burton meio que se redime.
A trama é inspirada na história real do casal Margaret e Walter Keane (Amy Adams e Christoph Waltz, respectivamente) um casal de pintores que vivia uma boa carreira na década de 60. Margaret pintava seus característicos quadros retratando crianças com olhos desproporcionalmente grandes, enquanto Walter bancava o empresário e vendia suas obras. O problema é quando Walter começa a assumir todo o crédito pelo trabalho de sua esposa.
Nada de fadas, bruxas, vampiros ou outros seres “Burtonescos”, como Johnny Depp ou Helena Bonham Carter. A história também não é ambientada numa vasta mansão ou numa floresta gótica criada por efeitos visuais, mas sim uma pacata cidade da Califórnia. É certo dizer que Burton não contava uma história tão comum assim desde Ed Wood (não por acaso, o melhor filme de sua carreira), que me atinge como a principal influência para Grandes Olhos: é uma história comum, mas o diretor não esconde seu estilo e sabe dosá-lo apropriadamente, de acordo com a demanda narrativa. O Walter de Christoph Waltz, por exemplo, é uma figura gritantemente cartunesca, seja em seus acessos de raiva ou risadas de vitória.
Visualmente, Burton sabe muito bem a hora de jogar um enquadramento mais chamativo/expressionista (a pausa dramática, embalada pela música de Danny Elfman, quando um vendedor pergunta pelo real autor de uma pintura pela primeira vez é magistral) ou liberar todo seu “instinto” quando a trama alcança um momento onírico, no caso a ida ao mercado onde Margaret se depara com diversas pessoas com os olhos imensos. Toda a direção de arte – dos cenários aos figurinos – é eficaz ao criar um mundo colorido e vibrante que a fotografia de Bruno Delbonnel captura com beleza, ainda que não roube a atenção para si; é tão belo quanto uma pintura.
Tudo bem que em certos momentos não parece que estamos diante de uma história real, dado a abordagem mais cômica de Burton. Novamente, o Walter de Waltz (olha, que sonoro) e a Margaret de Adams parecem habitar universos diferentes, já que a performance da atriz é bem menos discreta e mais sutil do que a de seu companheiro. E mesmo tratando-se de acontecimentos verídicos, o roteiro de Scott Alexander e Larry Karaszewski poderia ser mais ácido, ou oferecer mais profundidade à questão do que é realmente Arte; um tema que este apenas tangencia brevemente.
Grandes Olhos é um dos trabalhos mais eficientes que Tim Burton trouxe nos últimos anos. Deixou de lado as fantasias góticas para se dedicar a uma história sobre seres humanos, e mesmo que esta não tenha sido empolgante quanto poderia ser, fico aliviado em ver que o diretor ainda sabe contar histórias.
Grandes Olhos (Big Eyes, EUA - 2014)
Direção: Tim Burton
Roteiro: Scott Alexander e Larry Karaszewski
Elenco: Amy Adams, Christoph Waltz, Danny Houston, Krysten Ritter, Jason Schwartzman, Terence Stamp, Jon Polito
Gênero: Drama, Comédia
Duração: 106 min
https://www.youtube.com/watch?v=2xD9uTlh5hI
Crítica | Roman J. Israel - Denzel Washington se destaca em filme indeciso
A família Gilroy só pode ser uma das mais influentes e trabalhadoras em Hollywood. Entre recomeçar a franquia Bourne e literalmente salvar capítulos da saga Star Wars, os irmãos estão espalhados por diversas produções, seja o experiente Tony Gilroy com seu trabalho em roteiros e direção (vide o ótimo Conduta de Risco), o montador John Gilroy (que até tentou arrumar aquela bagunça estrutural de Esquadrão Suicida) e o novo queridinho da família, Dan Gilroy, que teve uma estreia forte como diretor e roteirista de O Abutre, em 2014, e desde então sumiu dos holofotes. Agora, três anos depois, Gilroy repete a dose com Roman J. Israel, um filme abaixo da crônica noturna de Jake Gyllenhall, mas com qualidades o bastante pra comprovar seu talento.
A trama gira em torno do brilhante advogado Roman J. Israel (Denzel Washington), que tem seu mundo sacudido após seu sócio sofrer um infarto, fazendo com que o escritório e todos os clientes sejam absolvidos pela grande firma de George Pierce (Colin Farrell). Relutante de início, Roman aceita continuar seu trabalho no escritório de Pierce, colocando em prova suas habilidades sociais pouco desenvolvidas - afinal, sempre foi o cabeça por trás dos processos, enquanto seu parceiro representava a face pública da empresa - e também a força de seu código moral, que é testado ao trabalhar em um arriscado novo caso.
De início, preciso tirar o elefante da sala e comentar como Roman J. Israel, Esq. é um título extremamente pavoroso. Mas, por um lado, confesso que sua estranheza e ausência de forma reflete bem o texto igualmente estranho de Gilroy, que parece não saber exatamente qual história quer contar aqui. Tal como em O Abutre, o roteiro mergulha o espectador de cabeça em um universo diferente, mas se antes nos fazia passar o tempo com produtores de TV e cameramen noturnos, agora temos uma trama de advogados e diálogos que trazem inúmeros termos técnicos da área (o famoso juridiquês). Gilroy tira bons diálogos daí, especialmente com a dicção eloquente de Roman, mas em diversos momentos parece estar à deriva, simplesmente relatando algum acontecimento sem importância ou relevância para a trama. Nada no primeiro ato é capaz de prender a atenção do espectador, com o roteiro levando tempo demais para apresentar sobre o quê será este filme.
O maior exemplo disso é a subtrama envolvendo o grupo da personagem de Carmen Ejogo, onde Roman protagoniza uma cena sem nexo algum para o restante do longa, onde tenta discursar sobre a importância de manifestações e protestos sociais - apenas evidenciando como é um homem perdido no passado, mas seus fones de ouvido dignos de Star-Lord já nos gritam isso.
Não sabemos exatamente o que Roman J. Israel quer, e quando finalmente descobrimos, a narrativa já caminhou bastante e o relógio aponta para quase 1 hora de projeção. O fator que torna a jornada interessante é mesmo como Gilroy e Washington constroem o personagem, que de fato parece como uma figura tridimensional. Seus acessórios, penteado e a bagunça de seu apartamento ajudam a concretizar uma figura insegura e confusa, e a performance de Denzel Washington eleva tudo isso. Dentre todos os seus trabalhos recentes, Roman é sua atuação mais sutil e marcada por nuances, sempre com um olhar desconfiado, reações fora de nossa expectativa e a palpável sensação de ser um homem com dificuldade para se relacionar, e que simplesmente despeja suas emoções e intenções ao primeiro sinal de abertura; como na cena em que apresenta seu projeto especial para Pierce, literalmente abrindo sua maleta e mostrando todos os processos no meio da rua, algo que ele faz até mesmo em um ato de defesa pessoal, por medo de uma repreensão que da qual o novo sócio o acusava.
A narrativa fica mais interessante no ponto de virada, que enfim traz algum fator que movimenta a história, e oferece um estudo competente de causa e consequência por parte de Gilroy. Roman toma uma decisão extremamente imoral e incorreta neste ponto, e todo o restante da trama lida com as ramificações dessa ação, e é aí onde o filme tem seus momentos de brilho. A pequena transformação de Roman é divertida, e novamente trazendo excelentes momentos de Washington, e Gilroy explora melhor sua mise en scène ao retratar a paranoia que o protagonista passa a carregar, com direito a uma intensa cena em uma rodovia no deserto, onde brinca bem com a dúvida quanto a Roman estar ou não sendo perseguido por um carro esporte.
Mas, novamente, são momentos. Até mesmo a conclusão da história não deixa de soar um tanto novelesca demais, e que abraça clichês e convenções que não pareciam dignas do mesmo autor de O Abutre. A condução da cena final envolvendo o protagonista é outro demérito, onde Gilroy tenta criar mais uma situação de suspense e o balanço de vida e morte - similar à seu projeto anterior -, mas que aqui sai completamente errado. Aliás, as circunstâncias que tornam possível essa reviravolta são um tanto confusas, e também contradizem a construção mais sutil da paranoia de Roman. No mais, é um final decepcionante e sem inovações, para uma história que finalmente prometia estar caminhando para algo diferente.
Em um nível técnico, não há muito o que se esperar de um longa que passa boa parte de sua projeção ambientado em escritórios contemporâneos. Novamente trabalhando com o diretor de fotografia Robert Elswit, Gilroy capta imagens muito diferentes de Los Angeles, preferindo seu aspecto mais urbano e comercial, evitando os cartões postais de Hollywood, Santa Mônica e até mesmo outras paisagens usadas pelo próprio em O Abutre. É um lado de LA que raramente vemos nos cinema, e como alguém que já turistou pela cidade das estrelas, é realmente inédito ver o sistema de transporte público da cidade - algo bem presente aqui, visto que o protagonista não possui carro, um grande tiro no pé se tratando de LA. A grande decepção nesse quesito fica com a trilha sonora de James Newton Howard, que havia se mostrado tão rico e original na colaboração anterior, agora se rendendo a uma música genérica e que parece tirada de um biblioteca de livre domínio do YouTube, que só nos diz o que devemos sentir e pontua transições de forma pouco envolvente.
No fim, Roman J. Israel, Esq. é um passo bem abaixo para Dan Gilroy, que parecia muito mais inspirado com sua jornada noturna e sombria com O Abutre. Porém, traz características o suficiente para comprovar que sua estreia não foi sorte de principiante, mantendo aqui sua habilidade em construir personagens centrais ricos e multifacetados, elevado por um Denzel Washington inspirado, além de um olhar especial para a cidade de Los Angeles. Só faltou uma história mais cativante e um universo mais rico para circundar sua preciosa criação titular.
Roman J. Israel (Roman J. Israel, Esq. - EUA, 2017)
Direção: Dan Gilroy
Roteiro: Dan Gilroy
Elenco: Denzel Washington, Colin Farrell, Carmen Ejogo, Amanda Warren, Hugo Armstrong, Lynda Gravatt, Sam Gilroy, Tony Plana, Amari Cheatom
Gênero: Drama
Duração: 122 min
https://www.youtube.com/watch?v=CItEtnp3nPY
